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afonsonunes

afonsonunes

24 Nov, 2009

A face inculta

 

Não há como fugir deste sortilégio das faces, tão fascinante é entrar neste mundo sem saída, onde podemos dar de caras com uma face bem visível, que não nos deixa a menor hipótese de fantasiarmos sobre o que vemos, ou depararmos com uma face que apenas podemos imaginar que existe, porque dela não vemos nada de concreto.
Nos meandros deste sortilégio parece haver muitas faces incultas, a avaliar pelas mais variadas teorias, das quais saliento uma cheia de graça, que ouvi hoje mesmo na televisão, a um conhecido jurista. Disse ele a brincar, que em cada dois juristas, há sempre três opiniões.
Suponho que foi isso que ouvi e, não me admiraria mesmo nada, se ele não estivesse a brincar, porque em matéria de teorias dessa área, penso que cada jurista pode perfeitamente arranjar várias teorias para cada caso, dependendo a natureza e complexidade de cada um, do teor mais ou menos extenso do extracto da conta bancária do cliente.
Agora sou eu que estou a brincar, mesmo sem graça nenhuma, pois não quero meter-me a sério, neste sortilégio das faces, nem no sortilégio que podem constituir muitas das teorias que alimentam este mundo devorador, que é capaz de ler e explicar uma coisa, segundo várias interpretações, algumas completamente contraditórias.
Um sortilégio perfeito, que faz corar a face mais pudica de qualquer cidadão que, mesmo não conhecendo nada de teorias simples ou esquisitas, sabe o que é a lógica da batata, que é como quem diz, sabe o que é estar à vista ou estar oculto, mesmo correndo o risco de ser considerado mais inculto que o culto que o não é.
Porque a cultura que se tem ou não se tem, não depende apenas dos cartapácios que se folhearam, provavelmente, alguns deles de olhos já bem fechados, ou a pensar nos prazeres de uma vida bem mais apelativa que leituras tão incómodas. Daí que os incultos, que também têm duas faces, tenham muitas probabilidades de não esconderem nenhuma delas.
Simplesmente porque não têm engenho nem arte para recorrerem aos sortilégios de certas sabedorias que ajudam a mudar, a todo o momento, a face visível para o lado oculto, deixando uma cara pouco lavada à vista de quem sabe olhar de frente sem ter necessidade de piscar o olho seja a quem for.
Deixem-me pois prestar a minha homenagem a todos os incultos que olham para tudo o que se está a passar ao lado deles e viram as costas com um sorriso nos lábios, dizendo simplesmente, que isto não é nada com eles. E têm toda a razão, pois com eles é apenas aquilo que eles percebem e isto não é mesmo para perceber.
E aqui, como em tantas outras coisas, felizes são os que não percebem as complicações e os disparates que só servem para desestabilizar o equilíbrio mental de tanta gente que se preocupa demais com o que vê, o que lê e o que ouve, por recear que a sua vida não possa ter futuro, no meio de quem só pensa em estragá-lo.
Está bem provado que é muito mais fácil dois analfabetos entenderem-se, que dois altos intelectuais chegarem a acordo sobre determinados assuntos sensíveis, como eles costumam dizer. Eu diria que, provavelmente, eles serão dois grandes insensíveis.
Seria bom que todos quisessem mostrar aos outros a sua face oculta, porque a face inculta, essa, está sempre à vista de toda a gente.