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afonsonunes

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05 Jan, 2010

O meu atentado

 

Antes de me decidir pelo atentado, vou tentar convencer-me a mim próprio de que é imperiosa essa tentativa de retirar algum benefício da violência que estou disposto a levar a efeito. Mas, aviso desde já que ninguém corre risco de vida, ou sequer de se magoar fisicamente, devido ao meu desvario.
Ora vamos lá analisar a problemática, antes de sair asneira da grossa, embora correndo o risco de entrar mosca, provavelmente ainda mais grossa. O problema é os atentados que o meu intelecto sofre todos os dias, sem possibilidade de se defender, nem que seja com um simples assobio de protesto, com dois dedos todos enfiados na boca.
Estou farto de pensar num exemplo e, de repente, até parece que não há nada a apontar, tal o estado de destruição que o meu miolo apresenta, depois dos atentados consecutivos que lhe caem em cima todos os dias. Tenho de puxar pela nuca durante uns segundos para lá chegar.
Ah, pois, é este atentado que representa a violência extrema dos partidos terem de se sujeitar ao vexame de se sentarem à mesma mesa para discutir a pior maneira de não chegarem a acordo sobre o orçamento. Sim, porque a melhor maneira de não chegarem a acordo, discutem-na todos os dias no meio da rua.
Toda a gente sabe que é um atentado inqualificável a simples pronúncia da palavra acordo que, nem é preciso recorrer ao luso-brasileiro, para verificar que é um termo proscrito da linguagem partidária da lusa terra de concórdias.
Agora me lembro de outro exemplo bem significativo de atentado terrífico. Foi hoje entregue na Assembleia da República uma petição pela verdade desportiva. Ora, cá no meu entender, é assim que nunca mais nos livramos dos mais insidiosos atentados ao pagode em geral.
Se quisessem ser levados a sério, teriam de entregar uma petição a favor da mentira desportiva, simplesmente, porque só vale a pena apresentar moções a favor do que existe. Senão, teriam de dizer que a moção era contra a verdade desportiva, que é aquilo que há quem pense que existe agora.
Como não há duas sem três, ocorreu-me um terceiro atentado, este bem qualificado como sendo um atentado ao estado torto em que se encontram certas coisas, que deviam pertencer a um estado direito. Se calhar é por isso que se faz confusão entre o atentado ao estado torto e o atentado ao estado direito, em que alguns cidadãos gostam de se envolver.
São os cidadãos que já estão tortos por natureza, mesmo antes de um qualquer atentado os entortar. Por vezes chego a pensar porque razão não há-de haver atentados que endireitem aqueles que já nasceram tortos, porque tenho o mau hábito de ver sempre as coisas pelo lado dos contos de fadas, em que tudo e todos têm um final feliz.
Depois de toda esta inútil reflexão sobre atentados, resta-me revelar o meu atentado, aquele atentado que eu levei largos minutos a descobrir por entre as brumas da minha memória retalhada por estilhaços de permanentes atentados à sua inglória teimosia.
O meu simples e modesto atentado visa a destruição dos caprichos impeditivos de que todos sejam tentados a entender-se falando, sem hipocrisias nem dramas hipócritas, antes que sejam forçados a entender-se à estalada. O que seria outro atentado muito mais grave, muito mais grave ainda que querer obrigar a conciliar o irreconciliável. 
O futuro do país nunca passará pelos tentados ao delírio.                                                        
 

 

Ninguém tem nada que estranhar, porque ele é assim mesmo, perfeitamente coerente consigo próprio, quer se goste quer não se goste de como ele é. Isto, talvez seja um princípio aceitável para um único português, cujas virtudes e defeitos estão absolutamente justificados e aceites, só porque são os dele.
Qualquer outro português não tem direito a ser coerente, nem incoerente, desde que saia dos limites do seu bom ou mau feitio. Ser um teimoso coerente com a sua maneira de ser, não significa que tenhamos de aceitar de bom grado essa teimosia, seja lá a quem for.
Num plano diferente poderíamos colocar o problema de um criminoso, que também é coerente consigo próprio, ao cometer um crime. Pode haver coerência, sim, mas o que não há é justificação para essa atitude, só porque se é coerente.
Por cá, em política, do meu ponto de vista, com uma única excepção, todas as asneiras, mesmo as coerentes, são tratadas, geralmente, como asneiras, mais ou menos severamente, servindo essa coerência para caracterizar e denunciar procedimentos errados, ainda que teimosamente continuados.
Já o português que constitui a figura excepcional, por ser excepção, goza do privilégio de não ter críticos duros, porque tudo o que diz e faz se insere num padrão de coerência com a sua personalidade, logo, tem de se entender como estando tudo correcto, ainda que, medido esse padrão pelo de qualquer outro político, se note claramente que o não está.
Daí que figuras políticas, normalmente, bastante contestatárias, com base nos seus princípios programáticos, sejam de uma benevolência extrema quando falam dele, quando não o elogiam, o que acontece até em assuntos que contradizem a sua doutrina normal. Por vezes chego a pensar onde está a tão propalada independência e isenção, que tão apregoada é noutras circunstâncias.
Entre estes, está um que, ao que parece, foi alvo de uma queixa por palavras dirigidas a uma pessoa do meio empresarial que, não gostando do que ouviu, recorreu à via judicial. Parece-me um acto natural, que todos os democratas devem aceitar, quer elas sejam as partes supostamente ofendidas ou ofensoras.
Parece-me até que é para isso que existem os tribunais que, com credibilidade ou sem ela, decidirão quem é que diz ou faz aquilo que não devia dizer ou fazer. No caso, para decidir se o político falou verdade, em relação ao que disse do empresário não sei de quê.
O político recebeu a notícia do processo, esbracejando que se tratava de uma ameaça inaceitável à sua liberdade de expressão. É caso para dizer, onde é que cabe a liberdade de acção do empresário.
Não sei, nem quero saber, se havia ou não havia motivo para processar as tais palavras libertadoras da expressão inegável do político mas, já agora, gostava de saber onde está a inaceitabilidade da ameaça, ou até mesmo a ameaça já que, pôr um processo a alguém, não é uma ameaça. É um facto. 
É apenas um processo, justo, injusto, logo se verá. Quem de direito o dirá.
Não acredito que o político esteja com medo do processo, apesar de ter todas as condições de defesa, muito acima de qualquer vulgar cidadão. Se não tem medo, podia simplesmente deixar correr o marfim, sem o nervosismo de que parece ter ficado possuído.
Também este é um caso de coerência, ainda que sem qualquer virtude. Mas também é um caso de incoerência por parte de quem, já com estatuto de privilégio, ainda quer a bênção da intocabilidade.   
 
02 Jan, 2010

Mensagem comprida

 

Se antes da mensagem estava ansioso por ver o que ia sair dali, depois de a enviar fiquei baralhado com as conclusões que pretendi tirar. É que, para tirar conclusões tudo tem de estar muito límpido e transparente perante os meus olhos. É provável que o defeito esteja exactamente nos meus olhos, por vezes, como outros, obtusos e cheios de poeiras.
Já perguntei a mim próprio, afinal, o que é que eu esperava? Sinceramente não esperava nada, mas há sempre aquela luzinha que não se vê, mas que, mesmo escondida, me cria a ilusão de que algo de novo possa acontecer neste nosso mundo que já me desiludiu tantas vezes. Eu sei que a vida é feita de desilusões, mas tantas, meu Deus, já chega de castigo para quem não fez mal a ninguém.
Quando tenho a tentação de dizer que sempre falei verdade aos portugueses e que assim vai continuar a acontecer, pergunto a mim próprio se serei realmente o verdadeiro e único dono da verdade. Será que toda a gente que não pensa como eu, ou que tenha uma visão diferente da minha, é mentiroso? Nem quero comentar as minhas próprias palavras.
Quando tenho a tentação de dizer que a justiça deve ser aplicada sem olhar a quem, com o argumento de que a maior parte dos juízes são pessoas sérias e competentes, penso que me esqueci de referir a menor parte que, por exclusão da outra, a maior, devem ser pouco sérios e pouco competentes. Mas, coitados, esses não me fazem mal nenhum, logo, deixemo-los na sua.   
Ora, certamente que me esqueci de que quem descredibiliza a justiça, não é a tal maior parte mas sim, a menor parte que me passou ao lado. Mas eu sou assim, distraído, mas nunca mal intencionado. Até me lembrei daquele problemazito das escutas a Belém que, talvez porque foi arquivado sem despacho competente, ainda anda às voltas na minha memória. Peço desculpa, mas eu só penso na verdade, verdadinha.
É evidente que a mim não me compete intervir, mesmo que os meus amigos me pressionem escandalosamente, mas não resisto à tentação de meter a colher no caldo do meu vizinho, que até é meu inquilino. Por isso, lá se vai calando porque, embora pague a renda como manda a sapatilha, tem medo que eu lhe ponha uma atómica à porta e, adeus vizinho.
Mas eu vou avisando que não tenham medo. Sim, só pode ser medo de mim próprio, pois ninguém mais tem atómicas senão eu. Apesar disso, o meu vizinho, garanto eu, tem todas as condições de legitimidade para continuar a pagar-me a renda. Desde que não faça na minha casa, aquilo que eu gostava de fazer na dele. Mas não posso, logo, ele também não pode.
Contudo, posso dizer-lhe o que lhe compete fazer, mesmo que seja do seu domínio exclusivo, como por exemplo, pagar a renda sem abrir bico. Mas ele não pode dizer-me aquilo que me compete, pois isso seria uma intromissão intolerável, sujeita à pena máxima da abençoada atómica que só eu tenho.
Entendo que o meu vizinho está a perder credibilidade perante mim, devido ao facto de já não ter confiança nele, embora tenha de dizer que tenho. Não me custa nada, esse pequeno sacrifício. Sem medo, com a renda no bolso a tempo e horas e o bico dele calado, são condições que qualquer senhorio não podia desprezar nos tempos que correm.
Esta é a melhor ética que eu conheço, aliás, também seguida pelos meus companheiros, nos negócios que tinham, ou que ainda têm, alguns dos quais tiveram a pouca sorte de encontrar juízes da tal menor parte. Mesmo assim, há quem diga que estão com sorte, porque ninguém fala neles. Nada mau.  
Já houve quem dissesse que eu era porta-voz dos meus companheiros. Nada mais falso. Quando muito, eles é que são meus porta-vozes, quando faz falta um apoio mais amigo, ou um conforto mais aconchegado, sem dar nas vistas, porque sempre fui muito discreto e amigo dos meus amigos.
Gosto muito de falar na família. Porque é bonito, é simpático e quase todos nós temos família. É por isso que eu ordeno aos portugueses que não pensem demasiado no futuro dos filhos, sobretudo se correrem o risco de deixarem morrer à fome os irmãos do presente.
Agora reparo que a mensagem que devia ser apenas cumprida, já está comprida de mais.
 
01 Jan, 2010

Farto de esperar

 

Eu sei que este meu estado de ansiedade não tem a mínima justificação, tanto mais que estamos com escassas horas decorridas neste novo ano de dois mil e dez que, estou certo, nada pode prometer assim de surpreendente, e muito menos de excitante, que dê sentido ao meu estado de espírito.
Mas, o certo é que estou em brasas neste dia um, porque sei que o ano todo vai depender do que for dito daqui a pouco, julgo que no início dos telejornais que, ainda por cima, não costumo ver. Mas que vou ouvir o que me está a provocar este formigueiro todo, de não aguentar a lentidão com que os minutos passam, é incontornável que vou ouvir, sim senhor.
Só podia ser isso. É o nosso Presidente que vai falar e eu já não suporto este martírio de ter de esperar pela hora decisiva. Já não sei se me levante, se me sente, já que nem sequer sei se estou de pé, ou encostado a qualquer coisa que não vejo nem enxergo. Enfim, estou um caso sério de desnorte e não sei como sair dele.
E isto é antes de o ouvir falar. Sim, porque nem sequer imagino o que ele vai dizer mas, a avaliar pelo que tem acontecido nos anos anteriores, vai ser mesmo um caso sério de lucidez e de colocação clara e firme dos pontos nos ii, de tal forma que a partir para aí das oito e meia, senão antes, os portugueses mudam radicalmente os seus costumes e os seus actos, de modo a ficarem adequados às suas palavras sensatas e inequívocas.
Sim, porque eu sei que ele diz e a gente faz, aliás, toda a gente. Daí este meu estado de parvoíce, que nada justifica, porque tudo isto que se diz numa mensagem de Ano Novo, não tem nada de especial, a não ser o facto de ser só de ano a ano. Claro que a minha parvoíce tem períodos muito mais curtos.
O problema é que um ano é muito tempo para duração de uma mensagem e daí que aquelas pessoas que têm a memória mais curta esquecem e, volta não volta, lá volta o país àquela rotina que tem muito a ver com os meus períodos de parvoíce. Não tenho a pretensão de pôr o país ao meu nível mais baixo, pois isso seria mentir descaradamente, coisa que já não se usa há muito tempo.
Com toda esta conversa estou a conseguir aliviar um pouco aquela sensação de que o tempo nunca mais passa. É que, enquanto penso nas parvoíces não olho para o relógio e ele, que não é de meias tintas, nem pensa nos discursos, nem nas mensagens de ninguém, tão pouco no meu estado de espírito e, teimoso como um asno, não pára um segundo sequer.
Por falar em relógio, aí está uma coisa que eu gostava de ser. Calmo, certinho, sem pressas nem atrasos, sem stress, mesmo nos momentos que antecedem as judiciosas palavras que vão marcar as nossas vidas nos tempos mais próximos. Até aquelas coisas mais chatas se nos varrerem completamente da memória.
Mas, isso pouco importa senão, para o ano que vem, já não era preciso outra mensagem.
 

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