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afonsonunes

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Nesta coisa dos órgãos, há uma questão prévia que tem necessariamente de ser colocada, e ela é, se quem pretende que se crie o órgão, tem como finalidade tirar do sistema quem o vigia, ou pretende meter no sistema inventores de meios obtusos de o dominar.
Assim à primeira vista, haverá quem pense que é a mesma coisa. Mas, atentando nas palavras usadas, quem o vigia, deixa pressupor que alguém tem de o fazer, e que esse alguém tem a legitimidade que lhe é conferida pela responsabilidade de, em última instância, governar o país. Sim, governar, claro.
Por outro lado, há os inventores de meios de o dominar. Sabendo-se que não estão vocacionados para tal missão seria, antes de mais, uma manifestação de desconfiança no governo. Impõe-se a pergunta sobre qual das instituições é considerada mais fiável, em termos de confiança da sociedade civil. Pergunta que se baseia nas bem recentes desconfianças, e não só, em relação à presidência da república, ainda não totalmente esclarecidas. O que me parece, só por si, razoavelmente esclarecedor.
O assunto vem a propósito do órgão pedido para a justiça. Consultivo, ao que parece e julgo saber. Também julgo saber que a justiça precisa muito mais de ordem para executar, do que de órgão para consultar. É que, consultores, não devem faltar por lá, inclusivamente, para dizer como se pode contrariar quem governa.
Chego até a pensar que deve por ali faltar um órgão qualquer, o que implica e justifica o facto de não se conseguir mexer naquilo, mas nunca faltará um órgão consultivo e, ainda por cima, presidido pela presidência. Se esta faz falta no sistema, então que presida à ordem, para meter aquilo na ordem.
Se o governo não deve estar metido naquilo, como eles querem, e parece que não tem estado, nem tão pouco se vê que possa ter estado muito mais, então também não há razão para que eles lhe atribuam a desordem que por lá vai. É claro que é cómodo, e fácil, dizer-se que não se faz nada, quando se não deixa fazer quase nada. E, se calhar, o quase, ainda é por favor.
                                                                                                      
A seguir pelo caminho de criar órgãos que faltam, a lista seria bem longa, desde logo porque vamos assistindo cada vez mais à tendência para considerar que estamos preparados para uma fase auto gestionária, em que cada um sabe exactamente o que fazer, segundo a sua própria lei.
Seria uma boa maneira de se acabar com todos os governantes e com a despesa do estado, ou acabar com os bancos, de modo a que cada um deles se pudesse abastecer ali, livremente, com as portas dos cofres franqueadas. São apenas dois exemplos simples de órgãos abolicionistas que urge implementar, sob a presidência de um órgão constituído unicamente por juízes.
Por uma questão de coerência, esses juízes tinham de exercer o cargo graciosamente, pois sem despesas de estado, não havia dinheiro para órgão nenhum.
A minha única objecção em toda esta questão, é que o país saiba encontrar rapidamente a melhor forma de ter o órgão no sítio certo, de modo a ser eficaz e actuante, em lugar de ser meramente consultivo.  
15 Out, 2009

Ideias e idiotas

 

Ainda não percebi lá muito bem se um idiota se caracteriza por não ter ideias ou se, pelo contrário, é idiota por ter ideias a mais. Principalmente ideias estúpidas. Digo que ainda não percebi isso, porque sou ignorante, tanto assim é que ainda não escrevi nenhum livro de quinhentas páginas.
Mas também ainda não me agarrei a uma ideia fixa, daquelas que os grandes espertos agarram para se evidenciarem mais, que por escreverem livros grandes. Pessoalmente não simpatizo nada com quem não é capaz de largar uma ideia fixa, ainda que ela transborde de estupidez, baseada em qualquer raiva ou ódio de estimação.
Depois, por causa de alguma experiência nesta matéria, posso afirmar que a única maneira de falar com um burro, é sermos capazes de zurrar como ele. Obviamente porque ele não entende outra linguagem, mesmo que consiga escrever livros de mais de quinhentas páginas.
É por isso que hoje me deu para zurrar com um gajo esperto, que também zurra em jornais da nossa praça. E, se tomo este caminho, é porque ele tratou de zurrar com os portugueses que não votaram como ele gostava, ou queria, ou exigia, ganhando esses portugueses o privilégio de se terem comportado com estupidez.
Ora, entre esses portugueses encontra-se a minha burrice e, lá diz o povo, quem não se sente não é filho de boa gente. Daí que, sentindo-me, tenho de dizer a esse gajo esperto, que não escrevo livros de quinhentas páginas, mas também sou capaz de zurrar como ele. Só não tenho o privilégio de ter um diário que publique os meus zurros. Paciência, vêm para aqui.
Porém, há uma diferença fundamental entre os meus zurros e os dele. É que eu considero-me um burro, ou um gajo, educado para toda a gente, mesmo para aqueles que não votam como eu. Porque a urna onde se mete o voto, não obedece a burros, ou gajos espertos, que zurram contra todos, mesmo os que não perdem o seu tempo a ler os seus zurros, quanto mais a insultá-lo.
Continuo a não perceber bem as ideias de um idiota que se julga muito esperto, principalmente quando fala de política. Sendo tão esperto a classificar quem se lhe entranhou na mioleira como obsessão catastrófica para o país, não percebo porque não aproveita a oportunidade de se candidatar a um poleiro próximo de si, para poder mostrar toda a sua esperteza salvadora, tirando-nos a nós, portugueses estúpidos, o peso desta cruz na qual ele nos pendurou já, sem apelo nem agravo.
Tanta esperteza só podia ser demonstrada eficazmente, tornando-se, ele próprio, no burro da nossa salvação. Quem tem ideias, mesmo idiotas, deve tentar pô-las ao serviço do país e dos seus concidadãos, por mais estúpidos que os considere.
Já agora, além de estúpido, deixem que me considere um burro compreensivo e tolerante, pois não me importo nada de o aconselhar a zurrar na sua família política, que talvez precise bem mais que os votantes de quem ele não pode ouvir falar. Claro que não pode, é óbvio, ele não entende quem apenas sabe falar.
E, por hoje, já estou fartinho de zurrar, mesmo contra os meus princípios.

 

Em boa verdade gostava de ser muita coisa mas, ao contrário de muitos que só gostavam de ganhar bem sem fazer nenhum, eu gostava mesmo de dar um pontapé nas conveniências e nas coisas que deviam ser esclarecidas sem gaguez e sem aquela declaração vergonhosa de que um dia alguém vai dizer tudo.
Não posso compreender que alguém saiba coisas muito importantes para a vida de muita gente e se negue terminantemente a falar e, muito menos, com o argumento de que não pode falar. Se será medo ou garganta entupida não sei, mas tenho receio que esteja em causa o emprego, que talvez seja um bom tacho.
E aqui não podem atirar-se ao governo ou ao primeiro-ministro, como costumam fazer os que mais atropelos cometem. Aqui estão em causa responsáveis por coisas sérias, coisas que tantas vezes põem em causa a seriedade dos outros, sem verem que são eles próprios que não estão a ser sérios, nem com eles próprios, nem com aqueles que lhes sustentam o negócio.
Nada pior que viver num país enganado, principalmente se andar a ser enganado por quem devia correr com todos os enganos. Precisamente por quem devia ‘falar claro e mijar direito’, como diz o povo quando se sente enganado por alguém, ou a quem quer dizer que lhe merece toda a confiança.
É por isso que eu manifestei o desejo de ser jornalista, embora reconheça que, à partida, não tinha hipóteses de escrever nada que não fosse apenas para mim próprio, porque já se sabe como é. E, sendo assim, como é que eu poderia algum dia ter aspirações a subir na carreira, como por exemplo ser chefe, ou director, se não me deixassem publicar nada.
Mas, sem dúvida, gostava de ser jornalista, ao menos para saber como é que se fazem certas maroscas, mesmo que isso passasse apenas a fazer parte da minha cultura geral que, ao menos essa, ninguém me poderia tirar. E estou certo que daria sempre jeito, pois ainda que ninguém me ligasse nenhuma, sempre podia conversar com os meus botões, muito mais tolerantes, atenciosos e pacientes que certas pessoas.
Já que falo nos meus botões, sempre digo que eles nunca me disseram que têm falta de liberdade para falar, que sofrem de uma ou outra asfixia, que vivem atrofiados de medo, a ponto de deixarem aberto aquilo que deviam fechar. Não, os meus botões fecham quando eu ordeno e abrem quando eu mando. Tudo na melhor atitude democrática.
Mas, o acto de abrir e fechar, é como quem abre ou fecha uma torneira. Ou sai água, ou não sai nada. Não há cá meias tintas pois, quando muito, elas também deitam ar, mas isso é quando estão abertas e alguém fechou a água a jusante. Nesse caso, ouve-se o tal ruído semelhante à gaguez de quem quer falar e não pode.
Ai se me deixassem ser jornalista como eu desejava… Seria completamente diferente do normal, a minha atitude perante quem me encomendasse trabalho. Trabalho que seria tão anormal, que ninguém acreditaria que eu estivesse a falar a sério. Porque sérios, sérios, seriam aqueles em quem eu nunca acreditei.
Contudo, concordo que nenhum jornalista me queira levar a sério.
 

 

Sim, porque cá na minha, ela já estava ali a mais,  há muito tempo, apesar dos seus teimosos arremedos de amor eterno à cidade e aos leirienses. Nestas coisas há sempre uma parte verdadeira e uma falsa. Ficou agora claro que a maioria constituía a parte falsa desse amor, tanto da cidade, como dos seus habitantes.
Ainda há poucos dias era ela que dizia, melhor, proclamava - viva Leiria - deixando a ideia indiscutivelmente associada de que, nesse viva, se incluía ela própria. Ideia promocional excelente, se ela não andasse de olhos vendados à realidade local e aos seus anseios e necessidades.
Ao longo do tempo foi voltando as costas aos pequenos grandes problemas das pessoas, enquanto se envaidecia com slogans de encher o papo e se consolava com o desprezo que votava a quem não lhe agradava ou, e, não lhe interessava. Ao mesmo tempo, sopravam ventos que traziam cheiros orais do lado de um Lis sussurrante, em dias de conversas nauseabundas.
Já por mais três vezes, Leiria tinha estado em título de escritos neste espaço, sempre a propósito de um caso gritante de desprezo pela vida, em termos de risco e de comodidades mínimas de pessoas, que têm necessidade de transitar pela rua do Alambique, na freguesia de Marrazes, a poucas dezenas de metros do centro de Leiria.
Nunca a câmara ou a freguesia mostraram o menor interesse em resolver, ou minorar, os problemas que continuam a afectar as pessoas, desde Fevereiro. Nunca houve uma explicação, uma palavra, às muitas pessoas que a pediram. Sempre o mesmo desprezo, sempre o mesmo espírito de altivez e, por vezes, de mentira arrogante por intermédio de terceiros.
Nesse aspecto, ontem também ganhei. Ela foi-se, e com ela foi a outra, a dos Marrazes que, no caso, deixa tantas saudades como ambas me deixam a mim e, estou certo, a muito mais gente que fez questão de lhes demonstrar isso mesmo, na urna das nossas esperanças.
A verdade pode tardar, pode ser escondida, pode ser aldrabada, mas acabará sempre por vir ao de cima, porque o tempo é como o mar. Deita fora tudo o que não presta, tudo o que conspurca, tudo o que lhe diminui a pureza das suas entranhas.
A política baixa, de pessoas sem estatura, que vão sobrevivendo à custa de se voltarem sempre para o lado do sol, não pode durar sempre, porque o sol só brilha de dia e a lua, seu eterno substituto para a noite, acaba por ir abrindo vulnerabilidades que se vão acumulando até abrir a brecha definitiva e fatal.
Leiria e Marrazes deixaram a noite ensombrada de ontem e voltaram a ver o sol radioso que se mostrou hoje com os alvores do novo dia. Sei que há quem goste mais da noite e esteja decepcionado. É a vida.
A minha satisfação radica apenas, e exclusivamente, no facto de pensar que elas, mas principalmente, ela, que mora ali um pouco mais acima da Rua do Alambique, ao tentar descê-la a pé, pela primeira vez, não deve ter tido as devidas precauções com o lamaçal, ou o regato que serve de vereda, e espalhou-se.
É assim que muitos políticos distraídos se deixam cair onde e quando menos esperam. Se isto acontecesse quando eu era puto, dava uma gargalhada e gritava – ‘bem feita!...’
 
11 Out, 2009

Ainda não é Natal

 

Na semana que decorre entre o dia de Natal e o dia de Ano Novo é pouco provável que haja demissões no governo. Vive-se uma semana excessivamente agitada, devido ao rescaldo das fartas festas da família, a que se junta a preparação das extravagantes festas da passagem do ano. Especialmente, nesta passagem de dois mil e três para dois mil e quatro, em que vai todo o mundo sair da abundância, para entrar na extravagância, tal é a sede de regar tudo e todos com montes de garrafas de champanhe. Mas não faz mal, pois quem não é optimista, não é amigo do José e este final do ano vai ser comemorado em grande, por ele e por todos os seus amigos. Será o primeiro, dos dez anos que ele pretende ficar sem contestação, à frente de toda a Europa, ao leme do barco da vanguarda, como supremo comandante de espada em punho, contra os infiéis que alguma vez duvidaram das suas certezas, os quais não passam de uns mortos de fome. Daí que a festa do José não seja para esses.
Os convidados já estão todos a postos, bem dispostos e preparados para comerem as tradicionais doze passinhas de uva cada um, depois de formularem o desejo comum de repetirem a festa nos nove anos seguintes. Na companhia dele e da Uva...
Lá estão Protas e D. Manela, discutindo as divergências de previsão do custo de um submarino americano e outro alemão, ambos com marcha atrás, e limpa parabrisas. É uma daquelas conversas de mata tempo e mata bicho, nos banquetes importantes. Ele ri que se farta por causa da festa, ela tem a testa às riscas e a boca um pouco aberta, por causa das despesas da festa que não teve coragem de cortar.
Demorais discute com Renault, por causa das transmissões televisivas do Euro 2004. Demorais quer ver tudo na extinta dois. Renault diz que não acredita em fantasmas. Entretanto, chega super Mário e diz-lhes que vão ter de pôr restrições às imagens televisivas, quando os bastões dos espanhóis entrarem a desbastar nas bancadas. Tudo por causa das cadeiras coloridas, que tornarão difícil identificar os alvos.
Bragão aproximou-se de Celestre e deu-lhe um paternal beijo na testa dura. Ela fez-lhe justiça e agradeceu cordialmente de mão beijada. Ali perto, Protas olhou e sorriu. D. Manela também olhou e, interiormente, pensou: ‘mas que trio’.
Justinho e a colega superiora Gracinha, estavam com um pequeno problema financeiro. Ambos afirmavam: ‘não pagamos’, mas não se descortinou qual era a factura da conta em discussão. Como é hábito haver problemas com os impostos, quem sabe... seria isso? Bom... se fosse, podia haver demissões à vista se, por acaso, o José viesse a saber. Talvez não! Ele não costuma ligar a essas coisas sem importância.
Caramona metia uma azeitona na boca, com palito e tudo, como aperitivo para as doze passas que já tinha fechadas na mão esquerda, a que fazia menos falta na ocasião. Deu uma olhadela por todo o tecto, lembrou-se das pontes que caíam por todo o lado e perguntou a si próprio: ‘estarei aqui em segurança?’ Olhou para José durante uns momentos e pensou: ‘se ele não cai, eu também não’.
Figueira do Lopes estava um pouco a destoar na cerimónia. Tinha acabado de chegar do Iraque e, com a pressa de chegar à festa, esqueceu-se de despir o camuflado. Ainda era visível a areia e sentia-se o cheiro a petróleo e a suor, apesar de estar habituado ao calor, desde o Verão passado. Olhando para o lado, viu um bombeiro com a farda de cermónia, com muitas divisas. Lá teve de fazer a continência da praxe.
Peneira e Tabares tentavam descobrir se seria preferível meter saúde na indústria ou indústria na saúde. A discussão não era pacífica mas Peneira levava vantagem, pois parecia tratar da saúde a Tabares e sua indústria. Peneira até é capaz de tapar o sol...
Senhor de Telhas fazia queixa ao empregado de mesa por causa do fumo que toldava o ambiente da sala e o obrigava a ficar com tosse num momento tão distinto. Já em tempos havia tido más experiências quando lhe deu na telha de ter tosse na floresta, quando não devia. Mas aguentou, embora toda a gente tivesse ficado com a impressão de que, se houvesse outro à mão... ele teria levado o pontapé de saída... para outra freguesia.
Como não há festa sem fidalguia, ali estava Marquês Mentes, discursando para meia dúzia de convivas. O assunto tinha a ver com uma mensagem do presidente. Os convivas haviam estranhado as críticas ao governo. Marquês Mentes rebatia, dizendo que o presidente, não só não fez críticas, como teceu rasgados elogios e até tinha repetido o que ele, Mentes, havia dito há dias. Ficaram seis com os olhos trocados.
José, não cabia em si de contente e mostrava exuberantemente a felicidade de voltar a ter a seu lado, os grandes amigos, Desaltino, Dacruz e Linse, todos jubilados inesperadamente, mas medalhados por bom comportamento. Por isso ali estavam, para comer as passinhas e desejar que José tenha dez anos de sucesso, para que eles, os grandes três amigos de José, possam ter dez anos de sossego. Tudo se tapa, mesmo o que não escapa ao olho do mais perspicaz dos linces!
Aproximava-se o momento das doze badaladas e também o momento de trincar as doze passas mastigadas com os desejos mais ardentes que, todos acreditavam, seriam transformados na realidade que aí vinha a toda a velocidade, ao encontro de todos eles. Nem podia ser de outra maneira, pois José nunca se engana.
Firme e decidido como sempre, José pediu atenção a todos os ilustres convidados e as conversas terminaram ali. Sorridente e confiante, anunciou que ia desvendar o caminho a seguir, logo após se esgotar o último minuto do ano.
Todos ficaram extremamente curiosos porque, finalmente, iam saber para onde José os estava a levar. Sim, de qualquer modo, eles sabiam que estavam a ser levados! Só não sabiam ainda, para onde... embora já tivessem falado com os seus botões.
Portas e janelas fecharam-se rapidamente, pois as doze badaladas finais, não tardavam a soar. A partir delas, tudo o que vai passar-se na casa de José, é um segredo que ninguém se atreve a prever. Tem sido tão difícil prever!
Os amigos íntimos de José estão prestes a saber para onde vão. E os outros?...
Precisamente no momento em que nasceu dois mil e quatro, acabou esta conversa que, também ela, não tem futuro mas tem, obrigatoriamente, de ter um fim.
 

 

O folclore vai entrar de férias à meia-noite e, segundo tudo indica, vai permanecer assim durante um ano e picos. Pode dizer-se que são umas férias prolongadas mas também ninguém ignora que há sempre quem não seja capaz de estar quieto e calado, mesmo quando podia e devia estar no merecido ripanço.
Como estou a pensar no folclore eleitoral, é evidente que não vai haver férias, prolongadas ou mini, seja lá para quem for pois, para uns tantos que eu cá sei, isso seria um sacrilégio de lesa pátria. Pois que haviam eles de fazer, se não pudessem bater no bombo da festa, nem pudessem ter uns tempos de antena diariamente, ainda que seja a tocar pífaro e a cantar as modinhas de sempre?
À meia-noite entra-se no sagrado período de reflexão que, segundo a lei em vigor, dura até domingo à tardinha. Não sei se alguém vai reflectir sobre alguma coisa do que manda a lei, mas sei de certeza que eu gostaria de reflectir sobre a possibilidade de, por determinação da lei, se pensasse mais no trabalhito e menos nas parvoíces eleitoralistas que já ganharam o estatuto de permanentes e, na minha opinião, a tender para a inutilidade.
Se eles entrassem de férias, seria assim como passar do folclore para a ópera. Não é desprestigiar o folclore, mesmo o dos bombos e dos pífaros reais ou fictícios, mas dar também a oportunidade aos apreciadores da ópera, dos artistas mais requintados, de não serem obrigados a gramar apenas folclore que, quando chato, excessivo e de má qualidade, incomoda que se farta.
É assim este folclore de rua, com altifalantes em altos berros, berrando sempre as mesmas conversas, velhas de morrer, tal como os velhos propagandistas das feiras que dão tudo e mais alguma coisa, até terem a assistência suficiente para começarem a pedir dinheiro pelo produto.
 Infelizmente, este folclore eleitoral é um produto rasca, é um produto mental de gente sem mente, mas que mente por todos os poros, enrolada na ganância de conseguir aquilo que considera ser o seu insubstituível modo de vida, mais o das lapas que andam agarradas a ela, como sanguessugas na pele dos seus sugados.
Bem podem chamar a isto, cumprir a democracia, cumprir a lei, cumprir o calendário, ou cumprir deveres ou direitos cívicos mas, o que não se cumpre, é o respeito devido a todos os vencidos e a todos os vencedores, cada qual na sua capacidade e na sua qualidade de contribuintes para que o folclore dê lugar à ópera, ou o reboliço seja substituído pela tranquilidade.
Bem sei que o folclore tem as suas raízes no povo simples e modesto, enquanto a ópera é o folclore das elites cultas e endinheiradas. Também sei que o povo não tem dinheiro para operetas, quanto mais para óperas. Sei ainda que o folclore do povo é operário de instrumento e não ópera de chefe ou de patrão de batuta sempre na mão.
Mas, que ninguém se esqueça que música é sempre música, em qualquer lugar ou em qualquer condição. Folclore e ópera para todos os que quiserem, gostarem e puderem fazer a sua escolha. Sem serem empurrados, ou até violentados, a ouvir e a ver o que não querem, não gostam e até chegam a ter ódio a quem lhes quer impingir o que eles sabem que não presta.
Todos sabemos que o bom folclore e a boa ópera nunca geraram ódios.
 

 

Quem alguma vez pensou que havia apenas disparates de Verão, enganou-se redondamente. Nem o calor escaldante desses dias a bater nas cabecinhas descobertas justifica tal suposição. A verdade é que no Outono também a chuva, a escorrer pela testa abaixo, não chega para esfriar os excessos de imaginação.
Eu, com toda a naturalidade, concluo que os disparates também podem aparecer na Primavera e no Inverno. No entanto, aqui e agora, apetece-me mesmo falar, quero dizer, escrever, sobre um disparate de Outono, que corre o risco de ser considerada uma descoberta inovadora no nosso submundo da política.
Ora então vamos lá a isso. Acabamos de votar e já estamos a atravessar uma contrariedade dos diabos, que é, a formação do novo governo. Tudo indica que serão os partidos menos votados, mas ganhadores, que vão indicar os nomes dos ministros.
Destes, há os que ficam porque, tendo-se portado mal no anterior governo, são mais ou menos simpáticos, e há os que nem vê-los, porque são casmurros ou casmurras, logo, só devem olhar para trás quando já estiverem dentro das suas próprias casinhas, com a porta fechada à chave.
Os restantes ministros, quanto menos melhor, devem ser escolhidos numa assembleia-geral de partidos, presidida pelo partido mais votado, ou seja, o partido perdedor, que apenas poderá sancionar os nomes que lhe forem propostos, sem direito a veto de qualquer dos escolhidos pela assembleia.
Caberá depois ao presidente, dizer o que cada um deles deve fazer, dado que conhece muito bem todos os dossiers e os portugueses conhecem-no muito bem a ele.
Para garantir a estabilidade da governação, o presidente irá chamar o primeiro-ministro para o instruir sobre o resultado da revisão dos programas de todos os partidos, todos eles adaptados às circunstâncias especiais de ninguém ter conseguido uma maioria absoluta.
Assim, o programa de governo será o resultado do que restar dos cortes nos programas dos partidos, obedecendo a uma regra baseada nas percentagens de votos obtidos, ou seja, quem obteve trinta e seis por cento de votos, terá direito a incluir trinta e seis por cento do seu programa, no programa do governo. Quem obteve vinte e nove por cento de votos, incluirá essa percentagem do seu programa.
E assim sucessivamente, em relação aos restantes partidos. Feitas as contas do contributo de cada um deles, estabelece-se como mínimo, uma medida descrita em cinco palavras, para não retirar clareza ao programa final.
Que ninguém pense que vai ser difícil encontrar articulação nas medidas escolhidas, garantia que está salvaguardada no bom senso, no poder auditivo, na superior mediação presidencial, que ninguém ousará contestar, mesmo aqueles que estão cientes de que os votos obtidos, são para garantir o que prometeram ao seu eleitorado.
Mas, se mesmo assim ainda houver quem se esqueça destas regras, alguém levantará a voz imponente e dura, dizendo com toda a clareza – Sou eu que estou mandando! ...
07 Out, 2009

Telhudos

 

Sinceramente pensava que esta palavra já não tinha cabimento neste século de progresso e ideias globalizantes. Porque um telhudo no meio de gente conversadora e aberta, como é a desta geração, só pode manter-se de boca fechada para não descarrilar, e mostrar toda a sua tendência para a telha mental.
Realmente, é mais fácil encontrar ainda um ou outro telhudo, que encontrar esta palavra na variada escrita, ou sonante oralidade, que se nos depara diariamente. Isto parece-me querer dizer que quem escreve ou fala, pensa que já não existem espécimes destes. A verdade é que há e, imagine-se, também vai aparecendo uma ou outra telhuda.
Agora, imagine-se ainda que, por circunstâncias que nem o destino prevê, se junta um telhudo e uma telhuda a falar a mesma linguagem, a mostrar a mesma telha, a empurrar-nos para o canto da casa que já está destelhado, por obra dos vendavais passados, e onde chove como na rua.
Digo redondamente que não quero viver numa casa sem telhado e, ainda por cima, sujeito a encontrar nela, alguém que tenha telha na cabeça e, por isso, pensa que dispensa as telhas cerâmicas lá de cima.  
O grande problema do telhudo não é propriamente o seu estado de espírito, normalmente a tender para o sorumbático, logo, mais ou menos inofensivo. O pior é quando lhe dá para soltar a língua, vendo um inimigo em cada fantasma que a sua ‘telhice’ inventa.
E então lá vem a sua paternal ambição de ensinar aquilo que, notoriamente, não sabe. Ao pedir transparência na vida política, o telhudo esquece que deve começar por dar o exemplo, tanto no que diz, como no que deve exigir para que os seus co-habitantes não borrem a pintura interior e exterior, bem como não escavaquem os telhados de vidro da sua habitação.
Qualquer telhudo ou qualquer telhuda que se preze, na minha modesta opinião, não devia estar sempre a recomendar aos outros que tenha aquilo que ele ou ela não consegue ter, ou mandar ter, nos seus domínios. Essa regra é muito importante, para que não contagiem os desprevenidos com as suas moléstias.
Como eu gosto de ouvir falar de ética na política. É como se ouvisse falar de música fúnebre no Carnaval de Torres, ou de sardinha assada nos fornos da Bairrada. É como se ouvisse falar de desportivismo a uma claque de um clube que eu cá sei. Mas, tudo isto é segredo, porque ainda ninguém mais sabe.  
Mas, a D. Ética, coitada, não tem outro remédio senão ser assediada a todo o momento, ao mais alto nível, quando se trata de telhudos ou telhudas que olham para a populaça e só vêem uma espécie de fantasmas de si próprios, sorumbáticos e mal encarados, como se a vida tivesse que ser como eles a vivem.
Francamente, a minha esperança é que eu próprio não fique telhudo. Penso que não, porque ainda sou capaz de soltar uma boa gargalhada, depois de uma boa conversa.
05 Out, 2009

Take one

 

Já lá vai uma semanada de acontecimentos extraordinários a que respondi com um único silêncio, o silêncio da parvoíce, sobre a genial verdade dos grandes pensamentos que fazem história e garantem a continuidade da nossa desafogada, divertida, consensual e solidária vida individual e colectiva. Acho que isto está muito bem dito.
Nem precisava de dizer que não são adjectivos em excesso, pois muitos mais poderíamos empregar, se eles não fizessem falta para classificar os acontecimentos da memorável semana posterior às eleições legislativas, durante a qual, até me esqueci de os aplicar. Pelo menos, alguns dos mais elucidativos.
Esse esquecimento, porém, não foi apenas culpa minha. Comecei cá a magicar que o meu computador continha algumas vulgaridades, vulgo, computador ‘vulguerável’. Vai daí, desconfiei, confesso que sou muito desconfiado, que alguém andava a pretender saber o que estava na sua memória.
Refiro-me à memória do computador, porque na minha, inserida numa cabeça de alho chocho, desconfio que nem eu sei o que lá tenho, embora saiba o que gostava de lá ter. Mas, quanto a isso, agora já não digo nada, para não ser obrigado a ouvir o que se ouviu por aí na semana passada.
Andei à procura nas duas memórias e verifiquei que, afinal, não havia lá nada de interesse, embora já suspeitasse disso há muito tempo. Mas, lá consegui recordar-me da semana excepcionalmente vitoriosa para toda a gente. Assim, até dá gosto viver neste país em que ninguém perde. Que pena não ser assim no euro milhões.
Mas é que nem a memória do computador se perdeu, como chegou a pensar-se, melhor, a desconfiar-se, antes se ganhou a certeza de que, em última instância, não há nada melhor para as pessoas e para os computadores, que ter a memória vazia. Assim, ficamos com a certeza de que podem entrar e sair à vontade, que dali não levam nada.
Nunca imaginei que, depois de tanto tempo de acidentes, de incidentes, de ver arreganhar dentes, de recados veementes, de verdades ardentes, de mentiras envolventes, de roubalheiras decentes, de conversas indecentes e muitas outras situações poluentes, nunca imaginei, repito, que fosse possível um final feliz assim.  
Como é óbvio, isso só foi possível, porque a divina providência se encarregou de proporcionar vitória total, à totalidade dos competidores. Se é que houve competidores já que, computadores, houve, sim senhor. Estou desconfiado que tudo isto foi antecipadamente combinado e executado milimetricamente, com se saísse da memória de um computador multi-violado, em jeito de jogo de escondidas em noite de farra.
Inesquecível semana esta, em que houve sovas e sovados mas, sovas essas que mostraram como se apanha de cara alegre, como se dá com um sorriso extraordinário, e como se esquece de repente o que se dá e o que se apanha, como se nada tivesse acontecido.
É caso para dizer – ora toma lá que é democrático. 

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