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afonsonunes

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30 Nov, 2008

Bagunças e pactos

Tudo ao monte e fé na bagunça. É uma outra versão, de um outro dito muito popular, normalmente atribuído a tácticas futebolísticas mais ou menos endiabradas. A entrada da bagunça nesta versão, tem a ver com a proximidade das paixões religiosas com as paixões do futebol, a que se juntam as paixões politicas, em que a fé se desvia do  percurso divino.

A bagunça também tem os seus apoiantes, fervorosos uns, delirantes outros, como se ela fosse a última esperança de mudar o mundo ou a vida de quem não gosta daquela que tem, muitas vezes porque não merece outra. Quem não sabe ou não quer viver em ordem e em paz tem, forçosamente, que tentar a bagunça, a desordem e, se possível, a guerra dos seus desejos, que é a guerra dos seus interesses.
As paixões religiosas, todos o sabemos, causaram e causam ainda, grandes desequilíbrios sociais e guerras sangrentas um pouco por todo o mundo, talvez porque a política ande demais no espírito de quem dirige a religiosidade. Tal como a religião anda demais no espírito de quem faz política por profissão. Continuemos a incluir o futebol para se concluir o trio de todas as paixões. Todas as misturas são possíveis, o que não quer dizer que todas elas sejam compatíveis, e sabemos bem como o não têm sido, pelos resultados que temos perante os olhos bem abertos de espanto.
Surgiu agora uma vaga de bagunça, aliás previsível há algum tempo, que percorre e agita, principalmente, a comunicação social, que congrega tudo e todos que concorram para a puxar para a ribalta, como se ela, a bagunça, fosse uma necessidade vital para a resolução dos problemas graves que afectam as pessoas e o país. Como se esses problemas fossem exclusivos da actualidade. Como se o país e as pessoas pudessem continuar a viver como viveram até há poucos anos, por razões mais que conhecidas.
Ser sério e ser honesto, implica que quem o queira ser, não se iluda com o céu que não existe na terra. Porque a bagunça, não só não traz o céu para ninguém, como não pode constituir um meio para satisfazer ambições de quem vê nela, na bagunça, um trampolim para se chegar mais acima, o mais depressa possível.
Depois, há os dos pactos para tudo. São os guerreiros que querem passar por pacifistas. Aí, sugerem um pacto, que é outra maneira de dizer a quem compete tomar decisões, esperem aí, e façam o que nós queremos. É aqui que entram os mais estranhos interesses externos, sempre com pezinhos de lã, porque não têm a coragem de dizer claramente porque são contra, mas que nunca são capazes de concordar, mesmo quando estão em causa benefícios para aqueles que tanto defendem palavrosamente.
Como é evidente, já tínhamos a conjuntura da crise, à qual se junta agora a conjuntura da bagunça, com a agravante de que se trata de uma bagunça juvenil, assim uma espécie de bagunça com calças de ganga com a braguilha pelos joelhos e a cintura abaixo das ancas. Modas são modas mas, pior que isso, são os pais ‘bagunceiros’ de muitos desses jovens imberbes, a quem bastam duas palavras de incentivo à indisciplina, para se arvorarem em heróis da bagunça.
Todos aqueles que não têm a coragem de dizer que não é assim que se regenera o país, não peçam pactos. Peçam só, e apenas, aquilo que pediriam se estivessem no lugar daqueles que contestam. Assim, já fariam muito para acabar com todas as bagunças.     
29 Nov, 2008

Primo Mário

 

 
Desculpa, primo, peço-te muita desculpa, mas não posso deixar de te dizer umas coisas que tenho aqui atravessadas nos gasganetes. Ah, não sabes o que são gasganetes. Desculpa mais uma vez, mas eu pensava que tu eras um barra em português e, já agora, em matemática, que são duas disciplinas essenciais.
A propósito, primo, tu até esticas os gasganetes ao máximo, pondo em risco a tua própria disciplina, portanto, não podes ignorar daquilo que falo. Quanto à matemática, vejo a facilidade com que deitas contas à vida, apesar de pensar que só podem ser contas muito fáceis, visto que somas bem os milhares mas, depois, apenas queres subtrair ‘uma’. Porém, estou convencido que, com o decorrer dos meses, ainda vais evoluir para uma diminuição mais avolumada.
Depois, certamente que já deitaste contas aos que tiras e aos que vais somar, até porque a ordem natural das coisas é que o mestre já te tenha dado instruções precisas e concretas sobre as parcelas que vão avançar. Tem cuidado, que há sempre o perigo de seres uma parcela fora da conta, o que seria uma tremenda injustiça. Contudo, essas coisas só não acontecem, a quem segura com firmeza o lápis na mão esquerda e a tabuada na mão direita. Ah, já me esquecia da gramática. É por causa do português.
Meu caro primo, lembro-te que, lá por teres ‘açinado’ um acordo comigo dessa maneira, não tens o direito de o rasgar sem me dares conhecimento prévio, já que fui eu que te emprestei a esferográfica, por sinal de ponta fina, mas de corpo bem grosso, como não encontras por aí na família, apesar de bastante numerosa. Falo da tua família, não na minha, que são diferentes, apesar da nossa proximidade familiar. Sim, isto é muito confuso, não tenho dúvidas em o reconhecer. Mas tu, inteligente como és, entendes perfeitamente.  
Desculpa lá, primo, eu tenho a noção da ‘massada’ que te estou a dar, mas tenho de ler pela tua gramática, senão acabavas por não entender nada. Sim, porque isto agora nunca mais vai parar, pois eu vou mandar uma carta que tanto pode ser semanal como mensal, para que mantenhas a leitura em dia. Sabes, primo, a leitura é muito útil a toda a gente, pois sem ela, não sabemos o que os outros dizem e pensam, acabando por não sabermos conversar nem dialogar.
Cá pelas minhas contas, este meu plano de te manter a leitura em dia, deve durar prá aí quase um ano, depois ambos avaliaremos se os resultados foram positivos ou negativos. Desculpa lá, caro primo, não fiques receoso, porque tenho a certeza que vai ser tudo positivo. E, sobretudo, espero que os meus pedidos de desculpa evitem que deixes de me falar, pois as minhas intenções são as melhores do mundo. Já agora, e arredores também, como eu penso que as tuas ideias têm uma universalidade indiscutível.
Desculpa mais uma vez, primo Mário mas, com um grande abraço, só desejo ardentemente que compreendas que todos estamos sempre a aprender, seja lá qual for a disciplina em questão.
28 Nov, 2008

Isso é que era bom

 

 
Pelo tom de voz o homem não vinha satisfeito. Ainda por cima, vinha só e a falar sozinho, o que não constituía surpresa nenhuma, pois cada vez se encontra mais gente a falar sozinha, em voz alta, mais baixa ou, simplesmente, a balbuciar palavras quase imperceptíveis. Quase sempre gesticulando em conformidade com a conversa, cujo retorno é íntimo e silencioso.
Isso é que era bom! ... Dizia o homem simples, de meia-idade, enquanto caminhava apressado. A justificação de tal desabafo, veio de seguida, mas a voz baixou de tom e as palavras perdiam-se no meio do ruído da rua. Não é difícil adivinhar nelas um sentimento de desagrado, porque alguém, ou alguma coisa, não estava a encaixar no seu modo de ver e de pensar a vida e os seus costumes.
Ali, aquilo que alguém lhe propôs, ou lhe disse o que ele não gostou de ouvir, era o ‘isso’, e de ‘bom’ não devia ter nada, até porque o ‘era’ significava, simplesmente, que tal propósito fora gorado pela liminar recusa que a frase deixa claramente antever.
Esta frase parece conter um português popularucho, e conterá certamente, mas revela uma reacção sugestiva a determinadas espertezas que algumas pessoas se atrevem a tentar junto de quem consideram ser um bom alvo para a obtenção dos seus fins menos claros.
Isso é que era bom, era o que devíamos responder, mesmo em ambientes mais eruditos que a rua, a determinadas propostas e sugestões de gente fina, digo eu, que a toda a hora insiste em querer embrulhar-nos prendas, que só merecem papel pardo do merceeiro antigo, agora oferecidas em reluzente papel de cores berrantes como o tom do seu palavreado ultra moderno. Porém, eles dizem: Isto é que é bom. A diferença é pequena.
Isso é que era bom! … Sim, era o que devíamos responder àqueles que pensam que andam entre burros de orelhas curtas, mesmo que sejam eles a dar coices mais ou menos disfarçados de carícias embaladoras.
Seria realmente muito bom se pudéssemos levar a sério cada palavra, cada frase, cada olhar que nos fossem dirigidos na rua ou fora dela, por pessoas conhecidas ou desconhecidas, por gente mais modesta ou mais sofisticada, sem que alguém nos inspirasse aquela desconfiança crónica, resultante de factos vividos, relatados, ou presenciados, que ficam gravados na nossa memória, como pesadelos que nos limitam as liberdades que jamais sonhávamos, há uns anos, poder vir a perder ingloriamente, depois de as termos saudado com tanta euforia.
Isso é que era bom! … Agora pareceu-me ouvir um coro de vozes concordantes. Sim, há coisas que se ganham e nunca mais se podem perder, por muito que tenhamos de levantar a voz.
Mas, neste momento, parece que há muitas vozes que gritam na rua, mas no sentido contrário, que é o sentido da anarquia, o sentido de que é na rua que se governa, o sentido de que tudo se mantenha como era dantes. Isso mesmo, aquilo que dantes estava, reconhecidamente, muito mal.
Mesmo que sejam muitos a gritar, nunca serão mais que aqueles que estão calados, mas sabem que terão voz quando chegar a ocasião. Nunca mais nos venham dizer que, nessa ocasião, haverá vozes que valem mais que outras. Ainda que digam que são importantes e que são mais democratas que ninguém. A asneira não tem boca pré definida.   
Isso é que era bom! …
27 Nov, 2008

Tudo suspenso, já!

Já que as suspensões estão a tomar conta do nosso dia-a-dia, há que tomar medidas imediatas para que esta obsessão não provoque danos irreparáveis na nossa robusta democracia. Para que não fiquem dúvidas, a robustez não significa imunidade a danos, quer eles sejam leves ou irreparáveis. Daí que mais vale prevenir que remediar.

Em matéria de suspensões, há que começar pelo princípio, e com toda a firmeza, daí que me invisto dos poderes necessários e suficientes, para determinar e mandar publicar o seguinte, que não é mais que a vontade explícita mas, sobretudo, implícita, da totalidade do povo português. É evidente que há as excepções, mas essas não contam para nada.
A partir de agora, isto é, desde já, o governo fica suspenso de todas as suas funções, pois é necessário começar pelo princípio de todos os males e de todas as polémicas. A justificação para tal medida assenta, principalmente, no facto de o governo não poder suspender nada, sob pena de ter de suspender tudo o que já fez. Esta teoria é relativa, na medida em que há quem diga que ele ainda não fez nada, logo não teria de suspender nada. São maneiras de ver, como é óbvio.
Fica também suspenso, desde já, todo o pessoal que trabalha, pois não é admissível que se oriente por um código feito por um governo suspenso. Esta suspensão não pode ser contestada por todos aqueles que vão argumentar com o slogan em voga nalguns ‘mentideros’, que já ninguém faz nada, por causa das ‘manifestanças’ e do estado de debilidade causado pela fome generalizada no país.
A suspensão abrange ainda todos os reformados, pensionistas, subsidiados e similares, porque a conta bancária do governo, fonte dessa massinha, ficou desde logo suspensa, a partir da suspensão do seu titular. Isso não trará problemas, visto que já estavam consideradas de miséria logo, a miséria apenas continua.
Não se pense que a suspensão do governo vai dar lugar à sua substituição, por alguém que não tenha sido abrangido pelas já citadas suspensões. Além da clareza que já ficou expressa atrás, complementa-se a informação com a seguinte adenda:
Quem fizer parte de partidos políticos, sindicatos, associações, agremiações, corporações e outras organizações, depreende-se que são trabalhadores logo, já estão abrangidos pela suspensão. Aqueles que considerem que não são trabalhadores, então fazem parte dos que não fazem nada, e também já estão abrangidos atrás.
Resumindo e concluindo: quando digo, que fica tudo suspenso já, é mesmo tudo. Tudo o que alguns queriam ver suspenso, todos os que queriam as suspensões, bem como os que as não queriam, e ainda os que não sabem o que queriam.
Já estou a ouvir algumas vozes, que talvez convoquem uma grande ‘manifestança’, para protestar contra a suspensão total do país. Outros estarão a aplaudir. É sempre assim. Eu diria que mais vale suspender o país, que vê-lo a andar para trás. Daí a minha decisão.     
PS (post scriptum): O autor destas suspensões (eu), admite apenas duas excepções, por haver assuntos que não podem ficar suspensos: a Ministra da Educação e o Ministro das Obras Públicas, obviamente.

 

 
Toda a gente diz que não há soluções milagrosas, seja para o que for, e eu acrescento, excepção feita às análises de muitos políticos, que conseguem o milagre de prometer endireitar o país com argumentos totalmente opostos e soluções contraditórias, em relação às crises que se sucedem ao mesmo ritmo das trovoadas da primavera.
Eles sabem, sobretudo, fazer contas de matemática tão avançada que ainda está para vir quem descodifique a raiz quadrada do milagre dos seus cálculos renais, ou a volumetria do apêndice linguístico em situação de milagroso repouso, verdadeiramente ocasional. Bem podem dizer-me que isso é álgebra pura, que eu direi de imediato que, puro, puro, só aqueles havanos certificados na origem.
Ainda estou para saber se as trovoadas, com todo o seu ribombar, abrem as portas de par em par para que entrem as crises, ou se as crises geram trovoadas de partir mais ou menos tudo, incluindo as portas que estavam sempre fechadas. Neste segundo caso, estariam criadas condições para que o país fosse mais aberto e mais arejado, porque o bafio e o mofo tenderiam a sair das consciências.
Para que tal aconteça é forçoso que todos soprem para o mesmo lado, senão a tendência será para espalhar e não para expulsar, acabando por contaminar, em lugar de purificar.
Ora, por cá, nem sequer se admite a possibilidade de haver um milagroso rasgo de meia dúzia de consciências, que se voltem para o mesmo lado, e sejam capazes de fechar os olhos por instantes, e pensar em comum, que vão conseguir. Parece tão simples mas, na realidade, está bem evidente que é impossível.
Devem ser bem estranhos os interesses que levam uma dúzia de olhos a conjuntivites extremas a que, por sua vez, se juntam hemorragias cerebrais em cadeia, de que resultam incapacidades mentais, no sentido da tomada de decisões conjuntivas, em lugar de as substituir permanentemente por aberrantes discussões disjuntivas. Estranhos interesses, ou estranhíssimos caprichos, que emperram todo um país, que fazem sofrer tanta gente, que fazem com que morram tantas esperanças de felicidade.
Pensar e discutir, eis dois eixos base da natureza humana, sem os quais o homem e a mulher não passariam de seres amorfos e insensíveis, resignados aos princípios básicos da vida, que são o comer e o dormir. Mas, pensar e discutir, têm forçosamente que desembocar na encruzilhada, onde tem de haver uma decisão, para se poder continuar a caminhar, rumo ao destino onde se presume encontrar o bem-estar e a felicidade comum.  
Eles que pensem o que quiserem, mas são eles os responsáveis pelo muito atraso que nos distingue negativamente de outros países. Eles que pensem nos caprichos e nos interesses que os levam a estar sempre em conflitos mesquinhos, tantas vezes com argumentos que só não são para rir, porque são muito sérios os prejuízos que nos causam. Argumentos que, não raras vezes, até parece que os estúpidos somos nós.
Já nem vale a pena insistir, mas deviam ter um mínimo de entendimento entre eles, está bem de ver. Ainda por cima, não tem nada que saber.
25 Nov, 2008

Oh Bama

 

 
Agora é ele sem dúvida o meu ídolo, capaz de me regenerar as energias diluídas num mar de incertezas e de receios quanto ao que me espera no futuro, principalmente, porque o meu banquinho, colocado junto à cadeira onde me sento a trabalhar, serve agora exclusivamente para colocar papelada que já não cabe em cima da secretária.
Eu creio, eu espero, eu acredito piamente, que mr. Oh Bama vai deitar fora toda a espécie de papéis inúteis que ocupam todos os banquinhos, libertando espaço precioso para se poder colocar neles, ao menos uns maços de notas que permitam tranquilizar-me a vista, já que não está ao meu alcance deitar-lhe a mão e manuseá-las à minha vontade.
Isto tudo por causa de muitos espertos que, em bom tempo, conseguiram alcançar montes e montes de maços de notas que estavam dentro dos banquinhos em que eles se sentavam a dormir a sesta, tranquilamente, à espera que os grandes totós aparecessem, com os bolsos cheios, na mira do milagre da multiplicação dos maços.
Mr. Oh Bama já explicou que está por dentro de todos esses esquemas, também há quem diga que são sistemas, pois ele há muito tempo que lê uma cartilha muito diferente da de mr. W. Brusho, até porque é muito melhor a experiência de vida da escola africana, quando comparada com a escola dos casinos americanos. É sabido que os banquinhos da escola africana são o chão vazio, enquanto os banquinhos dos casinos americanos, estão a abarrotar de maços de notas, prontos a comprar tudo o que não presta para coisa alguma.
Tenho muita pena de não poder votar em mr. Oh Bama, mas acontece que não estou lá. Mesmo que quisesse lá ir, tinha de ver se o meu banquinho está vazio, ou se já lá chegou o cheque providencial que veio do céu, e me daria acesso à viagem de ida e volta. Sim, porque eu não quero emigrar, por enquanto e, agora me lembro, ainda sou eleitor de cá, onde abundam simpatizantes e até devotos, de mr. Mé Cain, a quem desejo que se deixe estar por lá, que não faz cá falta nenhuma, ainda que viesse para ajudante do sr. Engenheiro.
 Ah, mas mr. Oh Bama seria muito bem-vindo pois, sem dúvida, levaria ao rubro, o ânimo de quem quer viver num país onde todos os banquinhos se transformassem em bancos grandes, como agora se provou que o são os americanos, e onde o tio Zé, mudasse a sua graça para tio Sam, nem que fosse apenas por uma noite de Brushos.  
Estou mesmo convencido que mr. Oh Bama não tardará a dar uma saltada à Ilha Terceira, para ver como as lajes deitam fumo nos campos ferventes daquelas longínquas paragens, como se houvesse por ali cavacos de lenha a arder. O novo presidente, aproveitaria a oportunidade para ver o melhor de César, a sua autonomia virtual, fruto das novas oportunidades continentais.
Com muito melhores razões que eu, tenho quase a certeza que Carlos, entre dois presidentes e entre dois continentes, mas longe de ser incontinente, também preferia mr. Oh Bama.
 
 
24 Nov, 2008

Os outros pobres

 

Andam demasiados pobres a empobrecer-nos cada vez mais. Parece que ninguém contesta que somos um país pobre. O que parece que quase ninguém quer perceber é a razão porque não vamos sair desta situação enquanto muita gente não mudar de atitude.
Temos à volta de quatrocentos mil desempregados, mas há empresas que querem admitir pessoal e não encontram quem queira trabalhar. São exemplos disso os anúncios nos jornais e os pedidos nas montras ou nas portas dos estabelecimentos comerciais à procura de colaboradores, como agora chamam aos empregados. Desta incoerência resultam montes de subsídios de desemprego, ou do rendimento de inserção, pagos pelos poucos portugueses que trabalham, porque não são os governantes que pagam do seu bolso, como é óbvio.
Entramos em qualquer lado e quase só ouvimos falar português mal amanhado de meninas do leste, ou com aquele sotaque característico do outro lado mar. Para não falar na construção civil ou na agricultura empresarial, onde os portugueses já quase não fazem calos nas mãos. Toda esta mão de obra custa dinheiro ao país, dinheiro que na sua quase totalidade vai para os países de origem desses trabalhadores.
No entanto, há muitos portugueses que continuam a emigrar, com o argumento de que não conseguem encontrar trabalho no país ou, o que lhes é oferecido, é mal retribuído. Depois, vão lá para fora trabalhar dia e noite para ganhar o que não querem ganhar cá, quer pelo horário, quer pela natureza do trabalho. Com a agravante de que, volta não volta, são burlados e voltam de mãos a abanar, depois de intervenções dos consulados que os ajudam a regressar.
Claro que a culpa de tudo isto, e de muito mais, é do estado, no dizer da outra componente de pobres que afundam cada vez mais o país. São aqueles que não pagam impostos, que mandam o dinheiro lá para fora, que não conhecem regras de conduta e ainda se reclamam de vítimas da incompetência de quem lhes descobre a vigarice.
A culpa é, realmente, do estado, porque não consegue resolver estas e outras anomalias de que enferma a nossa pobre sociedade que, no entanto, insiste em exigir vida de rica, sem olhar à riqueza que não aceita produzir. A responsabilidade do estado está, precisamente, na excessiva tolerância que, de há muito, permite intoleráveis abusos e criminosas atitudes que têm ficado impunes.
Se tal não acontecesse, como não acontece em muitos outros países que os abusadores tanto gostam de citar, o nosso seria, no mínimo, um país de remediados, que poderia cuidar de outro modo mais justo, dos verdadeiros pobres que não têm mesmo hipótese de ter uma vida decente.
Somos um país pobre, é verdade, mas por culpa dos governos que não souberam cuidar de alguns ricos: os pobres de espírito, os pobres sem consciência, os pobres que não sabem o que é solidariedade, os pobres que têm a língua suja e os pobres que desprezam os mais elementares deveres de vivência em sociedade. E, cuidar desses pobres era, simplesmente, metê-los na ordem. Pode tardar mais ou menos tempo, mas é inevitável que alguém acabará por ter a coragem suficiente para o fazer.
Depois, seremos um país menos pobre, com muito menos pobres.

Hoje, ao acordar, pareceu-me ouvir o troar dos canhões, vindo do interior do rádio de cabeceira que, entretanto, abri para ouvir as notícias. Falava um alto entendido em questões marciais que, só não me pôs em sentido, porque estava na posição horizontal e em trajos menores, com a agravante de estar muito frio cá fora.

A verdade é que fiquei mesmo baralhado, sem saber se havia de ficar satisfeito com a possibilidade de vir aí uma segunda edição da revolução dos cravos, ou se havia de ficar assustado com a eventualidade de se aproximar uma contra revolução semelhante a outra então abortada. A minha maior dúvida, residia na forma como me devia preparar para um desses eventos, já que a bandeirinha que devia levar para a rua, tinha de ser completamente diferente.
Depois apeteceu-me perguntar ao supremo entendido em guerras, se ele próprio estava a publicitar a primeira ou a segunda hipótese. Mas, aquele alerta não estava integrado em nenhum fórum, logo, competia-me ouvir e calar. No entanto, ninguém me impedia de pensar.
Para mim, a coisa até nem teria grande importância, se não me alertassem para o facto de a democracia poder vir a estar em risco, por causa de um indefinido mal-estar, que podia levar alguém a cometer disparates lamentáveis. Ora aqui é que está o busílis. O mal-estar justifica ou não um alerta, ou um incentivo, para dar cobertura a disparates. Até parece que os disparates podem ser aceitáveis ou não. Mas, então, se são aceitáveis, nunca serão disparates, mas antes actos que se justificam com o mal-estar, discutível ou indiscutível.
Porém, o pior é afirmar que um mal-estar e seus consequentes disparates, podem pôr em causa a democracia. Eu, que não sou especialista em nada deste mundo, penso que isso equivaleria a subverter o regime vigente, entregando os destinos do país aos pacientes do mal-estar, e autores dos disparates que levariam à queda do regime.
Então, havia de ser bonito, pois teríamos um mal-estar restrito, substituído por um bem-estar igualmente restrito, que teria de ser conseguido à custa do agravamento do mal-estar generalizado. Já tenho ouvido na televisão, ‘mas que raio de democracia é esta?’. Até nem me soa muito bem este tipo de interrogações, porque cada vez me convenço mais que a democracia, sendo o menor dos males, anda cada vez mais dependente do estômago, ou da barriguinha de cada um. Agora, parece que já não é preciso haver eleições para saber quem nos governa.
É por isso que temos anunciadas várias guerras com a proximidade do escrutínio popular. E já não são só os generais e os sargentos a decretar os campos de batalha. Resta saber até quando o povo os deixará continuar com a técnica guerreira dos disparates. Uma coisa, é falar em nome do povo, outra coisa bem diferente, é ter o apoio dele.
 
 
 

 

 
Que anda muita gente com falta de ar, já todos nós sabíamos, pois basta ver a ginástica diária que uma boa parte dos portugueses fazem, para resistir às contrariedades que acabam por criar suspiros de ansiedade e, em muitos casos, lágrimas de verdadeiro desespero. Nestes casos, a falta de ar resulta, portanto, de apertos de corações angustiados.
Mas, não é só isso que nos preocupa. Quem nos lembra esse flagelo é alguém que tem um bom assento, num local onde não há salários em atraso, nem tem nada a ver com o salário mínimo, nem tão pouco está em risco de provocar desemprego, seja de quem for. Porque não pode haver falência legal ou fraudulenta de quem paga pontualmente uma pipa de massa a esse alguém, sem que corra o risco de ser abrangido pela deslocalização desse paraíso que o alberga.
Esse alguém, lança-nos um repto muito interessante, através da sua voz sibilina, mas muito nasalada, quando diz que é inaceitável que o fulano fale com o sicrano. Mais que isso. É intolerável que tal aconteça, logo, é deplorável que o país assista a tão miserável situação. Acrescenta ainda que é impensável que o fulano não esteja a catequizar o sicrano, de forma lamentável, para obter dele o indesejável favor de um elogio altamente reprovável.
Quase me sinto tentado a revelar o currículo deste ilustre Ável, reputado cidadão, que nos transmite a confortável sensação de podermos dormir descansados, devido à sua incansável acção de vigia, não só do execrável fulano, como do irresponsável sicrano. O país do Ável, é uma insuportável democracia de falta de ar, porque o tal fulano respira demais, tornando o ar insuficiente e irrespirável, com a culpável acção do sicrano, que tem o grande defeito de ser facilmente subornável.
É espectável que o nosso benfeitor Ável não entre num elevador, nem seja capaz de se manter de forma estável num compartimento, mesmo agradável, sem que comece de imediato a correr para junto de uma janela. Não é suportável permanecer em ambiente não arejável. É uma inevitável incapacidade, que o obriga a ver no fulano, o responsável pelo consumo do ar que lhe falta a toda a hora, já que não é insuflável.
Gramaticalmente, parece-me já ter ouvido o termo correcto para definir esta incapacidade mas, de momento, varreu-se-me. Tenho apenas uma vaga ideia de que se trata de uma fobia, talvez relacionada com o isolamento que se vive nos conventos mas, curiosamente, ali não se dizem incoerências nem disparates pois, como toda a gente sabe, os claustros são locais de silêncio e reflexão. E, que eu saiba, nunca ali faltou o ar a nenhum frade ou freira, que sempre respiraram democraticamente, sem que tivessem de disputar o ar que os rodeia.
No meio de tanta coisa que me preocupa, só cá faltava esta fobia dos claustros, onde nem sei se há ou não democracia.     
21 Nov, 2008

Como eu o invejo

Vejo um gato sentado atrás da vidraça de uma janela. Não pude deixar de o observar atentamente depois de me ter chamado a atenção com a sua pose calma e serena, imóvel e sonhadora.

Os olhos sonolentos abriam-se e logo se fechavam por curtos espaços, quase imperceptivelmente, como se lhe fossem indiferentes as imagens que lhe chegavam do exterior, que ia trocando pelas que retinha interiormente. Ou então, nem umas nem outras lhe impressionavam a sensibilidade, preferindo dar prioridade ao estado de êxtase em que, inconscientemente, se deliciava.
Um gato sentado, assim, é uma imagem extraordinária de doçura. Transmite a sensação de que a maldade não existe, porque ele nada diz, nada ouve, não interfere com nada, nem com ninguém.
É um cromo irreal, com vida, como se fosse um cromo de verdade, uma imagem perfeita do sossego e do repouso, durante o qual nada quer dar nem receber.
Muitos homens e muitas mulheres precisavam ter momentos assim, sentados, descontraídos, dirigindo o olhar para dentro de si próprios, como se ali houvesse um cantinho fora do mundo actual, onde pudessem encontrar a paz, o silêncio e um estado de alma semelhante ao êxtase do gato sentado.
Não podemos ignorar que há homens e mulheres que conseguem libertar-se de tudo o que os rodeia e fazem longas reflexões e meditações, mas esses são muito poucos. São tão poucos que não conseguem baixar o ruído do frenesim de quem pulula à sua volta, de olhos baixos, cravados no chão, em lugar de os levantarem para a imensidão do firmamento onde, não vendo nada, encontrariam o antídoto para a confusão que sentem permanentemente nos seus ouvidos.
Deixei o gato no seu arrebatamento, mas a sua imagem continuou na minha memória, agora procurando servir-me dela para aperfeiçoar o meu estado de espírito futuro.
De imediato me vieram à lembrança pequenas guerras que travava diariamente, simplesmente, porque ouvia o que não gostava, ou via o que bem podia evitar, factos que eu não podia dominar nem alterar, por muito generoso ou lutador que quisesse ser.
O gato não tinha esses problemas. Pareceu-me que devia seguir o procedimento que a sua imagem me sugeria.
Podia elevar o pensamento até às nuvens, semicerrar os olhos para que não interferissem, e deixar-me conduzir até atingir o êxtase inebriante que volatiliza todos os sentidos. Como não sabia o que isso era, fiquei a matutar no modo de conseguir tão almejado estado de pureza e enlevo, embora reconhecendo que só o conseguiria se atingisse um grau de contemplação a roçar o sobrenatural.
Senti um arrepio pelo corpo todo, como se acabasse de concluir que estava com os pés bem assentes na terra e não atrás da vidraça da janela, onde apenas um vidro separa o paraíso felino, do inferno humano da rua.
 

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