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afonsonunes

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31 Jan, 2009

Mais ou menos

 

A melhor maneira de despachar perguntas indiscretas, ou que nos causam uma ‘comichãozinha’ no nariz, é atirarmos com um, ‘mais ou menos’, que não diz nada mas, ao fim e ao cabo, acaba por dizer tudo o que não nos apetece dizer. Principalmente, quando entramos no raio de acção daquelas pessoas que querem saber tudo sobre nós.
Já me têm perguntado se gosto de andar à chuva, esquecendo-se de acrescentar se é com guarda-chuva, ou de cabecinha descoberta, em jeito de parvo que gosta de se molhar. Eu, sujeito perguntado, tinha uma boa maneira de satisfazer tão íntima curiosidade mas, para fugir ao trivial, ‘mais ou menos’, respondo sempre que depende da chuva, pois é óbvio que ela não é toda igual e há muita gente que chama chuva a muitas outras coisas.
Por exemplo, os jornalistas utilizam muito as expressões, chuva de ovos, chuva de pedras, chuva de insultos, e por aí adiante, quando descrevem situações mais ou menos interessantes, ou mais ou menos chocantes. Principalmente, quando se trata de alvos mais ou menos apetecidos, para não dizer mais ou menos desejados.
Depois, lá apanham um comentário que os deixa mais ou menos desiludidos, por ouvirem apenas um modesto desabafo: Deixem-me ir à vida. Realmente, a vida é complicada demais, para quem tem mesmo de andar à chuva, ainda que mais ou menos protegido por mini sombrinha, ou guarda-chuva de aba larga, que nenhum deles protege de todas as chuvas, algumas delas, mais ou menos ácidas.
Sinceramente, prefiro não ouvir demais, nem de menos, atendendo a que quem anda à chuva molha-se e, por comparação, quem muito ouve, acaba por sentir os ouvidos mais ou menos entupidos, com a lógica consequência de que não ouvirá o essencial, que o mesmo é dizer que se ouve de menos. Ora, nesse caso, podemos ficar mais ou menos a leste, do norte que nos orienta.
Por vezes sinto-me mais ou menos desnorteado com este tempo, do tipo de chuva de molha parvos, que não há sombrinha que tape, pois tanto vem de cima, como vem de baixo, desafiando as leis da física, por culpa de um vento rebelde, mais ou menos fura tripas que, tal como muitas pessoas, já se habituou a infiltrar-se, mais ou menos à socapa, sem o mínimo pudor, nem pingo de pouca vergonha.
Há chuvas e ventos que nos trazem benefícios, mesmo quando, mais ou menos, nos incomodam, porque as chuvas limpam o chão que pisamos, enquanto os ventos trazem as novas que vêm de longe e levam a poluição que nos cerca, para as florestas que irão reciclá-los. Muita gente dirá que é pouco, que tanto a chuva como o vento, podiam fazer muito mais por nós, tão carentes de novas forças e novos horizontes.
É verdade que são excelentes agentes de limpeza mas, podiam contribuir para serem muito mais que isso, principalmente, para além da limitação da sua actuação ao meio ambiente embora, por via catastrófica, também ceifem vidas mais ou menos inocentes. Sim, podiam arejar as mentes mais duras e menos humanas, para que houvesse menos fome e miséria neste mundo mais ou menos louco.
Por cá, vem a chuva, vem o vento, mais ou menos fortes, mas só o frio que faz o gelo, se mete com quem não tem forma de se aquecer.   
 
30 Jan, 2009

O meu desafio

Desafiar é uma atitude de coragem inaudita, ou não demonstre uma força e uma certeza de vitória que só está ao alcance dos grandes vultos de qualquer actividade nobre. Um desafio é sempre estimulante, tanto para quem desafia, como para quem já afia o dente, sentado no sofá, à espera de ver esse grande desafio transformado em espectáculo em directo, a duas cores, obviamente, se possível, num plasma de cento e tal centímetros.

Como sempre, que me lembre, é quem está em baixo que desafia quem está em cima. Bom, esta coisa da posição, penso que não irá além daquilo que, precisamente, quero dizer. E o que eu quero dizer é que, por exemplo, a mim, ninguém me desafia. Já o contrário, é perfeitamente normal. Eu posso desafiar quem eu quiser.
Agora, temos de ser bem claros, quem está em cima, nunca aceitou, que me lembre, qualquer desafio vindo de quem está em baixo. Mais uma razão para eu desafiar quem me apetecer, ainda que seja na esperança vã de que a tradição, ou a predisposição normal de quem é desafiado, se altere.
É com esse espírito aberto e sincero que ouso desafiar uma senhora repleta de qualidades, a aceitar um debate comigo, onde ela quiser, desde que seja eu a escolher o tema do debate. Mas, à partida, esclareço que nunca iria escolher o tema da economia, pois nunca me sentiria à vontade a discutir o dinheiro que ela diz que não temos. Se não temos, pronto, não há nada para debater.
Contudo, não é fácil encontrar um tema à minha altura e que, por não ser o forte dela, me dê alguma possibilidade de ganhar o debate, senão eu, desafiante, ficaria coberto de ridículo. O problema está em que não consigo vislumbrar um tema que me dê a confiança segura de uma vitória certa.
Já pensei que a senhora não gosta de obras, principalmente, de grandes obras logo, a engenharia seria um bom tema para esse debate crucial para a minha promoção social, devido à posição relevante da personalidade desafiada. O pior é que, se ela não gosta nada de obras, eu não percebo nada de engenharia. Só se lhe propusesse que eu debatia a forma como arranjava o dinheiro, que ela diz que não há, e ela debatia como fazer os estudos para a execução dessas obras.
Talvez desse um debate interessante. É sempre muito estimulante ouvir duas pessoas a falar sobre assuntos que dominam perfeitamente, ainda que não falem da mesma coisa. Toda a gente sabe que os debates em que há apenas um assunto, se torna muito fastidioso, pois cada um dos intervenientes está sempre a procurar ser mais modesto que o outro, como se ambos pretendessem ser o elemento que parte de baixo.
Parece que já tenho tema para o debate que vou pedir, (ou exigir?) à senhora que está em cima. É verdade que eu não tenho dinheiro para nada, mas ela também não tem os estudos necessários às obras. Haverá melhor desafio?
 
29 Jan, 2009

Naquela tertúlia

A primeira coisa que me chama a atenção é a existência de grupos. A segunda coisa em que reparo, é que esses grupos não são todos iguais. A terceira coisa que me vem à ideia é que aquilo, os grupos, são como as equipas de futebol, em que uns jogam com doze, outros com onze e, frequentemente, alguns acabam o jogo com menos um, dois ou três elementos. Mas aqui ninguém é expulso. Os ausentes resolveram dar o fora.

Aquela tertúlia é um lugar fixe para se estar, que mais não fosse porque está bem aquecida com palavras acesas ao longo de todo o dia e, por vezes à noite, quando não apetece ir para a confusão da rua, ou para o silêncio ensurdecedor da televisão lá de casa, onde até os mostram com cara de eternos divertidos.
Depois, há aquele convívio entre grupos animados, que tudo fazem para que as conversas não caiam na monotonia que dá sonolência a um ou outro mais ‘avançadote’ em idade, sobretudo depois do almoço, ou a algum mais novato que passou a noite anterior na borga da Lisboa fadista.
Os grupos têm uma maneira muito peculiar de ocupar os tempos vivos. Para isso, usam de toda a vivacidade possível, de preferência, fazendo tudo o que o que está ao seu alcance para nunca estarem de acordo, única forma de manterem o calor ambiente à temperatura ideal contra o frio que faz lá fora.
Em compensação, utilizam os tempos mortos para aquelas conversas mais íntimas, como os amores aos clubes preferidos, os amores dos passos perdidos e os amores de outros passos, mais recentemente achados. Assunto proibido por decisão unânime, são os amores aos árbitros, por causa das ‘ciumeiras’ dos benefícios e prejuízos.
Aquela dinâmica de grupos é extraordinariamente eficaz para motivar uma saudável cooperação para a concretização dos objectivos da tertúlia. Mas, se acaso se vislumbrar qualquer fraqueza no sistema, então é desde logo accionado o subsistema de subgrupos, isto é, dentro de cada grupo, cria-se uma espécie de grupelho, que é um grupo pequeno, com funções ‘avivadoras’ da dinâmica que dava sinais de começar a murchar.
Esta táctica permite dar um calor entusiástico às amigáveis discussões, ao mesmo tempo que cria um ambiente de expectativa no momento das votações, antecedidas de contagem de cabeças, pelos dedos, de quem vota a favor, quem vota contra, e quem se abstém. No entanto, no fim, verifica-se que os grupelhos, ou mini grupos, servem apenas para evitar as cabazadas, que até no futebol já não há, verificando-se resultados quase sempre pela margem mínima.
Depois, cá fora, diz-se que o grupo A só ganhou por um voto, ou que o grupo B só perdeu por um voto. Olha que maravilha. No futebol também se ganha por um a zero e ninguém se queixa. Naquela tertúlia, é para isso que servem os grupelhos. É para amenizar resultados, desvalorizando as vitórias, exaltando as derrotas, contribuindo assim para a concórdia e a aproximação entre grupos que, quem anda distraído cá fora, pensa que são rivais. Qual quê. 
Então, já alguém viu discussões a sério num jogo de futebol? Naquela tertúlia é a mesma coisa. Quando há um debate, (sim, na tertúlia também há debates) ainda ninguém viu um esboço sequer, que ponha em causa o clima amigável que ali reina. É simplesmente admirável.
28 Jan, 2009

O José e o Zé

 

 
Está-se mesmo a ver que há uma grande diferença entre eles. É que o Zé vale apenas metade do José, ou não tivesse aquele somente duas letrinhas, enquanto o segundo se amanha com o dobro, ou seja, quatro letras. Bom seria que a diferença não fosse além dessa, sinal de que o Zé não estaria nada mal.
Mas, essa treta das letras não passa de fogo de vista, pois o José, que tem em S. Bento um patrono de se lhe tirar o chapéu, com todo o respeito, e uma residência onde não se nota a crise, nem a recessão, nem tão pouco as temperaturas de bater o dente, não se cansa de apregoar que é amigo do Zé, e até já lhe deu alguma coisinha. Vá lá.
O Zé não desarma, nem se conforma que o José não arregace as mangas até acima do cotovelo e mostre que é, como diz, um homem de acção. Action man!... O Zé não quer saber de inglesices, mas quer que de uma vez por todas venha de lá o murro na mesa e meta o país na ordem, essa sim, a melhor acção que ele pode praticar.
Meter o país na ordem é no bom sentido, não estejam já aí uns certos defensores do Zé, a gritar contra a repressão ou coisas do género, quando eles apenas enchem a boca com o nome dele, mais nada. Meter o país na ordem é dar ao Zé o que os Zézinhos recebem injustificadamente, ou deixam de pagar, como lhes compete.
Está mais que provado pelo Zé que, se o José for capaz de meter na ordem os meninos Zézinhos e os matulões Zézões, o país fica logo suficientemente equilibrado. Note-se que não é acabar com eles. Não, que eles também têm direito à vida e ao seu fatinho e gravatinha especiais, de qualidade e preço extra, a que o Zé nunca terá acesso. Mas, ele também se contenta com muito menos. 
Há quem diga que o José vai acabar por espirrar, mais tarde ou mais cedo. Claro que quem não o pode ver, não quer que ele espirre. Quer é que ele desapareça e de vez. Mas, é voz corrente, que um espirro dele não significa gripe, não. Significa que a gripe pode andar à volta dele, mas nos narizes dos outros, que não são propriamente os Zés comuns.
Portanto, muita atenção ao José, porque ele já teimou que havia de espirrar. E, teimoso, ele é. Às vezes anda um pouco ao retardador, mas também sabe que, mesmo assim, ainda anda na frente do pelotão, porque está habituado às maratonas. Mais concretamente, às meias maratonas. Não se percebe o motivo porque dizem que ele anda sempre atrasado, quando os atrasos de quem diz isso, são incomparavelmente maiores.
Porém, quem não é atrasado é o Zé que, por mais que digam, lá vai aguentando até não poder mais e, então, se o José não ata nem desata, lá se vai o poder, não se sabe para onde. É claro que o nó não está fácil de desatar mas, com calma, às vezes com calma demais, algum deles vai ter que arregaçar as mangas.
Vamos ver se é o Zé, ou o José. Já não deve faltar muito para se saber. 
27 Jan, 2009

Partilha

 

Não vamos fazer a partilha de nenhuma herança, pois não estou a ver por aí ninguém interessado em criar-nos mais problemas que aqueles que já temos, com a dita e pesada que nos deixaram, ou nos vão arranjar ainda. É que, de heranças, só se for daquelas para receber. De pagar, estamos nós mais que fartos.
Além disso, mesmo quando as partilhas são para dividir qualquer bem, acabamos muitas vezes divididos e na eminência de partilharmos uns insultos com quem vamos fazer essas conflituosas partilhas. Mas, deixemos esses problemas familiares e vamos a outro tipo de partilhas, porventura bem mais raros entre nós.
Vi há dias uma reportagem televisiva feita por um jornalista estrangeiro, num país de outro continente, onde os hábitos de vida são completamente diferentes dos nossos. Mas, o interesse que me despertou essa reportagem, residiu no facto de o seu autor ter permanecido numa aldeia indígena durante um período de tempo razoável, instalado numa casa onde esteve acompanhado de oitenta pessoas.
Uma casa que, por si só, devia ser uma aldeia inteira, onde a vida em comum obrigava a partilhar o trabalho e os alimentos com total equidade entre todos os elementos ali residentes. Esta partilha natural, baseada na igualdade de direitos e deveres, fez-me pensar seriamente na evolução das sociedades ao longo dos tempos.
Aquele jornalista, quando acabou o seu trabalho naquela aldeia longínqua e isolada, sentiu que vivera uma experiência ímpar na sua vida, precisamente, porque se sentiu possuído de um bem que ele não conhecia. O sentimento de partilha e de reciprocidade, com entrega total de cada um ao seu semelhante, sem hipocrisia, sem desejos de superar fosse quem fosse, sem ter necessidade de dar ou receber ordens, sem ir além ou ficar aquém dos seus oitenta companheiros de casa.
Vida primitiva, é certo, sem um mínimo daquelas condições que fazem de nós uma sociedade evoluída e cómoda, em que cada um compra o que lhe apetece, se puder, ou vende a alma ao diabo, se lhe der na real gana. Há aqui, nas nossas vidas, qualquer coisa ao contrário daquela atitude colectiva pura. Coisa a que se pode chamar individualismo, gerador de uma espécie de liberdade, diferente da liberdade daqueles indígenas.
Aquele jornalista teve uma calorosa despedida no momento de partir, como se fosse um dos naturais a afastar-se, para sempre, do convívio de toda aquela grande família. Disse ele, que no seio dessa numerosa e inolvidável família, se lembrava muito da sua distante família. Principalmente, porque sentia uma enorme vontade de partilhar com ela, muitas das experiências que ali vivera, desejando adoptar na sua casa, muitas das atitudes e práticas que ali aprendera.
É verdade que ninguém deseja o regresso ao passado, mas é bem certo que todos viveríamos melhor se nunca se tivessem esquecido certos preceitos de vida em comunidade, com sentido de partilha, com repúdio por todos os ódios, com repulsa por todas as formas de egoísmo e mesquinhez.    
26 Jan, 2009

Governo penumbra

 

 
Estamos desgraçados com esta coisa da crise e com aquela coisa da recessão que, parece, só agora começa a dar sinais de nos sair na rifa. È caso para dizer que já não era sem tempo, pois esta ansiedade de chega, não chega, já devia ter chegado, ou, finalmente, já cá está, estava a dar cabo da cabeça de muita gente.
O problema deve estar agora meio resolvido porque, finalmente, já podem estar descansadinhos, depois daquela brilhante intervenção de um tal de Ricardo, só superada ou, no mínimo, igualada por uma outra de há tempos, de uma tal de Judite. Isso só prova que temos gente brilhante, ao serviço dos entrevistados. Mesmo brilhantes.
Ficou devidamente provado que temos um governo em actividade que não presta e temos um governo sombra, que nem ao sol conseguimos dar por ele. Estes dois governos, já demonstraram que não conseguem ganhar a confiança dos exigentes e esclarecidos eleitores que, por acaso, até são os que mais se abstêm.
Depois, pelo menos o primeiro, fica completamente vergado às investidas de gatos assanhados, de unhas e dentes de fora, olhos esbugalhados, lançando aquelas labaredas bucais, que deixam o entrevistado completamente siderado, caladinho, a ouvir aqueles conselhos de mestres que tudo sabem.
É por isso que governos destes não nos servem. Tal como os governos sombra, que já deram o que tinham a dar. Agora, precisamos de um governo penumbra. Governo que só pode ser formado pela nata política do país, que é aquela que nunca nos governou, que o mesmo é dizer que nunca nos enganou. É aquela nata que nunca esteve ao sol, nem à sombra.
Daí que vão integrar o governo penumbra, que será anunciado dentro de dias. Mas, as minhas fontes, permitem-me levantar um cantinho do véu. Como já ninguém tem dúvidas de que é preciso mudar de política, só o conhecido Jerónimo tem argumentos para ir a PM. Para MEFO, só podia ir o Francisco, reputado economista, financeiro e orçamentista de primeira água. Para MNE convém ser um Feio, já que o Paulo não é virgem para estas andanças. Depois, lá fora, dá sempre jeito um careca. Para MJ, a opção tinha de passar por outro Paulo, por causa da falta de liberdade e pela impossibilidade da sua chefe voltar ao governo.
 Outras personalidades importantes preparam-se para integrar o governo penumbra, embora, por enquanto, sejam ministros sem pasta. Tudo porque a fábrica das ditas foi deslocalizada para parte incerta, aguardando-se que a PJ descubra o seu paradeiro. Sim, o país não pode esperar.
Mas, as perspectivas são óptimas. O Ricardo e a Judite não escapam à chamada a altas responsabilidades governativas. É óbvio. Depois há ainda o Mário, talvez para ME, o Carvalho, quase certo no MTSS, e até aquela mocita franzina, que não recordo o nome, tem sido muito citada para MA. Os cucos podem agora cantar de galo.  
Por hoje, já muito se revelou. Ah, O Manuel, também não pode vir para o governo penumbra, porque já passou tempo demais à sombra.
25 Jan, 2009

Olhai os lírios

 

Nos tempos que correm já não é preciso ir ao campo para ver os lírios floridos. Até porque essa poderia ser uma tentativa frustrada, já que os campos estão de tal forma abandonados que nem uma florzita colorida qualquer, se encontra facilmente, para lá da flor das estevas e das giestas.
Em contrapartida, nas cidades, onde não há nada disso, encontramos lírios de todas as cores, para regalo da vista e conforto dos corações angustiados pela aridez das ideias que cultivam. Ao contrário dos lírios dos campos, que todos os anos se renovam, os lírios das cidades são de longa vida, ainda que, com reduzido prazo de validade, para efeitos de consumo.
Nós, os consumidores, não costumamos olhar para o prazo de validade dos lírios que se movimentam à nossa volta, talvez porque estejamos de tal modo habituados a eles, sempre os mesmos, mesmo quando vemos que alguns já estão murchos, mesmo a pedir contentor, daqueles que nem dá para reciclar.
Há aqueles lírios verdes, que nos pretendem encher de esperança, muito semelhantes ao padre que se abeira do moribundo para lhe dar o último alívio da sua palavra de conforto. Ora nós, ainda só somos moribundos, precisamente da esperança que se esvai a cada dia que passa, mesmo com todos os alentos dos nossos bondosos conselheiros.   
Os lírios vermelhos dão-nos a visão guerreira de um campo de batalha, onde devemos deixar a pele e o sangue, em busca de um mundo de ideais que nos seduzem, mas que acaba por ser um campo de lírios que, depois de murchos, até a cor se transforma na triste desilusão de um sonho que passou.
Olhai os lírios azuis, de azul celeste ou azul marinho, ambos dependentes da bonança ou da tormenta que anda no mar ou no ar, que ambos atiram para terra, com amor ou com rancor, como se ignorassem que é ali que a gente está. E a gente, parece que já nem sabe o que é amor ao próximo, se excluirmos os felizes que têm olhos azuis, único local do corpo onde essa cor se nota.
Depois há os lírios cinzentos, aqueles que nós costumamos ignorar, pois eles também sempre nos ignoraram, passando ao lado, olhando de lado, porque o lado deles nunca foi o nosso lado. O cinzento deles, vem do fogo vivo e brilhante que os aquece no interior dos seus palácios mas, quando os vemos cá fora, já só têm para nos mostrar a cor da cinza que resta no fim do fogo que deixaram lá dentro.
Lírios roxos, amarelos, castanhos, brancos, lírios que, como todos os outros lírios das cidades, andam na rua junto a lírios como nós, ou se mantêm em estufas que lhes permitem realçar a cor que os distingue dos lírios vulgares.
Olhai antes os lírios do campo, que esses, já são poucos, mas não enganam ninguém.
 
24 Jan, 2009

E se...

 

Descobriu-se agora que o país está cheio de mentirosos, a avaliar pela quantidade de vezes que se ouve pronunciar a palavra verdade. Só não sabemos quem são todos esses mentirosos, assim como não sabemos que tipo de verdades devemos conhecer agora, já que, pelo menos eu, ainda não ouvi nenhuma que não conhecesse já, veiculadas até pela boca daqueles que agora parecem muito surpreendidos.
Falar edadrev, ou falar aritnem, é coisa de que, por mais voltas que se lhe dêem, em política, vai sempre dar ao mesmo, por mais dramatismo que se ponha no rosto, por mais que se diga sempre a mesma coisa, umas vezes a rir, outras com mais ou menos cara de mau. Ou mesmo cara de pau.
É que, por vezes, não é quem mais fala de edadrev, que menos cai na aritnem, até porque se olharmos para trás, se lermos da frente para trás, os salvadores de hoje, podem ter sido os que nos afogaram ontem. Quando estamos aflitos, temos tendência para venerar um deus terreno da nossa devoção, ainda que esse deus nos tenha dado grandes desilusões no passado e nos diga as vulgaridades que já conhecemos.
É evidente que os deuses terrenos, não são os mesmos para todos os crentes, muito menos para os ateus, motivo mais que suficiente para umas orações mais ariscas, ou mais comovidas, dependendo da salvação própria que se implora, ou da condenação alheia que se deseja.
Se nos tivessem falado edadrev, em toda a década de noventa, (muito poucos se lembram), se tivessem feito então, aquilo que agora alguns consideram uma aritnem, não tínhamos que suportar agora o abate de monstros que alguém amamentou então. Monstros que agora já tinham, e alguns ainda têm, tentáculos gigantes que se julgam indestrutíveis. Monstros que então se encheram de dinheiro, que agora se soube como.
É fácil pedir o fim de ilusões que se semearam ao longo de décadas. É fácil falar em fim de querelas, quando se dá azo a elas. É fácil falar e apontar o dedo para a indefinição da multidão. É fácil falar de edadrev sem identificar a aritnem. É fácil passar a discordar hoje, daquilo com que se concordava ainda há dias. É fácil falar daquilo que não nos compete remediar. É fácil falar de modo a que todos aplaudam, mesmo que todos interpretem tudo ao contrário e segundo as suas próprias conveniências.
Em casa onde não há pão, todos ralham, mas apenas culpam os outros, sem meter a mão na consciência que, de um modo geral, todos têm bem pesada, vestindo agora a pele de cordeirinhos inocentes, como se todos eles aparecessem agora, nesta inesperada (?) cena de terror. Não vale a pena atirar as ilusões apenas para cima dos que governam. Também há os que governaram e deviam vir incluídos nesta onda de edadrev. Além disso, faltou ainda referir as ilusões dos que não governaram, porque elas são a mais extravagante ilusão de como não se deve viver com o que se não tem, além de se constituir, frequentemente, num foco difusor de aritnem.
Se o deus terreno de alguns, agora venerado, tivesse sido deus nos tempos em que tinha tudo para fazer um milagre, não havia hoje razão para tanta semelhança entre a edadrev e a aritnem.

O anticiclone dos Açores transformou-se subitamente numa superfície frontal ciclónica, virulenta e arrasadora, com opiniões a jorrarem como lava de vulcões que abriram as crateras todas ao mesmo tempo. Também foi assim que se abriram as bocas de quem esperava esta anti-bênção vinda dos lados de Belém, depois dos votos de paz e amizade ali jurados dias antes.

Como acontece sempre nestas coisas, há quem vaie e quem aplauda, quem lhe pareça uma maravilha, e quem ache que foi um autêntico desastre. Isso agora, porque não há ainda muito tempo, a maravilha era a opção unânime, tudo porque ninguém queria perder um milímetro na corrida a poder contar com os açorianos nas importantes campanhas que se avizinham.
Manda a prudência que se avaliem os riscos, se meçam as consequências e se assumam as responsabilidades das atitudes que se tomam. Houve uma larga maioria que se manteve fiel nos três actos de fidelidade aos açorianos, enquanto uma minoria, depois de duas vezes solidária, resolveu optar pela abstenção, à terceira.
Agora, depois da anti-bênção de Belém, parece que poucos são capazes de reconhecer que agiram segundo as suas convicções, preferindo arranjar desculpas para os seus procedimentos. Parece que não pensaram bem no que iam fazer, antes de o fazerem.
Mas, o mais surpreendente, foram aqueles que tendo dito por duas vezes que sim, agora não tenham sido capazes de confirmar o sim, nem de assumir o não. Porque, lá diz o povo, ou sim ou sopas. Presentemente, usa-se o modernismo nim, quando não se tem a coragem de tomar uma posição clara sobre um assunto, lavando as mãos como Pilatos, atirando as culpas para o lado, e armando em donos da razão e da inteligência.
Se os açorianos não merecem essa pretensão, então haja a coragem de lhes dizer que não têm razão. Sem hesitações, sem cobardias, sem hipocrisias. O que não se compreende é que se tenha desprezado e ignorado, por duas vezes, a mensagem vinda de Belém, e à terceira, afinal, ela já era muito importante. Mas não se lhe dá apoio explícito.
Sem fazer qualquer juízo de valor sobre o fundo da questão em causa, parece que a coerência manda que se seja claro, tanto no apoio, como no repúdio. Concordar é sim, não concordar é não. Abster-se, é deixar que os outros decidam por nós. Igualmente incoerente é votar sim, mas não concordar com o conteúdo do que se vota.
 No meio de todo este imbróglio parece ter havido muita obstinação, senão mesmo obstinações de sinais contrários. A primeira delas, ressalta do facto de haver quem não goste de ouvir, a quem não tem obrigação estrita de ouvir. Formalmente, sim, mas não custa muito ouvir, quando se tem todo o tempo do mundo para ouvir a voz dos outros. Sem compromisso, ainda por cima. De certo modo, ouvir, não limita. Acrescenta.
Depois, a obstinação de toda esta gente, ao ter medo dos açorianos. Que obstinação tão pobre. Como se os açorianos, fossem ricos e poderosos para causar esse mal que tanto receiam. Mas, a obstinação maior é a luta da partidarite aguda que, por um prato de lentilhas, é capaz de vender a consciência, a coerência e até a competência de ser capaz de ver bem, aquilo que pode vir a fazer mal.  
22 Jan, 2009

Até tu, gaivota

Uma gaivota voava, voava… Esta gaivota tornou-se o símbolo da liberdade para muitos portugueses, que um dia acreditaram que também podiam voar, rumo a um mundo diferente, bem diferente do mundo de opressão e silêncio a que os tinham votado até então, os seus proclamados defensores.

Um dia, o pensamento voou de imediato tão alto como a gaivota, espraiando o seu olhar na vastidão do horizonte, à procura de tudo aquilo que nunca vira, nem nunca sonhara poder vir a desejar. O pensamento pode voar, mas o corpo não é como o da gaivota, que tem penas para voar, enquanto o homem só tem penas para carpir, por vezes com muitas lágrimas à mistura.
Se a gaivota ainda é símbolo de liberdade para muita gente, ela tornou-se também um pesadelo para quem tem a sua casa permanentemente sob o seu comportamento ruidoso e poluidor, sobre os telhados que invade e corrói cada vez mais.
Quanto ao símbolo da liberdade, também ele se vai diluindo, na medida em que se aperta cada vez mais o crivo por onde passam os benefícios, que vão chegando a alguns mas, de um modo geral, àqueles que têm mais canção que necessidade. Quem tem mais necessidade, mas não sabe cantar, vai-se esquecendo da gaivota que voava, voava.
As gaivotas também já se esqueceram que deviam morar no mar, de onde recolhem o precioso sustento e onde tão bem sabem baloiçar sobre as ondas, à espreita das suas vítimas distraídas. Hoje, tal como o mundo muda para pior, em termos de violência, também elas, as gaivotas, se tornaram violentas e irritantes, criando um autêntico inferno a quem as atura dentro das suas casas.
Parece pois, que estamos perto do fim das gaivotas dos cravos, para passarmos a assistir ao massacre das gaivotas dos telhados que, cada vez mais, se assemelham aos pombos que infestam muitos locais, de muitas cidades, infestando de dejectos, praças, largos e avenidas, danificando edifícios e transmitindo doenças a quem lá mora.
Haverá gente que dirá que uma gaivota sujava, sujava, não podendo sequer reclamar que ela lhe traga a liberdade de decidir o que fazer para eliminar a árdua tarefa de limpar o martírio da ameaça á sua saúde e ao sossego dentro da sua própria casa que, inesperadamente, passou a ser também a casa das gaivotas.
O mundo vai estar cada vez mais violento. As crianças, não tardará, vão nascer violentas, e parece que não será possível travar essa violência à medida que vão crescendo. Algumas aves, símbolos da leveza e delicadeza dos ares, desenvolvem-se e procriam a um ritmo ameaçador, que põem em causa os seus recursos e os do homem, lutando permanentemente, cada vez mais violentamente, pela própria sobrevivência.
Estudam-se e descobrem-se planetas a anos-luz da terra. Terra que está aqui tão perto, e ninguém se preocupa com ela. Que pena, se viermos a perder essa gaivota que voava, voava.

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