30 Dez, 2009
Os meus indícios
Não é fácil descobrir indícios para guardar na nossa colecção de preciosidades, que nos darão um prazer sem limites quando os mostrarmos aos amigos e a todos aqueles que estão permanentemente à espera de umas deixas para acrescentar à sua própria colecção.
Essa é também uma outra maneira de fazer amigos, a permuta de indícios descobertos, ou colhidos em qualquer campo de cultivo, permitindo também descobrir inimigos de estimação que vêm por pura adesão aos vestígios que se vão juntando.
Há quem tenha milhões de vestígios na sua fértil imaginação, fruto de uma procura exaustiva e de uma memória extraordinária para guardar tudo o que vem à rede, que é como quem diz, à antena sempre aberta às ondas que se passeiam à volta.
Se não é fácil descobrir indícios, por um lado, e há quem tenha milhões deles, por outro, há aqui qualquer coisa que não joga, pelo menos aparentemente. Como tudo tem uma explicação, mais ou menos plausível, diria que tudo depende do engenho e arte dos procuradores de indícios.
Há aqueles que ao sair à rua já estão a ver indícios, porque há uma assistência ruidosa, aplaudindo a sua passagem e gritando indícios que eles próprios descobriram na sua imaginação extremamente fértil, os quais vão juntar-se aos de outras memórias sempre repletas de novidades sobre tudo o que é velho.
Mas, também há os procuradores de indícios que não emprenham pelos ouvidos e, como tal, o indício aparece mesmo e apenas, quando está à vista, e não quando alguém sonhou com ele. Porque o indício não tem que ver com o dono dele, quando mero denunciador de indícios, nem surgir à medida de qualquer indiciado, como se fosse um sapato para o seu pé.
É por isso que, quando chega o momento da verdade, há indícios que se esfumam perante o espanto dos descobridores mas, sobretudo, perante a incompreensão, a raiva até, daqueles que tinham como facto consumado, o veredicto resultante de tais indícios. Que não puderam ser convertidos em provas, como tinha que acontecer.
Vem depois, aos olhos dos coleccionadores de indícios, a transformação dos ídolos em vendidos ao indiciado, como se não fosse evidente que o seu melhor prémio seria o sucesso dos seus recusados indícios. Daí os gritos de indignação daqueles, como se de verdade só existisse aquela que eles sonharam.
Sinais, vestígios, indicações, é tudo aquilo que muitos coleccionadores de indícios nem sequer têm de real, senão aqueles que semearam nas suas mentes mórbidas até ficarem completamente atulhadas, mesmo bloqueadas, ficando impossibilitadas de deixar entrar mais qualquer coisa, seja lá o que for.
Imagino se fossem eles a ver-se envolvidos em indícios que lhes tocassem na pele. Diriam que não são da laia dos que estão em causa. Não sou eu que vou dizer que são melhores ou piores. Mas digo que toda a gente tem direitos e deveres. E não digo que sou a única pessoa séria do país.
País que anda repleto de indícios que não conduzem a nada, que tem muitos indiciadores que bem podiam estar no lugar de alguns indiciados. País que tem inúmeros denunciantes de indícios, que bem podiam ser igualmente justos indiciados, que mais não fosse porque não aceitam que o estado tem a sua estrutura de funcionamento estabelecida e de que eles não fazem parte. E ainda bem, a avaliar pelo que está à vista.
Estruturas do estado que têm missões bem definidas, que têm por obrigação decidir, fundamentadamente, com a coragem de assumir o sim e o não com a mesma clareza, e no momento próprio. E quem está de fora racha lenha. Para quem achar que não é assim, ainda há ilhas desertas onde se pode ser king de si próprio.