A nossa rainha
Com muita dificuldade lá consegui perceber que o pessoal do palácio, aquele que trata de prestar todo o apoio ao conforto da rainha, não tinha sindicato, porque os candidatos a líderes tinham chegado à conclusão que não arranjavam nenhum membro que quisesse ser a palma da coroa, nem o símbolo de guerras palacianas que, já se sabia, acabariam muito mal.
É evidente que nunca seria cómodo nem sensato querer falar mais alto que a rainha, sabendo-se, como se sabe, que a nossa rainha tem voz grossa, tão grossa que até dizem que deve ser de homem. Lá está outra coisa que ainda não percebi, como é que um homem se atreve a dizer que é rainha, num país republicano, onde até já se pensa criar o sindicato dos réus.
A nossa rainha não concorda com essa ideia porque, pensa ela, antes de se pensar no sindicato dos réus, tem de se pensar no sindicato dos arguidos, por uma questão de sequência lógica da justiça. Isto, mesmo que se saiba que, por cá, se dá muito mais importância aos candidatos a arguidos que aos réus já efectivos.
Porque a nossa rainha já concluiu que lhe dá muito mais dores de cabeça um arguido que nunca chega a ser réu, que um réu que nunca mais passa a condenado. Isto para não falar na ralação que constitui um simples procurado que nunca chega a ser encontrado, apesar de pôr de faro afinado todos os cães do reino, a quem ninguém coloca um simples açaimo.
Penso que toda a gente sabe o perigo que representa mandar cães à caça em roda livre. Seja à caça de uma inofensiva codorniz, seja a perseguir um perigoso assaltante de bancos. Ora, a nossa rainha entende que não pode, ela própria, ir à caça, porque não tem arma nem farda adequada, que lhe permita impor respeito aos cães que fazem o que querem e bem lhes apetece.
Depois, há sempre quem pense as coisas mais disparatadas sobre a caça, os cães que a procuram, os comilões que comem dela e até o sindicato dos caçadores, que também representa os cães deles. Tudo isto é normal em qualquer democracia deste reino, mas a nossa rainha acha que isto é democracia a mais para gente sem sindicato.
Mas, a grande discussão está para surgir ainda. Na verdade, questiona-se, e muito bem, porque razão a nossa rainha não pode ir à caça, só porque usa cautelas a mais na defesa das espécies e tem uma coroa na cabeça, que não dá para as travessuras das correrias no terreno para controlar os cães.
No entanto, a nossa rainha tem a obrigatoriedade de passar licenças de caça a qualquer caçador, seja qual for a raça de cães que queira pôr no terreno a procurar a dita. Ora, há quem sustente que tem toda a lógica substituir a rainha por um rei, ao menos este pode usar a fatiota apropriada, pegar na arma e largar os seus cães devidamente controlados.
Assim, dizem, nunca se caçaria gato por lebre, nem nunca se passariam licenças de prazo indefinido e cães a dar com um pau, mordendo sem rei nem roque. Sim, porque isto não é a caça ao homem, onde vale tudo, nem é uma monarquia onde o rei satisfaz a sua realeza e a rainha não aspira a ser presidente do rei.
É por isso que a nossa rainha não se conforma com a coroa que lhe puseram na cabeça, simplesmente, porque há quem diga que parece um barrete, nem nunca se resignará a ser um sucedâneo de representante da república, quando deixar a monarquia.