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afonsonunes

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08 Out, 2010

Recuos

Detesto ouvir esta palavra recuo na forma como vejo que ela é usada normalmente na comunicação social, por me parecer que está eivada de um sentimento de análise mesquinha que esconde, não raras vezes, uma negação do que é a busca de melhorar tudo o que é susceptível de aperfeiçoamento após várias circunstâncias ou diligências.

Por mim, preferiria usar termos substitutivos, como rectificações ou aperfeiçoamentos, em lugar desse recuo, meio insultuoso, meio provocante, quando se emprega em relação a quem deliberadamente se quer afrontar e de quem reconhecidamente se não gosta. Não virá daí mal ao mundo, até porque quem usa esses métodos não merece muita atenção.

Porém, agora que nem tenho dado muito por esse fenómeno, sou eu que vejo recuos a mais em vários acontecimentos da vida nacional. Talvez porque eu ande sempre um pouco, ou muito, desfasado da correnteza normal. Tenho alturas em que penso que isso é uma virtude, mas tenho outras em que vejo claramente que ando na lua.

Começo por referir-me aos meus recuos. Já houve tempo em que defendi que o governo devia cair para que, quem quer outro, pudesse mostrar as suas habilidades. Pensava isso com toda a convicção embora não estivesse certo de que houvesse mesmo habilidades para mostrar. Depois, sempre desconfiei muito dos que se consideram habilidosos.

Mais tarde recuei para uma posição mais de harmonia com a convicção generalizada. O governo não ia cair porque isso não interessava aos possíveis substitutos, nem aos maiorais que estão por detrás deles. Pensava eu então que o alarido feito à volta do orçamento não passava de uma comédia para sustentar conhecidíssimos comediantes.

Agora, qual o meu espanto por me ver novamente a recuar, e de que maneira, já que não me admiraria nada que fosse mesmo bater de traseiro em algum obstáculo explosivo que me mandasse desta para melhor. Isto, admitindo que já tudo é melhor do que isto que estou a viver neste vale do desespero inconsolável.

Aqui está outro recuo da minha parte. Alguma vez na vida eu vi o futuro desta maneira? Claro que não, pois nunca me considerei um desertor, ou um desistente, ou um lamuriante, ou um simples pessimista. Agora, vejo-me a recuar, a recuar, de modo que não sei onde vou parar, pois até o travão de mão já pifou.

Com todos estes recuos já não me reconheço. Estou farto de pensar com quem é que eu aprendi toda esta ‘recuação’, de um momento para o outro, quase sem dar por isso. É verdade que tenho ouvido muita gente importante com a marcha atrás permanentemente metida, como se as suas bombas (máquinas) já não tivessem outras mudanças, nomeadamente, a primeira e a segunda, no mínimo.    

É verdade que tenho ouvido recuos por todo o lado, como se o país todo já tivesse desistido de dar uns passinhos em frente, mesmo titubeantes, como qualquer criança que está a aprender a andar. Mas, mesmo esta, aprende mais depressa a andar para a frente que a andar para trás, pois ao tentar recuar, cai de cu. Não queria ver o país nessa situação.  

Depois apareceram aqueles alaridos todos que levaram, não sei quantos, a ir de recuo de Guimarães até ao Porto, coisa que me impressionou à brava, pelo espectáculo que veio a resultar em outro recuo inesperado e, pelos vistos, muito digno, desses tais não sei quantos, se sentirem na obrigação de ir de recuo do Porto a Guimarães, para lhes pagar o tributo de ‘recuantes’ sérios.

No campo da política estes solavancos de Passos para cá, Passos para acolá, trava agora, recua depois, avança, não avança, o fala não fala do bom amigo, as bocas dos compadres e comadres, tudo isso são ingredientes que contribuem para este meu estado de recuo eminente, que me leva a já não confiar sequer nos resultados da bola nem da política.

Só estou para ver se o José também recua. Pensei maduramente no assunto. Também aqui, o meu pensamento já deu sinais de recuo, porque ainda vai haver muitos mais recuos.