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afonsonunes

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A vida nem sempre é uma caixinha de surpresas. Mas, que tem muito a ver com aquele fazer caixinha, vulgo, fintas, dribles, que tão entranhada está na vida de muitos portugueses de todas as condições sociais, isso é indesmentível. Dá um gozo enorme andar a fazer caixinha com o estado e até a driblar os amigos, se a caixinha valer a pena.

Porém, não há nada melhor que aquele prazer mórbido de fazer caixinha com aqueles de quem não se gosta, mais ainda com aqueles de quem se é adversário, ou mesmo inimigo. Agora imagine-se como tudo isto é a doer quando se trata de política e de políticos, sempre ávidos de chegar mais acima, pisando com força quem atrapalhe.

Desses não tenho pena, porque eles fazem isso aos beijos e aos abraços, tão vulgarizada está essa prática que, mesmo sendo uma vigarizada pegada, não obsta a que se reúnam em volta de banquetes comuns, sem falarem sequer nessas misérias que ficam apenas para português ver nos locais onde as televisões lhes mostrem a representação trágico cómica. 

Vem esta reflexão a propósito de uma digressão à volta de uma caixa sobre a qual, por ser demasiado grande, nunca poderá falar-se de caixinha. Mas pode perfeitamente falar-se de um caixote onde se deposita tudo o que deixa de servir para alguma coisa, ou todos aqueles que foram vítimas do tal jogo de caixinha, tão habitual nas mudanças de ciclo.

Não se trata propriamente do caixote do lixo. Trata-se de encaixotar uns, os do velho círculo de adversários, para encaixar, no lugar deles, os do novo círculo de amigos. Tudo isto é fado, tudo isto é triste, mas tudo isto existe. Que eu me lembre, já ouço isto desde pequenino, apesar de, em todas as mudanças de ciclo, também ouvir dizer que isso ia acabar.

A verdade é que, para encaixar os mais competentes de agora, tem de se encaixotar os mais competentes de outrora. Isto é tão simples e linear que não se passa apenas à volta de uma simples caixa. Até porque o país está cheio de caixas, o que permite um sem número de voltas ao redor das mesmas, sempre com caixotes disponíveis para meter os que sobram.

Bem vistas as coisas até se compreende este jogo do encaixa e encaixota, dentro da lógica de dividir o mal pelas aldeias. Que é como quem diz, dividir o bem entre aqueles a quem nunca poderemos dizer que estão desempregados. Porque eles ganham o suficiente em quatro anos, para ficarem em casa os quatro anos seguintes.

O grande problema está em todos aqueles que vão sendo encaixotados a granel e armazenados nas prateleiras de onde têm poucas possibilidades de voltar a sair, perdendo o ganha-pão e o sustento das famílias, porque alguém, a coberto das novas normas do novo ciclo, entende que ganha mais, com os caixotes cheios e empilhados.  

É evidente que isto é uma ideia retirada de uma caixa muito pequenina, onde tenho muita coisa inútil encaixotada que, volta não volta, teima em querer ser encaixada num sítio melhor. Como se as ideias fossem pessoas que se tiram e põem no caixote quando nos der na real gana. Não, nas minhas ideias mando eu. Da minha caixa tiro e ponho quando e onde quiser.

Eles, os do novo ciclo, também têm as suas caixinhas, certamente que cheias de ideias, de que dispõem a seu bel-prazer, com toda a legitimidade. Mas podiam e deviam ser mais claros, mais explícitos e mais sinceros nas ideias que querem meter na caixa dos outros. Nas nossas caixas.

Facto é, que há-de ser sempre assim. Por mais que mudem os ciclos, só vemos desencaixotar ciclones sociais, apesar de assistirmos a uma arrumação certinha e direitinha de uns tantos que já sabiam antecipadamente que iam ser bem encaixados. E quem alguma vez pensou que desta vez seria diferente, bem se enganou.      

Caixinhas, caixas, caixotes, prateleiras, contentores e armazéns, tudo vão ser pouco para meter o que vai deixar de ter utilidade. Mas, sempre se arranjarão umas hipóteses de encaixar os de utilização indispensável, indiscutível e inegável.