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afonsonunes

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30 Set, 2008

Meninos do coro

 

 
 
De pequenino se torce o pepino. Pois, é assim mesmo que se fazem grandes génios de todas as actividades. Assim estão a fazer os chineses para criar super dotados que já mostraram resultados surpreendentes na olimpíada que acaba de terminar em Pequim. Molda-se o corpo, molda-se a mente, cria-se uma pessoa à medida de um modelo pré definido. Tudo isso multiplicado por milhões, pode obter-se uma sociedade de meninos do coro, ou melhor, de muitos coros diferentes.
Nós por cá ainda não chegamos aí, mas estamos muito mais adiantados em termos de meninos do coro. Só que os nossos não apareceram como resultado de modelos pré definidos. Apareceram de geração espontânea, como resultado de uma epidemia de algo que está na moda ou, mais actual, de algo que está a dar.
Entramos em qualquer lado, olhamos, ouvimos, clicamos, e lá estão eles. Os meninos do coro. Às dezenas, às centenas, afinadinhos que nem um relógio suíço, cujo tic-tac não difere um cagagésimo em coisa alguma do mundo. Iguaizinhos a cabeças de nabo, brancas como as noites deles, sem uma nervura interior que as distinga, sempre com aquela invariável forma lisa e redonda, de onde saem vozes que só podiam ser de coro.
Em boa verdade, muitos deles já nem são meninos, porque também para eles o tempo é implacável. Agora já são matulões mas continuam a manifestar-se em coro, porque só em coro encontram os lugares comuns de manifestação de ideias comuns, rebuscadas nas vagas reminiscências de uma felicidade que a meninice lhes deixou indelevelmente gravadas nas cabeças lisas.
Matulões de coro que olham em redor e não suportam vozes discordantes do tom do coro deles, logo descobrindo desconfianças de ligações estranhas e perigosas, chantagens intoleráveis de meninos de outros coros, sobre matulões intransigentes e fundamentalistas na defesa do seu coro sagrado.
Os meninos do coro não são os autores da letra e da música que cantam, nem são homens pequenos, ou miúdos grandes, de tamanhos maiorcas ou minorcas, ao contrário dos matulões de coro que são tudo menos meninos inocentes. Mas são capazes de confundir a inocência dos meninos, com a chantagem permanente que vem do coro da revolta contra tudo o que lhes retire a possibilidade de dar uns tabefes em quem não lhes quer aparar o jogo.
Por mim, confesso que prefiro os meninos do coro, aos matulões que se julgam donos do mundo, só porque conseguem cantar em coro, mais ou menos afinado, mais ou menos numeroso, para poderem engrossar a voz contra quem lhes não dá ouvidos.    
 
 
 
28 Set, 2008

Euro estúpidos

 

Começo por confessar que o maior de todos eles sou eu, pois não consigo entender determinada gente tão inteligente e tão bem formada, gente que ninguém é capaz de acusar de falta de competência, pelo contrário, a toda a hora se ouve qualificá-la como de uma seriedade e competência impecáveis, intocáveis e indiscutíveis.
Pois é, mas na hora de se pronunciar sobre assuntos da sua competência e especialidade, cada um dá sua sentença e não há forma de se porem todos de acordo. As divergências entre eles, mestres entre os mestres, são insanáveis e absolutamente contraditórias quando há que tomar decisões técnicas que incluem decisões políticas.
Ainda assim, os euro decisores lá vão encontrando consensos mais ou menos difíceis. Mas, quando chegam aos países de origem encontram sempre um coro de discordâncias manifestadas nos mais díspares argumentos. Alguns dos discordantes têm as mesmas especializações dos euro decisores, mas parece que não aprenderam pela mesma cartilha.
Depois, às centenas ou aos milhares, aparecem os euro ignorantes, como eu, com a diferença de que eles sabem tudo e eu não sei nada. Eles é que dizem como as coisas estão erradas, mas não dizem como é que elas ficariam certas. Contudo, chamam incompetente a toda a gente que decide, não importando desconhecer de que tipo de decisão se trata. Só porque é uma decisão vinda dali, do lado, é uma decisão errada.
O país está integrado numa comunidade alargada, logo, sujeito a um escrutínio permanente e apertado quanto à grande maioria das decisões que cá se tomam. Decisões que não só passam nesse escrutínio, mas são apoiadas e até elogiadas por quem superintende nessas matérias.
Ao contrário, cá dentro, tanto os especialistas da oposição e alguns analistas tidos como conhecedores, como ainda os críticos tão ignorantes quanto eu, entendem que o país está todo errado. Até pode estar, digo eu, ignorante confesso. Mas então, onde é que estão os euro estúpidos? Estão além fronteiras, ou estão aqui mesmo ao pé de nós?
27 Set, 2008

Pão com azeitonas

 

 
 
 
O que eu quero mesmo é um bom bocado de pão bem cozido em forno de lenha, estaladiço, acompanhado de uma boa malga de azeitonas retalhadas.
 
Sei que muita gente estará a pensar em petiscos mais sofisticados, pensando que eu podia ter um gosto mais requintado. É verdade. Mas eu também posso pensar que nem  toda a gente na infância comeu e saboreou pão com azeitonas, com tanto apetite e tanto gosto como eu, de tal modo que isso me ficou para sempre na memória, apesar de agora poder comer com facilidade uma lagosta suada, ou camarão de palmo de Moçambique.
 
Dirão que os tempos são outros e têm muita razão. Aposto que quem come essas iguarias o não faz com tanto prazer e, em muitos casos, com sofreguidão como, ainda hoje, muitas crianças espalhadas pelos quatro cantos do mundo, mastigam uma mão cheia de arroz simplesmente cozido em água.
 
Depois de muitos anos a comer apenas arroz, será que podem dar valor a comida bem temperada e bem confeccionada, sem lhes lembrar o alimento com que foram criadas?
Bem me parece que até lhes custaria a ganhar o gosto por pão com azeitonas.
 
O gosto e os hábitos não andam apenas pela comida, quer se tenha muita ou pouca fome. Do que ninguém gosta é que lhe tirem o pão da boca pois, sem ele, a vida começa a complicar-se. O pão pode ser apenas um símbolo na vida de qualquer cidadão normal, porque nem só de pão se alimenta o corpo.
 
Também há o pão do espírito, que é constituído por valores indispensáveis à saúde mental, para que haja um desenvolvimento equilibrado do ser humano. Porque se trata de valores, é aqui que mais se lesa o cidadão, privando-o dos direitos de salvaguarda desses valores, se é que alguma vez chegou a usufruir alguns deles.
 
Quem teve a felicidade de nascer e crescer numa casa blindada aos egoísmos e às disputas mesquinhas, ao chegar a hora de se emancipar e ser obrigado a entrar na selva do quotidiano exterior, vai ter muita dificuldade em integrar-se, mantendo os valores e os hábitos com que cresceu.
 
Então, mais tarde ou mais cedo, terá de optar entre o que lhe ensinaram em casa ou a realidade que encontra fora dela. A pressão da casa blindada e dos ensinamentos que nela recebeu, só muito dificilmente será vencida pelo constante rufar dos tambores das conveniências fáceis e das ameaças veladas ou explícitas, vindas de todos os lados.
 
Mas, tal como o gosto imorredouro do pão com azeitonas comido nos verdes anos, também o pão espiritual da voz dos antepassados íntegros e respeitados se não deixará subverter por uivos de alcateias ruidosas e vorazes. Porém, cada vez são menos os que ainda têm esses hábitos, hoje considerados esquisitos, no meio dos que nascem com muitos manjares à volta e muita ganância por parte de quem os disputa.
 
São esses os hábitos dominantes nos dias de hoje.
 
 
26 Set, 2008

Ele há coisas

 

 
Tem andado por aí muita gente a cuspir para o ar. Ora, quando a gente cospe para o ar arrisca-se a que esteja a cuspir na sua própria cara, pois o vento nem sempre está do nosso lado, nem tão pouco está disposto a tolerar que despejem nas suas asas as parvoíces que pretendem ver espalhadas aos quatro ventos.
É o caso daqueles que pretenderam que o vento espalhasse a ideia de que o governo era o grande culpado da crise dos combustíveis, exigindo medidas, muitas medidas, para que o preço do litro pusesse a zero o preço do quilómetro, pois era inadmissível que os aumentos se verificassem ao ritmo de quase um por dia.
Pois bem, ao contrário, agora, as descidas têm acontecido também a um ritmo muito acentuado. Por uma questão de coerência, está na altura desses recalcitrantes agradecerem ao governo as boas notícias das reduções dos preços do gasóleo e da gasolina, pois não se compreende que o governo tenha responsabilidade nas subidas e não tenha nada a ver com as descidas. Vá lá, não inventem desculpas.
É também o caso da crise económica e financeira que tanto tem sido motivo de comparação com a vizinha Espanha que, ainda não há muito, em lugar de défice nas contas públicas, como era o nosso caso, apresentava um saldo amplamente positivo. A tão propalada almofada, sobre a qual muitos queriam dormir a sesta. Pois bem, não só a Espanha, mas também a França e a Alemanha, para não citar outros países, estão agora com performances piores que a nossa.
Dizia-se que nós, pobretes e já nem sequer alegretes, não conseguíamos imitá-los nesta fugida da crise, devido a incompetências que eles atiram sempre para o lado, mas não olham para si próprios. Afinal, foram aqueles paises que não conseguiram, pelo menos para já, imitar-nos, a nós, nesta tentativa de passar um pouco ao lado do epicentro do terramoto mundial que está a sacudir a economia global. É caso para dizer, vá lá, não inventem culpados.
É ainda o caso de outras medidas tão gozadas quando da sua apresentação e nos tempos imediatamente a seguir à sua implementação, para depois se irem calando à medida que ficava a nu a ignorância ou a má fé de quem só vê desgraças no chão que pisa. Nada neste mundo é perfeito, mas não há nada mais imperfeito que o mau feitio de quem deseja que tudo corra mal só para poder ter o prazer de dizer que há muito sabia que ia ser assim.
Vá lá, digam à gente o que é que já fizeram para que o mundo se transforme no paraíso que tanto apregoam. Será que nunca nos vão dizer qual o caminho para lá chegar?
Era tão simples, não era?     

 

Há quem goste muito do rigor que devia existir em tudo o que se faz na vida, mas parece que há ainda mais quem prefira a imprevisibilidade do venha o que vier, na esperança de que alguma coisa se aproveite. O rigor incomoda muita gente que acaba por se sentir muito mais à vontade no meio da balbúrdia e da confusão, quando não há talento para conviver dentro das normas estabelecidas.
Para se ser rigoroso tem de se agir sempre com todo o rigor, tanto em relação a si próprio, como em relação aos outros. Ora isso não é tão fácil como parece, pois quem é mais exigente, nem sempre é quem mais se preocupa com as exigências alheias.
Há pessoas que se afirmam de um rigor absoluto em todas as circunstâncias, porque não permitem a ninguém um gesto a mais nem a menos, uma palavra com mais ou menos pronúncia pessoal, ou uma vírgula mais à esquerda ou mais à direita da frase. Com elas tudo tem de ser perfeito e clarinho como água, contrariamente aos descuidos que elas próprias demonstram a todo o momento, quando dos outros se trata.
Certas pessoas, sob pretexto de serem muito rigorosas, acabam por demonstrar que são muito miudinhas nos seus procedimentos e nas suas ideias. Em tudo vêem problemas graves que podem degenerar em tragédias quando, na realidade, apenas sentem o seu ego ameaçado por alguma vírgula que pode, por acaso, ou por imponderáveis do destino, transformar-se em abominável ponto final, que altere completamente o sentido das suas espectativas futuras.
Pessoas miudinhas é o que não falta por aí, mas há umas que incomodam mais que outras, dependendo muito do estatuto que detêm na sociedade ou nos lugares públicos em que se posicionam. Depois, vem o conceito que delas se faz, nem sempre despido de interesses e simpatias que adulteram os juízos que vêm a público, apregoando uma espécie de rigor saudável em determinadas decisões, onde apenas existe uma doentia minúcia do pormenor e da desconfiança injustificada.
Muitas vezes acaba por se considerar uma atitude miudinha, como rigorosa, só porque o feitio de quem a toma é assim mesmo. Outras vezes, considera-se que outra pessoa é miudinha quando, em boa verdade, toma decisões de rigor, em obediência aos princípios que defende. Agora, já não importa o feitio, antes se acrescentando uns tantos adjectivos em seu desfavor.
Há, portanto, alguma diferença entre o rigor incompreendido dos teimosos e o rigor dos miudinhos, tantas vezes perigosamente sublimado.   
 

 

Dentro do quartel o general conseguiu ganhar batalhas e uma notoriedade que lhe veio da austeridade da sua fisionomia e da filosofia da sua atitude séria e aparentemente não influenciável no campo das tricas palacianas. Foi assim, enquanto duraram essas imagens de farda e quartel, que muito beneficiaram os doutores nas suas decisões, sempre sujeitas ao escrutínio das tropas sob comando do general.
Mais tarde, o general não resistiu à tentação de pretender neutralizar a estratégia de um doutor que, entretanto, emergira graças à racionalidade das suas ideias e ao contacto fácil com as pessoas. Seguiram-se tempos de evidente mal estar entre ambos, embora a conveniência obrigasse a que nem tudo fosse visível e perceptível nos corredores e nas ruas.
O doutor nunca foi militar e o general nunca passou de um militar. Esgotado o tempo de serviço activo de ambos, recolheram a suas casas com as respectivas reformas a decorrerem com as diferenças que lhes marcaram o passado. O doutor com os seus livros e os seus amigos e admiradores espalhados pelo mundo. O general transformado um pouco mais no sentido de ser ainda mais sisudo e menos sério, devido a uns sorrisos que passou a espalhar em meios que lhe deram alguma popularidade, mas que acabaram por lhe acrescentar as dúvidas que rodeavam as suas mais evidentes amizades.
O doutor pareceu esquecer de vez o general, até porque tinha muito mais em que pensar. Mas, o general ainda agora, de vez em quando, directa ou indirectamente, lança umas farpas de discordância na direcção do doutor, principalmente, quando ele manifesta a sua opinião.
Ainda agora, portanto, o doutor continua a pensar, a reflectir e a ensinar muitos ignorantes, enquanto o general não consegue esquecer que foi um militar de guerras, algumas com causas justas e intervenções meritórias, mas também interveniente em guerras estéreis em que o prestígio se esquece ingloriamente, por causa de ingerências em assuntos que não têm direito a continência.
Há ocasiões em que até um general devia sentir-se orgulhoso por ouvir as palavras sábias e sensatas de um doutor prestigiado, não tendo receio de se sentir inferiorizado. Podia até ouvi-las na posição de sentido.
A guerra das ideias e das palavras não tem mesmo nada a ver com a guerra dos homens fardados.
 
 
23 Set, 2008

São todos iguais

 

 
Este título só tem razão de ser se estivermos a referir-nos ao resultado da produção em série de alguma coisa, ou a algum capricho criativo da mãe natureza e, mesmo assim, essa expressão talvez não seja rigorosamente perfeita. Em teoria, nada é igual a nada.
Porém, se quisermos referir-nos a pessoas, tal como muitas vezes se ouve, quase sempre em sentido pejorativo, bem se pode pensar que não há duas pessoas iguais, ainda que sejam gémeas indistinguíveis à melhor observação visual. Mas não é de parecenças ou semelhanças que queremos tratar, mas sim de uma aberrante tendência que certas pessoas têm para a generalização de defeitos que julgam ver em alguém de quem não gostam, pelos mais variados motivos.
Há quem diga que os ricos são todos iguais, uns malandros, porque têm muito dinheiro e não ajudam ninguém. Ora, todos sabemos que não podemos ir por aí, porque a riqueza pode ser fruto de muito trabalho e utilizada de muitas maneiras, umas boas e outras más.
Também há quem diga que os pobres são todos iguais, uns indigentes, que não querem trabalhar, ainda que estejam a morrer de fome. Só pode pensar assim quem viva comodamente instalado na vida e pretenda, ainda hoje, ter à sua volta uma espécie de escravos para todo o serviço, nomeadamente para lhe sacudir as moscas da cara, a troco de uma côdea dura de pão.
No mundo do futebol, a cena repete-se a todo o momento. Se a equipa preferida perde, os jogadores são todos iguais, só querem ordenados milionários, mas dar o corpinho ao manifesto, aí parou. O mesmo se passa com os dirigentes.
Quando se suspeita ou se conhece alguma vigarice de algum deles, aqui d’el rei que são todos iguais, uns corruptos que são capazes de tudo para defender os seus interesses e dos clubes que representam. Todos sabemos que todos são capazes de tudo, só que uns fazem tudo dentro da legalidade, enquanto outros fazem tudo para enganar os outros.
Mas, são os políticos os mais massacrados com essa ideia interiorizada em muitos espíritos doentios. Os políticos são todos iguais, afirmam uns derrotistas vergados ao peso de um descontentamento originado por interesses mesquinhos, por egoísmos ou ideais adulterados e retrógrados que nunca os conduzirão a nada.
Poderá haver políticos com comportamentos semelhantes, bons ou maus mas, tal como acontece com as pessoas, nunca haverá dois políticos iguais. Tal mistificação só pode vir de quem se não enxerga numa sociedade democrática e plural, onde os políticos são o que forem os cidadãos que os elegem ou os rejeitam. Os que pensam que os políticos são todos iguais, têm de aceitar que também são iguaizinhos a eles.
 

 

O perigo espreita a cada emissão televisiva, onde todos os dias e a todas horas se ouve falar de perigos e perigosos, sendo também frequentes as incursões aos ditos e façanhas de um ou outro solitário que sente tanta necessidade de se mostrar, como os seus promotores têm necessidade de fazer deles o ouro dos seus negócios.
Neste clima de criminalidade exaustivamente propalada, há dois protagonistas que dominam e se destacam na actualidade televisiva nacional sendo, curiosamente, um deles, um protagonista passivo, enquanto o outro se assume como um bi protagonista, duplamente activo, na medida em que se destaca pelos actos que pratica e pelo facto de transformar o outro no seu bombo de festa permanente, acusando-o de ter os defeitos que não enxerga em si próprio.
Este último, é um caso típico de solitário que se julga no centro de todas as atenções, armando em porta voz de quem lhe não dá a mínima atenção e querendo fazer crer que o alvo dos seus dislates é um homem perigoso.
São conhecidas as proezas perigosas deste solitário, que já conta no seu activo com muitos assaltos de incorrigível verborreia. Estarão certamente a pensar porque motivo as autoridades não o metem no lugar que mais merecia. Não podem. Trata-se de um solitário que tem o privilégio de asneirar à vontade, mesmo contra todas as autoridades, como se estivesse a falar para os vizinhos peixes que o escutam em delírio.
No entender deste solitário, a origem de todos os males não está em si próprio, mas sim no tal perigoso que, imagine-se, tenta por todos os meios mobilizar o estado dos polícias para ver se o calam de vez e prendem os ladrões encapotados que se movimentam nas suas costas. É por isso que há quem diga que ele não é assim tão solitário como se diz.
O perigoso vai mordendo no solitário pela calada, assim do jeito de lhe retirar de vez em quando umas moedas da mesada, sem lhe passar cartão de crédito, limitando a sua acção gastadora ao vulgar cartão multibanco onde, como se sabe, os levantamentos têm limites muito apertados e, ainda por cima, em notas de valor muito baixo.
É por isso que o solitário tenta a todo o custo arranjar uma orquestra privativa para tocar em grande contra o perigoso, mas o problema está em que os músicos não querem tocar sob a batuta de um solitário, que apenas pretende dar música a um perigoso que, afinal, nem sequer é tão perigoso como o próprio solitário.
15 Set, 2008

Até que enfim

 

 
 
Portugal talvez tenha sido durante muitos anos o campeão das liberdades individuais e colectivas. Não tanto porque as leis garantissem essas liberdades mas, simplesmente, porque ninguém se preocupava em fazer cumprir as leis existentes. No fundo, quase toda a gente podia fazer o que queria, desde que tivesse alguns meios para poder esconder as suas aventuras ilegítimas, mesmo que ficassem escondidas com o rabo de fora. Porque havia demasiadas maneiras de fugir com o rabo à seringa que, ainda assim, continha apenas água pura, logo, servia apenas para lavar rabos impuros.
A fiscalização em geral, parecia ser considerada uma espécie de atentado às liberdades havendo, ainda agora, quem veja nela, apenas uma tenebrosa caça às multas com a finalidade de encher os bolsos dos governantes, considerando-os os únicos bandidos existentes no país. Ora, como se tem verificado de há algum tempo para cá, os bandidos tinham aqui uma espécie de paraíso para enganar os governantes e, por consequência, todos os cidadãos cumpridores dos seus deveres, que têm pago facturas pesadas, como vítimas de toda a espécie de banditismo que se movimentava livremente com toda a impunidade.
Embora ainda muito ténue em algumas áreas, a fiscalização tem apertado malhas que estavam demasiado largas e os resultados já são visíveis em outras áreas, há mais tempo na mira dos responsáveis. É claro que muita gente está a sentir-se incomodada, o que demonstra que o caso não é apenas caça à multa, nem uma odiosa perseguição a gente séria que trabalha para viver à custa do seu esforço, sem sacrificar o esforço dos outros. A vida custa a toda a gente que gasta apenas o que consegue ganhar com o seu trabalho, mas não custa nada a quem vive à custa dos outros, roubando-os directamente, ou roubando o estado que não pode depois distribuir o que não recebe.
Apesar de todas as dificuldades que o país atravessa, que nunca falte dinheiro que mobilize todos os meios necessários para fiscalizar tudo e todos, com os incómodos que daí resultam para quem tem a consciência tranquila. Como contrapartida verá a sua segurança reforçada em todos os domínios, incluindo o direito à vida, hoje em dia posto em causa, muitas vezes por motivos verdadeiramente incompreensíveis.
Sendo certo que no momento actual do mundo já não há palavras, nem conselhos, nem discursos, nem decretos que alterem este estado de coisas, torna-se urgente actuar no mesmo terreno onde se movem todos os bandidos.
Fiscalizar, significa apenas garantir uma sociedade mais justa, mais livre e com melhor qualidade de vida.   
14 Set, 2008

Figuras

 

 
Fico feliz ao olhar para a figura duma mulher que ofusca tudo e todos à sua volta. Certamente que isso não se passa só comigo.
Uma bela figura de mulher atrai muitos olhares e suscita muitos desejos amordaçados e enrolados no pensamento dos mais púdicos cidadãos respeitáveis e respeitadores.
Nem por isso deixam de ser isso mesmo, apesar de se dizer que os olhos também comem. Quando muito, os olhos excitam o apetite e fazem crescer água na boca, mas apenas quando se trata de comida.
A figura de uma bela mulher pode estimular o pensamento de quem facilmente se deixa transportar para destinos só ao alcance da ficção imaginativa de sonhadores. Há quem seja feliz assim, talvez porque não tem outra alternativa mais realista de o ser.
Fico infeliz se vejo uma mulher lavada em lágrimas, representando a figura da tristeza que um sem número de dificuldades podem provocar. Esta imagem de mulher desfigurada pela amargura de maus momentos, não capta os olhares de quem podia fazer alguma coisa para minorar esse sofrimento, antes provoca a necessidade de desviar o olhar e até o trajecto, para não passar próximo, receando que lhe seja solicitada a ajuda que não está disponível para dar.
Esta é, na verdade, uma boa maneira de fazer má figura.
Duas mulheres, duas figuras bem diferentes, que levam a que cada uma delas suscite reacções opostas, em outras figuras humanas, provavelmente, todas elas com motivos para impressionar quem nelas poise o olhar.
Todos nós fazemos figura de qualquer coisa e observamos a figura que faz quem connosco se cruza diariamente, na rua ou nas mais diversas situações.
Hoje, é possível ver figuras de todo o mundo, quer através do minúsculo telemóvel, quer através de ecrãs gigantes, via cinema ou televisão. Podíamos ficar felizes se nos mostrassem o que de bom existe: as boas imagens, as boas iniciativas, as boas pessoas. E até as boas ideias.   
Porém, alguém está interessado em que andemos todos, eles e nós, a fazer figuras tristes. Eles vendem violência, destruição e morte e nós compramos tristeza, miséria e uma cova para morar.
 
 

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