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afonsonunes

afonsonunes

29 Jun, 2011

Ninguém gosta dela

Quando se diz nada, nunca ou ninguém, há sempre um risco muito grande de se estar a botar sentença em coisa que se não domina. Tal como dizer que desta água não beberei. Há palavras e expressões que, por muito que nos pareçam fontes de sensatez, podem traduzir, efectivamente, um manancial de mentiras.

Isto, a propósito de ter posto lá em cima que ninguém gosta dela. Genericamente falando, é verdade, mas a realidade é bem diferente. Há sempre alguém que gosta do que eu não gosto. Há sempre um sem número de interesseiros que se demarcam de quem não entra, nem quer entrar, nos seus interesses.

Por mais detestável que ela seja, haverá sempre alguém que veja nela o reflexo de uma beleza qualquer que, manifestamente, incomoda quem é vítima do seu olhar permanente e cortante, do remexer constante das suas mãos sujas e arrebanhadoras, do seu mau carácter que subjuga com a sua voz de engano e traição.

Ninguém diz abertamente que a deseja, mas alguns não a conseguem tirar do pensamento, uma ideia fixa que lhes faz esquecer os outros, que são todos aqueles que a detestam e lhe sofrem os danos, como se os males destes, servissem àqueles de bálsamo para as suas feridas íntimas provocadas pelo orgulho e pela sofreguidão.

Ninguém gosta dela, mesmo sabendo que se trata de uma velha e rabugenta personagem que nasceu de geração espontânea, que cresceu por entre a miséria de quem nunca foi capaz de a olhar de frente e fuzilá-la com esse olhar, numa execução sumária, independentemente da douta sentença que viesse a seguir.

Sentença que seria inequivocamente pronunciada por quem sempre a viu crescer com a maior das indiferenças, quantas vezes com o maior dos sorrisos de íntima satisfação, ao estar a contribuir para a garantia de que ela nunca lhe baterá à porta, nem sequer para lhe mostrar a sua repulsa pela discriminação que provoca em quem é, e sempre foi, vítima indefesa.

Ela, de quem parece que ninguém gosta, acaba por ter os seus momentos de prazer, mesmo de glória, quando alguns a recomendam como sendo a salvação de todas as vítimas do seu devastador poderio, da sua ganância esmagadora de todos mínimos de sobrevivência digna num mundo onde, à partida, algozes e vítimas, todos, deviam nascer, crescer e morrer iguais.

Agora, ela aí está, pujante, avassaladora, entronizada, imposta pelos que não deviam contar quando falamos em ninguém, mas que são alguém, ainda por cima alguém que se sobrepõe a quem constitui a grande maioria que chegava e sobrava para, em qualquer espécie de democracia, assumir o poder que, naturalmente, lhe devia pertencer.

Ela, mais que detestada pelo povo, super desejada pelos inimigos do povo, caiu em cima dele, qual nuvem asfixiante desse povo que não usa máscara protectora contra nada, nem contra ninguém. Porém, por mais espessa que ela seja, não passam despercebidos vultos de mascarados, contra quem ela não pode interferir.

Como não há regra sem excepção há, dentro do povo, uns inimigos dela que tudo fizeram para que ela se transformasse no monstro que é hoje. Tudo lhe pediram, tudo lhe exigiram, tudo esbanjaram, obrigando-a a tornar-se incontrolável. Hoje, esses amigos que a geraram com os seus desmandos são dos que mais barafustam contra ela.    

Ninguém gosta dela. Essa malvada tem nome e anda nas bocas do mundo mas, naturalmente, os portugueses conhecem-na, e de que maneira, sentindo um bafo gelado sobre as suas cabeças vergadas ao peso das suas exigências. Nem me atreveria a pronunciar-lhe o nome porque ele queima os lábios. Mas escrevo-o a contra gosto. Ela, a odiosa, é a Sra. D. Austeridade.