27 Fev, 2010
Secretos de Sócrates
Se eu conseguisse vencer a minha relutância em entrar nesta campanha nacional de demonstrar que há coisas que um primeiro-ministro português não pode, não deve, nem pode pensar que alguém lhe deu legitimidade para fazer, ou mandar fazer, então abriria o meu livro de descobertas e lá vai disto que se faz tarde.
Como sou uma pessoa de muitos e múltiplos princípios vou levar a minha relutância até às últimas consequências, não entreabrindo sequer o bico, com excepção daqueles factos que constituem realmente uma grave ameaça à integridade da língua nacional, à união e amizade entre todos os portugueses e à dignidade de todas as bandeiras.
Começo exactamente por estas últimas e pela dignidade que lhes é devida, mormente pelo chefe de governo. Há provas irrefutáveis de que o primeiro-ministro, ao passar em frente de sedes partidárias nacionais, passa com uma arrogante altivez, sem se dignar saudar as respectivas bandeiras hasteadas nas suas frontarias. Mas é que nem sequer a do Largo do Rato.
Ora toda a gente sabe que isso é intolerável e inaceitável, situação já denunciada, conforme me constou, por todos os líderes desses partidos, admitindo a possibilidade muito real de apresentarem uma moção de censura ao governo, para obrigarem o primeiro-ministro a ir arranjar maneiras para outro lugar onde possa ser mais bem-educado.
Também é corrente, e mais que provado, que o primeiro-ministro se permite entrar na casa de banho, ou no quarto de banho, ou salão de banho da sua residência, conforme se quiser, em pantufas e roupão, como qualquer vulgar cidadão. Não é difícil imaginar o perigo que isto representa para o país. Motivo mais que suficiente para uma moção de censura.
Toda a gente sabe que o primeiro-ministro está de serviço vinte e quatro horas por dia, em completo e permanente estado de prontidão, para qualquer emergência que possa surgir. Por exemplo, responder a um daqueles comunicados dos líderes dos partidos, que exigem sempre respostas imediatas. E com toda a razão pois o primeiro-ministro não está lá para outra coisa.
Não se pode falar de permanente união e amizade de todas as forças, se o principal responsável se isola num compartimento fechado, sabe-se lá por quanto tempo, ainda por cima quase descalço e mal vestido. Se, por um acidente impensável, um dos outros líderes não tiver sido avisado dessa indisponibilidade, é evidente que não vai receber as respostas imediatas exigidas. Depois, que ninguém se admire que surja a tal moção de censura.
A situação é ainda muito mais grave, se o primeiro-ministro levar o romance para a casa de banho e se esquecer de avisar os outros líderes que vai demorar um bocadinho. É claro que têm toda a razão em acusá-lo de lhes faltar ao respeito institucional a que têm todo o direito, além da violação do dever de prontidão já referido. E isto pode representar o aparecimento de uma moção de censura, obviamente.
O primeiro-ministro insiste a todo o momento em lembrar o que nos faltava. Frequentemente diz, era o que faltava ou, agora era só o que faltava. Todos nós sabemos que faltava muita coisa, muitas mais coisas do que ele imagina, mas o que gostaríamos de saber era se as coisas em que ele pensa, são as mesmas em que nós pensamos. E é isso que ele não diz, como tinha obrigação de dizer, arriscando-se à tão prometida moção de censura.
Este é um erro de língua, gravíssimo, pois um primeiro-ministro não pode esconder uma palavra sequer, mesmo daquelas coisas que diz sozinho na casa de banho. Mesmo daquelas coisas que pensa, em sonhos negros ou cor-de-rosa, com os olhos abertos ou fechados, na cama ou no sofá, quando está sozinho ou bem acompanhado, pois esconder isso, é uma traição ao povo e a todos os seus representantes.
Como se vê não traí a relutância em revelar factos secretos de Sócrates, senão aqueles que considero uma traição à pátria. Sim, porque estes, tinha a obrigação de os revelar.