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afonsonunes

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Li há dias num semanário de província, uma tirada costumeira de um contador de episódios familiares ao nível da sua prosa. Começava por elogiar a competência da filha mais velha numa carreira profissional desempenhada exemplarmente no país vizinho. Prosseguia depois, dizendo que o nosso país estava entregue a um governo do qual o primeiro-ministro, apesar de tudo, ainda era o menos mau, no meio de tantos ministros palermas.

Bom, de palermice, cada um toma a que quer, para si e para distribuir pelos outros. Mas, muito mais interessante que os palermas e as palermices, era o fim da tirada, em que concluía que, como isto anda, mal por mal, que venham os espanhóis tomar conta disto.
Logo me lembrei que o cronista até era capaz de ter alguma razão, no que toca à sua situação concreta. Por associação de ideias, ocorreu-me a falta que fazia cá um tal Garzon, que muito contribuiu para que a Espanha seja um país muito mais limpo do que fora nos tempos que o precederam.
É claro que nós por cá, conhecemos bem o Baltazar dos Reis Magos, mas Garzon, ainda não é tão conhecido como Maria, não a do presépio, mas aquela que gostaria de fazer em Portugal, o que Garzon tem feito em Espanha.
Até eu gostaria de saber porque razão Maria ainda não consegue mais que marcar passo em muitos dos trabalhos que tem entre mãos. No entanto, como todos os portugueses, também tenho as minhas ideias, não necessariamente concordantes, como é óbvio.
Garzon já leva muito tempo de avanço a Maria, logo, o trabalho lá, está muito mais adiantado e o caminho quase limpo, de modo a progredir com muito mais facilidade. Maria está praticamente no início de uma vereda rodeada de silvados, tendo como piso uma infinidade de pedregulhos que a obrigam a tropeçar a cada metro que avança.
Não precisamos de palermas, ou patetas, ou pró espanhóis, que nem sequer se lembram que podiam cair na alçada da agenda de Garzon, já que Maria ainda não teve tempo sequer, de saber onde é que eles estão, para depois ir lá buscá-los. Ou, no mínimo, ir lá perguntar-lhes o motivo porque sendo tão inteligentes, ainda não conseguiram sair da palermice mental, que lhes atrofia a capacidade de trocar de funções com os palermas que tanto detestam.
Garzon lá e Maria cá, estão de olho em todos aqueles que gostavam de trocar de país, mas não têm a coragem de dar o passo definitivo. Falam, falam, mas lá vão comendo o melhor que podem, desejando sempre que não lhes cortem as papinhas que tanto medo têm de perder.
Tenho a convicção de que Maria já foi a Espanha, tal como Garzon já veio a Portugal. No entanto, nem um nem o outro, querem trocar de país, certos de que as tarefas que têm pela frente, ele lá, ela cá, estão longe de lhes dar tranquilidade. Mas eles até já conversaram sobre tudo isso.
Portanto, ambos sabem perfeitamente, que as aves de rapina sobrevoam a fronteira a todo o momento, à procura do melhor contrabando da ocasião. Mas, atentos aos contrabandistas de hoje, lá, estará Garzon, e cá, estará Maria.
 

Afinal o apito nunca mais dá o encontro por terminado e assim, a bola lá vai rolando à maneira e ao ritmo de quem constitui o centro de um sistema central, que origina superfícies frontais sucessivas, sempre de modo a provocar chuvas de arrelias, trovões de descontentes e tsunamis de conversas delico-doces, tudo ao passar os túneis de todas as tempestades.

Isto dos apitos é muito complicado, até porque são de ouro e os seus silvos demasiado graves, daí que estejam sujeitos à cotação permanentemente especulativa do vil metal, por causa dos apetites gananciosos dos controladores de apitos e ‘apitadores’. Entretanto, como o jogo nunca mais acaba, vai-se chutando para fora, vão-se marcando uns pénaltis e anulando uns golitos, para dar animação aos apitos e à malta.
Depois, há o controlador mor, que serve para comandar todas as jogadas, principalmente, aquelas em que há faltas mal feitas e faltas bem feitas. Ele tem sempre uma maneira de transformar as mal feitas em bem feitas, e vice-versa, dependendo da cor dos óculos escuros que usa no momento.
Há quem diga que o controlador já conseguiu calar o apito lá fora, deixando de molho o apito cá de dentro. E que ninguém fale alto nem critique os apitadores, porque ele não tolera que lhe digam, o que dizem aos governantes. No mundo da bola é tudo muito pudico. Nem sequer se podem tratar por tu, senão, levam logo multas e suspensões. Até os melhores, os que tratam a bola por tu, são sempre os mais lixados.
O controlador tinha aí um brasileiro ao seu serviço, do qual sempre disse maravilhas e relevou a sua independência e até a sua boa teimosia. Afinal, agora que ele rumou a outras bandas, diz que nunca percebeu o motivo da não convocação de um determinado fulano. Cá no meu entender, o controlador deve ter-se sentido altamente frustrado, por terem passado uns anitos em que não conseguiu controlar alguém.
E é assim que a bola lá vai rolando, o sistema de controlo vai de vento em popa, o apito só toca quando Deus quer, e os túneis estão cada vez mais movimentados e divertidos, com jogos florais e cartolinas vermelhas no final dos outros jogos. Como tudo isto é muito, muito cultural, o controlador e seus controlados, podem dormir descansados que, para eles, nem sequer há uma ‘asae’ incomodadora, perturbadora, ou exigente.
Porém, há uma coisa que está a preocupar quem é desconfiado por natureza. Confesso que não é o meu caso, Deus me livre. Mas, se o controlador nunca percebeu porque não jogava quem ele queria, ninguém pode agora garantir que, com um conterrâneo colaborante, no lugar do brasileiro independente e teimoso, as coisas não mudem completamente.
Contudo, do mal o menos. Ponha lá o avançado centro a guarda-redes, ou mesmo um guarda-redes sénior. Mas não caia na tentação de andar a apitar, quando está sentado na tribuna de honra. É que o raio de acção do som do apito, no meio do ruído, é muito limitado.      

 

 
O senhor Cardeal quer diálogo na educação. Também eu e, provavelmente, todos os portugueses. O senhor Cardeal quer ir para o Céu. Também eu, tal como querem, certamente, todos os católicos. Os senhores sindicalistas querem diálogo. Mas ainda só fizeram exigências. O ministério quer diálogo. E, ao contrário dos sindicalistas, já fez algumas concessões. Mas não chegam para acabar com os monólogos, nem com os sentimentos de culpa, mais ou menos explícitos, ou muito mal disfarçados, nas desculpas esfarrapadas, repetidas até à exaustão.
Então, para que anda tanta gente a falar de diálogo? Ou será que não sabem o que significa essa palavra-chave da nossa língua e da nossa maneira de estar na sociedade? 
Parece-me uma exorbitância gastar o dia de Natal a falar de um conflito laboral, que não é maior nem menor, que tantos que andam por aí a ferver sem, contudo, merecerem a atenção de tantas personalidades que até nem são capazes de dizer abertamente, quem é que deve dar razão a quem.
O facto de haver cento e tal mil a reclamar razão, não é diferente de haver seiscentos ou setecentos mil a reclamar a sua razão, caso do funcionalismo, mais os milhares de médicos, mais os milhares de militares e polícias, mais os milhares dos transportes, mais, mais e muito mais.
O senhor Cardeal só se lembrou da educação na sua mensagem natalícia. Espero que não tenha sido só pela falta de educação a que temos assistido. Se é por causa das crianças, que seria delas sem médicos, sem funcionários públicos, sem polícias e sem transportes, para não me alongar mais.
Neste Natal, especialmente neste, havia tanta gente a merecer uma atenção especial mas, já que não era possível lembrá-los todos, parece-me que era preferível não citar casos em concreto, sobretudo, para mostrar que quer estar apenas de bem com Deus, já que isso não acontece, se pede o impossível, se não arrisca o seu lado da razão, além de dar azo a que ambos os lados o tomem como aliado.
Ao longo dos trezentos e sessenta dias do ano estamos habituados a ouvir muita coisa que não adianta nem atrasa a nossa vida, banalidades que só servem para confundir em lugar de esclarecer. Palavras que não correspondem ao seu sentido real, discursos que não podem traduzir sentimentos íntimos de quem os profere. Atitudes que não dignificam quem as toma, sobretudo, quando o cidadão comum tem elevadas expectativas, em relação a quem as toma.
Se o desejo máximo de qualquer católico é ganhar o Céu, parece-me que se vai tornando muito difícil consegui-lo, porque sempre ouvi dizer que o Céu é verdade, é justiça e é igualdade. Entre todos os homens. Homens de boa vontade.
Se tudo isto falta num dia de Natal, então já não há educação que nos salve.
 
18 Jan, 2009

Donos do meu país

 

Os donos do meu país serão para aí uns dez milhões, mais coisa menos coisa, que eu ainda os não contei, porque os dedos das duas mãos só dão para isto. Mas, de qualquer modo, nem somos muitos, se considerarmos que não há quase ninguém no Alentejo e muito poucos em todo o interior centro e norte.
Estamos, pois, com muita sorte, por ainda podermos esticar as pernas e os braços sem atingir ninguém. Por outro lado, estamos com azar, na respeitável opinião de quem gostava de ver as maternidades com maior taxa de ocupação. Temos de contentar-nos com a ineficácia de alguns donos do meu país, pois não sou eu que vou incentivar ninguém a esforçar-se demais.
Ser dono do meu país é uma honra, embora reconheça que não tenho voto na matéria, excepto quando voto. E já não é nada mau, se me lembrar que tenho o privilégio de morar aqui. Nem quero imaginar se, por exemplo, tivesse tido o azar de morar no Zimbabué, onde nunca poderia dizer que aquele era o meu país.
Como é sabido, aquele país é de um sujeito só. Ele, sim, diz sem papas na língua, suja de outras papas, que o país é dele. Sim, porque ele não diz, que aquele é o seu país. Não, ele diz, o Zimbabué é meu. Mas que fedor se sente, só de pensar em donos destes.
Nós por cá, não temos disso. Apesar de haver, como em todo lado, uns candidatos a donos exclusivos, daquilo que é de dez milhões de donos, em comunhão de bens, no que toca ao património territorial já que, em relação a outros patrimónios, a música é completamente diferente, como nem podia deixar de ser.
Contudo, há uma enormidade de donos deste país, que abusam dos seus títulos de propriedade, além de haver muitos donos que conseguem, com toda a facilidade do mundo, tornar-se donos daquilo que não lhes pertence, porque arranjam maneiras de agir bem e depressa, enquanto outros donos fecham os olhos para dormir uma soneca. Quando acordam, pronto. Já está.
Quanto a candidatos, nem é preciso abrir os olhos para os ver. Até basta ouvi-los. Para eles, isto é uma espécie de deserto do fim do mundo, onde basta reunir um bando deles, que basta parecerem muitos, para tomar conta disto e acharem-se com toda a legitimidade para serem os incontestados donos da chafarica, que nós pensávamos que também era nossa.
Não, eles entram, dão dois ou três berros para nos assustar, dão dois ou três murros na mesa para mostrar que são fortes, bebem dois ou três copos para aquecer, e depois, a lei são eles, os novos donos do mundo, porque assim o decidiram ali mesmo, por unanimidade, em reunião magna da sua chafarica. Da chafarica que deixou de ser nossa também.
Mas, felizmente para mim, ainda não estamos no Zimbabué, porque eu não desisto de ser um dos dez milhões de donos do meu país.
 

 

 
Parece que já não há dia nenhum em que não rebente um novo foco de roubalheira e, mesmo assim, lá vamos aguentando o que Deus sabe. Mas, fica provado que tínhamos todas as condições para sermos um país rico, acabando assim com os problemas de politiquice, em que alguns querem dar tudo a todos, e outros não querem dar nada a ninguém.
Se não houvesse roubalheiras por tudo quanto é sítio, se calhar todos esses milhões que andam permanentemente a voar, podiam pousar onde fazem falta, e pronto. Estava tudo satisfeito, ninguém reclamava, ninguém inventava tolices, não havia insultos, nem guerras, nem lutas podendo, finalmente, dizer-se que vivíamos em paz e felizes.
Todos sabemos que milhões não são cêntimos e vê-los voar todos os dias do ano, não é o mesmo que uma ou outra extravagância governamental, ainda que seja para que os amigos andem satisfeitos. Ora, ultimamente, tem-se falado muito de grandes casos de balúrdios que andaram de mão em mão, como quem troca laranjas, colhidas em hortas e quintas onde, normalmente, abundam laranjais a perder de vista.
Foi pensando em tudo isso que me lembrei da horta do Costa que, apesar do nome pressupor uma pequena exploração agrícola, mais de índole familiar, quiçá de subsistência, essa horta foi uma espécie de prolongamento de outras hortas de amigos do Costa formando, no seu conjunto, mais que uma quinta, um autêntico estado agrícola, em que o outro estado, ficou completamente em estado de sítio.
O Costa da horta dos laranjais é uma pessoa impoluta, tal como outros amigos, que nunca fizeram mal a ninguém. Sim, porque o facto de terem aquele hábito de pôr milhões a voar, não quer dizer que sejam uns malfeitores, antes são até conhecidos como trabalhadores incansáveis que, quase permanentemente, trabalhavam muito mais que as oito horas diárias, sem nunca reclamarem sequer uma ou outra horita de serviço extraordinário. Vá, digam lá, onde é que hoje se vê tal coisa?
O grande problema disto tudo, é que o Costa da horta dos laranjais, com os respectivos amigos e colegas, nunca se aperceberam que, ao porem os milhões a voar, eles podiam pousar em qualquer sítio não identificado, inclusive numa qualquer horta, de qualquer deles, o que podia levar alguém a pensar maldosamente em distracções perigosas.
Para dar apenas um exemplo, não seria de estranhar que os dois Paulos par(a)-lamentares se insurgissem, como é costume, com todas as roubalheiras de que têm conhecimento, através dos jornais e telejornais da especialidade.
Se tal acontecesse, isso seria um escândalo extraordinário, dado que seria a primeira vez que eles agiriam por iniciativa própria, nas hortas do Costa e seus amigos, pois sempre estiveram apenas preocupados com as hortas dos seus inimigos, onde predomina a floricultura rosácea, em lugar dos tons alaranjados.
De qualquer forma, já há quem diga que a roubalheira já passou pelas quintas, dirigindo-se agora a caminho das hortas.
  

 

 
A cooperação deve ser uma coisa muito complicada para quem gosta de luta livre, boxe e, para os apaixonados do futebol, de umas caneladas a penetrar no osso. Nem vale a pena referir os aficionados, que dariam tudo por umas valentes marradas. Repito que, para todos estes valentes de barba rija, cooperação é coisa que nem a rir se entende.
Na verdade, quando numa sociedade de confrontos, de lutas e de guerras, se ouve falar de cooperação, é caso para dizer como é que se luta, ao mesmo tempo que se coopera. Só se for do tipo de estende-se a mão direita para um cumprimento, enquanto se enfia um gancho rápido e inesperado com a esquerda, no queixo do cooperante. 
Não tenho qualquer espécie de dúvida de que há quem seja adepto desta modalidade de cooperação, embora seja uma estratégia de matas ou morres, porque viver na dúvida é coisa que eles não são capazes de suportar. Isso não passaria de um compasso de espera que nunca poderia ir além do tempo que medeia entre ouvir o tiro e ver o morto.
A necessidade imperiosa de arranjar um morto a qualquer preço, dissipa desde logo a possibilidade de haver cooperação, ainda que seja estratégica, convencional ou ocasional. Não, cooperação, não. Ainda que seja uma maneira de duas pessoas importantes arranjarem um sorriso que sirva para disfarçar a luta interior que a ambos abrasa o espírito.
Mesmo que a cooperação esteja na boca de ambos, um deles já devia estar morto, segundo o guião imaginário de alguns dos seus mais directos seguidores, para não falar nas hostes guerreiras, que de há muito estão em prontidão máxima para o início da peleja feroz que já lhes tarda.
Esquecem-se esses ansiosos inimigos da cooperação que, para além dos seus próprios interesses, há os interesses dos dois cooperantes. Em caso de guerra, seria muito provável que a morte de um deles, acabasse por provocar a morte do outro, ainda que a médio prazo. Nesse sentido, a cooperação bem pode ser a tábua de salvação de ambos, principalmente, se o tempo jogar a favor da estratégia cooperativa. Porém, o futuro, à cooperação pertence.
O presente revela à evidência que não há bruxaria que desvende o segredo do que está para vir, embora andem por aí uns aprendizes de feiticeiros a vaticinar aquilo que mais desejam que aconteça. A estratégia deles é a divergência, como arma capaz de atingir mortalmente a convergência. Em tudo vêem discórdias insanáveis, esquecendo que pode haver convergência, mesmo havendo opiniões ou pontos de vista diferentes. A discordância não conduz inevitavelmente à guerra, muito menos à derrota de qualquer um dos contendores.
Cooperação não pode significar bajulação de um perante o outro, obrigando a razão a estar sempre do mesmo lado. Se assim fosse, estaríamos perante a constatação de que um deles era desnecessário. Mas, mais nos valem dois em discordância, que apenas um a mandar vir. Parece evidente que, no meio do vendaval, só a cooperação pode amenizar os estragos.    
15 Jan, 2009

Os papa tudo

 

 
A palavra papa serve para muita coisa. É daquelas palavras que davam pano para mangas, ou conversa para muitos serões na província, ou na cidade. Como a província ainda é muito mais pura que a cidade, falar de papa, é falar de paparoca, de comidinha, bem regada com o tintol indígena. Depois, o resto, é conversa.
Entrando mais na civilização, a conversa muda, tal como mudam as preocupações dos cidadãos, muito mais ambiciosos, para além da mesa posta várias vezes ao dia. Quem  não tem emprego, procura um, com mais ou menos empenho. Até há quem não tenha empenho nenhum. Mas, pelo contrário, quem tem um, procura o segundo e, por vezes, o terceiro. É assim que aparecem os papa empregos.
Como esse mau hábito já vem de longe, também já proliferam os papa reformas, alguns deles, ditosos trabalhadores no activo, em um ou mais locais de trabalho, nem sempre, auferindo, comodamente, e cumulativamente, uma ou mais reformas de outras origens.
Alguns até são bem conhecidos, pelo seu apego à justiça social, aos direitos que o estado social devia garantir, e à luta em nome dos desprotegidos da sociedade, que os governantes não protegem, por insensibilidade social. Até podiam ter toda a razão do mundo.
Mas, os muitos milhares de desempregados, podiam ter muito mais possibilidades de ter um emprego, se os papa empregos se contentassem apenas com um. E, mesmo nesse, deviam ter de demonstrar que trabalhavam mesmo. Ser, como há muitos por esse país fora, uns opulentos e inúteis papa salários, é um atentado a quem sempre viveu em crise.
Quanto aos papa reformas, dariam um bom exemplo de sensibilidade social, se aceitassem a lei geral dos reformados, a qual obriga a uma vida inteira de trabalho para terem direito a receber uma parte do salário que auferiam no activo. Bem sei que os papa tudo, dirão que apenas recebem aquilo a que têm direito. Pois é. Mas, o que está mal, e contra isso não se arvoram em lutadores, é a lei que lhes permite ter um direito, que impede os seus protegidos, que são os desprotegidos do estado, de terem o seu direito ao trabalho, mais que justo, devidamente concretizado.
Bem me parece que isto é muito difícil de compreender, porque a minha prosa é complicada, e os papa tudo são os melhores cidadãos do mundo. Acredito que são muito melhores que eu, apesar de terem o mau hábito de trabalhar demais, coisa que eu, nem de longe nem de perto, reivindico para mim.
Só tenho pena que o estado não chame a si o direito de estabelecer regras claras para que os papa tudo vejam transferidos os seus excessos de trabalho, e os excessos de vencimentos e de reformas, para os muitos desprotegidos que esses papa tudo se orgulham de defender, na qualidade de uma espécie de consciência da nação.
Um dia, terá de ser a nação a conter-lhes os apetites, próprios de autênticos papa tudo.
 

 

 
Tenho, inevitavelmente, de voltar à minha prima Ambrosina, porque já não existe uma mulher assim, por mais que se vasculhe em todo o lado, mesmo tendo em conta que nos partidos, normalmente, encontramos de tudo. Mas, não a encontramos lá a ela, Ambrosina, macarrónica e completamente destemperada. Aquilo não é defeito, é feitio.
Há uns bons tempos atrás, ninguém lhe arrancava uma palavra. Até parecia que tinha feito voto de silêncio, por causa de uma dentadura nova que chocalhava um pouco quando abria a boca. Mas, o companheiro, que a conhecia de ginjeira, segredou-me que não. Que ela, quando estava a sós com ele, falava que nem uma desalmada. E até se irritava quando ele não lhe dava uns à que sins, ainda que fosse com o abanar da cabeça.
Bom, segredo puxa segredo, e lá acabei por ficar convencido que a minha prima Ambrosina falava demais em casa, para compensar o silêncio que não quebrava na rua. E este silêncio devia-se, exclusivamente, à convicção dela de que ninguém iria gostar de ouvir aquelas coisas que ela tinha para dizer. Até que o companheiro, homem sensato e de boas maneiras, lhe pôs o dedo no nariz e a aconselhou docemente.
Não foi necessária muita conversa para que a minha prima Ambrosina percebesse que tinha de trocar o falatório. Em casa, tinha de deixar o companheiro em paz e sossego. Na rua, tinha de deitar fora tudo aquilo que lhe andava às voltas naquele palheiro macarrónico e destemperado. E lá arriscou a ideia de que, olha, quem não gostar come menos. Depois, lá se consolou com o paliativo de que há sempre quem goste um pouquinho, nem que seja para fazer jeito.
A verdade é que, nos últimos tempos, a minha prima Ambrosina parece outra. Além de falar pelos cotovelos, está ainda muito mais macarrónica e destemperada do que quando desopilava em casa com o companheiro. Só que, diz aquelas coisas que não leva ninguém a abanar a cabeça na vertical e, ao vê-las a abanar na horizontal, deixa-a profundamente deprimida.
Já tentei fazer-lhe ver que não estamos no tempo da monarquia, mas sim numa república, onde a linguagem dela não encaixa. Qual quê, veio logo com o argumento de que já nem a família a compreendia, mas que isso era um problema de não saberem ouvir a sua mensagem, que era real, verdadeira e honesta.
Sinceramente, andei uns dias a pensar nisso porque, ao fim e ao cabo, a Ambrosina era minha prima e, para mim, a família é tudo. Ainda lhe desculpava o seu aspecto real, que esse, ela mantém com toda a dignidade e altivez, como se tivesse no alto da cabeça a coroa que ela bem merecia. Já considerar que a sua mensagem era verdadeira e honesta, bem, eu acredito que ela acredita que é assim mesmo. Mas não acredito no que ela diz, e aí, prima, com muitas desculpas, ponto final parágrafo.
Apesar de saber que és macarrónica e destemperada, não concordo com aqueles que insistem em que tu és marroquina ou manuelina, só porque isso rima com Ambrosina. São poetas de lana-caprina, prima. Realmente, eles querem é que tu te cales outra vez, percebes? Por favor! ...
13 Jan, 2009

Tudo, é mesmo tudo

 

Há anos que andamos a ser massacrados diariamente com os tristes e indecorosos acontecimentos que envolveram, ninguém pode garantir que não envolvam ainda, crianças e adolescentes da Casa Pia. Tem-se dito e escrito tanta coisa, que já nada espantaria, seja lá o que for que ainda esteja para acontecer.
Tantas vezes ouvimos bradar para que tudo seja apurado, doa a quem doer, que chego à conclusão que afinal, é preciso e é urgente, que se comece desde já a bradar de novo, para que tudo, mas mesmo tudo, volte a ser apurado, à luz de novas vozes que, ao que parece, estiveram caladas enquanto lhes interessou.
Há quem diga que está cansado de tanto ouvir, e não ver nada que prenuncie uma pontinha de verdade. Há quem diga que tudo isto vai dar em águas de bacalhau. Mas, muito importante também, há quem já tenha pago um alto preço, por algo que ninguém provou. No meio de toda esta confusão, parece andar ainda alguém incógnito e que pode ter sido, exactamente, o semeador dessa confusão. Que até podem ter sido vários, muito bem sincronizados.
De uma coisa não restam dúvidas. É que houve, no início desse detestável furação, quem falasse demais, quem escondesse demais, quem se calasse depois, ou fosse mandado calar, e até quem desaparecesse, subitamente, de cena, depois de muito se ter armado em herói das descobertas.
Afinal, parece que ainda falta descobrir muita coisa, que apenas estará evolvida numa nuvem de fumo persistente que, a manter-se, só envergonhará quem tem a obrigação de a dissipar. E será mais um contributo para se manter na opinião pública, a ideia de que há mesmo gente, que ninguém consegue chamar à pedra.
Há quem peça grandes, ou pequenas, indemnizações, dependendo apenas de haver ou não, motivo a existirem. Há quem tenha visto ser-lhe negado o direito de saber quem lhe estragou a vida. Não se percebe porque se não vai ao fundo da questão, por uma questão de dignidade e de respeito pela verdade, princípio da honra e dignidade de qualquer cidadão.
Por tudo isso, não se pode tolerar que fiquem dúvidas sobre a possibilidade de haver quem tenha entrado neste jogo sujo, sem se desenvolverem todos os esforços para que tudo fique em pratos limpos.  
Os espanhóis dizem que não acreditam em bruxas, mas que as há, há. Nós, portugueses, temos a tendência para dizer que não acreditamos na justiça, mas que a há, há. Será muito estranho, porém, que a investigação lhe permita esconder-se, perante ‘factos insólitos’ de que se fala agora, mas que nunca deixou, no mínimo, de se pensar. Há nomes que estiveram nas bocas do mundo e saíram, mas continuam a ser citados a toda a hora. E parece que há nomes que podiam estar nas bocas do mundo, mas que ninguém quer pronunciar. É tudo muito estranho.
Era bom poder descobrir tudo, mas mesmo tudo, para que a justiça não fique como gato escondido, com rabo de fora.
12 Jan, 2009

Os "inhos"

 

Apetece-me começar pelos tontinhos. Embora me pareça que há muitos, até podia haver muitos mais. Mas, não sabemos se a tendência é para aumentar ou diminuir, pois o INE ainda não se lembrou de nos fornecer essa importante informação. Na minha modesta opinião, essa tendência é para diminuir, uma vez que hoje em dia, uma grande parte dos tontinhos, passaram a ser mais que tontos.
É que um tontinho não é o mesmo que um tonto. Nem tão pouco eles se diferenciam pelo tamanho ou pela idade. A diferença está na cabeça de quem escolhe um ou outro termo, normalmente, em função da qualidade e da intensidade da tontaria, como se fosse possível arranjar uma escala classificativa para todos os tontos que nos atormentam a vida todos os dias. 
Os ceguinhos e os aleijadinhos do tempo da caridadezinha, vão conseguindo, com muito esforço, libertar-se da carga altamente deprimente que a sociedade lhes transmitia, com essa espécie de mundo à parte em que os colocava. Hoje, cada um com as suas deficiências, todos nós as temos, conseguem integrar-se no mundo do trabalho, quando lhes é permitido fazê-lo.
O pior são mesmo os ceguinhos e os aleijadinhos que não têm deficiências físicas, que conseguem ver perfeitamente onde metem a mão, ou onde dão o pontapé que aleija quem o leva. Muitos destes deficientes estão bem colocados, onde nem precisam pensar nada, tão pouco precisam correr para chegar depressa onde querem.
Hoje, ouve-se a toda a hora uma espécie de paladinos do apelo à comoção geral, a favor dos pobrezinhos, e lá acrescentam, ou antecedem, um enternecedor, coitadinhos. E até são capazes de dizer que rezam por eles uma oraçãozinha de conforto, com toda a devoção da sua alminha quase milagreira. Mas, o que eles não conseguem é prescindir de parte do que têm, ainda que mais ou menos mal arranjado. Se o fizessem, não deixariam de dizer que estavam a contribuir com uma ‘ajudazinha’, para ganhar o céu.
O que está mal em todos os ‘inhos’, é a ideia de pena, revelada até no tom de voz com que muita gente fala com deficientes de qualquer natureza, ou com quem se encontra em situação difícil. Como se, com essa atitude, quisessem demonstrar um sentimento profundo de compreensão, que não passa de uma demonstração de negativismo, de conformismo, quando podiam dar palavras de ânimo e de incentivo a lutar para vencer.
Ainda há quem prefira dizer que dá esmolinhas que, lá no fundo, servem para lhes amaciar a consciência, quantas vezes muito endurecida, em lugar de se tornar solidário com as grandes e pequenas causas, que podem ser abraçadas por qualquer cidadão, em qualquer lugar onde viva. Todo o acto de dar, deve ter em conta a dignidade de quem aceita.
Cá no meu entender, todos os ‘inhos’ e ‘inhas’, devem ser utilizados, principalmente, quando o coração se abre de par em par e deixa escapar desabafos amorosos, em jeito de manteiga derretida. Se houver prenúncio de alguma ‘hipocrisiasinha’, ainda que muito ‘comovidinha’, então é caso para dizer, em contramão, que estamos perante uns coitadinhos e pobrezinhos de espírito.