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afonsonunes

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21 Jul, 2008

Noite de estrelas

 

 

Cerca de quatrocentos maduros foram ao cinema e, ao que parece, estiveram a ver um filme que já todos tinham tido o prazer de apreciar em ambientes mais íntimos, do tipo de, em família, ou em rodas de amigos mais ou menos concorridas.

Desta vez puderam falar mais alto, até porque as condições sonoras sempre eram um pouco melhores e as gargantas estavam mais abertas devido ao contágio entusiástico que se gera numa atmosfera previamente excitada de fora para dentro.

Foi um acontecimento sem par na história multisecular do país, acontecimento que começou pra aí uma semana antes e continuou nos dias seguintes, não se sabendo quando vai acabar, tal a retumbância que ganhou nos media.

Até há quem diga que teve um impacto muito maior na opinião pública que as peripécias da selecção nacional de futebol desde a estadia em Viseu até à sua saída da Suíça.

Cerca de quatrocentas pessoas!... Mas que acontecimento!...

Tudo indica que aí nasceu a grande mudança que vai levar o país ao topo das grandes nações, devido às descobertas inéditas ali reveladas pelas grandes cabeças que se abriram de par em par, pela primeira vez, resolvendo os grandes problemas do país e, mais modestamente, do mundo inteiro.

Ninguém esperava tanto, apesar das espectativas serem muito elevadas.

Agora, ninguém mais tem o direito de impedir o avanço daquela onda gigante que saiu do cinema e inundou Belém, São Bento, Terreiro do Paço, Largo do Rato e, calculem, até inundou as pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, onde o trânsito ainda se faz a meter água, o que levou ao cancelamento do pagamento de portagens. Quem diria!...

Agora, e já não é sem tempo, haverá um consenso nacional à volta dos heróis que redescobriram o país e a sua gente. Agora, todos estão convencidos de que nunca mais haverá pobres. Agora, todos sabem que nunca mais haverá um único desempregado. Agora, é ponto assente que nunca mais será preciso virem para a rua contra as desigualdades sociais

Com grande confiança, o país ficou a saber que no filme exibido, se demonstrou que nenhum português vai ter menos rendimento mensal que cada um dos cerca de quatrocentos espectadores daquela sessão de cinema.

Finalmente, houve apelos constantes a que nenhum português, de agora em diante, tenha medo seja do que for, ou seja de quem for.

Mas, cá fora, à saída, ainda se ouviu um desabafo:

“Eu só tenho medo da fome!...”

 

 

 
 
Todos sabemos perfeitamente o que nos diz uma série de pessoas que têm o privilégio de fazer ouvir a sua voz, ao contrário de quem sofre em silêncio as agruras de vidas angustiantes.
Bradam aqueles contra todas as medidas de quem está no poder, mesmo conhecendo os motivos que as determinam, ou ignorando esses mesmos motivos, substituindo-os por argumentos falsos, demagógicos e até puramente fantasiosos.
Sendo reais e verdadeiras as consequências de algumas dessas medidas, quase nunca se referem as consequências que resultariam da sua não implementação. Verificamos até, que as críticas surgem de igual modo, quer se faça, quer não se faça, simplesmente porque se diz que se fez mal, fazendo, ou não fazendo.
Pois bem, o que eu gostava de ouvir, era o que faria quem fala, se tivesse a possibilidade de fazer. Poderia até dar um forte contributo para que quem manda, mandasse melhor, atendendo a que ninguém gosta de se ver ultrapassado por ideias melhores que as suas. É por isso que a crítica é salutar e é por isso que o sentido crítico é fonte de desenvolvimento.
Porém, verificamos no dia a dia que cada vez há menos gente influente capaz de pensar, preferindo enveredar pelo caminho fácil da tentação de agradar a quem eles julgam que não pensam.
,Mas, quem luta pela vida, com muito mais esforço que eles, é mesmo obrigado a pensar, porque está em causa a sua sobrevivência e a dos seus familiares. E, muitas vezes, aquilo que mais indigna os necessitados, é constatarem que quem mais fala em defender-lhes os interesses, é quem mais os atraiçoa, com a sua incorrigível mania de benfeitores que só sabem mandar os outros praticar o bem.
Antes dos actos eleitorais todos prometem mudanças que sabem de antemão que não poderão fazer. Simplesmente, porque são demasiado fracos, para vencerem os fortes, a quem terão de se aliar para continuar no quentinho.
É o mundo que está assim. Não adianta andar por aí a proclamar que é preciso mudar de política, ou que os políticos são todos iguais.
Um leão sozinho não convence todos os outros a poupar uma vítima.
É por isso que eu gostaria de ouvir como se faz, em lugar de ouvir tanta conversa fiada, tendo em conta o que é possível fazer e não aquilo que gostaríamos de ver feito.
De sonhos, só se vive em pensamento.
 
19 Jul, 2008

Vírgulas e pontos

 

 
 
Portugal é um belo texto literário cheio de vírgulas mas, curiosamente, sem um único ponto final. À primeira vista, parece não haver qualquer inconveniente, pois as letras têm um formato agradável, as linhas estão muito direitinhas e as palavras constam quase todas do dicionário de língua portuguesa.
Começada a leitura, muito cautelosa, primeiro, de cima para baixo e da esquerda para a direita, os olhos dão alguns sinais de se trocarem e o pensamento baralha-se com o sentido que nunca mais se clarifica. Feita outra experiência de leitura, agora de baixo para cima e da direita para a esquerda, a confusão torna-se ainda maior devido às sílabas esquisitas que dificilmente se pronunciam sem alguns esgares que mais parecem de países longínquos.
Como é possível, um país de tão vastas tradições, com um passado do tamanho de todos os oceanos juntos, ser um texto que ninguém percebe, cheio de vírgulas por todos os lados, mas que nunca mais tem um ponto final, onde se possa parar, ao menos para poder respirar.
Assim, Portugal lê-se de ponta a ponta mas não se percebe nada do que se leu. É um amontoado de palavras e de vírgulas, em que cada um de nós tem de imaginar onde devia estar plantado um ponto final que arrumasse as ideias e desse sentido ao texto.
Uns dizem que o ponto final devia estar a seguir à palavra justiça, outros entendem que aí, uma vírgula resolvia perfeitamente a questão pois, logo a seguir, tem de estar intimamente ligada, no mesmo período gramatical, a palavra corrupção. É evidente que justiça, vírgula, corrupção, não é a mesma coisa que justiça. Ponto final. Corrupção. Basta começar a dissertar, como tantos gostam, sobre a maneira de provar as diferenças e as semelhanças das duas situações, para se chegar à conclusão de que, discussões sobre o texto que é Portugal, não conduz a lado nenhum. Tudo porque não há, efectivamente, um único ponto final que acabe com as discussões estéreis e dê claramente a todos os que nunca mais se calam, um sinal inequívoco de que a frase termina ali mesmo.
As vírgulas são muito importantes, tão importantes como as palavras, mas um amontoado de frases, não é mesmo nada, sem um definitivo ponto final.
Portugal tem de ter principio, meio e ponto final.
17 Jul, 2008

O meu umbigo

 

 

O meu umbigo é diferente do teu. Já sei que querias que dissesse porquê, mas não vou dar-te argumentos para me contrariares. A minha teoria não difere nada daquela que toda a gente defende.

Cada um realça o seu, até porque não é fácil andar a espreitar o umbigo dos outros, para os poder comparar. O nosso é sempre o melhor, o mais giro, sobretudo para quem passa a vida a mirar o seu próprio umbigo.

Ele é o centro de nós próprios e representa a nossa origem, o ponto de abastecimento que nos fez crescer do nada até ao pouco ou muito que somos hoje. Há quem não suporte a ideia de que o cordão que deu origem ao umbigo deixou de ser a fonte inesgotável da maminha.

Não era preciso fazer nada. Depois, o cordão foi-se e ficou o umbigo. Foi uma porta que se fechou, dando origem à abertura de outra porta que se chama boca. Começou então a necessidade de fazer alguma coisa para que a ela chegasse a tal maminha. Que mais não fosse, um choro de vez em quando, para lembrar a abertura do acto.

Foi aí que começou o martírio do trabalho.

Mais tarde passou a ser necessário procurar cada vez mais a maneira de encher a boca com o pão suficiente para que a barriguinha não começasse a dar horas.

O trabalho para o conseguir foi sempre aumentando, como foi sempre aumentando o olhar cada vez mais saudoso para o próprio umbigo, o centro do mundo que impede muita gente de procurar ver o umbigo dos outros, mesmo que ele esteja ali na sua frente em barrigas nuas e vistosas de meninas ou mulheres desejosas de que os olhares mais pérfidos se fixem nos seus umbigos.

Elas gostam de mostrar os seus umbigos tentadores, enquanto os homens gostam de os ver, por vezes com alguma sofreguidão. Porém, isso não quer dizer que gostem mais dos umbigos delas do que dos seus.

Ninguém tem dúvidas de que nada é mais importante na vida, que olhar para o nosso querido umbigo.

 

15 Jul, 2008

Dois doces vinhos

 

A região do Douro deu ao país o excelente Vinho do Porto, que não me atrevo a qualificar para lá do adjectivo com que o antecedi, por falta de qualificação da minha parte para o fazer correctamente. Mas não deixo de o saborear com aquele prazer que nos dá tudo o que é bom.
A Ilha da Madeira, paradisíaca região autónoma distante da parte continental deste país tem, igualmente, o seu excelente Vinho Madeira que, certamente, tem os seus apreciadores convictos, e possuidores de um gosto de que não se pode duvidar, pois os gostos não se discutem.
Tanto o Porto como o Madeira, deliciam muitas gargantas secas, nas mais diversas situações, com a diferença de que o Porto é continental, enquanto o Madeira é marítimo, mas também nacional. O continental dá-se melhor com o nacional do que com o marítimo, facto que já provocou alguns travos amargos a apreciadores menos qualificados.
Porto e Madeira têm muitas semelhanças na sua gestão empresarial, nos seus enólogos, nos seus produtores e nos seus cabeças de cartaz. Vinhos finos, é verdade, mas nem sempre vinhos meigos ou agradáveis, se tivermos em conta que sobem à cabeça de quem abusa deles, de quem se serve da fama deles, provocando verdadeiros ataques de histeria, de incontinência verbal e desenfreada malcriadice, aproveitando o facto de ninguém ser capaz de contrariar aparentes comas alcoólicos, que por vezes parecem mesmo autênticos.
Ainda está por explicar a razão desta coincidência de Porto e Madeira, com paladares distintos, apresentarem semelhanças tão flagrantes nos efeitos que produzem, nas reacções que provocam, na paranóia individualista e maldosa que desencadeia.
Como é evidente a culpa não é dos vinhos Porto e Madeira, ambos excelentes. A culpa é de quem não sabe tirar deles o lado bom, as virtudes da sua doçura, em detrimento dos azedumes que propalam, podendo vir a provocar perigosas associações de ideias negativistas que prejudiquem a imagem de dois produtos distantes geograficamente, mas tão próximos na dialéctica que os cerca e os prejudica inevitavelmente.
O Porto e o Madeira são bons de mais para subirem a cabeças tontas. Pior ainda se as tontices provocarem ressacas que são, inexplicavelmente, muito semelhantes.
 

13 Jul, 2008

Poeira

 

A poeira, em muitos aspectos, tem características semelhantes ao fumo, quando ambos conseguem diminuir a visibilidade e afectar a capacidade visual dos nossos olhos. São fenómenos naturais, se considerarmos que a terra, o vento e o fogo são os seus causadores, mesmo que o ser humano não tenha aí qualquer interferência, sendo apenas a sua vítima eventual.

Porém, o ser humano também pode provocar esse fenómeno, levantando poeira propositadamente, com a finalidade de turvar os ares e confundir os seus semelhantes, quando não lhe interessa que eles vejam as coisas com clareza, ou lhes queiram impingir uma visão turva e distorcida dos factos.

Transportemos esta realidade para o futebol, teatro de todas as paixões, razão de todas as poeiradas e fumaradas que escurecem muitos gabinetes, de muitas personalidades que deviam andar preocupadas com outros jogos mais limpos e muito mais benéficos para as pessoas e para o país em geral.

Nos campos pelados ainda há poeiras naturais, mas esses já são poucos e de irrelevante importância para o grande público. Os estádios com relva impecável, não raras vezes são inundados de fumos indesejáveis mas, quanto a poeiras, apenas lá entram aquelas que certos sujeitos têm o mau hábito de atirar para os olhos de quem apenas queria ver bola e jogadores, mas acaba por assistir a exibições vergonhosas de más consciências, turvadoras de tudo o que devia ser espectáculo límpido, para ser emocionante.

Esta poeira pseudo desportiva entranhou-se de tal modo no país, que já ameaça a coesão nacional, pretendendo dividi-lo em mouros e celtiberos, só porque há uns sujeitos enferrujados que, sarcasticamente, e a toda a hora, se arrogam de invencíveis permanentes e antecipados, com direito a achincalharem os seus adversários, só porque sentem as costas quentes por quem toda a gente conhece como travões de tudo o que é limpo, mas ninguém tem coragem para denunciar de uma vez por todas.

Esta poeira que anda no ar é tão densa, como denso é o mistério que permite tanta lata, tanta baboseira, tanto descaramento, perante factos que ninguém refuta, mas que quem de direito não consegue punir por, aparentemente, se sentir enleado em teias que levaram a constituir-se em autênticas redes, que já parecem indestrutíveis, tal a malha burocrática que as protege e as torna quase inatacáveis.

É por isso que o país está doente. E muito dificilmente se curará enquanto o vírus que o corrói não for destruído por um potente antibiótico, ministrado por médico competente mas, sobretudo, muito corajoso, para se livrar das poeiras, das teias e das redes que tudo tentam para que a infecção continue.

As poeiras podem não matar, mas o vírus que nelas se esconde pode ser mesmo fatal.

 

 

 

11 Jul, 2008

O meu ídolo

 

 Haverá alguém que não tenha um ídolo? Sinceramente, hoje em dia, não há certezas de nada, que o mesmo é dizer que não se faz a mínima ideia se as pessoas, para lá da verdura dos anos da juventude, ainda terão tempo para pensar em alguém que admiram. Ou se ainda vêem alguém capaz de as tirar da postura insensível, amorfa e imutável que as submete, dia e noite, ao longo de toda uma vida. Mas, por outro lado, talvez haja no fundo de muita gente, um idolozinho qualquer, nem que seja o marcador de serviço da sua equipa de futebol preferida. Para muitas pessoas, talvez haja um cãozinho ou uma cadelinha, um gatinho ou uma gatinha, que enche o pensamento e preenche aquele vazio que tanto custa a suportar, substituindo-o por redundantes manifestações de exaltação de qualidades, por sorrisos de admiração incontida, que só os ídolos conseguem obter dos seus admiradores.
Por mim, nunca consegui sequer admirar o meu professor de matemática que, ao longo da minha escolaridade, me brindou sempre com oito na pauta, três vezes ao ano. Mais tarde, ao longo de uma vida de trabalho, não consegui descortinar um ídolo que me fizesse esquecer, ao menos, que estava ali apenas para ganhar o dinheiro que me fazia falta para viver.
Em contrapartida, tive grandes alegrias, proporcionadas por gente simpática, que me fazia rir quando me via triste ou que, sem o saber ou não, fazia grandes palhaçadas em cenas, quantas vezes impróprias de gente crescida. Mas, quanto a ídolos, nada. Talvez seja um caso vulgar de insensibilidade nata.
A verdade é que hoje em dia tudo mudou. Finalmente, tenho um ídolo. Não foi fácil descobri-lo. Não se encontram ídolos por aí aos pontapés, porque abundam os vulgares inúteis e os bons incompetentes, que não podem ser ídolos.
O meu ídolo é um espanto de inteligência, de tal forma que conseguiu entrar para o governo. Conseguiu convencer-me que vivo num país admirável, de gente simples, trabalhadora, simpática, tolerante, educada e respeitadora, tal como ele. Aliás, o governo dá o exemplo em seriedade e respeito pelas ideias expressas por toda a gente, especialmente a da oposição. Há muitos elogios, todos sinceros, todos merecidos.
Tudo graças ao meu ídolo, que transformou o país, a justiça, a televisão, o trabalho, os impostos, a saúde, os negócios, as reformas, em grandes temas consensuais.
A unanimidade é uma descoberta dele. Tudo graças ao seu espírito comunicativo, ao seu trato simples e afável, ao seu tom de voz ameno para todos os parceiros sociais. Especialmente, quando concorda, amavelmente, com as ideias dos seus opositores políticos. Nunca experimentaram trocar nomes feios entre eles, nem falaram de incompetência nem de irresponsabilidade.
O meu ídolo fez renascer um país em ruínas, com políticos recauchutados, agora iguais aos novos, porque foram reciclados por alguém que sabe da matéria, quando ainda há pouco tempo, não sabia nada de nada, nem tão pouco falar do bem. Agora, porém, o meu ídolo fala bem e depressa, para que o país não perca tempo, porque perder tempo é coisa que o meu ídolo não pode, senão deixa de ser o meu ídolo. Isso seria a última coisa que ele quereria, porque sabe quanto isso é importante para o seu ego. Ser ídolo não é para qualquer um, tanto mais que antes dele ninguém, do governo, conseguiu ser ídolo de ninguém. Até mesmo eu, também não tive, antes dele, qualquer ídolo. Questões de mérito e qualidade que eu não enxergava nos anteriores.
Ele sabe disso e eu também, daí que eu seja especial para ele, como ele é especial para mim. Um verdadeiro ídolo que, tenho a certeza, ele é para a minha pessoa, como um privilégio e em exclusivo. Na verdade, ele é só e apenas meu ídolo, de mais ninguém senão, se o fosse assim à balda, de muita gente ao mesmo tempo, como iria eu querer uma coisa dessas... Nem pensar!
O que é meu, é só meu. Cada qual que tenha o ídolo que merece.