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afonsonunes

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Quando alguém nos quer dar ou vender gato por lebre está a tentar fazer uma trafulhice, e esse alguém não passa de um trafulha, mais ou menos qualificado. Este é um termo pouco utilizado na linguagem vulgar do dia mas, na verdade, tendo em conta o que vamos vendo e ouvindo diariamente, a trafulhice e os trafulhas estão muito mais vulgarizados que o termo que lhes assenta que nem uma luva.
Já estamos habituados aos mentirosos e aos vendedores da banha da cobra, embora se possam enquadrar perfeitamente numa espécie de trafulhice, digamos que é uma espécie benigna, dependendo da qualidade da mentira, ou da banha que nos pretendem impingir. Mas, também depende da espécie de indivíduo que nos pretende levar à certa.
Regra geral, o trafulha é incisivo, acutilante, pois os efeitos que ele causa nas suas vítimas têm um impacto doloroso. Agora imagine-se quando os trafulhas se juntam numa espécie de bando, numa espécie de sindicato da trafulhice, para se atirarem a quem querem neutralizar.
Estes trafulhas estão bem cobertos por montes de dinheiro, pois não há crise que afecte os seus financiadores, nem há desemprego que chegue aos calcanhares de tão fiéis servidores. Normalmente, armam em pudicos cidadãos, cheios de fé e de boa vontade, expressas nos mais sérios actos públicos, onde se mostra o que se não tem, e onde se esconde tudo o que têm dentro do íntimo.
Porém, são eles, os grandes trafulhas, os alvos de todas as atenções, são eles que são notícia e são eles que dão conselhos públicos a quem tinha montes de lições a dar-lhes, mesmo à borla, e com toda a disponibilidade do mundo.
Quem tão benevolamente podia ensinar-lhes a ter uma vida decente, não tem, nem nunca terá voz que lhes chegue aos ouvidos duros. Porque não interessa, não convém, quebrar o círculo vicioso em que se movimenta o mundo, e onde esse movimento giratório enrola muita gente ingénua e sustenta muitos pequenos trafulhas que já não sabem viver de outra forma.
Sim, para muita gente, a trafulhice, ainda que meio encoberta em negócios legais, é uma profissão como outra qualquer, principalmente, se ela serve de apoio à trafulhice de outros senhores maiores e mais poderosos, que bem sabem que tudo o que traficam, é convertido em dinheiro, ao qual ninguém conseguirá dar outra cor, senão aquela com que os trafulhas o pintam.
O pior é que os trafulhas estão implantados em todo o lado, razão porque ninguém consegue meter-se com eles. Basta olhar para a frente, para trás ou para os lados.
Se houver alguém que não consiga vê-los, então, cuidado, muito cuidado, se não for um problema oftalmológico, é um problema de solidariedade profissional.  

Tenho ouvido muitas vezes esta frase ao longo dos tempos, e ainda não consegui perceber o que era que faltava, realmente, a quem pergunta, para perguntar só aquilo que realmente ainda não sabe. Mas também a quem deve responder, o que era que faltava, para dizer que tem mais que fazer, que estar a brincar às perguntas e respostas.

Sim, porque era só o que faltava, fazer a mesma pergunta uma dezena de vezes, embora mudando apenas umas sílabas para ver se pega, esperando que falte a pachorra e lá vai uma escorregadela de humor que, então sim, seria um daqueles furos de fazer subir a água das profundezas da terra, até às suas origens, que são as alturas das nuvens.
Mas também era só o que faltava, ter de ouvir como resposta a essa dezena de perguntas iguais, uma dezena de dissertações perfeitamente iguais, o que me leva a perguntar quem é que tem pachorra para estas entrevistas de molhada. Que o mesmo se pode dizer de certos debates, em que apetece dizer que era só o que faltava, ter paciência para os ouvir.
Há expressões que são quase exclusivas de certas personalidades e com elas mostram muito do modo como alinhavam o seu discurso, mesmo do teor das suas convicções e da natureza do seu estilo de pretender levar a água ao seu moinho.
Diria eu, que era só o que faltava se assim não fosse, pois bem me lembro daquilo que digo e escrevo, caindo nos mesmos males, não sendo eu, em nada, coisa que se pareça com uma personalidade, o que me dá a confiança de me sentir com cem por cento de tolerância.
Mais curioso é o facto de essa frase pressupor que já cá não falta mais nada, ou melhor, que já só faltava mais essa para o quadro ficar completo, quando sabemos perfeitamente, que todos os nossos quadros políticos andam, todos eles, muito desenquadrados, e os pintores que os vão pintando, cada vez parecem ter mais a noção de que ainda falta muito mais, do que essa que julgam que faltava.
Mas, também era só o que faltava, se alguns desses pintores não fizessem uma análise cuidada às tintas que usam, para detectar tonalidades desenquadradas das naturezas mortas, e às vezes já putrefactas, que andam por aí a desenterrar, como se não coubesse aos vermes eliminar o que vai de cima para debaixo da terra. Era só o que faltava se agora o homem vivo se intrometesse no reino dos vermes.
A verdade é que tudo aquilo que ainda ontem faltava, continua a faltar hoje, e vai continuar a faltar amanhã, se as caturrices dos que querem o óptimo, transformado em ideal, não descer ao nível do realizável.
Do mesmo modo, era só o que faltava, se as caturrices daqueles que podem realizar, fossem ao ponto de idealizar aquilo que nós sabemos que não é realizável.
Pois é. Não me levem a mal, mas era só o que faltava, se também eu não alinhasse em conversas de chacha, que não chegam a lado nenhum.
 

Não vou nem podia ir a congresso nenhum, porque a bodas e baptizados só vão os convidados, além dos que pertencem à família que vai congregar-se. Parece que nestas ocasiões, os congressistas aproveitam para tirar umas coisas a limpo, assim uma espécie de reunir os rascunhos que andaram a escrever durante o ano e toca de os ler ali, perante os familiares mais próximos, que aplaudem, e os mais afastados, que fazem orelhas moucas.

Família sem a sua discussãozinha de vez em quando, não é família nem é nada. E então estas famílias partidárias, por vezes, são o fim. Não é o fim delas, claro, pelo contrário, mas que às vezes parece o fim da macacada, disso não há dúvida. Até dizem que da discussão nasce a luz, mas o facto é que nasce primeiro a desavença e, acidentalmente, lá vai um abraço fraterno quando chegam a acordo.
Tudo porque está institucionalizada a aceitação de tendências dentro dos partidos. Ainda aceito que haja tendências, mas o que não aceito é que haja tendenciosos. Senão, qualquer dia, resolvo inscrever-me como militante, simultaneamente, em dois ou mais partidos. Por exemplo, dentro do PS formaria a tendência social-democrata e dentro do PSD, formaria a tendência socialista. Tendências que até podiam ter outra designação mais conveniente, consoante o nome do tendencioso, no caso o meu. Até gostava de ouvir dizer tendência afonsina.
Depois, quando houvesse um congresso do PSD eu defenderia ali as teses e os ideais socialistas, e faria o contrário, quando fosse a um congresso do PS, defendendo ali a doutrina e as propostas sociais-democratas. Parece que nada me impedia de exercer o meu direito de tendência. E até podia estender as minhas tendências para o lado da esquerda.
Julgo que não estou a inventar nada que se não veja já há algum tempo. Dirão que a democracia é assim e assado, que as pessoas têm o direito disto e daquilo, etc. e tal. Pois é, por isso mesmo, em certos países há quase tantos partidos como votantes. Isso é que é, na minha opinião, uma democracia avançada. Há uma tendência, toca a avançar para um novo partido.
Cá, se querem tendências intra-partidárias, façam precisamente o contrário. Juntem todos os partidos num só, esqueçam lá a UN, e então passam a discutir tudo dentro da mesma sala, olhos nos olhos, acabando com essa coisa muito chata que são os recados, via comunicação social, que às vezes olha mais para uns que para outros, sem nenhuma má intenção, claro, mas isto de estar em todo o lado, é mesmo de todo impossível. Assim, não, era facílimo. Todos os tendenciosos tinham as mesmas oportunidades e todos os jornalistas podiam dizer as coisas à sua maneira, mas com origem numa única fonte.
Mas, fiquem lá todos os congressistas e jornalistas descansados, que eu não vou lá.

Hoje é dia de enterro, segundo a tradição carnavalesca, uma vez que se enterrou o Entrudo, essa figura que nos lembra os velhos tempos em que, vivendo mal ou pessimamente, as pessoas sentiam-se muito mais felizes que hoje, em que até as que podem viver bem, se sentem muito mal.

Não será por ser dia de enterro que as pessoas vão ficar mais deprimidas e mais queixosas do que já andam, porque sabem perfeitamente que não se enterra nada nem ninguém, contra os desejos de toda gente. Ou haverá alguém que está feliz e satisfeito, com tudo aquilo que lhe está a acontecer, ou com tudo o que vê à sua volta?
Pois eu gostava mesmo de assistir a um funeral, que é o termo actual que substituiu o velho enterro. Claro que não quero o funeral de ninguém, que não sou nenhuma besta odiosa e terrífica para desejar uma coisa dessas. O que eu desejava ardentemente é que se enterrassem, com cerimónia fúnebre ou discretamente, todas as parvoíces e todas as demagogias que tantas doenças nos causam, e algumas delas até levam à cova.
Deixemos as coisas tétricas e voltemos ao enterro simples do Entrudo, que já foi feito, logo ao romper do dia desta quarta-feira. Muita gente dirá que não notou nada. Pois é verdade que eu também não. Como tudo na vida, isso tem uma explicação simples. É que terminou ontem um ano carnavalesco, mas hoje já começou um outro ano carnavalesco.
Aposto que durante esta quarta-feira, dia de enterro do Entrudo, não passa sem que venhamos a ver e a ouvir outros entrudos, que nos vão querer divertir com os seus ditos pretensamente cómicos, por vezes tragicamente cómicos, que nem sequer respeitam este período de tréguas que devia seguir-se ao Carnaval.
Claro que já ninguém se lembra que estamos na Quaresma, daqui até à Páscoa, período em que dantes, quase só se ouvia música sacra ou música dita séria, para não falar na seriedade que se foi com o período.
Mas, nem é preciso dizê-lo, o Carnaval continua e, este ano, com uma intensidade foliona que vai levar muita gente à loucura, muito mais intensa que aquela que já se sente no ar, hoje em dia. Os maiores foliões já se vestiram a rigor. A preparação dos corsos e dos desfiles que aí vêm, já começou há muito, se é que não dura, e dura, ao longo do ano inteiro.
São três, os grandes corsos previstos no calendário carnavalesco, mas antes de cada um deles, há os ensaios, as simulações, as previsões, as sondagens. Tudo por causa de quem vai ganhar os três corsos, depois de contados os nossos disputadíssimos votos.
Votos que servirão para eleger os reis do Carnaval dos próximos quatro anos se, entretanto, não houver uma qualquer palhaçada que estrague os resultados destes corsos que tanta animação prometem. Por causa de muitas alegorias, que são causa dos estragos causados nas escolas carnavalescas em competição.
Em cada escola que desfila, em cada um dos três corsos, há um rei, candidato a reinar. Nestes desfiles todos se mostram os reis da fantasia, da alegria, da prosperidade. A mim, lembra-me mais a Quaresma, a tristeza, as imagens dos altares de rosto tapado, o desejo de que algum dia chegará a Páscoa, que devolva o colorido às igrejas e aos fiéis.  
Para isso, é preciso que o rei do Carnaval que vier a ser eleito, não permita as muitas palhaçadas, que tão pouco nos têm divertido.
24 Fev, 2009

Não gozem com eles

 

 
Tive, e ainda tenho algumas dúvidas, sobre quem deviam ser as vítimas de quem anda a gozar com alguém. Para além deles, também aparecemos nós, implicados neste sistema de gozo nacional, que ninguém consegue contrariar. Eles e nós, ora aí está um conjunto de gozados, que diariamente somos atingidos por outros, que nem eles nem nós somos capazes de identificar.
É evidente que não nos compete a nós tão difícil tarefa, até porque não temos os meios que eles têm, mas parece que não querem utilizar, para que nós fiquemos fora desse filme a preto e branco, com o qual eles se divertem à brava. É que, uma coisa é o gozo de quem goza, outra bem diferente, é a tortura de quem é gozado.
Os outros, os tais que gozam principalmente com eles, tudo indica que andam misturados com eles, trabalham com eles, têm os seus segredos conjuntos mas, à socapa, os outros divulgam esses segredos nas costas dos seus parceiros de trabalho, ou parceiros que mexem no trabalho deles e dos outros.
Parece muito complicado, mas não é, se considerarmos que eu é que gosto de complicar um bocadinho as coisas que são fáceis, em jeito de me desforrar dos gozos de que sou vítima.
Vamos supor que eles, são os investigadores que andam à procura. Suponhamos ainda que os outros, são os investigadores que também procuram, mas informam os visados de que estão a ser procurados. Resultado, nem os procuradores encontram quem procuram, nem os procurados se incomodam com os investigadores, porque sabem tudo o que eles vão fazer, antes de o fazerem.
Ora aí está a justificação para eles e nós andarmos a ser gozados pelos outros. O grande problema é que eles, os que procuram calados, não são capazes de descobrir quais são os outros que falam, antes de procurarem aqueles que os gozam, enchendo tudo o que devia dar notícias, com as previsões de procura, que não deixam encontrar nada.
Tenho cá um pressentimento que há quem não tenha entendido ainda, a que propósito vem o gozo dos outros, que sobra para nós e para eles. Pois se eles, os investigadores calados, não conseguem calar os investigadores que falam, só podemos concluir que há ali um gozo qualquer, pois se os procuradores, que são todos os investigadores, não se conhecem, ou não querem conhecer-se, como é que se lhes pode pedir que conheçam os ladrões, os vigaristas, os desordeiros, e também todos os seus consumidores perfeitamente identificados?
Depois, todos eles, gozam com o pessoal, nós, os pagantes de todos estes gozos que nos levam tantas vezes à farmácia, quando não às urgências, para gozar com os que dizem que as taxas são uma vergonha. Maior vergonha é haver quem nos goze, ao ponto de termos de pagar taxas que bem podiam ser evitadas.
Isso só acontecerá, quando os procuradores encontrarem todos os procurados, acabando assim, de vez, com os que gozam e com os que são gozados.
 
 
23 Fev, 2009

Feia e envelhecida

Há mulheres que nunca foram bonitas, mas isso não quer dizer que sejam más pessoas e que não tenham outros bons atributos que fariam bastante falta, a tantas estrelas do firmamento da beleza. Estou a lembrar-me da decência mental, por exemplo, para não falar no ódio que pode constituir o único brilho de olhos ‘espintalgados’ e encovados.

Ser bonita é uma delícia, mas querer parecê-lo à força, é uma teimosia igual àquela que demonstra, semanalmente, quem pretender meter-me pelos olhos dentro, o que lhe vai na alma inquinada e facciosa, como se uma perniciosa rabugice, tivesse o condão de me fazer abrir os olhos, ignorando uma certa imagem feia e envelhecida que me faz virar a cara para o lado, sem um simples sentimento de compaixão.
Não ignoro que estou hoje a transmitir a mesma mensagem, que tal imagem de uma mulher feia e envelhecida me revela, cada vez que a vejo e oiço, embora não tenha paciência para a aturar por muito tempo. Mas, também tenho a noção de que ela nem sequer sabe o que eu penso ou digo, por isso, estamos empatados, como no início do jogo. Jogo desigual, porque ela pode envenenar falando, enquanto eu, embora imune ao veneno, apenas posso ouvir.
Por norma, as mulheres, umas mais, outras menos bonitas, são simpáticas, tolerantes, de trato afável, quando têm, ou lhes apetece falar de outras pessoas. É sinal de que sabem que estão integradas numa sociedade plural e respeitadora de valores e deveres, que respeitam os semelhantes e os seus direitos, exactamente, na mesma medida em que exigem naturalmente ser respeitadas. Se, eventualmente, a uma mulher lhe competir informar, então também lhe compete saber minimamente do que fala e não insinuar ignominiosamente aquilo que desconhece.
Mas, contra todas as normalidades, surgem onde menos se esperam, as anormalidades, obviamente provocadas por mentes anormais, cegas pelo ódio, que confundem com um estúpido sentido crítico, misturando incompreensíveis sentimentos baixos, que não se devem manifestar de forma tão irracional, nem a um simples animal doméstico, quanto mais a pessoas, por mais que se discorde delas.
O facto de estar num poleiro, não dá a qualquer galinha, ainda que meio depenada, de voz roufenha e pele inchada, o direito de cacarejar, numa tentativa desesperada de armar em profeta da salvação que ela própria deve ter interiorizado, para fugir ao seu contributo para uma canja que, por causa da pele demasiado esticada, teria de sair sem tom e demasiado sensaborona.
O campo das ideias não se situa dentro de uma panela de pressão, por mais que se queira controlar o pivot, tal como não se controla o seu rodopio, originado por vómitos de vapor, que de tão desagradáveis, provocam um sibilar mais que irritante.
Sinceramente, nem faço a mínima ideia do que ficou dito para trás. Há dias assim, em que a memória se esvai segundo a segundo e, ainda por cima, não apetece mesmo nada, voltar ao princípio e ler, corrigindo, se fosse caso disso, tudo aquilo que possa não fazer sentido. Se outro não houver, que fique o meu sentimento de indignação.
Confesso que não me lembro absolutamente nada, de quem ocupava o meu pensamento, quando estas manifestações sensoriais obtiveram ordem de soltura. Mas deviam ser imagens que me transmitiam uma qualquer sensação feia e envelhecida.
22 Fev, 2009

O mais poderoso

É frequente ouvir dizer que o presidente dos states é o homem mais poderoso do mundo, talvez porque tem um avião que pode mantê-lo no ar, em caso de perigo, ou pode mandar tanques para qualquer parte do mundo, para mostrar que é ele que manda.

É provável que haja outros motivos, para tanto poder concentrado num só homem, mas tenho cá para mim, que essa visão de dar tamanha honra a um americano, não passa de simples convicção de que só a América é que pode, deve, e tem de ser, a maior em tudo.
Ora por cá, neste canteiro à beira mar plantado, todos sabemos que somos pequenos na dimensão geográfica mas, na dimensão da alma das pessoas, não temos dúvidas de que somos imbatíveis, se esquecermos as últimas desilusões da bola e a crescente contaminação da canalha que anda ao redor.
Em contrapartida, quando se fala de génios da política, somos realmente imbatíveis. Basta olhar para os nossos heróis a dar cartas lá fora, no passado e no presente, cujos nomes me dispenso de citar, para não os deixar encavacados, devido à modéstia que sempre os caracterizou.
Mas olhemos cá para dentro e não tardará que descubramos o homem que mais anda nas bocas de todo o mundo, pela sua influência planetária. Basta dizer que é, indiscutivelmente, apreciado por uma boa parte dos portugueses, que lhe reconhecem vastas virtudes. É odiado por outra parte dos portugueses, que lhe encontram montes de defeitos. É ignorado por uma pequena parte dos portugueses, que são aqueles que ignoram tudo.
Ter admiradores com fartura, ter inimigos figadais, e ter gente que nem sequer sabe que ele existe, é a confirmação plena de que se trata de alguém com muito poder. Se isto já basta para o distinguir, é preciso acrescentar que até há quem tenha medo dele, quem entenda que ele é intransigente e teimoso, que ele tem a culpa de tudo o que acontece cá dentro e lá fora, por tudo o que de mau se passa por todo esse mundo descontrolado.
Se há quem ainda pense que o americano tem mais poder que ele, pense bem na comparação entre os feitos de cada um. Enquanto o americano faz uma ou outra guerra longe do país dele, o português conseguiu pôr o país todo em guerra e está-se marimbando para essas coisas.
Enquanto o americano se limita a combater a crise que herdou, ao português é atribuída a paternidade da crise mundial. E está-se marimbando para essas coisas. O americano tem de entrar com triliões e parece que são gotas de água que lhe rolam pelo capote. O português já distribuiu uns ‘milhõeszecos’, e parece que já resolveu a questão, estando-se marimbando para quem quer mais.
Se o americano correr o risco de ficar desempregado, já sabe que pode pedir ajuda ao português, que está permanentemente a criar empregos, cá dentro e lá fora, numa demonstração de poder que supera de longe o americano, e enerva os arreliados portugueses que o detestam. Mas ele, está-se marimbando para eles.
Depois, pressiona tudo e todos, abafa tudo o que é feio, manda calar todos os que querem abrir a boca, manda estar quietos os que querem descobrir coisas, enfim, um ror de actividades só próprias do homem mais poderoso do planeta. Certamente que a ninguém lhe parece que isto sejam dotes de um americano.
Mas há um português, mais que todo poderoso, que se está marimbando para todas essas coisas.
 
  
 
21 Fev, 2009

Viva a palhaçada

Nem se podia dizer outra coisa nos dias que decorrem nesta quadra carnavalesca que, ao que parece, levanta bastante o moral das tropas deste exército lusitano, permanentemente em guerras de contradições. Ora se lamenta até ao desespero, para logo a seguir se entregar à loucura do forrobodó. Ora não tem dinheiro para nada, mas ele aparece de imediato quando toca à satisfação de uns bons bocadinhos.

Por entre palhaços e palhaçadas a nossa vida lá vai indo, como costumamos desculpar-nos quando não queremos dizer bem nem mal dos dissabores ou dos prazeres que sempre vão aparecendo ao longo dos dias que vão passando.
Tudo vai indo, tudo vai passando e nós também nos vamos passando de vez em quando, com as palhaçadas em que nos metem sem a nossa concordância, mas também com os palhaços que temos de ouvir e, pior ainda, que tantas vezes temos de ver. Mas adiante, que hoje não é dia de palhaçadas tristes, nem de palhaços de má memória.
Viva a folia, mesmo sem dinheiro, porque tristezas não pagam dívidas e os olhos tristes não dão boa cara a ninguém, ainda que se escondam por detrás de uma boa máscara. Se não puder dar uma saltada até ao Rio, do Brasil, claro, vá até ao rio mais próximo do local onde se encontra e molhe os pezinhos, que sempre ameniza as dores nos calos.
Se é dos felizardos que nunca teve calos, nem nos pés, nem nas mãos, não se encolha, porque carnaval é só uma vez no ano, e daqui a um ano, quem sabe se não terá já ganho uns calos na massacrada cabeça, de pensar em tantas reviravoltas que a vida dá. Vá, vá de imediato, antes que se arrependa, pode ser que no local para onde for, seja fácil levantar dinheiro logo à chegada. Não hesite, levante, vá para a farra, já.
Se ficar por cá, não se meta nesses corsos que só dão barulho e encontrões. Além disso, terá a tendência para querer almoçar nessas localidades e, das duas, uma. Ou seca no restaurante à espera e perde o corso, ou vai ao corso e perde o almoço, porque não encontra uma vagazita numa mesa.
Não caia na asneira de pensar que este ano vai haver pouca gente, por causa da tal coisa de que hoje não convém falar. Não se iluda, vai haver muito mais gente que no ano passado. Eu até apostava que sim. Até porque este ano o sol sorri para toda a gente, apesar de haver quem preferisse uma chuva miudinha por causa da poeira que anda no ar. E o raio da poeira não há meio de assentar. Pudera, com tanta gente a dançar.
Há sempre gostos para todos os paladares. A verdade é que não pode haver boa palhaçada sem poeira, porque é com ela que a gente se ri. Quando vem chuva, mesmo da grossa, a gente tem de ir rir-se para outro lado. E isso já é mais chato, precisamente, por causa dos chatos que também fugiram da chuva e vão para onde nós nos abrigamos.
Cá por mim, adoro os foliões que se recusam a ser palhaços e se recusam a entrar em palhaçadas. Tal como eles, também eu esqueço muitas vezes onde estou e solto duas boas gargalhadas que me tiram a poeira da garganta. Mesmo que não estejamos no carnaval.
 
 

Só conheço uma pessoa que não está a ser pressionada neste país que vive à pressão. Essa pessoa sou eu. É certo que ninguém está interessado em gastar o seu latim a pressionar-me, porque não sou eu que mando chover, nem sou eu que descubro seja lá o que for, de qualquer dos casos mediáticos que outros já pré-descobriram.

Contudo, há uma coisa que devo dizer antecipadamente, para que não haja quem tenha ilusões a meu respeito, se um dia, por qualquer motivo, vierem a julgar que me deixo pressionar. Por exemplo, se eu um dia quiser vender um sobreiro, ou comprar um eucalipto.
Podem tirar o cavalinho da chuva que, por mais que disserem que estou a ser pressionado eu, impressionável, com toda a cara de pau, direi que não me deixo pressionar. Porque não sou de ajudar a criar outras pressões, nem sou de tolerar que alguém diga que as pressões que fizer sobre a minha pessoa, tem a mínima hipótese de ser uma pressão com sucesso.
É certo que admito perfeitamente que alguém seja pressionado. O que não aceito é que isso seja sempre crime. Crime é, sim senhor, se a pressão for aceite e resultar na perpetração de um acto que possa prejudicar terceiros, muito mais se der lugar a crime ou actividade criminosa.
Comigo essas pressões não me adiantariam nem me atrasariam, daí que não possa conceber que altos detentores de cargos políticos, cargos públicos ou privados, estejam todos de pernas abertas à espera de serem pressionados, para irem na jogatina dos autores das pressões e, logo a seguir, alguém por eles, vir confessar essas pressões.
Em muito mau conceito se têm essas pessoas quando se propala aos quatro ventos que elas estão a ser alvo de pressões. Mas, nunca se diz se essas pressões resultaram no seu atendimento, ou foram repudiadas e não surtiram qualquer efeito. Nunca se diz quem, individualmente e concretamente, foi alvo de pressões, nem nunca se diz quem as fez.
Vem sendo frequente, alguns sindicatos denunciarem que há trabalhadores sob permanente pressão de chefias e patrões para aceitarem ou não, determinadas situações. Quase sempre vagamente. Não chega dizerem que esses trabalhadores têm medo de falar, com tanta gente a gostar de os ouvir. Nesse caso, calar, é até uma espécie de cobardia. Pois que falem e, se for caso disso, que os sindicatos os defendam depois. Em situações concretas, com pessoas concretas. Senão, teremos de pensar que não há ninguém que tenha a coragem de resistir a todas as pressões, legítimas ou ilegítimas. Ou que há pressões que até dão um certo jeito a quem fala nelas. 
Mas, mais surpreendente, é ver sindicatos ou entidades, gente culta e até erudita, com total autonomia e independência, queixarem-se de pressões vindas não se sabe de onde nem de quem, mas fazendo pressupor que só podem vir do governo.
Mas, será que até essa gente, que não tem que recear represálias, que não depende do governo, que tem toda a liberdade de decisão, não terá a coragem suficiente para fazer o que deve, resistindo e denunciando as pessoas que fazem pressões?
Sinceramente, eu é que não percebo a quem se pretende pressionar, com toda essa conversa, porque só se deixa pressionar quem quer.
19 Fev, 2009

Medidas ainda não

 

Com tantas e tão variadas medidas o país pode estar tranquilo que não vai ao ar, como o balãozinho colorido que sobe, sobe, mas não rebenta, pelo menos durante o tempo que estamos de nariz virado para ele, até o perder de vista na imensidão do firmamento. Depois, sabe-se lá o que lhe acontece. Mas, ao céu é que ele não chega.
O país também lá não chega, pela simples razão de que não é balão, e pela complicada razão de que não se dá bem com as alturas, preferindo correr o risco de rebentar cá em baixo, ainda que seja vítima da bota pesada de algum sujeito que ande a dormir em pé, e meta a pata em cima daquilo que julgue ser um inocente balão.
Por causa destas dúvidas e de outros receios, tiram-se medidas a torto e a direito, com fita métrica, com régua, aos palmos, aos passos, como se já ninguém fosse capaz de arriscar uma medida tirada a olho nu, como se faz a certos umbigos que nos passam pela frente.
Mas, ainda bem que toda a gente está agora sensibilizada para as medidas, que nunca serão demais, ainda que os instrumentos de medida nem sempre coincidam nos valores que nos fornecem, daí que fiquemos mal fornecidos. Também há quem pense que ficaremos pior que isso. Tal como há quem ficaria feliz com isso. Questões de gosto.
Uma boa medida é aquela que nos tiram sem a gente dar por isso, sem sentirmos que ela nos incomoda, mesmo que não nos faça rir com cócegas, nem nos ponha a chorar de raiva, pois não há ninguém que goste que lhe tirem mal as medidas, mesmo desconhecendo o motivo por que lhas tiram.
Parece que anda meio mundo preocupado em dar medidas e tirar medidas, tanto quem tem os meios de as dar, como quem não tem sequer mãozinhas para as tirar, embora julgue que lhe baste tirá-las com o pensamento. Ainda que ele seja mesmo fraquinho, mesmo curtinho, que não vá além de uns curtíssimos milímetros.
A cada medida que dizem que nos dão, logo surgem dezenas de medidas que dizem que faltam, e logo aparecem fitas de medidas que nem sequer têm traços nem algarismos que nos regalem ao menos a vista e consolem o coração, com a presença de uns centímetros animadores. Sim, porque medidas ao metro já são uma miragem nos tempos que correm. E nos cansam de tão curtas que são.
Mas, também há quem queira medidas ao quilómetro, quando não tem mais que duas mãos, que não podem fornecer medidas superiores a vinte centímetros de cada mão, ou seja, dois simples palmos, se as mãos forem normais.
Depois, há quem fale em medidas da crise, como se já lhas tivessem tirado com exactidão, esquecendo que ela não tem comprimento, nem largura, nem altura. Ela ri-se de todos aqueles que lhe atiram com medidas de palheta, com o ar mais sério do mundo. Mais sorumbáticos, são todos aqueles que falam na crise das medidas, talvez baseados no princípio de que medidas, medidas, é tudo aquilo que não se vê, não se sente, nem vem do lado de boa gente.
Cá por mim, à cautela, prefiro que ainda não me tirem as medidas, porque julgo que é um pouco cedo para vestir o último fato, e de madeira, aquele que serve para ir desta para melhor ou, quem sabe, para pior.   

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