Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

afonsonunes

afonsonunes

 

Quando as comadres se zangam umas com as outras é exactamente a mesma coisa que quando se zangam os compadres, ou seja, a verdade não quer mesmo nada com as conversas de amizade e confiança, onde se mama muito mais do que se chupa no dedo. As zangas são exactamente um bom prenúncio de que alguém está com receio de ficar a chupar no dedo, ou a origem de uma mamada que está em perspectiva.
Depois, é só esperar que as verdades comecem a jorrar de bocas que as não conheciam de lado nenhum, como se num momento, por obra e graça da má-língua, todas as mentiras se submetessem ao reino da doce inconsciência, escondida entre as verdades incontestáveis.
Parece que há sinais de que, afinal, estávamos rodeados de gente ultra séria, ultra verdadeira, ultra amiga da verdade mentirosa, ultra inimiga da corrupção e do companheirismo, ultra defensora de uma família alargada e solidária, onde todos os seus membros se identificam com valores que só eles conhecem e defendem.
Foi preciso que os compadres se zangassem para lembrar à comadre que os telhados de vidro são um perigo constante, mesmo para quem apenas encontra coisas inaceitáveis, na casa dos maus vizinhos. Há gente assim, que passa os dias à janela, com os olhos postos na casa da vizinha do lado, esquecendo-se de olhar para o triste estado em que tem a sua.
Há sinais de que os vizinhos já não são o que eram, daí que haja uma forte possibilidade de começarem a passar do estado de desconfiança latente, para o estado de despejar o saco, como forma de aliviar o carrego que lhes atormenta a consciência, e o receio de que estes tempos conturbados lhes descubram as carecas.
Os tempos são conturbados, é verdade, mas poderão vir a clarificar muitos tabus e muitos fantasmas que conseguem dominar muita gente corajosa e destemida, bem como podem fazer cair muitos postiços que, pela sua aparente perfeição, nos dão a ideia, a nós, mas, principalmente, a eles, quando se vêem ao espelho, de que são modelos da sua geração gloriosa.
A vida é um circo. O circo tem trapezistas e tem feras, que nem sempre têm noites ou dias de sucesso. A rede nem sempre é salvadora e os domadores nem sempre convencem as feras a meter o rabo entre as pernas. A vida, tal como o circo, também é obrigada a mudar os cenários, os artistas e as feras, sob pena de se tornar tão monótona que não se pode suportar.
A verdade é que vamos descortinando sinais de que nem todos se suportam já, nos dias que correm. E, como diz o povo, ainda a procissão vai no adro. Com os sinais cada vez mais evidentes de que as comadres e os compadres se vão agredindo com mais frequência e com mais intensidade e violência, é motivo para se começar a reflectir muito a sério.
Se as comadres e os compadres se zangam mesmo a sério, vai haver muita surpresa e muito ranger de dentes. Por vezes penso que estamos mesmo a precisar disso.
 
30 Mai, 2009

Birrento, eu?

 

Já só me faltava dizerem que sou birrento. Eu, que tenho um cuidadinho muito especial na língua quando falo das birras dos outros, posso lá tolerar semelhante ofensa, mais a mais, vinda de quem vem, que é, nem mais nem menos, que o maior birrento que existe no mundo da embirração.
Não é justo dizerem que sou birrento, só porque embirro apenas com uma pessoa. Só uma, repito, o que é um feito notável, comparado com ele, que embirra com toda a gente ao mesmo tempo.
No entanto, embora eu lhe chame muitos nomes diariamente, nunca lhe chamei birrento, porque entendo que há outras coisas mais eficazes e delicadas para lhe chamar. A prová-lo, está o facto de ele nunca se zangar. Embora, por vezes, outros se zanguem por ele. Mas esses são apenas os mais irritadiços.
Lá que digam que todos temos as nossa birras, ainda vá que não vá. A gente nem sabe viver sem elas. Sim, porque as melhores birras são sempre delas. Quase sempre, também, as mais agradáveis. Mas não admito que me chamem birrento.
29 Mai, 2009

Eu, provador

 

Sim, porque eu posso provar que não tenho nada a esconder sobre a nomeação do meu sucessor, nem ando há imenso tempo a fazer caixinha para que eu continue, antes que venha alguém, de quem alguém não goste. Portanto, eu posso muito bem ser provador.
Além disso, o provador não pode ser escolhido pelo dono dos cargos, porque se ele já é dono, não precisa de escolher nada, nem ninguém. Logo, tem de ser alguém que esteja obrigado a estar contra ele.
Ora, alguém contra ele, tem de ser escolhido por quem me pôs lá a mim. Sim, porque daqueles que estão contra o dono dos cargos, só pode ser um dos nossos, porque os outros não contam para nada. Imagine-se a gente a queixar-se a Deus. Não faz sentido. A Deus a gente reza. Se queremos queixar-nos tem de ser ao Diabo.
Sendo assim, entre os nossos, há gente muito respeitável, designadamente, na Madeira, em Gondomar, em Oeiras, entre os ex-bpn’s, alguns ex-camarários alfacinhas, e isto para não subir aos ex ministeriáveis e outros insignes, exclusivos e excelentes candidatos a provadores. Sim, porque os provadores têm de ter já provado alguma coisa.
Não convém citar nomes, porque isto é um assunto de estado de sítio, logo convém ter muita discrição. Até porque a discrição não é para usar sempre, nem por todos os respeitáveis interessados.     
Como se prova à evidência, o dono dos cargos só posso ser eu, emérito provador de serviço, ou quem aqui me meteu. E mais ninguém
28 Mai, 2009

Sorriso

 

O sorriso não se compra no supermercado ou na farmácia, mas pode encontrar-se em qualquer local, desde que tenhamos engenho e arte para descobri-lo. Não está embalado, não tem rótulo, nem tem promoção de venda.
O sorriso é perfume fora do frasco, é uma brisa em espaço fechado, é uma saudação silenciosa. Sorrir é sinal de paz nas consciências e é uma maneira de dizer aos outros que estamos com eles nos bons e nos maus momentos da vida.
O melhor sorriso do mundo está nos lábios de um bebé quando olha demoradamente os olhos da mãe. Esse, sim, é o sorriso da pureza, é a pergunta que não pede resposta, é a confiança de ter sempre tudo, sem nada ter de pedir.
E não há melhor resposta para um ser tão débil, que um sorriso de mãe, para o filho que tem no colo.
Olhando agora para os crescidos, até parece que quase ninguém se lembra que já foi bebé, que já teve um olhar assim, que já sorriu como agora não é capaz de sorrir, que não conseguirá sequer pensar, como e quando perdeu a pureza desse olhar e desse sorriso.
Vale a pena ir às reminiscências da sua origem e tentar descobrir se perdeu tudo isso por culpa própria ou alheia. E, já agora, ao menos neste momento, liberte o melhor sorriso que conseguir mostrar. Ainda que não consiga segurá-lo por mais que uns breves instantes.
Mas, não tente sorrir apenas para a fotografia. Pode não passar de um momento de ilusão. Um bom sorriso é muito mais que isso.
27 Mai, 2009

Mais uma corrida

 

Há muita espécie de corridas, mesmo para quem gosta de andar a passo de caracol, ou se mantenha na confortável postura da lesma. Estas são corridas em que a linha da partida se confunde com a linha da meta. São corridas em que a linha não passa, afinal, de um minúsculo ponto final.
Corridas mesmo a sério, são aquelas em que alguns cidadãos se vêem corridos dos seus locais de trabalho, por muito que batam com as sapatilhas no chão. Corridas calmas, tranquilas e vencedoras, foram todas aquelas em que os corredores de sapatos engraxados, passaram pelos bancos e varreram de lá fortunas, depois de fecharem as portas aos seus trabalhadores.
Entretanto, está a começar a mais espectacular das corridas. Sim, vem aí a corrida ao voto, ou seja, a louca correria pelo poder, ainda que se trate de um poder mais ou menos falido, de um poder mais ou menos podre, de um poder de que nada de bom se pode esperar. Apesar disso, os corredores, esfalfam-se, desunham-se, por alcançá-lo.
Eles, os que entram nessa corrida, apostam tudo, dão as tripas e o coração para vencer. Até dão o que não têm. Para nós, espectadores da berma da estrada, será apenas mais uma corrida em osso.
 
26 Mai, 2009

Já pressinto

 

Já pressinto o apertar, ainda mais, do cinto que actualmente quase me asfixia a parte central do meu corpinho, embora pertença ao grupo dos felizes que ainda não deixaram de comer, a ponto de permitir reduzir uns furos no dito malvado cinto.
A verdade é que tudo indica que não faltarão muitos meses para que alguém nos diga que temos andado a comer demais, logo, obrigar-nos a fazer uma dieta a sério, de forma que o cinto se aperte mesmo muito mais. Está-se mesmo a ver quem é que vai ficar com as calças abaixo das ancas. Assim do tipo moda jovem.
O cinto pode ser substituído por um colchete, este mais usado no vestuário feminino. Agora, resta saber se quem vai mandar apertar, usa cinto ou colchete, sabendo nós que, em qualquer dos casos, não será ele ou ela a apertar coisa nenhuma no seu físico.
A chatice vai ser a desilusão. O cinto não aguentará tantos furos, ou então o colchete ficará em cima da colcheta. Isto, quando todos estão à espera de alargar. Pois, pois.
 
25 Mai, 2009

Aí estão eles

 

Vão ser quinze dias de sacrifício para muita gente, inclusivamente, para mim próprio, que já não tenho pachorra para ouvir tanta parvoíce junta, qual concentrado de vozes num poço sem fundo e completamente vazio de senso comum, onde o eco de uns, se confunde com os espirros de outros.
Quinze dias é muito tempo, é muito barulho e é muito transtorno para quem tem de fazer a sua vida, quer através de ruas, avenidas e estradas condicionadas ou cortadas ao trânsito durante horas sem fim, quer através de ruidosos altifalantes, megafones, buzinas e toda a espécie de instrumentos que não respeitam a lei nem os doentes.
É assim uma espécie de vale tudo, em que não há hipótese de travar os que se aproveitam da quinzena para desopilar e vociferar contra tudo e contra todos os que não sejam dos seus lados. É a liberdade de chatear os que não têm direito à indignação, nem a usufruir de uma vida normal, dentro das leis do país que, infelizmente, já são poucos a cumprir e muito menos a fazê-las cumprir.
As eleições são necessárias e as campanhas são imprescindíveis, desde que se destinem a esclarecer e a motivar os eleitores. Se não for para isso, e está visto que na maior parte do tempo não são, então bem melhor seria que me deixassem em paz, a mim, e a tanta gente que já não pode ouvir falar em ir votar.
Mas eu sempre fui, e continuarei a ir. Porque quem for eleito, terá de me ter como apoiante, ou como opositor, mas sempre respeitando o resultado, concordando com o que me agradar, ou discordando daquilo que considerar errado ou injusto.
Presentemente, já nem consigo rir-me de certas frases que, em boa verdade, nem são cómicas, nem são trágicas, antes pelo contrário, e isto é que é para rir, frases que aparecem no alto de uns pilares, conjuntamente com umas fotografias em ponto grande, à beira das rotundas, ou junto dos jardins e das avenidas.
Não sei porquê, mas as frases, para mim, têm uma relação muito forte com as fotografias. Se a frase é destinada a incutir tristeza, a fotografia nem olha para diante, nem para trás, antes pelo contrário, se não olhar para os lados. Se a frase quer distribuir alegria, a fotografia tem, com certeza, um riso amarelo que não engana mais que uns tantos.
Há quem não goste que eles, os das fotografias, façam promessas através das frases que têm ao lado. Dizem que eles nunca cumprem coisa nenhuma. Eu não estou de acordo. Gosto que eles façam promessas porque, mesmo que as não cumpram, é sinal de que têm ideias, que sonham com qualquer coisa, ainda que do outro mundo.
É só ver as figuras que fazem aqueles que dizem que não fazem promessas. Certamente que não têm assunto para mobilizar tropas ansiosas por conseguir aquela promoçãozinha há tanto tempo esperada. É que nem conseguem mesmo criar uma família, daquelas que reúnem os seus membros à volta do tacho do rancho.
Mas, ainda gosto mais daqueles que põem todo o seu esforço, todo o seu pensamento, todo o seu físico, todo o seu sorriso, ao serviço do seu opositor de estimação. Não é tarefa fácil, ter de arranjar todos os dias, a todas as horas, umas palavrinhas que reforcem essa estimação, se é que não podemos falar em admiração.
Podem ter a certeza que ‘eu vou botar’. Também garanto que eu ‘bou votar’. É uma boa promessa.
 

 

Mas que espectáculo!... Aquilo, sim, é televisão do melhor que se pode imaginar, com duas figuras a fazerem figura de quem tem tudo no sítio. Só quem não viu, pode ter dúvidas de que não é possível fazer melhor em tão pouco tempo. Ela julgava que ele era como os outros. Ele, julgava que ia ensinar-lhe alguma coisa.
Aquele era o sítio ideal para cada um deles tirar o seu coelho da cartola. E era o dia ideal para dar tudo o que cada um deles tem para dar. Era sexta-feira ao fim de um dia de trabalho para muita gente, logo, tudo a condizer para, calmamente, no sofá da sala de jantar, assistir a qualquer coisa de inédito nas nossas noites chatas e indolentes frente ao televisor.
Até o som teve outra vivacidade, tal como a imagem, a causar grandes problemas aos câmaras, por não saberem para que lado haviam de dirigir as objectivas, por causa de duas fontes de novidades imperdíveis, conjuntas e sugestivas, empolgadas e desafiadoras, ambas prontas a deixar a outra estendida, vencida e acabada no tapete.
Mas, nada disso aconteceu porque, tanto ele como ela, estavam no sítio devido e, digo eu, ambos tinham tudo no sítio. Ele só abanava a língua, e com que vigor. Ela não podia mexer-se muito, porque há sempre o risco de cair qualquer coisa com a trepidação. Apenas o guião da entrevista terá sofrido bastante, mas valeu a pena. Nesse aspecto, tudo correu às mil maravilhas.
Desde há algum tempo que ele nos habituou a lançar umas pedradas no charco. Desde há algum tempo que ela nos habituou a mandar gente para o charco. Por mim, entendo que pedras e pessoas, não devem ser atiradas para lado nenhum, ao mesmo tempo, devido ao risco de cabeças partidas.
Até porque o local da entrevista não é nenhum charco. Sem prejuízo de que, espectáculo é espectáculo e, por ele, até se tolera umas cabeças perdidas que nos levem ao delírio, como estou certo que aconteceu nessa sexta-feira à noitinha, a muitas pessoas que encheram o papinho com a graça dela e a aula dele.
Não é que me pareça que alguém tenha aprendido alguma coisa durante aqueles vinte minutitos. No entanto, a mim, causou-me um desejo semelhante à sensação de barriga vazia, suspirando por muitos momentos destes, em que não há ninguém a bater no ausente, sem que leve de volta o pau que usa.
É por isso que ele os tem no sítio, e é por isso que ela fica a conhecer melhor o sítio deles, quando alguém os tem lá. Só que ela está habituada a olhar apenas para o sítio dela, talvez porque julgue, e vá continuar a julgar, que esse é o melhor sítio do mundo.
Cada um que faça o seu juízo, que eu também faço o meu. E depois de todo o espectáculo, a meu ver sensacional, só faltou aquele abraço final de amizade, para selar esse encontro, tão histórico, para uns, mais que histérico, para outros, em que ele e ela se portaram muito bem.
Como ficou prometido, venha o próximo encontro. Obrigadinho, sim?
23 Mai, 2009

Cozinhado marinho

 

Por acaso até gosto de cozinhados, desde que contenham aqueles condimentos que a minha pituitária não rejeita liminarmente, caso da pimenta e do piri piri, precisamente, porque picam um pouquinho na língua. Parece-me que toda a gente compreende que é para isso que serve a língua.
E então aqueles cozinhados marinhos, assim denominados porque são confeccionados com aquilo a que alguns chamam erradamente frutos do mar. Um disparate completo, pois se o mar desse fruta, estávamos tramados. Já não nos basta a que vai por aí a estragar-se nos domingos à noite, com as árvores que a dão, a dar-nos lições de cozinhados divinos.
Porém, o cozinhado marinho, é uma descoberta que tem a particularidade de não incorporar nada vindo do mar. Convém esclarecer isto muito bem, para se não dizer que a receita mete água por todos os lados. E acrescento mais. Também não mete lagosta nem camarão, para desgosto dos apreciadores do bom marisco.
Que é um cozinhado, não tenho dúvidas, tanto mais que o pequeno Mário já mo confirmou sob palavra de honra. Posso garantir que ele sabe do que fala. Já tentei arrancar-lhe uns segredos desse cozinhado, mas ele não se descose mesmo nada. Nem sequer revela um simples condimento.
Cá para mim, começa por fazer-se um refogado normal, onde entram os habituais companheiros desse processo culinário. Nunca se deixa refogar muito, para que não queime nada nem ninguém, principalmente, com os pingos que saltam do tacho, quando o lume está muito forte. É por isso, que se recomenda o lume brando, muito brando mesmo.
O pequeno Mário nunca me falou do processo do cozinhado através do assado. Nem no forno, nem na brasa. Talvez porque esses são processos muito rápidos e de altas temperaturas que não se coadunam com o tipo de cozinhado em questão. Mas, esta é apenas uma dedução minha, baseada na lógica do cozinhado lento, muito lento.
Mas, o que mais me intriga, é o facto de quase ninguém conhecer este cozinhado, parecendo até que há quem tenha medo de falar nele, mesmo aquelas pessoas que sabem bastante de culinária, e de muitas outras coisas, evidentemente, e que sempre mostraram que não têm medo de nada nem de ninguém. E acho muito bem que não tenham. Mas no que toca a este cozinhado, não sei, não.
Já é a segunda vez que oiço falar dele, mas não consigo obter a receita completa, apesar de já ter folheado muitos livros de culinária de todos os tamanhos e de todos os preços. Até já pensei que os bons, aqueles que trazem todas as receitas, estivessem esgotados. Mas, qual quê.
Não me sai da ideia que deve haver um segredo no meio deste cozinhado, que ninguém consegue desvendar, uma vez que não se trata de um frito, de um assado, ou de um refogado. Até já me passou pela ideia que é possível que se trate de um ‘refugado’.
22 Mai, 2009

Mais um parolo

 

Um sujeito qualquer, de uma qualquer organização da Europa, veio dizer há dias que Portugal está agora melhor preparado para responder à crise. E ainda por cima tem o descaradamente de dizer que o governo português foi dos que melhor responderam no combate à crise através das medidas adequadas que tomou.
Se calhar fui eu que percebi mal, senão estaremos perante um completo enxovalho à nossa inteligência de gente que sabe muito bem o que nos convém. E o que nos convém, para não sermos enxovalhados, é mantermo-nos na cauda de tudo e de todos, porque assim é que está de acordo com os parâmetros que nos caracterizam há muitos anos.
Já outro dia, outro sujeito qualquer, teve o descaramento de dizer que estávamos na vanguarda dos países do sul da Europa em termos de competitividade. Com franqueza, isto só pode ser mais um enxovalho à nossa miserabilista dignidade, pois ninguém vai sequer imaginar que nós podemos competir com alguém, com a honrosa excepção da miséria e da ignorância.
Portanto, vamos lá ver se a gente se entende. Há que exigir que esses parolos se retratem e digam de vez, qual a razão, ou as razões que os motivam a enxovalhar gente séria e honrada como nós, que está muito bem como está, e não aceita as modernices, ou o que nos querem impingir como tal, só porque anda tudo cozinhado para nos tramar.
Não é que me incomode muito com os enxovalhos que certos parolos me querem impingir. Mas, reconheço que nem toda a gente tem a mesma sensibilidade que eu tenho e aí, para não estar de acordo com aqueles parolos, tenho de estar do lado dos enxovalhados, pois sempre são portugueses como eu.
Contudo, como não sou nenhum barra em português arcaico, ainda não atingi plenamente o significado da palavra enxovalho. Conheço a palavra enxoval, essa coisa muito cara que as noivas levam no dia do casamento. Como o enxovalho é parecido, na ortografia, claro, talvez possa deduzir que uma coisa tem a ver com a outra.
No entanto, tenho cá as minhas desconfianças, que quem se deixa enxovalhar não são as noivas e, muito menos, as idosas que já casaram há muito tempo. Estou mesmo a ver a cara de certos noivos, ao depararem no altar com certos enxovalhos, pensando que é com eles que vão ter de se entreter o resto da vida.    
É por isso que não quero acreditar nos parolos que me querem enxovalhar, mesmo não sabendo muito bem o que isso é mas, de certeza absolutíssima, que não é coisa boa. Receio contudo, que não sendo enxovalhado, acabe por ser lixado, e isso eu já sei muito bem o que é, e há muitos anos.
Na dúvida, não me lixem mais, mesmo correndo o risco de um enxovalho de vez em quando. Até porque estes enxovalhos vindos lá de fora, suponho que não têm nada a ver com os enxovalhos que temos cá dentro.
Depois, a gente vai-se habituando a tudo. Melhor, a gente já está habituado a tudo e há muitos anos. Pode ser que, com uns enxovalhos de certos parolos, a gente vá arrebitando as orelhas e vá perdendo os maus hábitos e os enxovalhos do antigamente.
 
 
 

Pág. 1/3