Pelo tom de voz o homem não vinha satisfeito. Ainda por cima, vinha só e a falar sozinho, o que não constituía surpresa nenhuma, pois cada vez se encontra mais gente a falar sozinha, em voz alta, mais baixa ou, simplesmente, a balbuciar palavras quase imperceptíveis. Quase sempre gesticulando em conformidade com a conversa, cujo retorno é íntimo e silencioso.
Isso é que era bom! ... Dizia o homem simples, de meia-idade, enquanto caminhava apressado. A justificação de tal desabafo, veio de seguida, mas a voz baixou de tom e as palavras perdiam-se no meio do ruído da rua. Não é difícil adivinhar nelas um sentimento de desagrado, porque alguém, ou alguma coisa, não estava a encaixar no seu modo de ver e de pensar a vida e os seus costumes.
Ali, aquilo que alguém lhe propôs, ou lhe disse o que ele não gostou de ouvir, era o ‘isso’, e de ‘bom’ não devia ter nada, até porque o ‘era’ significava, simplesmente, que tal propósito fora gorado pela liminar recusa que a frase deixa claramente antever.
Esta frase parece conter um português popularucho, e conterá certamente, mas revela uma reacção sugestiva a determinadas espertezas que algumas pessoas se atrevem a tentar junto de quem consideram ser um bom alvo para a obtenção dos seus fins menos claros.
Isso é que era bom, era o que devíamos responder, mesmo em ambientes mais eruditos que a rua, a determinadas propostas e sugestões de gente fina, digo eu, que a toda a hora insiste em querer embrulhar-nos prendas, que só merecem papel pardo do merceeiro antigo, agora oferecidas em reluzente papel de cores berrantes como o tom do seu palavreado ultra moderno. Porém, eles dizem: Isto é que é bom. A diferença é pequena.
Isso é que era bom! … Sim, era o que devíamos responder àqueles que pensam que andam entre burros de orelhas curtas, mesmo que sejam eles a dar coices mais ou menos disfarçados de carícias embaladoras.
Seria realmente muito bom se pudéssemos levar a sério cada palavra, cada frase, cada olhar que nos fossem dirigidos na rua ou fora dela, por pessoas conhecidas ou desconhecidas, por gente mais modesta ou mais sofisticada, sem que alguém nos inspirasse aquela desconfiança crónica, resultante de factos vividos, relatados, ou presenciados, que ficam gravados na nossa memória, como pesadelos que nos limitam as liberdades que jamais sonhávamos, há uns anos, poder vir a perder ingloriamente, depois de as termos saudado com tanta euforia.
Isso é que era bom! … Agora pareceu-me ouvir um coro de vozes concordantes. Sim, há coisas que se ganham e nunca mais se podem perder, por muito que tenhamos de levantar a voz.
Mas, neste momento, parece que há muitas vozes que gritam na rua, mas no sentido contrário, que é o sentido da anarquia, o sentido de que é na rua que se governa, o sentido de que tudo se mantenha como era dantes. Isso mesmo, aquilo que dantes estava, reconhecidamente, muito mal.
Mesmo que sejam muitos a gritar, nunca serão mais que aqueles que estão calados, mas sabem que terão voz quando chegar a ocasião. Nunca mais nos venham dizer que, nessa ocasião, haverá vozes que valem mais que outras. Ainda que digam que são importantes e que são mais democratas que ninguém. A asneira não tem boca pré definida.
Isso é que era bom! …