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afonsonunes

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31 Jul, 2009

As minhas prendas

 

Já ofereço obrigatoriamente uma quantia mensal para a televisão pública, que eles dominam e controlam, cá no meu entender, absolutamente em proveito próprio. Esta é, portanto, uma oferta um tanto estranha, porque é uma dádiva que alguém vem tirar do meu bolso, contra a minha vontade.
Se eles tivessem alguma coisa a ver comigo, ainda me dava um certo consolo. Por exemplo, se eles fossem capazes de dizer umas palavrinhas que constassem dos meus prazeres pessoais, como seria o caso de ouvir gente com ideias diferentes a falar umas com as outras, sem discutir.
Não me custaria nada dar uma esmolinha para o pessoal de lá, se não gastassem balúrdios com meia dúzia de pessoas, que até podem ser boas pessoas mas, à custa de tanto tentarem meter-mas pelos olhos dentro, passei a vê-las com os mesmos olhos esbugalhados que a Judith usa para certos membros do governo.
Também não me importaria de contribuir com um euro por mês para que, de tempos a tempos, mudassem as cores daquilo tudo, pois assim, a cor do meu rosto, quando olho para lá, ou fica azulado como se estivesse no fundo do mar das tormentas, ou fico alaranjado, como se estivesse a caminhar para um ataque de icterícia.
Já tenho ouvido dizer que o burro acaba sempre por comer a palha que não queria, desde que seja alguém que sabe, a meter-lha na boca. Ora eu que, comparado com um burro não sou ninguém, não consigo comer a palha televisiva de forma nenhuma. Depreendo que eles não sabem mesmo dar-me aquela coisa.
A única coisa que eles sabem é receber a minha colecta e nem sequer se lembram de me dizer obrigado. E eles sabem bem que sou obrigado a pagar, senão era certo que lhes fazia o gesto popular que diz, queres fiado, toma…
Mas, como não sou mau de todo, sempre estou disponível para os ajudar com umas prendinhas que, ao fim e ao cabo, até nem me exigem grandes sacrifícios, nada comparados com o esforço hercúleo de toda aquela ínclita geração, que consegue estar em tantos sítios, às mesmas horas, a brincar aos programas. Será que eles ganham ao quilómetro?
Mas vamos lá às minhas prendas, que já estou a falar demais, senão ainda dizem que ganho à linha, ou ao parágrafo.
Ao Prof. Martelo oferecia uma Dra. Rosa para substituir a Dra. Flor que ele costuma ter na frente a qual, sendo tal qual o nome que tem, deve estar farta de levar com gafanhotos. Ao Dr. Vitorinho oferecia uma cadeira um pouco mais alta, para poder responder ao nível das perguntas da Dra. Judith. Ao Dr. José dos Santos, oferecia um livro do Dr. J. Albert Carvalho, para ler nas horas vagas, na primeira deslocação ao Afeganistão.
Mas, como descobri uma grave falha no guarda-roupa da RTP, fartei-me de andar a correr lojas e mais lojas com saldos, pois o meu cartão de crédito anda muito por baixo. Mas, lá descobri umas coisas em bom preço, num centro comercial em vias de fechar.
Para as senhoras doutoras, comprei cachecóis encarnados, porque aquele ambiente, ora azul, ora laranja, tanto no estúdio como no vestuário, é demasiado frio, ou por vezes pouco quente, daí a necessidade de uns agasalhos, igualmente desopilantes da vista.
Para os senhores doutores, comprei umas gravatinhas em vermelho vivo, cor de cravo, para quebrar aquela alternância de gravata azul, gravata laranja, por vezes com riscas brancas. Ainda pensei em tons verdes mas, pensei, se estão verdes, não prestam.
Esclareço que já estou preparado para alguma rejeição.
 
30 Jul, 2009

O país já mudou

 

Aí está uma afirmação que corre o risco de indignar alguém, não porque não seja verdadeira, mas porque há sempre quem defenda pontos de vista tão esquisitos como os meus, ainda que bastante diferentes. Portanto, a esquisitice está apenas na possibilidade de sermos esquisitos, perante pessoas muito mais sensatas que nós.  
Haverá pessoas que pensam que estou a meter água, daí que possam indignar-se, porque não aceitam que o país tenha mudado nos últimos anos. Resta saber em que espécie de mudança estarão essas pessoas a pensar. Se calhar, não estão a pensar no mesmo que eu, certamente.
Até porque há quem diga que mudamos para pior. Concordo plenamente, se essas pessoas se referirem concretamente à sua situação pessoal. Nesse caso, deviam dizer que eles, estão pior do que estavam. É o caso dos senhores que viram os seus carrinhos, bons, ou muito bons, penhorados.
Para os que dizem que isto continua tudo na mesma, a situação é bem mais complicada. Não compreendo como é que eles conseguem estar na mesma, quando uns dizem que o nível de vida subiu, enquanto outros afirmam que desceu brutalmente. Tenho de considerar que se trata de pessoas com muita sorte, aquelas que acham tudo na mesma, por se manterem estáveis, no meio de tanta instabilidade.
Agora vamos lá aos que pensam que o país está melhor. É muito difícil ouvi-los no meio de tanto ruído exterior. Mas, acredito que também os há, embora muito mais comedidos que os restantes, melhor, que os outros. Mesmo sem contar com aqueles que são considerados vozes do dono.
Sem pretender avaliar quem é que é mais voz do dono, sempre direi que, mesmo aqueles que se consideram muito independentes, acabam sempre por ter lá dentro uma vozinha que lhes segreda o que devem dizer ou fazer, ainda que seja a voz de si próprios. Que, quer queiram, quer não, também são donos de qualquer coisa. Nem que seja da sua opinião, que também pode ter que se lhe diga.
A todos aqueles que dizem que o país não mudou, eu contraponho que perguntem a si próprios, com todo o sentido de verdade, o motivo dessa afirmação. Sim, porque verifico que a maior parte das grandes movimentações reivindicativas se baseiam em contestação a qualquer coisa que mudou. Logo, não está tudo na mesma. Logo, alguma coisa mudou.
Que já houve mudanças, só não as vê quem ainda as não sentiu na pele, no bolso, no pensamento, nas excentricidades, nas atitudes, nos modos e até nas ideias. O problema é saber se elas agradaram a mais, ou a menos gente. A chatice é ser capaz de pensar, no mínimo, tanto nos outros como em nós próprios, para as poder avaliar correctamente.
Gostava de perguntar aos maiorais que já foram chamados à justiça, se pensam que nada mudou. Gostava de perguntar a certas corporações, se acham que ainda está tudo como dantes. Gostava de perguntar a certos moralistas de cátedra, porque não viram as imoralidades que vêem agora, quando as deviam ter visto, no tempo em que as podiam ter eliminado ou denunciado.
O país já mudou, sim, nem sempre bem, nem sempre mal. É preciso e urgente que mude muito mais, e muito mais depressa. Mas isso só pode ser feito por quem, realmente, tem vontade de mudar e diga já, aquilo que quer mudar. Tudo o resto é conversa e, em muitos casos, vontade de meter a marcha atrás.
29 Jul, 2009

A barragem

 

 
A barragem enche por cima e vasa por baixo. Ora que grande maravilha. Isso até qualquer pessoa minimamente inteligente sabe, por experiência própria, e os menos inteligentes também sentem isso, só que nunca repararam nesses pormenores de somenos importância para eles.
Quando se fala de barragens e de pessoas não pode deixar de se pensar em água. Na barragem, isso é mais que evidente. Nas pessoas, a água anda escondida, mas todos sabemos como elas metem água das formas mais diversas, o que justifica que os seus corpos sejam grandemente constituídos por água.
A barragem também é uma via de circulação de uma margem para a outra, permitindo que as conversas transitem por elas, com o inconveniente de que isso beneficia igualmente a movimentação de marginais. Facto tão importante que não estou a imaginar muito bem, como é que, nos tempos que correm, conseguiríamos viver sem eles por perto.
Em termos de barragem, o que mais me anima é pensar nos grandes cérebros que conseguem contentar quem vive acima e abaixo dela, pois eles mudam do lado da albufeira para o lado da corrente, a qualquer hora do dia, pregando as suas teorias sobre o efeito separador da grande estrutura de betão.
Do lado de cima, fazem ver a necessidade de não abrir as comportas, senão lá se vai a água que lhes permite viver à tona dela. Do lado de baixo, reclamam a necessidade de não deixarem que lhes fechem as comportas, sob pena de viverem permanentemente ameaçados de roturas que levem à inundação das casas onde vivem. Além disso, dizem, a água fez-se para correr e não para estar parada, às ordens de alguns.
São exactamente os mesmos que, num lado gritam para abrir as comportas, no outro gritam para fechar as comportas. Ora isto cheira-me a políticos que, se bem sei pensar, são a favor do estado que tem dar toda a água, a todos, em todas as circunstâncias mas, logo a seguir, bradam aos céus, porque o estado desperdiça a água que pode vir a não ter, caminhando assim para a sede mortífera.    
O estado não é uma barragem, mas está à mercê de muitos dos que andam a apregoar água com fartura já, e torneira fechada de imediato, consoante o lado da barragem onde se encontram. Porque o estado também enche por cima e vasa por baixo. Mal vão as coisas, quando se enche de menos e se vasa de mais. Os de cima temem a seca, a míngua e o lodo do fundo. Os de baixo querem a corrente normal, com medo das enxurradas, ou da seca imposta pelos de cima.  
A barragem tem os seus limites e o estado tem os seus mínimos. Perigosamente inconscientes, são aqueles que prometem água sem limites aos de baixo e aos de cima para, logo a seguir, se insurgirem com S. Pedro, porque não mandou chover o suficiente para satisfazer todos os devotos.
 
28 Jul, 2009

A única promessa

 

Parece que está na moda dizer-se que nem podem ouvir falar de promessas, como se isso fosse uma coisa horrorosa que põe os cabelos em pé. Não percebo essa espécie de aberração, principalmente, porque toda a gente, logo de pequenino, promete à mamã e ao papá, portar-se como gente grande, e depois é o que se sabe.
Aliás, gostava de perguntar a quem não suporta promessas, se foi capaz de chegar à idade que tem hoje, sem nunca prometer nada a ninguém. E, se for capaz de dizer que sim, então é porque nunca prometeu amar ninguém, nem nunca prometeu a si próprio, a satisfação de um simples desejo de ser feliz.
Vieram-me estas reflexões ao pensamento por causa dos comportamentos dele e dela, completamente antagónicos, como se isso fosse condição de êxito para qualquer um deles. É verdade que ele e ela tinham de ser diferentes, mas daí até ao exagero de um deles esperar que o outro diga que hoje é domingo, para logo garantir que não senhor, que hoje é sábado, isto é demais.
É o mesmo em relação a promessas. Ele diz que é altura de elas saírem cá para fora, para que se conheçam as tais diferenças entre eles. Ela diz que não faz promessas que não possa cumprir. O mesmo é dizer que não faz promessa nenhuma, pois cumprir ou não cumprir, é para saber depois, no acto da concretização, e não no momento de a fazer. Senão, não seria uma promessa.
É por isso que as promessas têm o condão de fazer sonhar quem as faz, mas também quem as ouve, ao passo que a ausência delas, desresponsabiliza quem não sabe o que fazer e não assume os riscos de fazer aquilo que lhe compete. É evidente que assim, não pode entusiasmar quem quer ouvir o que lhe podem dar.
Esta guerra das promessas entre ele e ela, ganhou foros de muita mentira. E agora não vou entrar no campo das que foram cumpridas ou não, porque já o fiz em outras ocasiões. Mas vou dizer muito claramente que não me parece normal, não fazer promessa nenhuma, querendo com isso dizer que a vergonha é fazer promessas.  
Para mim, a maior vergonha é dizer que ele não fez nada e depois insurgir-se contra tudo aquilo que ele fez. A maior vergonha é rasgar a folha do que ele fez e depois andar a apanhar os bocadinhos de papel, para ver o que pode aproveitar do que lá estava escrito. Logo, a maior vergonha é precisar da folha que rasgou, para dizer que vai fazer alguma coisa.
Isto não é um elogio ao que ele fez, nem tão pouco a concordância com aquilo que ele diz que quer fazer. Muito menos, a minha satisfação, principalmente, por todo o tempo que se perdeu, sem que estivesse feito, aquilo que já devia estar pronto. Mas, também não é, do mesmo modo, o tudo ou nada de quem não vê, ou não quer ver mesmo nada.
Mas é, sem dúvida, a minha estranheza pelo facto de ela não querer fazer nenhuma promessa, e acabar por fazer apenas uma, e que é continuar a dizer que não, a tudo aquilo que ele disser que sim, e a dizer que sim, àquilo que ele disser que não.
Por mim, depreendo que o programa dela já está feito. Basta só esperar que o dele vá saindo. Depois, se ela ganhar, o programa continua. Se ele diz que sim, pois eu, obviamente, digo que não.
 

 

Dizem que o papagaio é louro e tem o bico dourado. Eu diria que isso é uma maneira simplista de o classificar. Tal como as pessoas têm o cabelo de muitas cores e a boca de muitos feitios, também os papagaios se esmeram por ser bons imitadores, não apenas nos sons que mandam para o ar.
Segundo o meu curto entendimento, o papagaio gosta muito de transformar em bicadas, as palavras que ouve às pessoas, bicadas essas que são consideradas tiradas linguísticas por quem gosta de se assemelhar aos papagaios que mais dão nas vistas. E os papagaios que mais dão nas vistas são, precisamente, aqueles que repetem as asneiras que ouviram sabe-se lá onde, e a quem.
Há papagaios que se ouvem a si próprios com um prazer surpreendente, se atentarmos na maneira como agitam as asas, enquanto vão batendo o bico, em jeito de matraca, com os olhos a rodar trezentos e sessenta graus, à procura de quem lhes esteja dar importância. Sim, porque eles dão muita importância, à importância que julgam que lhes dão aqueles que os ouvem papaguear.
Um bom papagaio raras vezes muda de galho, talvez porque também raras vezes muda de palavreado, quero dizer, de bicadas. Isso não quer dizer que a vida de papagaio seja fácil e, muito menos, cómoda. Já tenho reparado que alguns deles, têm presa à perna e ao galho onde permanecem pousados, uma corrente que nem eles devem saber para que serve. Mas, eu sei.
As bicadas são um hino à incorrigível mania de repetição de asneiras que já ouviram a pessoas que, por acharem muita gracinha à voz do papagaio, largam aquelas bocas que sabem que vão ser repetidas fielmente, interessando-se mais pelo tom bical que, propriamente, pelas palavras.
Algumas pessoas mais sensíveis já têm exigido pedidos de desculpa a papagaios que não olham a quem têm na frente, quando o bico lhes foge para o disparate. Mas, essas pessoas deviam saber que não adianta responsabilizar um papagaio pelos seus ditos bicudos, porque no reportório dele apenas constam coisas daquelas. Coisas que irritam os visados, mas fazem felizes alguns dos que apenas ouvem.
Também não adianta desmentir um papagaio, porque de tudo o que lhe sai do bico, não há corrector que altere o mais leve cacarejo expelido. É palavra de gente, contra bico de papagaio que, na melhor das hipóteses, apenas pode fazer sair outra asneira ainda pior que a primeira.
Portanto, papagaio é papagaio e o resto é conversa deitada ao papagaio para ele repetir, fazendo o possível para que tenha alguma graça, principalmente, por parte de quem adora ouvir papagaios.
Mas, acima de tudo, que ninguém perca tempo, ou caia na asneira de desmentir um papagaio.
26 Jul, 2009

Ninhada especial

 

Hoje as grandes ninhadas saem dos aviários à velocidade determinada pelas enchentes dos restaurantes da especialidade e das opções alimentares lá de casa, determinadas, mais pelo preço, que pelo gosto dos consumidores domésticos.
Ora, em vista de tão grandes necessidades consumistas, lá se foram as ninhadas de capoeira, onde não entravam os químicos da engorda da actualidade, nem os grandes produtores da marosca, que até não gostam nada da ASAE.
Mas há outros aviários, onde não se encontra uma única pena, que têm um período de gestação bem maior que os outros, e deles saem ninhadas humanas que se desenvolvem dentro de colossais incubadoras que, depois de ligadas, ninguém mais consegue parar o seu movimento silencioso. Até porque têm grandes patronos.
Silencioso mas gigante e de aspecto simpático, elegante e promissor de grandes farturas próprias e alheias, enfim, um mundo que, tal como prometido por essa ninhada de génios, só podia ser eterno, dada a cultura de seriedade e de verdade de que se revestia a sua auréola indesmentível.
Todas as ninhadas têm um período, mesmo as que percorrem o mundo inteiro em busca de mais poder e de mais dinheiro. Mesmo as que deleitaram o país durante as suas vigências. Mesmo as que pareceram dar a felicidade que os outros nunca sentiram. Mesmo as que pretendem fazer-se lembrar tentando abafar as seguintes.
Para além dessas ninhadas de pavões, surgem sempre associadas a elas, as ninhadas de patos e de frangos, que disfarçam com o seu abate, a fome que os pavões matam de forma mais nobre e requintada. Fome que os pavões, verdadeiramente, nunca chegam a sentir, porque o seu único trabalho é comer.
Porém, lá vem o dia em que um dos pavões tem uma escorregadela acidental, provocando um alarme geral em toda a ninhada. São velhos amigos, são grandes companheiros de longas jornadas, são os incansáveis urdidores dos ninhos que os fizeram felizes até ao dia do terramoto que fez tremer todo o seu poderio.
Impensável até há bem pouco tempo, toda esta agitação dentro de uma ninhada de pavões, que começam a tropeçar uns nos outros, na sua corrida precipitada, na ânsia de se safarem de sucessivos choques em cadeia, à medida que a chapa batida vai revelando novos focos de ferrugem interior.
Parece agora que a época dos ninhos se expirou e que as ninhadas vão ter de se dispersar mais, para que os patos e os frangos não olhem tanto para eles. Mas, como é bem sabido, os bandos são bem maiores que as ninhadas e, se há coisa que seja mesmo transparente, é a vontade de ver a limpidez da consciência das ninhadas.
Estou a lembrar-me de uma ninhada que fez grande furor nos fins do século vinte, e veio receber o diagnóstico, ainda provisório, de um AVC, já nos alvores do século vinte e um.      
Bem podem os membros de quaisquer ninhadas, ou os seus acólitos, andar à procura de nódoas na roupa dos vizinhos. Mas, se insistirem em ocultar ou ignorar as suas, mesmo que sejam do tamanho das suas contas bancárias, já nada será como dantes. Mesmo que ainda tenham, e têm, do seu lado, os maiores empatas do país.
Como é fácil de concluir, tudo da mesma ninhada.
25 Jul, 2009

Lavar, lavar

 

Esta simples palavrinha está na ordem do dia devido a muitas mãozinhas pouco lavadas que andam por aí à espera que não as incomodem. Não queria empregar a palavra apropriada para as classificar porque, infelizmente, os donos delas ficam pior que estragados quando se lhes lembra a água e o sabão.
É bem verdade que para muitas delas, isso não resolve nada, ficando por demonstrar até, se uma boa dose de lixívia forte, ou uma boa esfregadela com álcool, lhes devolveria a limpeza mínima exigível para a não propagação de vírus, agora contados à unidade, a cada hora do dia e da noite.
É preciso lavar as mãozinhas antes de tudo e de mais alguma coisa, senão ficamos a ouvir a ‘A’ durante uma data de dias, sem podermos dizer uma ‘asneirinha’ sequer a ninguém, por causa do ‘peganço’. Em contrapartida, temos todo o tempo do mundo para atirar ao televisor a resposta adequada aos vírus que nos atiram de lá.   
E o pior é que eles, não só não lavam as mãozinhas quando nos falam, como também não desinfectam a língua, mesmo quando espirram e tossem desalmadamente, atirando palavras na nossa direcção, que são autênticos gafanhotos invisíveis. Estou em crer que eles e elas não se deram ao trabalho de ouvir a ministra, que estava ali ao lado, a explicar isso tudo muito bem explicadinho.
Pois, dirão que os gafanhotos vindos da televisão não são vírus da ‘A’, mas garanto que são gafanhotos que, também eles, já estão contaminados e prontos para fazer a propagação da ‘A’, pois eles já atravessaram serras e mares, para chegarem ao nosso contacto.
É preciso ter muito cuidado com os vírus que vão surgindo minuto a minuto. Dizem, e com toda a razão, que eles se transformam perigosamente, de forma a tornar muito difícil o seu combate. Até porque as ‘vácinas’ também vão perdendo a eficácia, consoante as transformações dos vírus.
Pessoalmente, já notei que o vírus S e o vírus M, são muito mais chatos que o da A, quando sou atacado, via televisiva. É verdade que a gente não morre do vírus, mas corremos o risco de adormecer repentinamente. Depois há o vírus J, o P e o L, que são os que mais me impressionam pela lucidez e clareza das suas picadelas sonoras.
Estes, ao menos, nem me dão sono, nem me tiram o sono, pois já me convenci que nem me transmitem a A, nem me vão ao bolso como os vírus S e M, sem dúvida os mais poderosos, que até gostam muito de trabalhar por turnos de quatro anos. Sim, eu também já pensei que é demais, mas o que é que eu hei-de fazer? 
Quanto a isso, há muita gente que diz que daí lava as suas mãos, como se esperasse que eles também as lavassem. Estão muito enganados aqueles que pensam assim, pois quem mete permanentemente as mãos na massa, não está para desperdiçar parte dela, debaixo de qualquer torneira, por mais fina que ela seja.
De toda a gente asseada deste país, o que se espera é que continue de mãos lavadas, mesmo que lhe digam que a massa não tem vírus, mesmo que veja os nomes deles por tudo quanto é sítio, ainda que os seus agentes difusores nos massacrem os ouvidos com a treta de que são imunes, ou que já tomaram doses industriais de ‘tamu-fli’.
De qualquer forma, também nós, podemos sempre contribuir para lavar, lavar, lavar. 
24 Jul, 2009

Gajos porreiros

 

Toda a gente sabe que os há, mas nem sempre conseguimos dar com eles à primeira ou, dificilmente os encontramos à mão de semear, quando temos mesmo necessidade que eles nos dêem uma ajudinha em momentos de especial carência, ou quando nos sobram argumentos para manter a boca calada.
Se os gajos beras proliferam na sociedade de oratória fácil e enganadora, é preciso que os gajos porreiros se manifestem para fazer uma espécie de compensação entre os bons e os maus, pois se apenas existissem uns, ou outros, a vida seria um suplício muito maior do que aquele com que nos vamos contentando assim.
Mais ou menos, lá vamos sabendo onde encontrar os beras e os porreiros, até porque, por predefinição, os nossos catálogos mentais já os denunciam à distância, sem que tenhamos sequer de clicar, para que eles surjam mesmo à frente dos nossos olhos. Quantas vezes, eles até são identificáveis através de simples cores, mais carregadas ou mais esbatidas.
Estou mesmo convencido que os daltónicos também distinguem perfeitamente os seus gajos porreiros, embora por critérios mais beras, normalmente baseados no tacto da ponta dos dedos, ao contacto com o vil metal, ou ao som do farfalhar da contagem dos tentadores rectângulos de papel.
Mas, porreirinhos mesmo, são os gajos que, de vez em quando, falam ao jeito aos beras, numa atitude de benemerência que raia a caridadezinha para com o desespero de almas abandonadas, colhendo aí o conforto moral, com o qual os seus compadres porreiros nem sempre conseguem saciar-lhes as ambições que, normalmente, acabam por transformar-se em necessidades.
Há lá coisa mais bonita que ir às hostes inimigas buscar um guerreiro disposto a arrasar as técnicas e as tácticas dos seus chefes militares, criticando as suas retaguardas, apontando erros defensivos e ofensivos do seu lado, fornecendo doses suplementares de ânimo ao adversário, enquanto baixa o moral dos seus próprios camaradas de armas.
Por cá, não faltam exemplos de gajos porreiros que prestam permanentes ajudas, diria mesmo inestimáveis favores, àqueles a quem, normalmente, faltam argumentos para atacar, ou para se defenderem dos ataques que vêm do lado contrário.
É sabido que a motivação tem muito que se lhe diga, em termos de a fazer chegar ao centro nevrálgico onde ela é mais eficaz, no momento em que dela mais se precisa. Melhor ainda se ela, a motivação, vier do centro nevrálgico do campo oposto, veiculada por ondas que lhe reforcem a vivacidade e o espírito encorajador da inesperada surpresa.
Independentemente de terem mais ou menos razão, os gajos porreiros serão sempre gajos beras para aqueles que os têm, ou tinham, do seu lado. Serão sempre gajos porreiros para aqueles que os detestavam, ou ainda detestam, dependendo do momento de não serem beras.      
Mas, particularmente porreiros ou beras, são todos aqueles que se aproveitam da oportunidade de se pavonearem, à custa do seu nacional porreirismo, ou da sua tradicional tendência para ser bera, com quem lhes beija a mão a toda a hora.
Eu, que até me considero um gajo porreiro, às vezes, nem precisava de ser bera, se satisfizesse um certo desejo de escarrapachar aqui uma data de nomes. Mas, estou certo que nem é preciso. O país conhece os seus gajos porreiros. E os beras também.
 
22 Jul, 2009

O perigo dos ismos

 

Começo por afirmar solenemente que não concordo com a abolição de todos os ismos da nossa Constituição. Quando se fala em todos ou em tudo, corre-se o risco de abolir até, aquilo que não nos dá guerra nenhuma, ou seja, aquilo que não nos incomoda minimamente.
Não será o caso do terror/ismo que, na sua forma bélica ou verbal, dá cabo da nossa paciência, mesmo depois de perdida. Mas, temos de ter em conta que há quem goste dele e a ele se dedique de alma e coração, ainda que a alma seja do diabo e o coração de dureza superior aos calhaus da serra da Estrela.
Certamente que já estarão a pensar em ismos mais moles, que também é o meu caso. E, apalpando cuidadosamente as durezas políticas nacionais, lá vamos identificando sem dificuldade, o socialismo, o comunismo, o populismo e, em termos mais gerais, uma espécie de tachismo, que anda associado aos outros ismos.
Depois, fragmentando para a esquerda e para a direita, num exercício de alargamento da conversa a outras latitudes, entrando porventura nos reinos mais personalizados, eventualmente em regionalismos mais ou menos exacerbados, lá vamos encontrar teorias que se confundem com abolicionismos mais evidentes ou menos disfarçados.
Não consigo compreender como é que o Jardinismo entende que o Comunismo não devia ser permitido pela Constituição, se ela própria não reconhece o Jardinismo. Não é sensato abolir um ismo, só porque não se gosta dele, tanto mais que do outro lado não se desgosta, nem se costuma falar de modo a mostrar-lhe aversão. A lógica seria a abolição de ambos, se eles fossem comparáveis. Mas não são.
Além disso, o Jardinismo, tem um associado que é único e à prova de todas as comparações, de todas as legislações e de todas as sujeições às cadeias de comando, e esse associado também detém um ismo muito importante, que se chama Albertismo.
Ora, se o Jardinismo e o Albertismo são dois ismos consistentes, autêntico dois em um, inatacável, durável e incurável, nunca se pode pensar em abolir o Comunismo, pela simples razão de que é um ismo muito mais benigno, que não aborrece ninguém, nem tem a capacidade verbal ofensiva que têm os dois ismos que o querem abolir.
O país já conheceu muitos ismos desde a sua fundação. Desde o Afonsenriquismo ao Anibalismo, passando pelo Joseismo, o Satanismo, o Alegrismo ou o Manelismo, além de tantos outros. O Albertismo e o seu linguismo é impar, incomparável e incontido, à prova de qualquer tentativa de competitivismo a qualquer nível.
Ora, assim sendo, não percebo que raio de animosismo move o Albertismo contra o Comunismo, já que nem sequer entram no campo da concorrência entre eles. Portanto, na minha modesta opinião, que se deixem lá dessas coisas, pois, bonito, bonito, é darem-se todos bem, como manda o bom desportivismo.
Por favor, não acabem com os ismos, senão, muita gente vai morrer de tédio.    
 

 

Volta não volta lá vem o Mistério Público às conversas de rua ou de café, já para não falar noutros lugares muito mais animados que, por força de toda essa animação, se transforma frequentemente numa fonte de indignação e de dores de cabeça, que até dão para partir a moca a alguns.
O Mistério Público tem demonstrado que, fazendo jus ao nome que honrosamente ostenta, é uma autêntica caixinha de surpresas, quando se mete com determinadas pessoas, cuja vida não tem mistério nenhum, a não ser uns pequenos indícios que intrigam os homens e mulheres do dito Mistério.
Agora, uma dessas pessoas bem determinada, diz que o seu partido, ou ex-partido, é capaz de tornar permeável o Mistério Público às suas impressões, o que é extraordinariamente interessante. Pressões, já eu estou farto de saber o que é. Mas essas também não vão para o Mistério, porque são do domínio público.
A coisa é tanto mais interessante, porque o tal partido, o dele, é que não pode ouvir falar de impressões. A sua desconfiança tem sido constante, sobretudo, nos casos mais badalados, os quais, vão apresentando indícios de que há alguns mistérios no seu aparecimento, em ainda misteriosos diálogos com o Mistério Público, fonte cristalina das tais impressões.
Até parece que essas impressões têm como objectivo compensar os muitos casos que o Mistério Público está a tentar fazer com que deixem de ser mistérios e passem a ser factos devidamente comprovados, ao contrário de alguns do passado que já foram des rotulados de misteriosos.
Instala-se assim, cada vez mais, a dúvida sobre os mistérios que rodeiam o Mistério Público e os tais partidários que conseguem torná-lo permeável, através das suas impressões, cuidado, não são pressões, com a finalidade de assassinar uns, politicamente, é claro, e ressuscitar outros, embora ainda não estivessem bem mortos.
Afinal, já havia rumores sobre assassinatos políticos combinados entre o tal partido e o Mistério Público mas, contra adversários provavelmente comuns. A novidade está agora no facto de, eventualmente, repetir o crime dentro da própria casa, o que lhe dá a categoria de crime familiar. Não, não me parece que seja considerado fratricida.
Por outro lado, ficamos a desconfiar que o Mistério Público, não persegue apenas os crânios de um só partido. Agora, segundo garante a pés juntos o denunciante em apuros, o Mistério Público já é selectivo dentro dos próprios aliados, onde já consegue eleger alguns inesperados alvos da sua permeabilidade.
Por outro lado, o Mistério Público vai ficando cada vez mais refém das suas permeabilidades, pois, não só não consegue desvendar os mistérios de vidas quase impolutas e quase exemplares, como ainda deixa aumentar quase assustadoramente, os pedidos de desculpa que já tem na sua agenda de expediente, quase cheia.   
Parece que já está quase na altura própria para o Mistério Público se transformar em Mistério Privado, a bem da impermeabilidade da consciência nacional.

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