31 Mai, 2009
Zangam-se as comadres
Quando as comadres se zangam umas com as outras é exactamente a mesma coisa que quando se zangam os compadres, ou seja, a verdade não quer mesmo nada com as conversas de amizade e confiança, onde se mama muito mais do que se chupa no dedo. As zangas são exactamente um bom prenúncio de que alguém está com receio de ficar a chupar no dedo, ou a origem de uma mamada que está em perspectiva.
Depois, é só esperar que as verdades comecem a jorrar de bocas que as não conheciam de lado nenhum, como se num momento, por obra e graça da má-língua, todas as mentiras se submetessem ao reino da doce inconsciência, escondida entre as verdades incontestáveis.
Parece que há sinais de que, afinal, estávamos rodeados de gente ultra séria, ultra verdadeira, ultra amiga da verdade mentirosa, ultra inimiga da corrupção e do companheirismo, ultra defensora de uma família alargada e solidária, onde todos os seus membros se identificam com valores que só eles conhecem e defendem.
Foi preciso que os compadres se zangassem para lembrar à comadre que os telhados de vidro são um perigo constante, mesmo para quem apenas encontra coisas inaceitáveis, na casa dos maus vizinhos. Há gente assim, que passa os dias à janela, com os olhos postos na casa da vizinha do lado, esquecendo-se de olhar para o triste estado em que tem a sua.
Há sinais de que os vizinhos já não são o que eram, daí que haja uma forte possibilidade de começarem a passar do estado de desconfiança latente, para o estado de despejar o saco, como forma de aliviar o carrego que lhes atormenta a consciência, e o receio de que estes tempos conturbados lhes descubram as carecas.
Os tempos são conturbados, é verdade, mas poderão vir a clarificar muitos tabus e muitos fantasmas que conseguem dominar muita gente corajosa e destemida, bem como podem fazer cair muitos postiços que, pela sua aparente perfeição, nos dão a ideia, a nós, mas, principalmente, a eles, quando se vêem ao espelho, de que são modelos da sua geração gloriosa.
A vida é um circo. O circo tem trapezistas e tem feras, que nem sempre têm noites ou dias de sucesso. A rede nem sempre é salvadora e os domadores nem sempre convencem as feras a meter o rabo entre as pernas. A vida, tal como o circo, também é obrigada a mudar os cenários, os artistas e as feras, sob pena de se tornar tão monótona que não se pode suportar.
A verdade é que vamos descortinando sinais de que nem todos se suportam já, nos dias que correm. E, como diz o povo, ainda a procissão vai no adro. Com os sinais cada vez mais evidentes de que as comadres e os compadres se vão agredindo com mais frequência e com mais intensidade e violência, é motivo para se começar a reflectir muito a sério.
Se as comadres e os compadres se zangam mesmo a sério, vai haver muita surpresa e muito ranger de dentes. Por vezes penso que estamos mesmo a precisar disso.