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afonsonunes

afonsonunes

11 Jan, 2009

Diga!...

 

 
Perante uma ordem tão imperativa ninguém é capaz de ficar calado, até porque foi a necessidade, ou a vontade, de dizer qualquer coisa, que ali levou o perguntado. A ordem nem tem nada de estranho, especialmente, se for pronunciada de uma forma melodiosa e gentil, acompanhada de um sorriso que nos leve a sorrir também. Mas, nesse caso, tinha de retirar dali o ponto de exclamação.
O desagradável da questão está, precisamente, na entoação que o ponto de exclamação representa nesta história de boas e más maneiras. Há tantas e tão variadas formas de nos levar a dizer de nossa justiça, que até um simples e silencioso olhar é bem mais convidativo que o irritadiço, diga!...
Compreende-se que esperar ouvir dizer, bom dia ou boa tarde, umas dezenas ou centenas de vezes ao dia, a um funcionário que já chega cansado ao trabalho, seria pedir-lhe um esforço inaudito, que poderia ser interpretado como uma violação dos direitos humanos. Mas, que diabo, um olhar interrogador, mas sereno, talvez já fosse uma compensação razoável para quem espera minutos, ou horas numa fila de refilões.
Não há discriminação nenhuma acima, pois a cena também acontece com funcionárias, algumas delas em confronto arrepiante com a cara que nos apetecia ver do lado simpático, porque lhes daria logo uma verdadeira aproximação àquilo que, certamente, elas próprias querem parecer lá fora.
Sexos à parte, também há a célebre frase, próximo… Ou, quem está a seguir… O problema é que também nós, à custa de ouvirmos essas frases repetidas inúmeras vezes, antes de chegar a nossa vez, também ganhamos aquele ar de poucos amigos que, não raras vezes, já estamos a revelar, sem que ainda nos tenha sido perguntado nada.
Quando assim é, junta-se a fome com a vontade comer e então é esperar para ver. Sim, é então que deveríamos ver intervir um, ou uma dirigente, ou chefia, paga como tal, depois de avaliada para essa função. Mas, por mais que olhemos para lá do vidro que nos separa do interior do serviço, só vemos abstenção e desinteresse pela normal ocorrência que se desenrola ali ao lado ou à frente.
Contudo, nem sempre é assim, pois já vamos a muitos lados, públicos ou privados, onde a primeira preocupação de quem nos atende é descobrir o nosso nome, para depois o repetir exaustivamente, com toda a atenção e amabilidade, a ponto de ignorarmos qualquer deficiência de informação que pretendíamos.
É bem verdade que todo o burro come palha, desde que lha saibam dar. E, nem sempre é tarefa fácil, porque os burros têm a fama, e o proveito, de serem muito teimosos, frente à palha que lhes pretendem dar.
 

 

A nossa história está em queda, talvez acompanhando o emagrecimento das bolsas e dos bolsistas, se é que podemos atribuir alguma relação entre o cu e as calças. Que o mesmo é separar o dinheiro e a democracia, no que dizem e no que fazem, alguns democratas da nossa praça, quando querem aparecer nas televisões a vender a sua banha da cobra.

A nossa história está quase a ganhar dois heróis nacionais, mas está, por via deles, a perder três candidatos a heróis. Também eu vou seguir o exemplo dos três candidatos, na medida em que não vou citar nomes, tal como eles não comentam o que lhes ouvem, nem tão pouco lhes parece que tenham alguma coisa a ver com isso.
Contudo, há uma pequena, grande, diferença entre a minha atitude de princípio, com a falta de princípios deles, como responsáveis dos lugares que desempenham, em representação de quem os elegeu para se pronunciarem, sem tibiezas, sobre o que se passa sob a sua jurisdição. Eu, simples cidadão, não tenho jurisdição sobre ninguém, mas contribuí para a eleição de um deles, com o meu voto secreto. Logo, posso reclamar da passividade que eles praticam e, ainda por cima, acham correcta, com desculpas de mau pagador.
Os dois heróis, um continental e outro insular, de partidos diferentes, vêem tentando provocar uns safanões, mais ou menos violentos, nas estruturas a que pertencem, em inteiro confronto com quem devia ser o símbolo de unidade desses partidos. Por essa razão, são hoje os heróis da comunicação social, para os quais não há limite de tempo nos noticiários.
Depois, há dois candidatos à descida de divisão, em termos partidários, que são precisamente os visados, contestados e até, desconsiderados, na forma como lhes põem em causa as respectivas lideranças, conquistadas de forma democrática.
Pergunta-se, com alguma lógica, penso eu, quem é que, na verdade, está a mais nesses partidos? Se os visados estão seguros das suas actuações, deviam chamá-los à pedra. Se entendem o contrário, então que se demitam, para clarificar as coisas.
Por outro lado, os críticos, o insular e o continental, se não conseguem vencer os visados nas urnas, devem deixar os poleiros de que não abrem mão de forma nenhuma. Será que eles não compreendem que é imoral estar num partido, com postura de permanente oposição? Pior, será que não é ainda mais imoral, não abrirem mão do que ganham em lugares que só os partidos lhes podem proporcionar? Eu compreendo muito bem que a moral deles é outra. Então, que saiam, e façam depois tudo o que lhes der na real gana. Assim, estão a lutar no lugar errado, com interesses disfarçados.
O terceiro candidato à descida de divisão, no que toca a heróis, está a perder aquele ar sério e providencial de quem deve estar acima de conflitos menores mas, inflexível e imparcial, quando valores mais altos começam a estar em causa, como é o caso dos valores da democracia e o respeito devido a quem a representa.
No cômputo geral, temos assim, dois heróis em ascensão, e três candidatos em risco de deixarem de o ser. Vamos ver até onde é que isto vai.
09 Jan, 2009

Assim, podem bater

 

 
Normalmente, bater é sempre feio e revela mau feitio de quem bate, além de atrair sobre si a indignação de quem vê bater. Mas, há muitas maneiras de bater como, por exemplo, aquele dito popular que nos lembra que, numa mulher, nem com uma flor se bate. Também há quem seja capaz de bater com a porta no momento certo mas, aí já é preciso ter coragem, ou não possa esse bater, ser um acto de dignidade.
O acto de bater, não pode ser de natureza física, para ser aceite, tanto por quem leva, como por quem assiste. Tem de ser muito bem justificado, para ser compreendido e não se converta em boomerang traiçoeiro. Logicamente, que falo em bater verbalmente e, nesse campo, não há dúvida, que muito nos compete fazer.
A violência verbal é, como todas as outras, uma arma muito perigosa, que se dispara facilmente, mas de consequências imprevisíveis, se o disparo for feito de olhos fechados, que é como quem diz, sem seleccionar cuidadosamente o alvo.
Também não basta apenas apontar para o alvo previamente escolhido. É indispensável que o alvo a abater, ou no qual se queira simplesmente bater, seja cuidadosamente estudado, a fim de que não haja um ricochete pernicioso, que tenha um desfecho contrário àquele que se pretendia.
Em política usa-se e abusa-se de bater. Não só entre os políticos, mas também entre os apaixonados fãs de uns, e os exacerbados amigos de bater desalmadamente naqueles de que não gostam, por causa das suas divergências. Todos convencidos de que quanto mais baterem no adversário, mais convencem os neutros a aderir às suas hostes.
Para bater é preciso ter argumentos, senão alguém estará a arranjar lenha para se queimar, pois não basta dizer que aquele é mau, e eu é que sou bom. Não basta usar uma linguagem violenta, para convencer gente pacífica. Não é possível convencer os outros de que temos razão, só porque insistimos, só e apenas, em que os outros não têm razão.
Até pode a nossa razão ser melhor que a dos outros, mas temos que o demonstrar com factos que os outros entendam. Caso contrário, estamos a bater em nós próprios. Como diz o povo, quando se fala de amores e violência, quanto mais me bates, mais gosto de ti. Bem me parece que este pensamento está completamente fora de moda, mas apenas no que toca ao amor.
É por isso que não é difícil verificar que há, e sempre houve, políticos aparentemente odiados pela opinião pública que, nos actos eleitorais, parecem renascer das cinzas e surpreender quem passou a vida a bater, tantas vezes de modo a desacreditar-se a si próprio. E, quem se desacredita a si próprio, está a dar crédito a quem dá combate, e a quem julga que destrói, com os seus excessos de linguagem e de nebulosos equívocos.
Quem tiver boa voz e boas razões, que bata sem dó nem piedade, em quem o mereça. O mundo bem precisa de gente que fale alto e bom som, contra tudo o que impede que haja verdadeira justiça social, fonte de todos os males que cada vez mais nos ameaçam.
Também diz o povo, que a verdade é como o azeite, pois vem sempre ao de cima. Mais tarde ou mais cedo, quem ignorar isso, está a derrotar-se a si próprio.

 

A pergunta é muito pertinente, a avaliar pelas vozes que já se agarram a todos os santinhos e à memória do velho ditador, para justificarem a indignação que lhes mina o pensamento contra o governo e os governantes. Sem entrar em juízos de valor, e sem me pronunciar quanto ao facto de concordar ou não com eles, sobre quem governa, gostava de dar um pouco a volta ao texto.

Admitindo eu, e tendo eles a certeza de que o mal está no modo como somos governados, procuro a mim próprio quem é que nos poderia salvar desta espécie de agonia, lenta para uns, rápida e fatal para outros. Nesta conjuntura, qual a personalidade ou o partido que dá garantias de que, com eles, isto seria um céu aberto.
Em teoria, todos eles, não há dúvida. Mas se olharmos para o passado, verificaremos que, os que tivemos, foram um desastre. Quem tem a memória curta já se esqueceu, claro. E até os que nos deram essa prenda, já estão dispostos a repetir a proeza. Gente boa, como diz um cómico nacional. E valente, corajosa e audaciosa, acrescento eu.
Na realidade, depois de um ou outro oásis, e depois de um mergulho a pique, veio uma ditosa e badalada ‘recuperaçãozinha’, após a qual estamos a caminho de novo mergulho. Dizem que é um mergulho numa situação excepcional, porque vem de fora. Pudera, todos os mergulhos são de fora, para dentro de água, ou não será?  
Então, quem estará em condições de nos salvar desta propalada agonia, resultante de tantos mergulhos, alguns deles em piscinas secas? Farto-me de olhar para a frente e para os lados, mas nunca olho para trás. Diziam os sábios de outrora que, para trás, mija a burra. Ora, a minha experiência diz-me que, com esses, já não podemos contar e, aqueles que a minha vista alcança, já são mergulhadores profissionais, com os fatos próprios já vestidos para avançar imediatamente. Água não lhes falta pela frente.
Há quem diga que o país está radicalizado e que assim não é possível mudar nada. Eu diria que as ideias radicais fazem falta para fechar os olhos e sonhar com coisas boas e bonitas. Algumas. Mas, para resolver a vida com elas, é preciso que sejam mesmo muito pouco radicais. Por causa do dinheiro, obviamente.
E o mais curioso é que, neste nosso estado de hibernação do desenvolvimento, até já aparece aquela gente que sempre foi conservadora, com corajosos discursos radicais, quando determinados sectores mais radicais, estão agora a tomar uns sedativos conservadores. Por este andar, ainda veremos em ambos os lados, uma forte possibilidade de fundir radicais com conservadores, para dar uma espécie de híbridos da política.
E porque não? Dizem que nas máquinas está a resultar. Não será o homem uma máquina também? Há quem diga que sim. Portanto, em frente com a ideia, pois quem sabe se não está aí o fim da nossa agonia secular. Enfim, a nossa salvação.
 
 
  
 
07 Jan, 2009

Lápis ou virus?

 

 
Se me não falha a memória havia dantes um lápis que servia para sublinhar escritos que eram para cortar, na altura de os passar para o conhecimento público. Segundo a minha modesta opinião, tão grave, ou mais, que o acto de cortar, era a cor utilizada para esse fatídico sublinhado.
Imagine-se que o lápis era azul, cor do céu, símbolo de pureza angelical, a seleccionar palavras ou frases supostamente diabólicas. Isto, no meu entender, era um sacrilégio inadmissível, até porque dava uma ligação perigosa entre o bom azul e a má escrita. Ainda se o lápis fosse vermelho, podia associar-se-lhe a ideia de sanguinário, detentor do mal, aliado a uma função exterminadora do pensamento ruim.
O azul e o vermelho estão agora muito em voga, mas não é fácil arranjar um consenso sobre qual deles é o veneno que nos vai matar, e qual deles é o remédio que nos vai salvar. Os jornais, muitos deles, aparecem todos os dias inevitavelmente pintados a duas cores, como se o azul quisesse banir o vermelho, tal como se fazia dantes.
Hoje ainda há lápis azuis nas mãos das crianças nas escolas. Mas, também há lápis vermelhos e verdes, além de muitas outras cores, que passam para desenhos inocentes. Apesar disso, continua a haver quem não goste nada, de tudo quanto é vermelho. Será doença?
Porém, os adultos já deixaram o lápis azul. Nos locais onde eram maliciosamente utilizados, já reinam os computadores, geralmente com cores muito discretas, junto dos quais há homens e mulheres que não sabem o que é cortar, riscar, ou sublinhar, para discriminar, porque não são do tempo do famigerado lápis azul.
Contudo, ainda há uns descendentes desses utilizadores, que não se conformam com a mudança geracional. Instalados em locais restritos, onde ainda podem ter uma certa liberdade de cortar, não através do lápis azul, que para eles agora seria preferencialmente vermelho, mas recorrendo às modernas potencialidades da nova escrita controlada por cliques.
É assim em alguns ditos jornais de província, que nos pedem para comentar escritos mas, depois, se os comentários não lhes agradam, levam a sentença de um clique exterminador, mesmo que sejam muito mais decentes que os escritos comentados.
E, como se isso não bastasse, resta a sensação de que ficaram vírus informáticos espalhados à nossa volta, como se o nosso computador tivesse sido atingido pela contaminação que reina nesses ditos periódicos, onde a linha de pensamento tem, forçosamente, de ter sentido único.
Caso contrário, os vírus ditos de um certo bem e de uma certa moral, atacam sem dó nem piedade. Tal como os utilizadores dos antigos lápis, os destes vírus, que também são azuis, incham de cólera quando pensam no vermelho. Então, nem reparam para a cor que têm na cara.
 

 

 
Os nomes dos grandes decisores e, ou, influenciadores da vida nacional, gastam-nos a língua de tanto falarmos deles. É uma coisa que assume foros de desperdício, se atentarmos em tudo o que se diz e escreve a seu respeito. Justificadamente ou não, os seus nomes são invocados a toda a hora e em qualquer lugar, quantas vezes em vão.
Pela parte que me toca, já me cansei disso e, vai daí, tive uma ideia luminosa. Arranjei-lhes uns nomes mais maneirinhos, sem tocar em nada mais, nomeadamente, nos seus defeitos ou atributos. Isso aí, eu não quero meter prego nem estopa, ou não fossem eles cidadãos de primeira água, talvez cristalina, talvez destilada, quiçá lisa ou gaseificada.
Jo-so, é um maratonista universal, sendo vulgar vê-lo a dar à sola em qualquer parte do mundo mas, mais frequentemente, por cá. Já há quem diga que o país é pequeno para as suas corridas, daí que ele entenda necessário fazer mais auto-estradas e mais pontes de grandes dimensões, para nelas ir fazendo o que não consegue fazer no trabalho: transpirar, vulgo, suar.
Ma-le, tem um pequeno problema. Só consegue fazer umas corridinhas, acompanhada do seu cágado de estimação e, frequentemente, com a companhia do caracol do seu jardim, que já nasceu cansado. Mas, apesar disso, diz alto e bom som, que ainda é capaz de romper meias solas dos seus ténis de cetim, cor de laranja, quase a tender para amarelo desbotado. E, não tem dúvidas. Ela também diz que ainda é capaz de ser mais rápida que um maratonista que ela diz conhecer de ginjeira.
Je-so, é um homem oficinal de têmpera semelhante à do ferro, com muito mais força nos braços que nas pernas, por causa da musculação diária nos ajuntamentos. Daí que não queira nada com corridas. E não se importa mesmo nadinha de dizer que até tem raiva a quem passa a vida a correr, para fugir das suas obrigações. Por causa disso, não se cansa de exigir uma mudança de estratégia, trocando as corridas por umas marchas mais lentas e acompanhadas de sonoras palavras de ordem.
Fr-lo, nome difícil, este. Talvez o seu padrinho fosse de descendência do sol nascente, a avaliar pelo nome que deu ao afilhado. Mas, em tudo o resto, nem pensar, pois é português e não é gago. Fala até perfeitamente, com a ajuda de um braço, que dá uma expressão magnífica às suas clarividentes dissertações oratórias. Aliás, é esta a sua especialidade. Um autêntico maratonista da palavra, que não das pernas, que isso, poderia ser interpretado como plágio do seu inimigo de estimação. Falar contra quem corre, sim. Fazer corridas com ele, ou como ele, nunca.
Pa-po, nunca desejaria ser um papo-seco, e basta-lhe olhar para o espelho, para constatar que não o é mesmo. No entanto, tem algumas desconfianças de que há quem tenha dúvidas. E, desconfianças e dúvidas, são o melhor ponto de partida para uma digressão oral, sempre bem recheada de adornos linguísticos inflamados, preferencialmente, sobre corridas perdidas e quedas iminentes, por causa das sapatilhas do maratonista.
Somos um país de atletas, com alguns maratonistas, muitos carapaus de corrida, mas também ainda temos, infelizmente, corredores de pé descalço.  
05 Jan, 2009

Falta-zita

 

 
Se para uns foi uma ‘faltazita’, para outros foi uma ‘faltazona’, pois logo houve aqueles momentos de partir a moca, com a fartura de matéria polémica de encher o papo. Houve quem visse nessas faltas, o funeral de uma maioria, ressuscitada pelo abortado golpe de misericórdia de uma minoria que esteve a dormir na forma.
Parece-me, a mim, que anda muito mais gente a sonhar com suspensões, do que os inocentes faltosos, fartos de saber quem falta, quando falta, e as consequências das suas faltas. Mesmo atendendo a que se tratava de uma normal sexta-feira, dia de regresso às aulas, perdão, dia de regresso a casa, ao doce lar, de alguns dos faltosos. Para os outros, era dia de qualquer coisa, que só eles poderiam confessar.
O primeiro momento, o momento da fúria inicial, veio da chefe, da carismática e irredutível cara da rigidez regimental e da fonte da transparência nacional. O acto era imperdoável e inaceitável, estando em causa uma oportunidade única, memorável e irrepetível, de obter uma vitória histórica.
A comunicação social, em geral, viu o filme através do mesmo projector e ainda com a vantagem de usar lentes especiais, para realçar essas imagens de sucesso.
Porém, a chefe, depois de reflectir e de ouvir o porta voz dos faltosos, acalmou. A comunicação social continuou a alimentar o folhetim. Dos faltosos vieram as primeiras justificações das faltas. Tudo muito simples. O normal. E, mais normal ainda, para uma sexta-feira, que já nem devia constar da ordem de trabalhos.
Mas, vamos lá à falta-zita. Estava lá, mas resolveu ir para trás da porta, para não votar a favor. Em princípio, é feio ficar atrás da porta a ver, ou a ouvir, o que se passa lá dentro. Bem podia ter ficado lá dentro e votar contra, ou abster-se. Mas não. Foi lá para fora. Já sei que estão a pensar na disciplina de voto. Pois é, mas quem tanto apregoa medos e claustrofobia democrática, estas disciplinas têm qualquer coisa de contraditório.
Por acaso, devem estar a esquecer o que se passa ali ao lado, onde alguém faz isso por sistema e é altamente elogiado pela sua rebeldia democrática, pelos seus actos sem medo e pela sua independência, que tanto agrada a quem faz exactamente o contrário. É que o bate o pé do vizinho, dá origem a uma festa, mas o bate o pé dentro da nossa casa é uma indisciplina intolerável, que vai ter consequências terríveis. Cá estamos para ver.
Em causa, parece estar a cidade de Coimbra, talvez por causa dos ares e da humidade do basófias, que continuam a ser uma lição e uma tradição, inspiradoras de poesia e, para rimar, rebeldia, que só pára em Lisboa, centro de todas as manifestações que, na origem, passariam despercebidas.
O fado coimbrão, menos irreverente e rezingão que uma tricana-zita e um universitário-alegre, tem destes intérpretes vizinhos, mas muito, muito, afastados um do outro. Porém, Coimbra, continua a ser uma lição, mesmo fora das aulas.   
 
 
04 Jan, 2009

É a vida!...

 

 
Esta, é daquelas expressões que talvez não haja ninguém que a não tenha já proferido. Não revela propriamente uma atitude combativa contra qualquer contrariedade da dita, antes parece demonstrar uma acomodação ao destino e aos desígnios da sina de quem a profere. É uma espécie de desistência de algo que nos achamos incapazes de conquistar, ou alguma coisa que já está perdida antes de lutarmos por ela.
Porém, quando entramos num campo de batalha, sabemos de antemão que podemos perder ou ganhar, que podemos vencer ou morrer. Se lutarmos por uma causa, até podemos morrer e a causa acabar por triunfar. Há causas que bem mereciam esse sacrifício, mas são poucos os que seriam capazes de tal acto de defesa de um ideal, por mais puro que o considerem. Também isto, é a vida.
Nem sempre se pode estar de acordo, quando se conversa com alguém, ainda que esteja um país suspenso dessa conversa. É a vida! … As palavras são minhas, mas a inspiração vem-me de alguém muito mais importante que eu, pois foi desse mesmo modo que terminou um desabafo seu, de teor semelhante. Tão importante, ou mais, que a personalidade, é o sentido, talvez de humor, talvez de desilusão, ou ainda de desânimo, pelas consequências que ela própria atribui às origens e desenvolvimentos da matéria em desacordo.
Há estados de alma que são extremamente difíceis de exprimir, assim, em seis letrinhas apenas, a que basta acrescentar um ar enigmático, um sorriso muito leve e um olhar um tanto descaído para baixo. Com as mesmas seis letras, podia mudar-se, de todo, o sentimento interior. Bastaria dizer: É a vida! … - soltando ao mesmo tempo, um riso maroto, um ar galhofeiro e um olhar atrevido, ou até um disfarçado piscar de olho.
Em ambos os casos, é a vida. Preferiria pensar que são percalços da vida, que só acontecem a quem não faz, nem quer mesmo fazer nada. Porque a vida, para quem for capaz de a viver e de não estragar a vida dos outros, tem muito mais coisas úteis e interessantes, para além de discussões de toma lá, dá cá, que só servem para ocupar tempo, que é dinheiro, além de gastar também o dinheiro que falta a muita gente.
Chega um tempo em que é preciso arregaçar as mangas e dizer muito claramente: Vamos à vida! ... Porque a vida, não é. Seria uma cómoda beleza se a vida fosse, apenas por si própria. Era sinal de que nós nada tínhamos a fazer. Contudo, a vida somos nós que a fazemos. Tanto quanto possível, em luta com o trabalho digno e sério, dentro das regras que a sociedade impõe a todos os cidadãos. Que devem lutar pelos seus direitos, quando alguém os ignorar. Mas, a luta da retórica e da verborreia constante, só conduz à violência, a mais miséria e ao regresso ao passado, que alguns saudosistas ainda sonham ver de volta. Mas, presentemente, parece ser muito mais provável o risco de violências de outros tipos. Que podem começar por aí.
Como nada está apenas na minha mão, eu repetiria que, infelizmente, é a vida.
 
03 Jan, 2009

Ouvir em português

 

 
Já vou tendo os ouvidos cheios e não estou a ouvir nada que me dê a esperança de os despejar deste cansativo e estupidificante assunto, que já se tornou mais num diálogo de surdos, que numa canção de embalar meninos de creche após a papinha do meio-dia.
Por vezes tenho a sensação que há portugueses permanentemente interessados em ignorar o sentido das palavras mais banais da nossa língua. Ora, ao longo destes últimos meses, mas mais acentuadamente nos últimos dias, têm-se escutado coisas que ferem o ouvido de quem não quer saber de tiros de canhão, com ou sem recuo, mas preza a verdadeira função da gramática e do bom senso.
Ouvir, tem sido o refrão de uma canção de empatas, ou seja, de quem quer estar de bem com Deus e com o Diabo, não tendo coragem de escolher o lado da barricada de onde deve colocar-se, numa guerra que tem dois contendores muito diferentes. Um que está desejoso de falar, mas dizendo sempre a mesma coisa, e outro que está farto de ouvir, fazendo de conta que não ouve nada.
Dizem os empatas que é preciso ouvir. Talvez queiram dizer que é preciso ceder, esquecendo que se enganaram no termo empregado. Isto, para não falar naqueles que, provavelmente, estão a confundir ouvir, com dar ordens a quem os ouve, esquecendo que uns apenas têm o direito de ser ouvidos, e outros têm a obrigação de ouvir.
Não está aqui em causa a razão de fundo que pode estar de um lado ou de outro, ou até de ambos. Está aqui, apenas, em causa, uma questão de português e de ambiguidades que alimentam, usando como nutrientes umas confusões repetidas até à exaustão, porque lhes dão jeito para carregar e disparar o tal canhão, na esperança de que ele vá recuando, até às trincheiras que ocupam.
Contudo, também ignoram o perigo real que existe de, depois de alguns recuos, possa haver um tiro que, inesperadamente, ou não, saia pela culatra.
Será então, uma vez mais, uma enorme confusão, tanto entre os que não souberam, ou não quiseram ouvir demais, e entre os que não souberam disparar o canhão, acabando por ficar, não só com os ouvidos entupidos, como também com a boca chamuscada pelas labaredas vindas da culatra fumegante.
É bem verdade que muito se tem falado de ouvido. Também é verdade que muito se tem matado o bichinho do ouvido a alguém, do mesmo modo que tem havido alguns ouvidos de mercador, quando era de todo conveniente que os dois lados dissessem sem reservas: sou todo ouvidos.
Na realidade, todos nós, e eles, temos dois ouvidos que servem para ouvir o que os outros dizem. Mas, ouvir, é só ouvir. Compreendendo ou não, o que se ouve, depois de ouvir, há que aceitar que a música é outra, ainda que seja tocada de ouvido. 
 
01 Jan, 2009

A doença da crise

 

 
A crise não é uma pessoa mas é uma coisa. E uma coisa muito séria, que ninguém quer levar a sério. A verdade é que as coisas também adoecem e, na devida altura, lá vem o momento de morrer. Porém, não é da morte que se trata agora, que essa, nem eu a posso ver pela frente. Portanto, volto à crise e à sua doença, que só o tempo dirá, se é crónica ou curável. Há quem a considere excepcional e há quem a queira essencial.
Estranhamente, a crise apareceu quando menos se esperava, quando já todos, salvo seja, tínhamos boas casas, bons carros, boas férias em bons paraísos tropicais, bons paraísos fiscais para o dinheiro que não conseguíamos gastar, e até, bons empregos onde nem nos diziam para trabalhar alguma coisa. Só os pessimistas é que vão dizer que não é bem assim.
Estranhamente também, a crise apareceu com uma pujança invulgar, cheia de vitalidade, como que uma força bruta da natureza, saltando de banco em banco, abanando os cadeirões dos banqueiros, como quem sopra nos coqueiros das praias onde o vento limpa os pulmões.
Quem assim surge em cena, não pode queixar-se da saúde e, desde logo, se percebeu que ela, a crise, não ia morrer tão cedo, até porque não estava a imaginar-se quem poderia tomá-la, moribunda, nos seus braços caridosos, após alguns golpes fatais de responsáveis pelo seu  aparecimento.
Puro engano, pois não houve nenhum desses responsáveis, que arriscasse erguer um braço, dos seus, para tentar atingi-la, preferindo estender os seus dois braços à solidariedade dos seus amigos, para acautelarem o perigo de se verem envolvidos no tumulto do desespero dos mais atingidos pelos seus desmandos.
Contudo, nem sequer a crise conseguiu manter o seu vigor por muito tempo, tal como aconteceu com os seus autores. Há uma coisa que se chama doença que, tal como a crise, aparece de surpresa e ataca quem menos se espera.
Inesperadamente, foi a própria crise a ser atingida por um vírus completamente desconhecido, que motivou, de imediato, um movimento de salvação em grande escala, por parte de quem, em princípio, se esperava que fosse entusiasticamente requerer-lhe a morte assistida, colhendo os benefícios e os louros desse homicídio às escondidas.
O movimento de salvação da crise está aí, para lhe dar vida. Afinal, a crise está doente por causa de um vírus oriundo de contágios contra natura, transmitido pelo confronto violento no interior de quem odeia a crise, que lhe mexe nos altos interesse materiais, mas, pelo contrário, lhes alimenta a esperança e a expectativa de que ela, a crise, lhes traga uma mudança que não são capazes de criar por si próprios.
É bem de ver que a crise está doente, mas não está para morrer. Ainda que estivesse nos cuidados intensivos, que não está, teria todos os antibióticos necessários à sua sobrevivência, pelo menos, por enquanto. Para já, é a crise que lhes alimenta uma esperança. Há que tratá-la bem. É a crise amiga deles.   

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