Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

afonsonunes

afonsonunes

Confesso que estou morto de gozo, depois de uma viagem longa, muito longa, em que me fartei de dormir lá nas alturas e, quando abria os olhos à socapa, só via coisas boas à minha frente e à minha volta. Dava então para pensar que, se isto aqui em cima era assim, o que seria quando descesse à terra e pudesse meter as mãos, onde agora só podia meter o olhar, e de fugida.

Realmente, ainda faltava muito para a meia-noite, mas a minha imaginação já estava em brasa. Porque à meia-noite tudo tem de mudar. A começar pela água da torneira ou do vinho de garrafão, que serão banidos das mesas de toda a gente, para dar lugar a ruidosos espirros de garrafas de champanhe, das mais diversas origens do mundo inteiro.  
Muita gente vai evaporar-se de gabinetes sombrios e conflituosos, para se dirigir a um casino repleto de vítimas de decisões que saíram desses gabinetes. Será uma oportunidade única para a reconciliação amigável, festejada com muitos beijos e abraços e, em alguns casos mais sensíveis, trocas de prendas e provas de amor eterno.
Todas as greves previstas para esta noite, e eram muitas, foram surpreendentemente canceladas, porque ninguém quis deixar de abraçar chefes ou patrões, e confraternizar com eles, promotores dos festejos que, por uma noite, deixaram de ser sovinas e caloteiros. A melhor prova disso, é que eu estive no ar, e comigo estiveram pessoas, com caramba, que eu nunca imaginei ver juntas, nem mesmo nas imensas alturas.
Tudo tem de mudar. Ainda falta muito para a meia-noite e já não oiço ninguém a lamentar as suas desgraças ou misérias, sinal de que vai haver muita música nova e espírito de reinação, com danças e contradanças animadíssimas, onde todas as caras estarão desmascaradas e limpas de todas as sujidades e de todas as vaidades.
A partir da meia-noite não haverá fatos de macaco nem asas de grilo, não haverá mesa reservada para ninguém, nem lugares cativos, ou menus encomendados. Tudo isto para evitar os assobios dos que só viam disto pela televisão, para evitar os nomes foleiros atirados a quem se julgava sempre sentado na mesa de honra, para evitar que houvesse música especial para dançarinos e dançarinas especiais.
A partir da meia-noite, não sei ainda o que vou comer, nem onde me vou sentar, tendo grandes expectativas de ficar ao lado de uma personalidade daquelas que trazem sempre uma enormidade de fotógrafos atrás, ou à frente. Assim, também eu poderei aspirar a ficar em alguma das muitas imagens que depois correrão o país e o mundo. Eu sei que é assim que se começa a ser célebre. Lá diz o povo, junta-te aos bons e serás melhor que eles. Eu sei que sou bom, portanto, alguém acabará por se juntar a mim.
Depois da meia-noite, longe do meu país e da minha casa, eu sei que vou estar na melhor passagem de ano do mundo. Comigo vão estar todos aqueles de quem tanto mal vós tendes dito, os mesmos que tanto mal têm dito uns dos outros, e os mesmos que querem todos a mesma coisa. Mas, nesta noite diferente, vão comer, beber e dançar, como se fossem todos, aquilo que todos desejam ser.
Quanto a mim, mais uma vez me deixei dormir em casa e fiquei a sonhar com o avião que sempre partirá sem mim. Depois da meia-noite, para mim, nada vai mudar.
 

 

Ainda dizem que não há milagres. Também dizem que não há bruxas, mas… lá vão falando nelas e nos seus endiabrados feitiços. Portanto, falar de milagres não é assim tão despropositado como a muitos pode parecer. Só que há milagres a mais na cabeça de certas pessoas que se julgam da lei terrena libertadas, para se entregarem à esperança de que a lei divina os isente dos dissabores da vida.

É precisamente daqueles que, provavelmente, só entraram numa igreja quando casaram, se é que casaram, ou casaram pela igreja, que me lembrei, neste dia em que oito peregrinos rumaram a Fátima, terra de fé e de esperança pela oração. Ao que sei, não foram ali rezar, nem tão pouco foram cumprir promessas, ou assistir ao conforto espiritual da missa.
Apesar disso, lá estava alguém à sua espera, para ouvir certamente o desconforto daquelas almas que sofrem, que clamam por justiça, no convencimento de que uma influência, não divina, mas humana, veiculada através do poder de comunicação com as multidões, lhes salvará a face de desmandos que não souberam controlar.
Outros peregrinos cheios de fé, fazendo grandes sacrifícios físicos e financeiros, deslocam-se ali ao longo do ano inteiro, mas não encontram mais que o conforto e o sossego do santuário. Não esperam mais que ver uma imagem perante a qual se curvam devotadamente. Não esperam senão rezar longas e demoradas orações, antes de regressarem a suas casas.
Mas, há oito peregrinos de faz de conta, que vão a Fátima bem instalados em confortáveis viaturas, que não rezam enquanto esperam que aconteça a recepção no interior do santuário, pedida e aceite, sabendo-se que de religiosa nada tinha. Que privilégios se conseguem, comparados com a distância a que ficam os verdadeiros peregrinos, de alguns dos representantes da fé naquele local sagrado.
Presume-se que o encontro, a audiência ou a conferência, tenha tido um tom muito amistoso, talvez porque o assunto versado fosse de interesse mútuo, ou de interesses diferentes que, no fundo, visavam o mesmo objectivo, que nada tem a ver com a fé. Nem tão pouco com o conforto espiritual que os representantes da igreja dão aos desesperados da sorte e da doença.
No final, e à saída de tão importante encontro, não se falou de guerras nem de paragens no regresso a casa. Falou-se de esperança em conversas de paz mas, aparentemente, com o dedo no gatilho da arma que se adivinhava no bolso. Resta saber se havia apenas uma arma escondida. Pela escolha das palavras do lado que se supõe ser o lado da paz, ficam algumas reservas.
Adivinha-se o que vão ser muitas das homilias do próximo fim de semana, como aliás o são, sempre que se aproximam eleições. Curiosamente, nunca a favor dos ora peregrinos, mas as circunstâncias mudam como os ventos.
Só é de esperar que, da parte do governo, não haja a tentação de reagir, aconselhando os cidadãos a não confessarem os seus pecados a esses confessores conselheiros. E que não cometa a imprudência de aconselhar esses peregrinos a fazerem a próxima viagem a pé, como sinal de devoção a sério.
  

 

Realmente temos de convir que algo vai mesmo muito mal no mundo da bola, causa de um mal-estar generalizado nas bancadas, e de um clima de bocas foleiras no meio das ruas por onde passam os inconformados, com as estratégias ditadas pelos grandes.
O problema é muito simples. Anda muita gente com a bola agitada, só porque apareceu um técnico que quer revolucionar todo o sistema que esses citados grandes insistem em manter, contra a vontade de todos os intervenientes do jogo. Jogo que pode ser limpo e transparente, se deixarem as tretas atrás das costas e seguirem a doutrina do grande inovador e pé de gago, agora na crista da onda.
Como toda a gente sabe, ou devia saber, no sistema que os grandes mantêm, há onze titulares, mais de outros tantos suplentes, um treinador titular, mais dois suplentes, um árbitro titular, mais três suplentes, e ainda os apanha bolas que não são gente nem nada.
Ora, isto não pode continuar, defende o técnico que descobriu o poder dos injustiçados suplentes. A partir de agora, toda aquela gente passa a titular, tendo garantida a maçaroca do nível mais elevado, no sistema extinto, por decisão irrevogável da classe única e indivisa da bola no ar. Excepto os apanha bolas, que não são nada, nem ninguém, logo, vão para a bancada a aprender o que nós não estamos dispostos a ensinar.
Como é de calcular, os grandes estão inconsoláveis, pois não estão a ver como é possível serem todos titulares, lamentando a situação injusta dos apanha bolas. E os quatro árbitros, todos a apitar a mesma falta ou, uns a marcar canto, enquanto outros assinalam penalti? Isto só pode ser uma sinfonia de parvoíce, pensam os grandes, preocupados com a maçaroca, que lhes vai sair dos cofres.
Nada disso, refuta o grande inovador. Eu é que tenho o saber, logo, só eu é que posso falar a sério, ou não representasse eu, e só eu, toda a classe una e indivisível dos titulares da bola ao ar. Mas, eu explico tudo direitinho, porque a gente bem vê que os grandes nem mandar sabem.
Nós já criamos o comité central, constituído pelo guarda-redes central, pelo defesa central, pelo médio central, pelo avançado central e pelo árbitro central. Logicamente que eu, como técnico central, presido ao comité central, a quem cabe decidir tudo. Mas mesmo tudo, em reunião aberta do comité.
Já sei que estão ansiosos por saber como vamos jogar dentro do campo. Muito simplesmente, são todos titulares. Onze a correr, quatro a apitar, oito a apanhar bolas, quatro maqueiros e eu a controlar. Aí estão vinte e oito titulares. Agora digam lá onde é que está a dificuldade. Só os grandes é que não querem ver.
Com esta facilidade toda, acabamos com os suplentes e, como é lógico, também acabámos com a questão das cotas, para que os sócios nos aplaudam. E, muito importante, nós só recebemos notas, não damos nada a ninguém.

 

 
Cada vez que o país sofre um abanão aparecem logo os valentões que pensam que podem deitá-lo abaixo. Nem sequer imaginam que também eles fazem parte do bom ou mau país que temos, o que significa que, se conseguissem os seus intentos, lá iam eles atrás daqueles que tanto desejam ver borda fora.
A verdade é que o país que temos, não foi feito agora, nem foi feito por duas ou três dúzias de malvados que surgiram não se sabe de onde, de pistolas em punho, e tomaram conta disto, depois de disparos em todas as direcções. Este é um cenário que, muito provavelmente, agradaria a um certo tipo de democratas que costumam falar alto. Mas, tudo isto, não passa de uma graça, sem graça, e fora de contexto.
O país que temos é o resultado de portugueses positivos e portugueses negativos, do que resulta uma média de portugueses assim assim ou, pouco mais ou menos, talvez a tender para o menos, por causa dos tais mais negativos. Que ainda são muitos, infelizmente.
De qualquer forma, o país já sofreu muitos abanões, de maior ou menor dimensão, mas sempre sobreviveu, graças aos portugueses positivos, que souberam abafar as vozes do desânimo, e até da revolta, quantas vezes dos que mais contribuíram para o abanão. Isto é de décadas e não de agora, pois o que se passa actualmente, não é mais do que uma reposição de cenas já vividas, com outros actores e outros cenários.
Interessante é que, pelo que vamos lendo e ouvindo, quem mais se insurge com a situação actual é, precisamente, quem mais de perto conviveu, resta saber se foi só isso, com os tais actores que já saíram de cena, e dos quais receberam a herança que se está a revelar desastrosa para todos nós e, ao que parece, a cair dentro das nossas próprias algibeiras.
Quer isto dizer, lá na deles, que se consideram as maiores vítimas deste abanão, exigindo explicações a quem lhas devia pedir a eles. Quem anda de boa fé em tudo isto, só pode pedir que venham de lá as averiguações feitas por quem de direito, averiguações que não se fiquem apenas pelos inquéritos e pelos paleios do costume. Já é tempo de se saber quem quer a verdade e quem apenas pretende que ela seja disfarçada, através de expedientes que apenas visam desviar a atenção para outros protagonistas.
A verdade é que não se podem ignorar os antecedentes deste e de outros abanões, porque o histórico sempre foi um excelente factor de análise e de prevenção de acontecimentos de qualquer espécie. Ora, analisando quem andou à volta do cataclismo nas suas origens, tem de estar bem ciente de que não pode estar eternamente a disfarçar-se no meio da multidão. E o país não pode permitir que eles gozem do privilégio de se fazerem sucessores automáticos, porque não estamos em monarquia, do reino que tão profundamente nos tem marcado pela negativa.
Portanto, mais do que pretender fazer marcha atrás, seja lá no que for, é necessário ter sempre em consideração, qual a origem dos senhores que se seguem.
27 Dez, 2008

O bigode e a loira

 

 
A loira veio do frio e o bigode adora tudo o que se passa lá pelo frio longínquo, apesar de ter nascido por cá, e por cá se ter mantido, com os dois olhos e os dois ouvidos assestados permanentemente para as paragens de onde veio a loira. Convém esclarecer que, o facto de eu estar a metê-los aqui, em conjunto, eles nada têm a ver um com o outro. E até seria uma pena se tivessem. Ah! Não tenho nada contra bigodes normais.
Seria uma pena, se alguma ligação os unisse, pela razão simples de que eu gosto da loira. Não faço ideia se ela é fria como as suas origens, ou se é quente como a terra que escolheu para viver. Sei que o seu sorriso responde a todas as perguntas que parecem sair do seu olhar penetrante. Também eu já fiz as minhas perguntas através do meu olhar incisivo, mas as respostas foram sempre dadas, só e apenas, pelo sorriso que muita gente vê e admira, tal como eu.
O bigode é outra história. Eu não gosto de bigodes e, muito menos, no sentido de que gosto da loira. Depois, aquele arreganho do bigode, quando sorri, ao mesmo tempo que profere ameaças de fazer ruir o mundo, faz-me cá um medo de ir meter-me debaixo das saias da loira. Parece-me que seria um abrigo seguro contra o bigode ameaçador e ao mesmo tempo sorridente. Não consigo perceber esta polivalência.
Vejo um e o outro no mesmo palco, mas nunca ao mesmo tempo. Quando aparece a loira nunca me lembro do bigode mas, ao contrário, quando vejo o bigode, viro a cara para o lado e só penso no sorriso da loira. E, por cima do sorriso dela, lá estão os olhos de uma tentação infinita.
Quando o bigode fala, não oiço palavra com palavra do que ele diz. Porque logo penso que a loira nunca fala, mesmo quando aparece no palco. Mas, eu imagino que ela tenha uma voz tão doce como o olhar e tão pura como o seu sorriso.
O bigode enerva-me porque não me ensina nada, só ofende a minha sensibilidade e retira-me a concentração que me faz falta para não perder uma imagem que seja da loira, retida no meu pensamento. Às vezes pergunto a mim próprio, porque motivo há-de haver um bigode que faz sentir-me ignorante, no lugar onde podia estar sempre a loira, sempre sorrindo, sempre pestanejando.
Aquele palco partilhado, podia ser um lugar paradisíaco, se não houvesse um bigode atroz, que faz tremer tudo à sua volta, espalhando muito medo e impedindo a felicidade de alguém se sentir a sós com uma loira que não fala, mas sorri candidamente.
É por isso que daqui faço um apelo desesperado a quem faz a gestão do palco. Por favor, convidem o bigode a prescindir de dar espectáculo, que eu prescindo com todo o prazer de o ver e de o ouvir.
Porém, se de todo for impossível, por questões contratuais, dividam o palco ao meio quando o bigode estiver a dissertar. Num lado o bigode a falar e no outro a loira a sorrir. Por mim, já estaria satisfeito.
 
 
 
 
26 Dez, 2008

A corte e a corte

Há uma diferença abissal entre uma e a outra corte, apesar da sua aparente semelhança à primeira vista. Uma delas designa o local de acolhimento dos animais nas zonas rurais e a sua pronúncia faz-se com o ó aberto. A outra designa o paradeiro ou o aparato real e obriga-nos a fechar o ô. Coisas aparentemente sem sentido, que obrigam à hesitação da língua, antes de pender para uma ou para a outra corte.

É, portanto, uma questão de ó ou de ô, mas estamos proibidos de estabelecer essa diferença ao escrevê-las. Como se a corte dos animais domésticos, normalmente, um anexo da casa de residência, juntamente com o palheiro e o quintal, fossem assim uma espécie de sumptuoso palácio onde a realeza e a fidalguia vão matando o tempo entre os aposentos de dormir e de comer, com passagem pelos salões de diversão.
Mas, isso era nos tempos de antanho, porque hoje já são poucos os animais que têm corte, mas são muito mais que os reis e os fidalgos, aqueles mandões que têm a sua corte. E infindáveis são todos os melados que passam a vida a fazer a corte com vista a algo, ou a alguém.
Mais ou menos justificada está a corte que serve, rodeia e acompanha as mais altas individualidades do estado, tendo em linha de conta o prestígio e a dignidade que lhes são devidos, bem como as múltiplas respostas a solicitações de todo o tipo e em qualquer momento. Porém, andam por ali muitos fidalgotes atrelados, que não fazem nada, nem servem para nada, andando ou estando por ali, exclusivamente, para engrossar a corte dos servidores de suas excelências. 
Há a extensa corte de outros servidores do estado, os directores e as chefias de quase todos os níveis, onde os séquitos são constituídos por lacaios, que em lugar de ajudar a resolver qualquer coisa, se dedicam a dar ordens que só servem para complicar a vida de muitos subordinados que, por sua vez, são obrigados a fazer a vida negra aos utentes que os procuram.
Não menor é a corte dos privados que criam as suas quintas, os seus quintais, os seus palheiros, onde até têm uma corte para os animaizinhos domésticos, que estão programados para armazenarem o mais que podem, às escondidas, até os palheiros rebentarem pelas costuras, para mais tarde serem esvaziados, também às escondidas. 
Como se não bastassem as muitas cortes que fazem de nós os tributários a quem compete sustentar todos os reis, fidalgos e lacaios, ainda nos caem em cima os cortes, estes no masculino, que nos levam o couro e o cabelo, cada vez que as cortes não conseguem cumprir os orçamentos, ainda que devido aos excessos de luxúria praticados nos seus salões.
Lembro-me muitas vezes das cortes de antigamente, nos quintais das aldeias rurais, onde os animais dormiam ou repousavam quando o trabalho dava uma folga. Sim, os animais trabalhavam. E, enquanto descansavam, ainda dormiam, ruminavam e rentabilizavam a cama, que só era mudada de tempos a tempos. Era o adubo das terras que, então, ou não havia, ou era demasiado caro para a agricultura de subsistência. Onde o burro e a vaca eram reis. Reis da sua corte.
Os cortesãos de hoje, nunca darão o devido valor às comodidades e aos luxos das suas cortes.
 
25 Dez, 2008

O drama do dia

Nem quero sequer pensar que pode vir a acontecer um dia, em que não haja nada, nadinha mesmo, que não nos surpreenda pela manhã, logo que assentemos o primeiro pé fora da cama. Depois das mortes e das desgraças, que já não surpreendem ninguém, lá vem a notícia do dia, geralmente, um pressentimento, um desabafo, um receio, um palpite, de um político, ou de um presidente de um clube de futebol lá de cima, ou lá de baixo. Muito mais surpreendente, se for lá de cima.

Esse constituirá, sem dúvida, o drama do dia, repetido até à exaustão durante toda a jornada informativa e em tudo quanto diz que divulga notícias. Mesmo que não consiga dar uma, que mereça essa designação tão enganadora. Admito que haja quem goste do estilo, mas também admito que há, quem não saiba lidar com notícias, mesmo que diga que as dá a todo o momento.
Até porque sabemos que já ninguém dá nada a ninguém, ainda que seja gato por lebre. Quando muito, impingem-nos qualquer coisa, com o intuito de receber muita coisa em troca. E nós, uns mais que outros, lá vamos entrando, ainda que contrariados, que mais não seja com a nossa benevolência, a nossa paciência, por vezes com o nosso desprezo e o nosso repúdio, por aquilo que eles queriam que nós aceitássemos.
Tenho para mim que muitas vezes é ignorado um dos significados de notícia, que é informação de uma coisa sabida por quem a dá. As minhas dúvidas começam logo aqui. Quem dá a notícia deve saber o que dá, e não limitar-se a papaguear aquilo que leu, ou ouviu, em outra informação qualquer, provavelmente, também papagueada.
O drama do dia pode, pois, ser apenas a constatação de uma vulgaridade, de um lugar-comum, por exemplo, do homem que dorme sem pijama, ou da mulher que não gosta de cuecas. Do presidente que diz que vai ganhar o próximo jogo, ou do político que diz saber o que pensa outro político. É bem de ver que, coisas destas sobre pijamas, cuecas, jogos e pensamentos de políticos, só podem ser notícia, para quem não pensa mesmo nada.
O drama do dia, ao menos, podia ser uma novidade sobre factos ou pessoas com notoriedade, que nos trouxesse algo de interesse e interessante, e não o costumeiro registo de quem vai andar por aqui, já se sabe a fazer o quê, e a dizer amanhã, coisa ainda pior do que acabou de dizer hoje. Isto pode não ser propriamente um drama, mas é dramático que não haja imaginação para nos dar um drama diário a sério, não nos noticiários mas, sugiro eu, num programa do tipo, coisas do arco-da-velha, já que isso talvez fosse considerado por alguns, como tendo alguma actualidade. Claro que há sempre quem exerça o seu direito de veto e eu concordo plenamente. Direitos, são direitos, mesmo os que se revelam bem tortos.
Como este escrito não é uma notícia, nem nada que se pareça com isso, parece-me conveniente que também não deve ser considerado nenhum drama, nem do dia, nem da noite.

 

 
Que Deus nos livre! ... Este desabafo, certamente, teria o impacto do anúncio de uma bomba atómica prestes a rebentar no meio dos crentes e dos ateus, que vivem sob o céu que uns desejam fervorosamente e outros ignoram distraidamente. Tão divina visita devia ser a suprema ambição de quem ambiciona a vida eterna e, quem sabe, o início de uma tentativa de começar já, a ganhar a possibilidade de garantir o tão almejado lugar.
Mas, Cristo não é um qualquer cidadão do mundo a quem se possa meter uma cunha, ou contar uma pureza de vida que a consciência não possa confirmar. Certamente que Cristo não viria perguntar a ninguém, quais os defeitos e as virtudes dos avaliados e candidatos à frequência do seu reino. Daí que a tradicional confiança nos dotes próprios, sofresse desde logo um duro golpe, perante a verdade nua e crua da justiça divina.
É por isso que o pânico seria total e Cristo teria, certamente, que virar costas para não provocar o colapso deste planeta desorientado. Assim, como está agora, ainda há quem se vá safando menos mal e, como dizia o outro, do mal o menos.
Já agora, podemos fazer de conta que Cristo vem aí. Vamos ensaiar uma cena terrível. Uma espécie de simulacro, ou uma preparação para sobreviver a um evento de grande impacto sobre a população deste território experimental, tubo de ensaio de toda a arte de enganar o parceiro do lado.
O anúncio da chegada de Cristo foi feito vinte e quatro horas antes, como manda a lei. A princípio, as pessoas olharam umas para as outras, caladas, incrédulas. Pensaram nas outras pessoas. Logo a seguir meteram a mão na consciência. Porque não podiam metê-la na consciência dos outros, baixaram os olhos e debandaram.
De repente deixaram de ter ambições de chegar onde sabiam que não tinham lugar. Concluíram que não ganhavam nada em apregoar e querer impor a sua doutrina, perante quem lhe mostraria outra, bem mais coerente e mais justa que a sua. Com a agravante de que, com Cristo, não adiantava abrir muito os olhos, badalar muito, sempre no mesmo sino. Um sino tão velho, que já cheirava a mofo.
A chegada de Cristo estava quase a acontecer, quando alguém teve um rebate de consciência e elevou a voz no meio dos apressados, anunciando que ia fugir para o inferno, pois a democracia que restaria a partir desse momento, o envergonharia de continuar a lutar pela sua causa. A única causa verdadeiramente digna desse nome.
Por isso, havia decidido transformar a sua voz em labaredas, que se espalhariam por todo aquele reino escaldante, onde já se imaginava ao rubro, mas rindo de entusiasmo. Com a certeza de que Cristo nunca lá entraria.     

 

Uma chatice pode ser uma porção de chatos, além de outras interpretações que se lhe podem atribuir. Mas que chatice! ... Digo eu, e diz muita gente, neste dia três do doze de dois mil e oito, que alguns teimam em considerar histórico, só porque ocorreram várias chatices, cuja origem está bem identificada. Cá para mim, a rua tem a ver com isso.
Seguindo o raciocínio de um chiste muito glosado noutras circunstâncias, apetece dizer que, se uma chatice incomoda muita gente, duas chatices incomodam muito mais. E assim por aí adiante, como se falássemos de elefantes. É que este assunto é mesmo elefantino, o que quer dizer que se trata de uma coisa em grande.
Estamos habituados a situações semelhantes, estando em causa outros protagonistas, e daí não vem o alarido que nos chega de todos os lados. Na minha modesta opinião, isso acontece, porque há protagonistas mais queridos e mais odiados ou, pelo menos, mais indiferentes ao povo e, muito particularmente, à comunicação social, que tem o bom gosto de escolher a quem defende e a quem ataca. E, por vezes, a quem ignora.
Neste dia ocorreram três chatices simultâneas: uma em Lisboa, outra no Porto e uma terceira, no caso, a mais badalada, em todo o território nacional. Diria que estas três chatices, foram fonte de muitas chatices para milhares de pessoas que, como é habitual, pagaram as chatices que outros encomendaram. Mas, das duas primeiras, praticamente não se falou. Nem os chateados, nem os ‘chateadores’ se envolveram em guerras verbais. Também não podiam, por falta de espaço no campo de luta. Em contrapartida, a chatice histórica já ocupou fóruns, debates, comunicações, comentários, mobilizando insultos, chatos, teimosos, aborrecidos, sectários, inteligentes, ignorantes, estúpidos, espertos, brutos e, estranhamente, levando pessoas que deviam ser educadas, a ser muito, muito mal-educadas.
Uma chatice, é sempre uma chatice, não há como negá-lo, mas parece que alguém não quer ver que mais vale suportar uma chatice, grande ou pequena, que criar uma montanha de chatices de que ninguém conhece as consequências, para lá dos desejos dos profissionais da chatice. Para estes, a coisa está do melhor.
Todas as chatices acabam por ter uma solução. Mais cara, mais barata, mais triste, mais alegre. Esta chatice histórica está em fase de comemoração, diria até, que está em fase de euforia, a que só faltam os foguetes e a música, se é que fui eu que não ouvi nada. Vamos pois comemorando, certos de que a história nunca esquece os grandes acontecimentos, sejam eles inolvidáveis dias de vitórias, sejam eles o resultado de grandes e vergonhosas derrotas, causadoras de muitas lágrimas de crocodilo.  
Se este dia ficar para a história, então a história estará a ficar muito banalizada, se permitir que protagonistas destes, consigam entrar nela, manchando-a com os seus nomes e as suas atitudes. Mas, quem é que acredita nisso?

Pág. 1/4