Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

afonsonunes

afonsonunes

21 Jun, 2010

Na vida tudo passa

Até as ilusões que durante mais ou menos tempo criamos e alimentamos, se esfumam como nuvem passageira, depois de nos molhar com a sua chuva inoportuna ou nos cobrir com a sua sombra protectora. Se é verdade que as ilusões se vão perdendo umas após outras, também é verdade que as realidades, boas ou más, têm o mesmo destino.

Tudo vai passando por nós até que um dia serenos nós, todos nós, a passar também. A passar para o lado lá, esse lado desconhecido sobre o qual muito se fala mas nada se conhece. Nem a especulação se atreveu ainda a entrar nesses domínios, como o faz em tantos outros, para nos dar a sensação de que podemos ir passando com ideias mais claras para abrigos mais escuros.

A vida vai passando e os que passam vão fazendo parte do passado, que pouco contarão para a maioria dos que ainda ficam à espera da sua vez. Vemos isso a cada dia que passa em relação aos que nos deixam, mesmo que tenham feito muito em benefício dos que mais depressa os vão esquecer.

Estes dias têm sido férteis em reflexões e opiniões sobre quem passou, como sempre acontece quando quem passa tem um passado que mexe com consciências de todas as dimensões e de todas as sensibilidades. Consciências que vão desde a gratidão que se move apenas na solidariedade, até à hipocrisia das palavras de circunstância.

Palavras que tanto servem para um simples e modesto mortal, como para um vulto que tenha mobilizado um povo cá dentro e muitos povos para lá das nossas fronteiras territoriais e culturais ou outras. São assim as palavras de circunstância, a expressão de uma hipocrisia que apenas representa a pretensa expressão do dever cumprido.

Na vida tudo passa. Depois da morte tudo é passado. Vão passando os bons que a todos deixam saudade. Vão ficando aqueles que permanecem indiferentes à perda que representam os que partem. Mas um dia, também os indiferentes vão partir, vão passar para onde nunca mais poderão mostrar toda a hipocrisia e insensibilidade que dominou as suas vidas.

A mesquinha vaidade dos que se julgam superiores a essas manifestações de saudade e gratidão, só porque um dia tiveram uma birra ou um engulho qualquer que nunca lhes passou, também num outro dia vindouro há-de passar, quando chegar a hora de eles próprios passarem para o rol do passado.

Essa mesquinhez, se tivesse pensamento, pensaria que é simplesmente a lei da vida. Mas esqueceria que também há a lei da morte, muito mais justa e indomável que a lei da vida, essa lei que os indiferentes importantes se habituaram a controlar a seu belo prazer. Embora esperem que durante muito tempo se vão da lei da morte libertando. Devem ter lido isso, com certeza.

Por estes dias tenho lido e ouvido tanta coisa que fico sem uma palavra adequada aos acontecimentos que entraram em mim e teimam em não sair. Tudo porque não quero ser mais um a falar da boca para fora. O que tinha a dizer está cá dentro. Até porque não tenho as obrigações que outros tinham.

São as obrigações dos que falaram, e mais lhes valia estar calados, bem como as obrigações dos que deviam falar e ficaram calados.

Ao menos eu, que não sou ninguém para falar de tudo o que me suplanta, não fico com problemas de consciência, como outros não se livram de os suportar.

Mas, repito, parece que na vida tudo passa, tal como parece que na morte tudo acaba.