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afonsonunes

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30 Abr, 2009

El mordaças

 

Uma mordaça já deve ser uma coisa asfixiante, suponho eu, que nunca tive essa experiência, até porque tenho alguma claustrofobia, não democrática, claro, pelo que sou um indivíduo feliz, por nunca ter sido escolhido para me acontecerem coisas dessas. Mas, há gente com muito azar. Tudo lhes acontece e de tudo são acometidos, suponho que traiçoeiramente.

Realmente de tudo tem acontecido a ‘el’ Mordaças, um homem impecável no tratamento com os outros, mas que, infelizmente, tem de usar a todo o momento a palavra inaceitável. Ainda não percebi muito bem o que é que ele não aceita mas, imagine-se, já vai com três mordaças em poucas horas. Uma, ainda vá lá. Mas três!...
Sim, porque ele não é nenhum ‘angel’ para suportar tais exageros. Lá vai uma, lá vão duas, lá vão três e um homem ‘ran’ que não coaxa mesmo nadinha, até pode cair, sem apelo nem agravo, naquela situação em que um homem pode ranger que se farta, a ponto de sentir uma certa claustrofobia democrática, a tal que eu nunca tive.
Mas essa das mordaças não me sai da cabeça. Não sei, sinceramente, se ele está a referir-se a um objecto que se coloca na boca. Realmente, é inaceitável, como ele costuma dizer, que aceite que lhe ponham tal coisa. É que isso do objecto é muito vago. Vamos lá imaginar que se trata de um objecto abjecto. Inaceitável, mesmo.
Porém, a mordaça também pode surgir-lhe na boca em forma de repressão da liberdade de falar. Aqui é que eu estou para morrer. Então um homem com aquele físico, deixa que lhe façam isso? Inaceitável. Começo a perceber porque é que ele está sempre caladinho que nem um rato. Está amordaçado. Tenho mesmo pena dele.
Mas, depois, ainda há uma terceira hipótese para a mordaça se implantar. Dizem que tem o nome de açaimo. Eh pá, isto aqui já é mais complicado. Muito mais complicado. É que eu não tenho memória de ver um açaimo num homem qualquer, quanto mais num homem tão sossegadinho e caladinho.
Aliás, essa do açaimo teria que cumprir outros requisitos, como a trela, o chip, as licenças e a voz do dono. Ora aí estão mais umas tantas coisas inaceitáveis, embora, como digo, nunca me vi numa situação dessas, o que torna estas palavras meramente imaginativas.
Contudo, quando se faz uma análise, ainda que meramente académica, temos de introduzir nela todos os dados possíveis e imaginários. E esta coisa da mordaça, não é um assunto de ‘lana caprina’, como se pode pensar. É que, à custa de tanto se falar nela e em tal quantidade, é como uma pandemia que se julga vir a caminho.
É por isso que eu penso, e sempre pensei, que ‘quem fala na barca quer embarcar’. Parece-me bem que se fale na barca, que se fale na mordaça, que se fale de tudo. Mas, vamos lá tirar todos os macaquinhos da cabeça e, sobretudo, vamos abandonar essa ideia de meter macaquinhos na cabeça de quem se julga que é atrasado mental e, por isso, aceita todas as parvoíces que parece que dão jeito no momento. Seria bem melhor, deixar que sejam os outros a ter o exclusivo das parvoíces.
Se alguém tivesse, não três mordaças, mas apenas uma, não podia dizer tanta ‘asinarice’.
 
29 Abr, 2009

Doce Europa

 

Se há a doce Europa dos milhões que todos reclamam, também há a amarga Europa dos votos que quase todos desprezam e alguns até repudiam. Agora que temos aí cinco valentes à procura desses votos escondidos, não se sabe bem onde, apetece dizer que esses votos se assemelham a pepitas de oiro que constituem autênticos tesouros para quem os descobrir e conseguir meter no saco individual.
É minha opinião que devemos ser generosos e dar o nosso oiro, entenda-se votos, a qualquer um dos cinco valentes, os quais arriscam tudo, desde o sacrifício pessoal de ir morar para tão longe, como o incómodo de terem de fazer uma viagem de ida e volta de avião todas as semanas. Se não houver nada de anormal por cá.
Mas, antes de mais, diga-se que são cinco valentes porque, sabendo que nunca ficariam desempregados por cá, vão lá para fora com o único objectivo de deixarem vagos os seus lugares que tinham aqui, criando cinco novos postos de trabalho e diminuindo assim o valor percentual da taxa nacional de desemprego nuns preciosos ‘cagagésimos’. Não era toda a gente que seria capaz de tanta generosidade.
Depois, eles serão o garante de muitos milhões que vão entrar no país, através dos bolsos deles e dos seus acompanhantes. Não interessa se todos eles vão deixar muito ou pouco no partido, nas caixas das esmolas, ou nas bilheteiras da TAP. Que eles vão cá deixar algum, vão com toda a certeza. Nem que seja o dos impostos, porque eu não acredito que consigam enganar o fisco actual.
Por tudo isso, não compreendo a razão de tanta relutância de muitos dos seus compatriotas em dar-lhes o prazer de responder aos seus veementes apelos ao voto. Não porque pertençam a este ou àquele partido, mas porque vão pertencer ao nosso banco colectivo, a Europa, que já fez tantos milionários que a gente bem conhece.
Vá lá caros concidadãos, não liguem muito ao que eles dizem, nem se importem muito com o que eles fazem, nem pensem muito se eles são boas ou más pessoas, ou se eles faziam bem ou mal em estar sossegadinhos junto das suas famílias. Podem crer que não é nada disso que está em causa. Muito menos as guerras que eles fazem antes das eleições. Tão pouco se eles querem ou não falar da Europa. Pensem antes que, depois delas, lá longe, são amigos do bacalhau e da sardinha. Provavelmente, comerão disso poucas vezes, mas enfim.
A doce Europa dos milhões é uma tentação, porque enche o olho de muita gente que nem pensa na tristeza de outros olhos que choram com o estômago vazio, mas é também uma fonte de conflitos e de interesses, a que os nossos cinco valentes, e outros que com eles irão, nunca conseguirão fugir.
Os micróbios partidários que levam de cá, estarão sempre na linha da frente das suas guerras, mais de casmurrice, que propriamente ideológicas. Seria bom que os cinco valentes, ao menos durante os repastos que certamente lá tomarão juntos, façam um brinde a todos nós que os ajudamos a embarcar naquele avião que voa para os milhões.
Mas, antes disso, não nos massacrem muito, por favor. Já agora, não compreendo porque não há só uma campanha, se durante as três, apenas se vai falar de uma única coisa. Mas, os cinco valentes, lá sabem como é, tal como os seus chefes. Depois, o contribuinte é que paga.
 
28 Abr, 2009

Eu voto D. Fátima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

D. Fátima convida os amigos e amigas para, na segunda à noite, pôr todos e todas a conversar sobre os assuntos que ela considera tão escaldantes, que até nem consegue estar sentada na cadeira, onde tudo deve ferver. Daí que fique de pé, entre os bons e os maus, com algumas boas e más à mistura.

 

É que assim, com a ventania que lhe chega dos dois lados, sempre lhe refrescam alguma coisa, principalmente os pés, porque deve ser muito cansativo dar aquelas voltinhas de girar para a direita, depois girar para a esquerda, mandar calar os que batem palmas e descortinar os que fazem comentários que precisam de ser comentados.

 

Mas, D. Fátima é insuperável com os seus amigos e amigas. Deixa sempre interromper toda a gente, deixa que eles e elas pratiquem aquele joguinho tão engraçado que se chama um contra todos, ou todos contra um, já nem sei bem, que isto de reuniões caseiras não é a minha especialidade.
Mas a anfitriã ri, com aquele riso feliz de quem tem consciência de que está a contribuir para uma ‘larachada’ daquelas que conduzem à felicidade comum, sobretudo dos produtores de larachas em casa dela, como se pode comprovar com a alegre gritaria e a feliz contribuição de cada um deles, para que não se perceba nada do que os parceiros dizem. Nem percebem que a gente também não os percebe a eles.
D. Fátima diz que tudo aquilo é feito para esclarecer toda a gente, mesmo os que estão em casa. Porém, esquece-se de um pormenor muito importante. É que as pessoas que ela julga que estão a seguir a sua reunião caseira de amigos e amigas, estão mas é a ver a novelazita, ou a conversa fiada da bola, do dia anterior.
Mas, não há a menor dúvida de que D. Fátima dirige aquelas conversetas de segunda à noite, com muita autoridade e competência. Sobretudo quando o assunto vira para a política. Sim, digo vira, porque aquilo, normalmente, é uma galhofa pegada, mas do melhor que há, para a gente descontrair e sorrir ao mesmo tempo.
Aquilo é muito melhor que o preço errado do Fernandinho, apesar de não ter lá as meninas que ele tem a sorte de ter. Mas, D. Fátima também convida cada uma, de alto lá com elas. Portuguesas, pois. Ali, ninguém pergunta como é que se diz chatice em checo. Toda a gente sabe que, chatice, é mesmo chatice.
Os momentos mais excitantes daquelas reuniões, são os dois intervalos que D. Fátima faz, para alívio dos convidados. Apesar de a sua casa estar apetrechada com dois quartos de alívio, aquilo é um desatino de gente à espera de aliviar mesmo, devido aos solavancos intestinais, provocados pelo entusiasmo das três partes do serão.
Estou mesmo convencido que, se D. Fátima resolvesse dar sessões contínuas, como no velho Olímpia, não haveria casa mais animada e divertida em todo o país e arredores. E lá se ia a concorrência de outra D. que ainda se gaba de fazer mais e melhores reuniões, também em sua casa. Mas essa é mais para ‘desconversetas’.
A propósito destas reuniões de amigos e amigas, lembrei-me que estamos a aproximar-nos de eleições. Não percebo porque razão D. Fátima não se lembra de dizer aos seus convidados que deviam falar sobre isso, quando os junta lá em casa. É que assim, ninguém vai lembrar-se que deviam ir votar.
Por mim, como não percebo nada do que dizem os amigos e as amigas, só posso votar na D. Fátima que, essa sim, percebo perfeitamente.
 
27 Abr, 2009

Luisíadas

 

 
Luís Vens de Camiões é uma daquelas personalidades que eu admiro sem reservas, dentro e fora do panorama linguístico nacional. Porque ele é único na maneira como guia a palavra rumo ao objectivo que deseja atingir. A sua linguagem tem o gume de um bisturi computorizado que se move sem provocar dor, mas tem a certeza de que limpa o caminho por onde passa.
Não é que as minhas certezas sejam parecidas com as dele, o que seria petulância da minha parte, mas penso que a melhor maneira de seguir caminho, mesmo dentro de camiões, é falar claro e manter a pressão correcta nos pneus, além de uma outra pressão constante no volante, para que o rumo que se deseja não seja desvirtuado.
Também admiro aquele tipo de condução desinibida, provavelmente, cantarolando ou assobiando, sempre com um sorriso nos lábios, sem olhar à triste monotonia que ele julga ver à sua volta. Depois, gosta de manter a janela do camião aberta, suponho eu, para responder a qualquer incidente inesperado.
Aliás a experiência ensinou-lhe que, em caso de acidente grave, a janela é uma das saídas possíveis do camião, tanto em movimento, como quando se encontra já capotado. Ele sabe bem que tudo é possível, na estrada da vida, e está disposto a repetir experiências, mesmo as mais acidentadas.
Essa é uma das razões da minha admiração, como ainda agora pude confirmar ao ler textos da sua obra literária por excelência, publicada em capítulos mais ou menos regulares, a que eu próprio denominei de Luisíadas, da autoria desse incomparável Luíz Vens de Camiões.
É bem visível que ele anda de olhos, no plural, bem abertos, e não tem por hábito piscá-los a ninguém, como faz com os piscas dos camiões. Nem gosta de conduzir com os mínimos, mesmo quando a luz à sua volta ainda é razoável. Os camiões têm máximos é, precisamente, para serem usados, porque há sempre quem ande com falta de vistas.
Costuma ter um sexto sentido no que se refere aos acontecimentos que estão para vir. Diz ele que não há melhor maneira de consultar os astros que deitar a cabeça de fora da janela dos camiões, principalmente, a uma velocidade relativamente elevada, mas dentro da legalidade, que é coisa que ele muito preza.
Também aqui, estou em plena sintonia com ele. Não há melhor forma de prever o futuro que arejar as ideias com o vento a bater na fronte e a sacudir os cabelos, de quem ainda os tem, como é óbvio. Mas ele, ainda tem tudo. E não tem pejo de dizer que há muitos e muitas, que já não têm nada.
Talvez seguindo esta pista, Luís Vens de Camiões, transportou o pensamento do veículo para casa de uns amigos e ficou preocupadíssimo. Segundo revelações do Luisíadas, já aconselhou alguém a não se aproximar da janela, sem ver primeiro quem está escondido atrás do cortinado.
Também o admiro, porque ele não quer que se repita o empurrão que já sofreu. Ainda que a possível vítima seja quem o empurrou. A isto chama-se realmente ser de uma piedade sem limites e de uma grandeza de alma inigualável.
 

 

Se a memória não me atraiçoa foi o último recado de que me apercebi, logo no dia em que muita gente esperava, não só muitos e bons recados, mas até uma espécie de gravação GPS que mostrasse com todos os pormenores, o caminho a seguir.
A verdade é que, contrariando as expectativas gerais, parece que o contra-recado veio repor a normalidade tão desejada por uns, e tão indesejada por outros. No entanto, eu, que agora ando a pau com os recados, lá consegui descobrir um recadinho muito disfarçado, muito discreto, mas muito subtil, e muito genérico.
Não tem nada a ver com saúde nem com medicamentos pois, é genérico, no sentido de que foi dirigido a muita gente, e não apenas ao habitual destinatário. Também não fazia sentido, estar a mandar-lhe recados individuais, naquele dia e naquele momento, em que o tinha ali, quase por baixo do seu nariz.
Dizia o tal recadinho discreto, que não se devia andar a falar do passado. Confesso que a princípio não cheguei lá. Estranhei, lá isso estranhei, que um povo com uma história tão rica, não pudesse orgulhar-se dela, a ponto de não poder falar dela. Pareceu-me uma pequena crueldade, uma incompreensão até, senão mesmo uma violência histórica.
Então a nossa história não é o nosso passado? Então o nosso passado não é a nossa história? Porém, após uma pesquisa mental muito rápida, lá divisei um pouco de luz, que me levou a decifrar o tal recadinho. Com aquela margem de erro que todo o decifrador arrisca, mas o risco faz parte do acto de abrir a boca.
Toda a gente sabe que há muito quem se orgulhe das glórias que lhe atribuíram no passado. Mas também é sabido que, ao lado das glórias, moram sempre uns pecados que, mais tarde ou mais cedo, acabam por provocar umas sombras, sobretudo quando os gloriosos não querem admitir que as suas sombras também se projectaram para o futuro, condicionando a actuação daqueles a quem se pretende apontar caminhos.
Tem toda a lógica não querer que se fale do passado, pois há sempre a possibilidade de alguém se lembrar de confundir as glórias, com as sombras desses pecados longínquos e esquecidos, por quem tem a memória curta. E há muito quem tenha.
Falar do passado não deve ser um pesadelo, senão para quem sentir que contribuiu para que ele fosse mesmo pesado e sombrio. Aliás, não é difícil reconhecer, que o passado do país, por diversos motivos, nos últimos cento e tal anos, não foi muito produtivo para a sua população. É verdade que tivemos uma ou outra alegria, muitas esperanças em diversos momentos mas, ao fim e ao cabo, não fomos capazes de deixar definitivamente para trás o ferrete do nosso atraso endémico.
Era nisso que deviam pensar muitos dos nossos pretensos heróis. Provavelmente, muitos deles estiveram cheios de boas intenções, talvez até se tenham esforçado muito mas, há que reconhecê-lo, a frustração que nos atinge, não lhes pode dar a satisfação que por vezes manifestam. Basta comparar com o que se passou além das nossas fronteiras, em diversos períodos, em que outros trabalharam de maneira muito diferente.
É por isso que não podemos calar o passado, enquanto ele não servir de lição para o futuro, por muito que alguém o queira ignorar ou esquecer.

 

 
Tenho cá para mim que ainda há umas tantas oportunidades, que não estão a ser devidamente aproveitadas nesta crise, que tem como protagonista o santinho mais detestado no país, por parte dos cidadãos mais inteligentes e esclarecidos da nossa praça.
Com um início destes, é inegável que temos de ir por partes, pois o saco é grande, mas não se pode tolerar que se meta lá tudo de uma vez, sob pena de se misturar oportunidades, com santinhos e com inteligentes. Muita coisa incendiável.
Há muita gente desempregada e talvez ainda haja mais gente mal empregada. Senão vejamos o caso das oportunidades citadas atrás. Os que estão mal empregados, isto é, aqueles que não merecem o emprego que têm, podiam aproveitar a oportunidade para mudar de vida.
Seria aproveitar a oportunidade de se lançarem numa nova actividade profissional, ainda não explorada como deve ser, uma vez que se trata do futuro dos recém-nascidos portugueses. E todos sabemos que uma grande parte deles nasce nas grandes maternidades. Até porque hoje já não há pequenas maternidades. Certamente que já ninguém se lembra que já houve.
Logo, para bem do país, essa gente devia ir vender chuchas para a porta das maternidades, dando uma boa oportunidade a muitos desempregados com qualificações e vontade de trabalhar a sério, de os substituir com todas as vantagens de eficiência e profissionalismo. Assim, a taxa de desemprego baixava imenso e fazia felizes muitos portugueses que só sabem falar disso. Pois, disso, da venda de chuchas, claro.
Como também referi, o santinho mais detestado é S. Bento, como único responsável pela crise que trouxe o desemprego e tudo o que de mau aí temos, incluindo a falta de fé e, por consequência, a falta de devoção e de orações a um santinho tão abençoado. Daí que o dinheiro da caixa das esmolas também tenha decrescido e, naturalmente, sem dinheiro, nada feito. Nada mesmo.
Em minha opinião, S. Bento perante a crise, bem podia ter rezado mais pelos fiéis devotos mas, ao mesmo tempo, devia ter excomungado os não crentes logo de início, para que não se julgassem acima das leis divinas e não ignorassem tão descaradamente a boa fé dos seus servidores.  
Finalmente, tanto as oportunidades, como a crise, como S. Bento, são os grandes motivos para o descontentamento dos cidadãos mais inteligentes e mais esclarecidos do país. Porque a inteligência que eles têm já não precisa de oportunidades. Porque a crise que os devotos sentem, não os atinge a eles, pessoas sobre dotadas, que nem sequer precisam de implorar nada a S. Bento, para terem todas as benesses ainda antes de pensarem nelas.
Mas então, não deviam estar assim tão descontentes com a sorte que têm. Mas estão. Só que o problema deles é que têm receio que S. Bento provoque um qualquer milagre inesperado e lhes retire tudo o que eles guardam no baú, como qualquer sovina guarda as suas poupanças.
Não. S. Bento, como qualquer santo de pau carunchoso, só faz milagres para conseguir a canonização. Depois dela obtida, os devotos que rezem. Quanto aos não devotos, podem estar descansados que ninguém lhes tira nada. Não é verdade que o vosso baú esteja em risco. Quanto à vossa inteligência e às vossas benesses, isso também não é verdade.
 
25 Abr, 2009

Pergunta e resposta

 

Já ouvi dizer que cada um de nós pode fazer uma pergunta, só uma, para depois ouvirmos a resposta a dez, na totalidade. Isto é uma coisa nunca vista, até porque ela vem através da internet, para a gente saber que já temos novas tecnologias. E, sobretudo, para quem não sabe que isto também é uma nova oportunidade.

Em primeiro lugar quero opinar que já estão todos os perguntadores com muita sorte, porque vai haver dez respostas, quando estamos habituados a não ter resposta nenhuma. Em segundo lugar, quero avisar que escusam de estar para aí muito eufóricos com a convicção de que a vossa pergunta vai ser escolhida para ter resposta.
Aconselho muita calma, pois até pode acontecer que as perguntas nem cheguem a dez, com a esperança de, pelo menos cinco delas, não reunirem condições para serem respondidas em público. Nesse caso, tenho quase a certeza de que as respostas às restantes vão ser muito longas, para encher o tempo disponível.
Ainda não é certo mas, dada a circunstância de se tratar de um acto de benevolência, deverá haver uma sessão privada de respostas às perguntas que se relacionem com desabafos mais desaconselháveis ao grande público. Mas, é bom não esquecer que, nesse dia, toda a gente merece uma resposta, nem que seja a condizer com a pergunta.
Todavia, há que encarar a hipótese de serem mesmo muitas as perguntas e, nesse caso, temos de ser compreensivos e tolerantes, competindo-nos encontrar uma solução para a nossa pergunta. Por mim, já a encontrei. Sim, porque nós devemos ser parte da solução e não parte do problema.
Com toda a naturalidade, já decidi qual a pergunta que vou fazer. Mas, com muito maior naturalidade ainda, já encontrei a resposta adequada. Daí que já seja menos uma, a tirar a vez a outra, porventura mais interessante que a minha.
Não me importo nada de dizer desde já que a minha pergunta é: Que dia é hoje? Também não me importo nada de dizer qual é a minha resposta.
Hoje é o dia em que se comemoram trinta e cinco anos de sucessivas esperanças perdidas. É o dia em que se vai tentar renovar esperanças em que eu já não acredito. É o dia em que se vai sacudir muita água do capote. É o dia dos habituais papagaios. É o dia em que vão aparecer cravos de muitas cores, mas nenhum igual àquele que apareceu no cano de uma espingarda. É o dia em que os discursos, todos eles, mais vão chocar quem tiver coragem e paciência para os ouvir. É o dia em que, talvez a melhor maneira de o comemorar, fosse um dia de silêncio, em profunda reflexão, sobre a maneira de conciliar interesses tão divergentes, ou não tivéssemos já visto os Capitães de Abril, os Sargentos de Março e os Generais de Novembro.
E pronto. Está feita a minha pergunta e está dada a minha resposta. Não preciso que gastem tempo comigo. Bem me basta o sacrifício de algum do meu tempo, ir ser gasto com quem o não merece, num dia em que vou recordar com saudade, as muitas horas e dias a ouvir esperanças que não resistiram ao tempo.
 
24 Abr, 2009

Vamos a isso, já!

 

Acabei mesmo agora de esfregar as mãos, perante a possibilidade de, finalmente, termos uns momentos de excitação, no meio desta pasmaceira de casos e não casos, com que nos brindam diariamente os enchedores dos espaços informativos.
Pessoalmente já começava a estar farto de ouvir tantos recados de lá para cá e nem um recadinho de cá para lá. Pensava eu que isso era sinal de que estava tudo bem e que os recados eram uma maneira de entreter a curiosidade mórbida de certos observadores mais distraídos.
Afinal, quem andava distraído era eu. Mas agora vou vingar-me porque, a partir deste momento, vou estar particularmente atento a todos os recados que andarem para lá e para cá, na esperança de que, finalmente, venha a saber quem é que sabe enviar melhores recados, sobretudo, quem é que lhes dá melhor entoação de voz.
É que um recado não é uma coisa qualquer que se atire da boca para fora, assim do tipo de uma chalaça, com sorriso ou sem sorriso. Não, um recado, como não é dito cara a cara, tem de ter classe, tem de ter charme, tem de ter espírito, tem de impressionar quem recebe o recado, para que ele impressione quem o transmite e, finalmente, impressione mesmo, o destinatário. Do recado, obviamente.
Assim, sendo dois a trocar recados, já podem combinar a melhor maneira de os trocar, para não ocuparem tanto espaço na informação que, como se sabe, ao preço da publicidade, custaria mais que um dinheirão. Já agora, não percebo a razão porque não usam os telemóveis, supondo que ambos os têm.
É verdade que era preciso mudar de terminologia, pois mandar recados por telemóvel não soa lá muito bem. Mas podiam mandar mensagens, utilizando o tarifário que os estudantes escolhem, dentro dos seus magros orçamentos. O estado, se calhar, não se importava de suportar este agravamento da despesa, pois o recado, sendo grátis, é muito mais incómodo que a mensagem.
Nem tudo são vantagens, claro, pois quem não gostaria da troca, eram todos aqueles que movimentam os recados, aos quais transmitem aquele toque pessoal de bom gosto, criando um frenesim social de interesse por alguma coisa, no meio da apatia geral. Mas, de facto, uma mensagem por telemóvel, é muito mais discreta e com outro toque pessoal, além de permitir maior requinte de delicadeza, incluindo os tradicionais cumprimentos, ou até um abraço, para finalizar.
Agora volto ao princípio. A possibilidade de assistir a esta emoção de uma espécie de duelo, a este despique entre galos de capoeiras diferentes, habituados a galinhas diferentes, pode ser empolgante para quem, como eu, não gosta de salamaleques e beija mãos, de rotinas e de preconceitos que já tenham atingido o estado de poeirentas.
Por favor, mas mesmo por favor, não considerem isto um recado seja para quem for. Eu sei que nem seria preciso dizer isto, porque nem sequer tenho categoria para mandar um simples e pequeno recadinho, quanto mais um recado deste tamanho. Refiro-me ao número de palavras, claro. 
Mas, com toda a modéstia do mundo, volto a esfregar as mãos e a pensar com todo o entusiasmo, perante este desejo excitante que me leva a delirar: Vamos a isso, já!
 
 
23 Abr, 2009

Mas que chatice

Logo agora que já estava tudo esclarecido e decidido, logo agora que já só faltava executar a sentença, logo agora que a cabeça já estava assente, e bem assente, no cepo de execução, com as hordas ululantes a festejarem o cerimonial, aparece um desmancha-prazeres a estragar toda esta felicidade colectiva.

Está mesmo visto que não há justiça que consiga fazer-nos completamente felizes, pois no momento mais excitante de a ver concretizada, aparece sempre um lamentável incidente, provocado por gente que não tem credibilidade nenhuma, nem tem qualquer espécie de moral, para entrar neste julgamento há muito tempo concluído.
Aliás está mais que provado que o julgamento ficou decidido, e bem decidido, logo no dia do nascimento do caso. Há casos que são um nado morto, mas este não podia ser mais que um vivo nado condenado.
Andaram por aí a divulgar uns episódios pitorescos contados por uns palermas que inventaram umas histórias políticas, que tentaram contrariar todas as verdades políticas, mas o povo não acredita em nada, e faz muito bem, que não seja o que ouve e vê nas televisões. Pois é ali que estão as maiores sumidades do país.
É claro que os tais palermas até disseram que os tribunais já se pronunciaram contra a verdadeira verdade. Mas ninguém vai pensar que isso é verdade. Tanto assim é que as televisões e os jornais nunca se meteram nessas aldrabices. Basta a gente deter-se a olhar para as figuras que assumiram esses disparates.
As cronologias diárias que nos encantam, quer através de imagens, quer através de sons melodiosos, não deixam margem para se acreditar no mais pintado, que venha dizer que há falsidades, manipulações ou outras invenções, pois até o Chico da Quitéria já afirmou que não há ninguém no mundo que fale mais verdade que as televisões.
E disse mais o honrado homem de palavra. Que não acredita no que dizem os bastonários, nem os ministros, nem tão pouco os tribunais hostis. Portanto, tudo isto que agora estão a tentar arranjar à última hora, para tirar a cabeça do cepo, é pura manobra para fazer esquecer não sei quantos anos de verdades indesmentíveis.
Imaginem que o Chico da Quitéria ficou completamente indignado quando, ao folhear um jornaleco qualquer, viu com os seus dois que a terra há-de comer, que lá vinha a dizer que, afinal, foi tudo um equívoco. O quê? Então pode lá ser, um equívoco durar tantos anos? Um equívoco é os autores dessas tramóias que já devem ter os bolsos cheios de odores ambientais e de espirros dos camones, quererem trocar-nos os olhos.
É preciso ver que o Chico da Quitéria tem o exame da quarta classe, feito com distinção. Não queiram esses ignorantes desmentir o que ele diz, só porque têm os bolsos cheios de libras, enquanto ele, o Chico da Quitéria, anda à brocha para dar de comer às pombinhas que tem lá em casa.
Ou à moralidade ou comem todos. As libras não são só para inglês ver. É preciso que elas também sirvam para disfarçar a crise que nos esgana. E nós, sem podermos esganar ninguém. Mas que chatice.
 
22 Abr, 2009

Estamos lixados

 

Estou a ficar completamente desiludido com as cartas que o distribuidor postal mete na minha caixa do correio. Vim agora a saber que uma carta que recebi há tempos sem remetente e sem assinatura, afinal era de um amigo de longa data e, resumidamente, destinava-se a passar-me um elogio de todo o tamanho.
Ora essa carta, que eu julgava que era anónima, não me mereceu qualquer atenção, que é o que devemos fazer às cartas anónimas. Apesar daquela me elogiar abundantemente. Pensei cá para comigo que podia ser alguém a imitar o meu estilo de dizer certas coisas. Cada um é como é, e eu não fujo à regra.
Porém, agora que já sei quem a escreveu, imagine-se, um grande amigo, estou todo inchado, porque ser elogiado por um amigo, não é o mesmo que ser elogiado por um anónimo qualquer. Tendo isso em consideração, resolvi manifestar-lhe os meus agradecimentos pela gentileza mas, tinha de lho perguntar, quis saber porque raio de motivo não assinou a carta.
Surpreendentemente, disse com toda a lata, que estava a gozar comigo, pensando que eu ficaria muito mais vaidoso se a carta fosse anónima. Por esta é que eu não esperava. Afinal, tinha ali um amigo da onça, como tantos que toda a gente tem. Adiante.
Depois, pensando melhor, achei que os amigos são para as ocasiões e este, bom aproveitador de oportunidades, quis ver-me feliz e contente, ainda que com o seu gozo, sinal de que também ele estava feliz e contente por gozar comigo. Não sei como, mas a carta apareceu na caixa de correio de todos os meus amigos e conhecidos, o que me tornou num ídolo aos olhos de todos eles.
Um pouco mais tarde caí em mim e não me conformei com esta história da carta anónima que, afinal, tinha autor mais que conhecido e ainda mais que brincalhão. Quis ser honesto, porque eu já o era antes, e toca de informar toda a gente de que aquilo não eram elogios anónimos, mas sim um gozo bem identificado.
Caramba, o que é que eu fui fazer. Toda a gente pensou que era modéstia da minha parte logo, muito mais me elogiaram e rodearam de admiração e simpatia. O autor da carta quis desfazer o equívoco mas, incompreensivelmente, não foi levado a sério e teve de se conformar com a verdade da mentira transformada.
Esta é a história de uma carta anónima que se transformou na cruz da minha vida. Eu, que tanto gostava de não ser ninguém, acabar por ser conhecido através de uma carta anónima a dizer que eu era o que nunca fui, para mim não é uma alegria, nem uma felicidade, mas um calvário que me destruiu o sonho de ser feliz à minha maneira.
O meu amigo ex-anónimo, já disse que não se importava de trocar a situação dele pela minha situação, com vista a recolocar-me no anonimato da minha vida anterior. Mas, diz-me para eu descobrir uma maneira de se fazer acreditar por aqueles a quem enganou. Só me resta pensar que estamos lixados. Ele e eu.
Depois, ainda têm a lata de me vir dizer que a verdade vem sempre ao de cima. Como o azeite, acrescentam. E eu, desiludido, concluo, como o vinagre.
 

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