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afonsonunes

afonsonunes

03 Out, 2008

A massa e o sangue

 

 
É difícil estabelecer uma relação lógica e razoável entre massa e sangue, sobretudo porque a massa se presta a muitas cogitações, à cabeça das quais aparece o tentador vil metal, o pilim, aquilo com que se compram os melões, ou o vulgar dinheiro, para ser mais concreto. Depois, há uma infinidade de massas que nem vale a pena perder tempo a enumerá-las.
O sangue, por seu turno, é um líquido mais ou menos viscoso, mais ou menos colorido, dependendo de quem o fabrica e o traz em circulação dentro de si próprio. Tem tudo a ver com o seu hospedeiro, podendo provocar-lhe dores de cabeça ou apertos no coração mas, seguramente, não lhe amassa o corpo, embora lhe possa amassar as ideias, se atingir o ponto de ebulição.
Contudo, isso não justifica afirmar-se que há uma relação entre a massa, seja ela qual for, e o sangue que nos permite manter o estatuto de seres vivos. É por isso que não se compreende aquela frase corrente, “ está-lhe na massa do sangue”. É uma sentença definitiva, sem recurso possível.
Alguém, cujo nome propositadamente não me ocorre, disse que Salazar teve negócios com Hitler e o regime nazi, tal como Sócrates teve negócios com Chávez e o seu regime comunista, terminando a sua ignominiosa comparação, com a tal arrancada patriótica de “ está-nos na massa do sangue”. Como falou, ou melhor, escreveu no plural, penso que estava, principalmente, a fazer um juízo de si própria pois, pelo que me toca, nem o meu sangue tem massa, nem a minha massa tem sangue.
Não me admiraria nada se a comparadora buscasse apenas o seu momento de glória, através de um sensacionalismo estúpido e gratuito, que tem sempre alguns receptadores da sua igualha. Sim, porque quando interessa, metem-se dentro do mesmo saco, ditadores assassinos que se impuseram como tal, misturando-os com líderes democraticamente eleitos pelos seus povos. Infelizmente, há quem não entenda a diferença. Talvez tenham massa bruta a mais dentro do próprio sangue.
É provável que não haja remédio na farmácia para tão difícil maleita, mas há uma sugestão doméstica dos antigos, que consiste em misturar um pouco de sangue do doente, com umas gotas de suor proveniente de trabalho sério. Depois juntam-se algumas lágrimas vertidas, após uma reflexão profunda sobre os erros passados. Este preparado não é para tomar. É para olhar com respeito, sempre que a tentação da asneira se mostre na eminência de atacar.
Isto não nos está propriamente na massa do sangue, mas trata-se de uma verdadeira massa redentora das consciências mais duras, que só uma mezinha milagrosa pode salvar.
Vale sempre a pena tentar.