06 Dez, 2009
Vou para a neve
Apesar da chuva e do vento que teimam em estragar os nossos queridos fins de semana, a temperatura anda de escaldar cabeças, mesmo com os pés gelados e as mãos metidas dentro de luvas felpudas. Esta incongruência talvez se deva aos gorros mais ou menos enfiados, isto se não se tratar de alguém que costuma esquentar com os empolgantes acontecimentos do animado, esfusiante e nervoso dia a dia.
Não sou um daqueles sortudos que podem fugir de todas as dificuldades que vão surgindo logo, preciso de um pouco de imaginação para me safar deste clima, que até pode rebentar com os vasos sanguíneos, mesmo com o comprimido da ordem para baixar a tensão. Daí que tenha resolvido ir para a neve, na esperança de que o frio faça aquilo que não faz o comprimido.
Nesta época festiva que se aproxima, há muita gente que faz o mesmo que eu. A serra da Estrela fica a abarrotar de turistas que enchem os hotéis, as pensões, as residenciais e até os restaurantes e os cafés das redondezas, onde o bafo quente de todos esses turistas, mais o fumo das suas cigarrilhas, aquece os ambientes que até nem precisam de ar condicionado.
Porém, eu não faço parte desse incontrolado fluxo migratório que não tem que se preocupar com o saldo do cartão. A minha neve é outra porque, tal como o corpo, também a carteira, os bolsos e o cartão, arrefeceram de tal maneira que ninguém se atreve a pegar-lhes, deixando-me na triste situação de nem sequer tentar impingi-los.
Também é por isso que a minha cabeça aquece, para lá das baforadas que me chegam de todos os lados, fazendo com que não consiga escapar aos remoinhos que se formam a cada instante, por causa das diversas origens dessas baforadas, que não são mais que palavras empurradas da boca para fora, com todas as características de línguas de gato assanhado.
Mas, não é por isso que eu vou para a neve pois, por enquanto, ainda não tive necessidade de fugir de nada nem de ninguém e isso só acontecerá se o mundo mudar muito no sentido contrário àquilo que eu penso ser a evolução natural das coisas. Pelo menos, essa esperança não me abandona.
A minha neve não está na balbúrdia de uma serra qualquer, onde cada um mata o frio à medida das suas possibilidades. A minha neve está no sossego de um recanto ou de um caminho onde não se oiça a vozearia que fere os ouvidos, ou o ruído dos transeuntes que vivem do alarido.
É no silêncio da neve que vou esperar pacientemente que as balbúrdias passem, que as vozearias se acalmem e que os transeuntes caminhem conversando calmamente, ao ritmo da marcha sincronizada que os levará a um futuro tranquilo.
Tenho pelo meu lado, a marcha do tempo, tempo que nunca volta para trás, por mais que ao longo do tempo, sempre tenha havido quem tente contrariar o rumo mais lento, ou mais apressado, mas sempre no sentido que me parece imutável.
Já houve tempos de gelo, tempos de degelo e haverá, certamente, depois dos nevões próprios da época, uma primavera mais apetecível que este inverno.