29 Nov, 2009
Tempos difíceis
Essa coisa de se dizer que o país atravessa tempos difíceis é uma força de expressão mas, muito mais ainda, é uma expressão sem força para convencer aqueles que nunca tiveram uma vidinha tão boa. É fácil saber quem são esses felizardos que, apesar de tudo, aparentam sentir-se no pior dos países do mundo, quando se manifestam.
É evidente que só não os conhece quem anda de olhos vendados, ou não os quer abrir suficientemente, com receio de que alguém lhe leia neles o que lhe vai no interior do couro cabeludo. Há quem diga que os olhos são muito traiçoeiros, principalmente, os daqueles que passam a vida a olhar de esguelha.
Depois, há quem seja muito mais exagerado ainda, ao dizer que vivemos momentos difíceis. Era bom, era, que fossem apenas momentos. Nem tempos, nem momentos difíceis, para quem tem uma vida inteira de dificuldades, ao contrário dos que nunca saíram dos momentos fáceis e, ao mesmo tempo, provocadores de muitas dificuldades alheias.
Por mim, até os conheço só pela maneira como oiço tratar aqueles de quem falam. Até podem ser todos vigaristas, mas uns são vigaristas respeitáveis, tratados apenas pelo nome e ou qualificação, sempre dignificante, sempre respeitável. Outros, que podem ou não ser vigaristas, são tratados pelo ferrete de qualquer ideário detestado, ou função em sentido de desprezo.
Há os vigaristas bons e os vigaristas maus, há os que andam sempre associados aos bons exemplos e os que andam sempre ligados aos maus exemplos, sendo mais que visível a crueldade de trocar muitas vezes os papéis dos maus e dos bons, conforme as conveniências que são, quase sempre, as conveniências da ‘partidarite’ aguda.
É por isso que os tempos são ainda muito mais difíceis, porque as dificuldades não só não são combatidas, como ainda são aumentadas de dia para dia, com as várias espécies de vigaristas a tomarem de assalto tudo quanto devia ser ‘desvigarizado’ urgentemente.
É impressionante como vemos uns determinados profetas do saber e da inteligência, armados em anjinhos salvadores, a tentar vender ilusões e sonhos que nunca poderiam dar mais que vigarices atrás de vigarices, ou tomar para si todos os privilégios escandalosos que tanto afirmam combater.
Se temos tempos difíceis agora, e temos, bem podemos esperar roturas e calamidades que não vão durar apenas uns tempinhos, e muito menos uns momentos, mas sim gerações condenadas igualmente pelos que não são capazes de dar nada de si próprios, quer sejam os egoístas que mais poderiam contribuir, abdicando de alguns excessos, quer sejam os egoístas que tudo reclamam, mesmo alguns excessos também, exclusivamente com os olhos postos nos seus interesses.
Tudo indica que uns e outros venham a sentir os efeitos nocivos da sua teimosia em não serem capazes de encontrar um ponto de equilíbrio nas suas actuações que, mais tarde ou mais cedo, se mostrarão ruinosas para todos.
Tenho a sensação de que vejo ao meu redor muitos candidatos a heróis dentro da obstinação pelo supérfluo. Tenho a sensação de que não vão passar de ídolos de barro que o próprio vento se encarregará de tombar na primeira baforada em que os tempos difíceis sacudirem o terreiro.
Tempos houve em que ouvi dizer muitas vezes que não havia fome que não desse em fartura. Estou firmemente convencido de que não tardarão os tempos em que tudo virará do avesso e, então, não me admiraria nada que se ouvisse proclamar que não há fartura que não dê em fome.
Infelizmente, há muita gente que não acredita que o mundo muda a cada minuto que passa. Mas não muda no sentido que cada um de nós deseja. Pois é, tempos difíceis e o mundo está cada vez mais difícil.