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afonsonunes

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31 Mai, 2010

De mouro a afilhado

Não é fácil ser mouro nesta terra onde se vê tanta gente com bons padrinhos que proporcionaram grandes baptizados, que mudaram a vida de tantos afilhados. Penso que toda a gente sabe que mouro é toda a pessoa que não recebeu o sacramento do baptismo. Para o receber, naturalmente que são precisos padrinhos.

Daí que se diga que quem não tem padrinhos morre mouro. Deixando para lá a parte infiel ou religiosa da questão, do que se trata aqui é de cunhas, pedidos, passar por cima de direitos de outros através da pequena ou grande corrupção, tão discutida ou tão badalada nos dias de hoje, como se isso fosse uma novidade hodierna.

Foi o Zé que me fez lembrar esta história de mouros e padrinhos, porque o Zé, desde que o conheci, sempre notei nele, aquela falta de jeito para as coisas mais simples, a começar pelo discernimento lógico de qualquer pessoa em desenvolvimento vital, sem aquela lentidão que denuncia algumas dificuldades.

Com mais ou menos marradas nos livros, o Zé lá foi passando os anos. O pior veio com o fim dos estudos e a luta para conseguir o tão difícil emprego, difícil porque o Zé, que já estava baptizado desde quase após o nascimento, considerava que não tinha o padrinho certo para o meter no mundo do trabalho.

Depois de muitas tentativas frustradas, resolveu arriscar uma carta para um director de pessoal de uma grande empresa. Com o choradinho expresso nas linhas da carta, esta finalizava com a certeza de que quem não tem padrinhos morre mouro que era, nem mais nem menos, um apelo dramático a que o aceitasse como seu afilhado.

Em boa hora o fez, pois esse foi o seu primeiro padrinho, não sei se a custo zero, mas que lhe abriu a primeira porta, fazendo dele, não propriamente um mouro de trabalho, mas um afilhado fiel pronto para todo o serviço.

Descoberta a chave do êxito, as experiências foram-se repetindo. Hoje, o Zé tem vários padrinhos em diversas actividades do tipo de topa tudo, mas sempre desempenhando o papel de afilhado incondicional ao dispor, venerando e obrigado, por tudo o que lhe têm dado. Sempre em troca da servidão que ele dá.

Ele elogia os seus padrinhos com um fervor que impressiona, tal como se atira a quem não recebe as simpatias deles, com um furor que fulmina através da palavra espumada de raiva, como através do olhar envenenado que o põe fora de si. É assim que os padrinhos gostam dele. Porque era assim que eles gostavam de poder ser, mas melhor é terem quem faça isso por eles. E o Zé faz com todo o empenho e com todo o gosto.

Falando claro, o Zé é um bajulador nato, que se sente nos píncaros da sociedade só porque gravita à volta de gente importante, daquela gente que precisa que alguém diga bem de si, para mostrar aos seus iguais que tem popularidade.

Este Zé e os seus padrinhos não se movimentam nas altas esferas da política, mas fazem parte dos papagaios que falam de tudo, que sabem tudo, que pretendem ensinar tudo a quem até pode saber mais que eles.

São uma espécie de apóstolos da política, capazes até de pretender superar o seu Cristo, dando-lhe receitas para a pregação e sugestões para a evangelização dos infiéis. Mas a sua doutrina vai toda no sentido de ganhar o seu próprio céu.

Se conseguirem ser felizes na terra, já se podem dar por muito satisfeitos.   

 

29 Mai, 2010

Mamã, mamã...

O meu feeling revela-me que este chamamento se ouve com alguma frequência nos gabinetes do Parlamento, tendo em atenção que muitos dos deputados não conseguem esquecer a mãezinha nas longas horas que ali passam enclausurados, privados das mais elementares afectividades, como são as relações familiares.

Como aquela instituição ainda não beneficia de um lar dentro do edifício, torna-se uma espécie de violência a privação dessa companheira inseparável que é a mamã. E não me venham com essa de que ela só faz falta para dar ao rebento, o copinho de leite e as torradas, duas vezes ao dia.

No Parlamento há muito que fazer, desde dar apoio moral, até ver quem se porta bem e quem se porta mal, tudo dentro da legalidade democrática, ou não se reconhecesse unanimemente, que a sede da democracia é ali mesmo. Tal como pode bem ser a sede do amor maternal, principalmente, dos deputados que sempre foram os meninos da mamã.

Ora assim sendo, ninguém pode estranhar, como parece estar a acontecer agora, que também se dê seguimento ao tão conhecido ditado de que, amor com amor se paga. Se os deputados foram, eventualmente, meninos da mamã, por uma questão de gratidão, só sentem que retribuem o amor recebido, se tiverem ali, a seu lado, a mamã dos meninos.

O problema maior é a falta do lar, o qual daria cobertura jurídica ao assunto. Na falta dele, tem de se ter imaginação, muita imaginação, para não se dizer que andam estranhos nos gabinetes dos deputados. Com essa tal boa imaginação, o menino pode continuar a ser da mamã, a mamã pode continuar a ter ali ao lado o seu menino, e o ‘ordenadito’ também não é problema. Há sempre lugar para mais uma.

Juro que não considero estes meninos da mamã como uns corruptos ou uns desrespeitadores das leis laborais, só porque puseram o amor maternal acima de um concurso para preenchimento de uma vaga, ou arranjam mais uma verba acima do ordenado mínimo, para meter depois no IRS. Não, considero que isto são situações normalíssimas.

Situações anormais são todas aquelas que acontecem quando um boy camarada, ou um boy companheiro, arranja emprego através de uma cunha que venha lá dos seus partidos no poder. Aliás, compreende-se perfeitamente, pois é evidente que o normal é já terem lá a família toda, há muito tempo.  

Portanto, não sou eu que vou estranhar a exaltação do amor de mãe e, muito menos, o amor de filho. A mãe do filho deve sentir-se orgulhosa, mais, embevecida, por ter um filho que vê tudo o que está lá fora, todas as malandrices reais, todas as malandrices aparentes e todas as malandrices fictícias, mas não vê nenhuma das que se passam dentro do seu espaço afectivo.

Esta é uma virtude de muitos filhos de mães que toda a gente conhece no dia-a-dia, precisamente, porque o povo os conhece como filhos da mãe.

 

 

Li aí em qualquer lado que Portugal não é um país de corruptos. A ser verdade o que li, a afirmação é de uma ilustre personalidade da justiça. E digo a ser verdade, porque todos os dias leio as coisas mais estapafúrdicas que depois vêm a ser desmentidas, verdade se diga também, que os desmentidos, por vezes, se assemelham às notícias.

É capaz de ser verdadeira aquela afirmação, mas se perguntarmos ao Zé pagode se concorda com ela, é certo e sabido que a resposta é, sim senhor, pois no país quase não se fala noutra coisa. Porque os corruptos querem fazer crer, ou já fizeram crer, que a crise se deve inteiramente aos corruptos que, no seu entender, são sempre os outros.

Contudo, se formos perguntar ao mesmo Zé pagode se admite já ter participado em actos de corrupção, a resposta será sempre, não senhor. Conclui-se, portanto, que Portugal não é um país de corruptos.

Perante esta incongruência do é e não é, ao mesmo tempo, talvez o problema ficasse resolvido dizendo simplesmente que Portugal não é um país. Quando muito, Portugal são dois países: o país dos corruptos e o país dos não corruptos. Agora, cada um que meta a mão na consciência e, com os olhos pregados num espelho cristalino, se interrogue de que lado está ele e o outro que tem na frente. A resposta tem de ser tão cristalina como o espelho.

Também se diz a toda a hora que Portugal não é um país de mentirosos. O que ficou dito para os corruptos pode ser adaptado aos mentirosos. Mas temos de acrescentar que uns e outros, frente ao espelho, não resistem à tentação de mentir a si próprios, fazendo com que o país core de vergonha por alguns dos cidadãos que tem.

Isso não constitui novidade nenhuma, pois a toda a hora ouvimos e lemos lamentos de transtornados, afirmando que têm vergonha de ser portugueses. Até já se lêem por aí exortações à saída para a rua de armas na mão e toca a matar estes e aqueles, políticos pois então, como se estivesse prestes a abrir a caça às bruxas, principalmente, a certos bruxos.

Não é que não haja esses e outros desejos, mas que eles circulem impunemente, já me parece que não é próprio de um país, porque isto, digo eu, ainda não é um país de bandidos, nem de banditismo, mas que, como dizem nuestros hermanos em relação às bruxas, que os há, há. Isto se acreditarmos, como já disse, no que lemos e ouvimos diariamente.

Parece que Portugal sempre teve esta tendência para não ser um país de todos os portugueses, porque sempre teve e ainda tem, os seus velhos do Restelo em todo o território nacional e até em paragens bem distantes daqui. Talvez seja a nostalgia, a saudade, a tristeza, a melancolia, sei lá. Também já tenho ouvido falar em inveja, em dor de cotovelo e até em dor de corno.

Mesmo tendo em conta que isso são estados de alma que não vão além disso, porque apenas se evaporam da boca para fora. Tal só acontece porque muitos portugueses lá de cima, alguns mesmo lá muito de cima, tudo fazem para que subsista este clima de guerra permanente, em que apenas se preocupam em roubar espingardas aos adversários.

Contudo, isto não é um país de corruptos, nem um país de mentirosos, nem um país de bandidos, nem tão pouco é um país de guerrilheiros. Mas, é verdade que tem cá um pouco de tudo isso. Porém, andam misturados com muita gente séria e pacífica que, essa sim, é o verdadeiro país que se chama Portugal.

 

27 Mai, 2010

Deputar

O povo português anda há trinta e não sei quantos anos a deputar num regimento de gente que se senta comodamente nas bancadas da Assembleia, com direito a soneca com óculos escuros ou sem eles, com direito a bar, refeitório, viagens, palratório, asneiradas, e muitas outras prerrogativas que agora não me apetece enumerar.

Depois, ando cá desconfiado que ainda têm um salário, mesmo aqueles que têm reformas ou estão à espera delas por dias, ou aqueles que, também segundo as minhas desconfianças, têm uma profissão para as horas vagas dentro do horário normal do deputado.

Há quem afirme que deputar é uma grande responsabilidade, só porque quem deputa é encarregado de uma missão que os eleitores lhe confiaram. Cá para mim, isso é uma grande treta, porque tudo indica que os eleitores, ao desenharem uma cruzinha no boletim de voto, que metem na urna, quiseram simplesmente assinalar o que vêem nos cemitérios: muitas sepulturas, cada uma com sua cruz.

É voz corrente que muitos desses que deputam, parecem mais mortos que vivos, embora ainda batam palmas e soltem uns piropos do tipo de bancada de bola, quando o barulho ao redor os não deixa bater a sorna costumeira.

E o mais curioso é que alguns deles ainda têm o mau hábito de exigirem pedidos de desculpa, via superior hierárquico, como se estivessem lá em casa a ouvir os filhos a fazer queixinhas uns dos outros. Tenho cá um pressentimento que na Assembleia Nacional que Deus haja, não havia nada que se parecesse com isto.

Se querem deputar com vivacidade, com ou sem ética, com ou sem respeito uns pelos outros, porreiro, pá, vamos a isso, mas que todos tenham os mesmos direitos. Mesmo os mais tortos e as mais tortas, têm de aguentar, tal como os outros aguentam com eles e com elas. Tudo dentro da reciprocidade fraterna, da igual disputa e da correcta maneira de deputar. Tudo sem fofoquices nem queixinhas, que isso cheira a uma espécie de ‘gás pide’ e a mariquices.

Há quem defenda que se deve deputar com duzentos e trinta e quem pretenda reduzir substancialmente esse número. Não basta reduzir só para acertar números e baixar o orçamento. É preciso que se reduzam a zero, as nódoas que por lá se topam logo nos passos perdidos, usando a lixívia adequada, selectiva e suficientemente rectificativa do modo de deputar.

Claro que baixar o orçamento é muito importante, pois o nosso nunca se levantou e, apesar disso, vai baixando todos os dias. Há uma voz que se levantou agora nesse sentido. É preciso baixar o orçamento da Assembleia. Óptima ideia. O meu aplauso incondicional.

Só me fica cá uma duvidazinha a pairar no meu espírito desconfiado. É que o autor da ideia, por acaso, não deputa, logo, a medida não lhe iria beliscar nem um pelo do rabo.

Mas, nesse aspecto, eu até deputava com ele.

 

Sinceramente penso que não deve ter sido nada de grave nem de importante, caso contrário ter-se-ia ouvido um ribombar comunicativo com muito mais cinzas que o vulcão da Luz quando as coisas estão a correr bem, como é o caso, ao que dizem, excepcional, da época que há pouco terminou com lágrimas e melões por todo o lado.

Se analisarmos a época toda, chegamos à conclusão que houve quem fizesse a vida negra aos daquelas bandas, com histórias de encantar dispersas ao longo do tempo, do tipo folhetim ou telenovela, tal como se tem visto com outros personagens e em outras áreas.

Mas essa história de fazer a vida negra foi contada um dia destes pelo ex-presidente da liga e, segundo me pareceu, ninguém lhe ligou nenhuma, talvez porque liga, com ligar, não ligue lá muito bem.

Parece que fazer a vida negra é uma coisa sem importância, se atentarmos que do confronto do azul com o encarnado (convém não dizer vermelho) só tem muita importância quando o confronto parece favorecer o azul.

Ora o homem a quem fizeram a vida negra, o ex-presidente da liga, cometeu o erro, pelos vistos grosseiro, de não se ajoelhar aos pés do venerado papa do norte, que não tolera que lhe turvem o azul das suas ideias, ainda que elas eventualmente andem um tanto encardidas.   

Como não podia deixar de ser, a tal vida negra tinha de ter origem encarnada e, coisa estranhíssima, numa batatada azul, dentro dum túnel vermelho, registada num vídeo de cor bastante clara, tonalidades que acabaram por encandear o homem que de olhos cegos, que fez então a vida negra ao ex-presidente da liga.

Como disse de início, isto nem tem qualquer indício de importância porque a liga acabou sem presidente e ninguém notou a sua falta. Excepção feita ao fazedor de vidas negras, que não deixou de fazer mais uma, bem festejada, ao que contou o dono da vida negra.                                                                                                                                        

Isto leva-me a pensar que o país deve estar cheio de vidas negras. Peço desculpa pelo equívoco, mas o país deve antes estar cheio de pessoas que fazem a vida negra a outras. Obviamente que não é a mesma coisa, senão o país seria já uma enorme nódoa negra.

Mas também é verdade que se nota perfeitamente a existência de pequenas nódoas negras que se movem constantemente, procurando tingir de negro o país que lhes dá guarida. E que, em muitos casos, os sustenta à borla através do sacrifício de muitos dos que não têm outro remédio senão suportarem essas pestes, que são todos aqueles que passam a vida a fazer vidas negras.

Infelizmente são muito mais os que procuram fazer a vida negra a alguém, do que aqueles que procuram aliviar esse mal-estar, que mais parece um luto nacional. Mas, é preciso ter em conta que o luto segue-se à morte e, que eu saiba, disso ainda não morreu vivalma.

E também não vai morrer ninguém por causa dos que passam o tempo a fazer a vida negra aos outros.

 

25 Mai, 2010

Os três mestres

Preciso urgentemente de dar um rumo à minha vida e encalhei na escolha de quem deve ajudar-me nessa tarefa inglória da qual, confesso abertamente, não consigo desenrascar-me sozinho. Sinto que estou tri inclinado na escolha de um mestre, sem saber para que lado hei-de cair, atendendo a que estou a ser fortemente pressionado, qual tripé com os três a tremer, ou a vibrar, sei lá.

O primeiro dos três mestres é perito em contas, o segundo especializou-se em lutas poéticas, enquanto o terceiro obteve o título de cidadão do mundo. E aqui estou eu, ‘à rasquinha’, sem saber verdadeiramente do que preciso para puxar a minha vidinha para cima, uma vez que está mesmo muito em baixo.

O homem das contas não se cansa de me garantir que só ele pode endireitar-me a vida, argumentando que uma boa vida sem boas contas, não conta para nada. O poeta lutador, por sua vez, garante que não pode haver nada melhor na vida que lutar permanentemente na busca de boas rimas, pois as contas só atrapalham. O cidadão do mundo não vai na conversa dos seus concorrentes e diz-me que só o conhecimento do mundo me pode levar ao sucesso.

Perante este ‘trilema’ estou constantemente a coçar na cabeça, sem saber a qual deles recorrer para me salvar, mas receio que acabe cheio de caspa e árido de cabelo, sem tomar uma decisão.

Já sugeri ao homem das lutas poéticas e ao cidadão do mundo, porque razão não se deixam de pruridos e vão ter com o homem das contas. Em princípio, ambos lucravam muito ao aprenderem a fazer contas como ele pois, no meu caso, passaria a dar-lhes muito mais credibilidade no caso de aceitar os seus serviços.

Porém, a minha sugestão não foi bem aceite. O poeta recitou-me a canção do bandido, que conhecia perfeitamente, acrescentando depois que não recebia lições de ninguém, muito menos de quem sabia apenas fazer umas contitas que, por acaso, só davam certas, se terminassem com resto de zero. O cidadão do mundo demonstrou-me que sabia muito mais de contas do que ninguém, pois até já sabia que o poeta estaria sempre no número três.

Resolvi então tentar voltar as coisas ao contrário, sugerindo ao homem das contas que lutasse com todas as suas forças até conseguir fazer um poema à sua ditosa pátria muito amada. A resposta não se fez esperar. Informou-me que até era capaz de contar as sílabas de cada verso pelos dedos, para que o poema saísse perfeito. Quanto à pátria, cantou-me o hino com um tom, que me convenceu completamente de que o sabia de cor e salteado.

 Aproveitando a maré de demonstração de conhecimentos do homem das contas, tentei saber se também sabia fazer contas em espanhol ou em chinês, porque talvez o cidadão do mundo lhe pudesse dar uma ajuda, dada a sua vasta experiência global. Não, não precisava. O homem das contas foi preciso e conciso. Eu é que sei tudo. Já estive em ‘Freixo de Espada à Conta’ e em ‘Vila Nova de Tabuada’ e vi que as contas deles são iguaizinhas às minhas.

Não sei porquê, mas estes três mestres, pelos seus conhecimentos profundos, já me convenceram de que posso estar descansado que, qualquer deles, me trata da vida com toda a competência, pois as minhas contas não enganam, mesmo que as deles possam ter algumas falhas de somenos importância.

Afinal, não há ninguém perfeito, embora o homem das contas esteja convencido que só pode ser primeiro, enquanto o cidadão do mundo só sabe que não vai ser terceiro. Estou farto de fazer tentativas matemáticas para descobrir quem vai ser o segundo. É que o homem das lutas poéticas só sabe que nunca teve medo de ninguém, logo, isso já é ganhar.

 

24 Mai, 2010

Olá, Marcelo!

Antes de mais importa saber quem é o Marcelo, não vá alguém lembrar-se de fazer uma daquelas confusões, como estou farto de ver disso a toda a hora e em tudo quanto é sítio. Nestas coisas de nomes, há sempre quem pense que quando se cita um, tem logo de ser aquele em que estão a pensar ou, pior ainda, naquele que é seu amigalhaço.

Bom, neste caso, o Marcelo não é meu amigo, nem tão pouco ele me conhece de lado nenhum, mas eu conheço-o perfeitamente, embora tivesse estado uma temporada sem lhe pôr a vista em cima. Não me fez lá grande falta porque de Marcelos está o país cheio, embora uns sejam mais Marcelos que outros.

Estou certo que muita gente o terá saudado agora, no seu regresso, tal como eu o fiz, com o meu olá, como se vê lá em cima. Porque ele faz falta, sobretudo para eu distinguir facilmente as coisas que correm por aí e sobre as quais fico na dúvida se hei-de acreditar nelas ou não.

Se Marcelo o diz, para mim, é uma terna e risonha ‘marcelada’, logo, assunto arrumado. Porque o Marcelo é claro como água. Não é daqueles que dá uma no cravo e outra na ferradura. Ele acerta sempre em cheio na ferradura, motivo mais que suficiente para que tenha os seus amigos muito fiéis.

Não sei se é mera coincidência mas só o tenho encontrado aos domingos, precisamente o dia que eu menos gostava de me cruzar com ele. Porque domingo é dia de descanso e, não por mim, mas por ele, custa-me sempre ver que ainda há gente neste Portugal democrático que não consegue ter uma folga semanal. Principalmente no dia do Senhor.

Resta-me a consolação de ver que ainda há quem tenha um prazer enorme no desempenho do seu trabalho, caso do Marcelo, que não se importa nada de passar as noites em claro e os dias no escuro, para demonstrar que o país precisa de gente assim. Pois, assim mesmo, não é de gente assim, assim, como aqueles que passam mais tempo de folga do que a trabalhar.

E o mais curioso é que o Marcelo tem feito um trabalho notável no domínio do estímulo dos portugueses para que lhe sigam o exemplo. Como ele fala bem e depressa, fazendo disso o seu ‘metier’ a tempo inteiro, quer dizer, durante todo o dia e toda a noite, muitos compatriotas nossos, e dele também, já o imitam na perfeição.  

Já ouvi dizer por aí num dos muitos ‘mentideros’ que a república reconhece como verdadeiros, que ele, o Marcelo, claro, não gosta nada de televisão, porque diz que não compensa perder tempo a vê-la, quanto mais a perder o seu dinheirinho dentro dela. Diz que prefere meter a cabeça numa caixa, porque é a única maneira de falar sem ouvir ninguém a querer falar com ele.

Espero que ninguém pense que estou a falar do Marcelo que sucedeu ao Oliveira das terras do Dão, visto que esse já nem falar pode, quanto mais trabalhar. Também não estou a falar do Marcelo ex-TVI, ex-RTP, agora TVI novamente, porque esse sabe perfeitamente o que diz senão, lá tinha de voltar novamente para a RTP, por obra e graça de alguma reestruturação feita à pressa.

Parece-me que toda a gente percebeu que tenho estado para aqui a rabear à volta de um personagem fictício que me foi sugerido por dois amigos, a quem devo o especial favor de me fornecerem assunto para estas linhas. São eles o Sousa e o Rebelo que, na minha modesta opinião, são quem mais está por dentro de todas as ‘marcelices'.

 

É evidente que os socráticos são menos que os outros, mas também é evidente que para efeitos de governação a corrente dos socráticos conta com a divisão dos outros em várias correntes distintas, facto que os tem impedido de chegar ao poder.

Sim, porque há essa encrenca das eleições que parece esquecida por todos aqueles que são anti-socráticos, julgando que já a seguir os seus desejos estão no papo, ou se preferirem, isto são favas contadas.

Fala-se muito de mentiras e de mentirosos, tanto do lado socrático como do lado dos outros. Neste campo da contenda os outros estão todos de acordo em que as mentiras e os mentirosos estão todos concentrados na detestável pessoa do ignominioso Sócrates.

Mas os socráticos têm outra versão da coisa. Os outros, incapazes de tirar Sócrates do poder por meios normais, agarram-se às contingências da governação neste contexto de crise, para fazerem dessas contingências um rol de mentiras de forma a convencer os socráticos a virar a casaca.

Portanto, neste vale de mentiras e de mentirosos, já se torna muito difícil saber quem mais mente e ao mesmo tempo avaliar correctamente a qualidade das mentiras de cada lado.

Uma coisa é certa. Os outros são muitos mentirosos trabalhando em equipa, para se sobreporem ao mentiroso Sócrates que é único, individual e certificado.

O mentiroso Sócrates, não sei como, tem conseguido mentir mais lá fora que cá dentro mas, curiosamente, acreditam mais nele lá fora que cá dentro. Quanto aos outros ainda não ouvi dizer nada deles lá fora. Se calhar ninguém os conhece. Ou talvez ainda não conheçam as suas boas teorias de mentiras.

Mas, o que mais estranheza me causa é o facto de haver tanta gente altamente colocada lá fora, a ir nas mentiras de Sócrates, ao ponto de tecerem rasgados elogios às suas medidas. Só podem ser socráticos disfarçados ou, quem sabe, bem recompensados pelos elogios.  

Se assim é, não sei onde vai ele arranjar tantas capacidades internas e externas para ter uma corrente tão forte a protegê-lo, ou seja, a corrente socrática. Aí estou de acordo com os outros, pois é impossível que não haja nele qualquer coisa de sobrenatural, que resiste a tudo e mais alguma coisa.

É claro que os outros não desistem de procurar, de investigar, de vasculhar, de inventar mas, e aí está o meu espanto justificado, tudo somado é nada, contrariamente aos mais ou menos ornamentados argumentos, ou aos cruéis mimos que lhe dedicam os seus companheiros ou camaradas da mentira.

Contudo, recuso-me terminantemente a acreditar que este país tenha apenas os mentirosos socráticos de que falam os outros e, no lado contrário, os outros, que são os mentirosos para os socráticos.

Ainda há, e estou plenamente convencido disso, aqueles que nem são socráticos, nem são a totalidade dos outros. São todos aqueles que não embarcam nas teorias de uns e de outros quando, de parte a parte, mentem com quantos dentes têm na boca. São todos aqueles que ainda têm discernimento e inteligência para avaliar uns e outros com seriedade e sensatez.

E estes costumam aparecer, sempre que o povo é chamado a escolher os menos mentirosos.

 

Talião entendeu no seu tempo que, olho por olho e dente por dente, era uma maneira séria de fazer justiça. Talvez por isso se tenha chegado ao ponto de muita gente, quase toda a gente, já não ter olho nenhum, nem dente algum, consequência da desalmada criminalidade com que, já então, se confrontava a sua gente.

Daí que hoje em dia, com a evolução da malandrice, e para que as coisas entrassem na ordem, teriam de se agravar substancialmente as penas, substituindo sempre um órgão menor por um maior. Por exemplo, quem provocasse a perda de um dente, teria de sofrer a perda de um olho ou, conforme a gravidade, um outro órgão superior.

É que isso do dente por dente, nos dias de hoje, já não é pena nem é nada. E então, com a quantidade de dentes cariados e até completamente podres, uma limpeza geral era uma bênção da justiça. Tal como mais olho menos olho de gente que não vê nada, principalmente, de gente que não quer ver nada.

Pior ainda, caso daqueles que vêem sempre tudo ao contrário, teria de estar bem claro na lei, que um olho desses não podia valer mais que uma simples unha encravada. Já os que vêem demais, ou os que conseguem ver aquilo que mais ninguém consegue ver, teriam de ser sentenciados com o sacrifício da língua, para não dizerem o que não viram.

Sei perfeitamente que tudo isto é muito bonito de dizer, mas muito feio quando toca a executar. Porém, estou deveras convencido de que, se esses casos caíssem na minha esfera de competência, era até demasiado fácil, porque o meu sentido de justiça está mesmo dentro do espírito de Talião, com as devidas actualizações.

E a primeira dessas actualizações era centrar a justiça na política, e não o que acontece actualmente, em que é a política que está centrada na justiça. Ora, para mudar esta centralidade anacrónica, eu punha todos os deputados, sem excepção, sob escuta permanente, só para ver se conseguia saber onde é que eles poisam o pensamento.

Julgo que não andaria longe da verdade, depreender que, conhecendo o pensamento deles, também facilmente deduziria tudo aquilo de que eles têm conhecimento. E aqui entraria na lei de Talião, embora não adiantasse nada, começar a arrancar dentes e olhos a torto e a direito, porque eles mastigavam na mesmo e falavam mesmo às cegas.

Era aqui que entravam as minhas actualizações. Quem tivesse um conhecimento, por via de um pensamento, teria obrigatoriamente de confessar dois conhecimentos seus, comprovadamente virgens, daqueles que merecessem uma abertura de telejornais, por exemplo, conhecer uma sentença antes de ser pronunciada pelo respectivo juiz.  

Não me venham com essa da inconstitucionalidade, só porque todos os cidadãos têm direito a ter conhecimentos. Aí, ponto e vírgula, pois isso depende da espécie de conhecimentos. E depende, principalmente, do conhecimento que os outros têm do nosso conhecimento.

Parece evidente a complexidade destes conhecimentos, principalmente, se eles habitarem na cabeça de qualquer ignorante, de qualquer néscio, ou de qualquer ‘analfabruto’, completamente destituído de conhecimentos. Muitas vezes destituído até da mínima capacidade de pensar, logo, isento da posse de pensamentos.

E volto à lei de Talião. Com todas estas complicações, sou de parecer que só eu estaria em condições de a aplicar, com todos os dentes cerrados e os olhos bem abertos, sempre na direcção de todos aqueles que não fazem ideia da importância das actualizações.

Obviamente que me refiro às actualizações de pensamentos e de conhecimentos.

 

20 Mai, 2010

A guita e a gaita

Tenho andado mesmo incomodado com a minha inabilidade para ver as coisas ao natural, como toda a gente as vê, menos eu, evidentemente, o que me leva a crer que os meus óculos devam andar demasiado baços, para não ver com nitidez que motivo leva a nova super star Passos a exigir que o seu par lhe diga quando é que esta música de ocasião acaba.

Não só tenho andado incomodado como me sinto indignado com o facto de Sócrates não ser franco e sincero com o seu par dizendo-lhe, por exemplo, oh pá, o fim da dança está nas tuas mãos ou, se quiseres, nos teus pés, pois basta fazeres um leve sapateado e a música pára imediatamente.

E aí é que está a causa do meu enfado, pois toda a gente sabe que sem música não se pode dançar. E eu, músico como não há outro igual, podia lá suportar um país sem música, que é a base do meu sustento e a razão de ser do meu divertimento permanente, ainda por cima, único garante de que a dança vai continuar.

Mas eu estou moído e ralado com receio de que Passos não entenda, que Sócrates já percebeu, o que quer o seu par. Passos quer dançar mas apenas enquanto sentir que Sócrates ainda tem algumas forças nas pernas, ainda que seja apenas para lhe pisar os calos a todo o momento, coisa que ele suporta com fair-play, pensando na próxima dança.

No entanto, começo a estar chateado por ver que Sócrates não se cansa até àquele ponto de permitir a Passos arrumá-lo a um canto do salão de baile e desatar a dançar sozinho no meio da maralha, tipo abanar o capacete, ou gingando de olhos fechados, como se o seu mundo estivesse para nascer ali, no meio do salão.

No meio disto tudo, sou eu que estou cismado, porque penso que há ali uma data de interesses que eu queria compreender. Se Passos quer dançar sozinho, não tem mais que dar uma tampa a Sócrates, assim, sem mais aquelas, olha vai à tua vida que eu trato da minha. Sim, porque as vidas não se tratam só a dar a mão pois, como é óbvio, por vezes é preciso dar com os pés.

Na verdade, quem começa a estar cansado sou eu, pensando que, se calhar, Sócrates até lhe agradecia o favorzinho de o livrar do fogo do inferno. Sim, porque o fogo já anda muito próximo e o calor já aperta por todo o lado. Começo a pensar que Passos está com medo que o calor também lhe comece a chamuscar as pestanas.

Eu podia perfeitamente estar calado à espera que a música fosse interrompida por um leve sapateado de Passos, mas estou a ver que Sócrates não lhe quer mostrar os seus talentos, desconfiando que, logo a seguir, com a sabedoria da bonança à vista, se acabaria de imediato a música e, consequentemente, a dança.

Agora, sim, começo a ver tudo bem clarificado. Passos apenas dança na esperança de vir a ver Sócrates queimado e arrumado. Mas não só. Passos só faz o tal sapateado quando souber e puder dançar sozinho, com músicos que lhe toquem nos cordelinhos de que ele gosta. Mas não só. Que haja guita para ele e para todos os seus músicos. Mas não só. Que lá de fora venham os sinais que ele agora ainda ignora.

Finalmente, de desolado passei a conformado, pois já estou um pouco aliviado por ter descoberto que, para Sócrates, não é uma questão de guita mas é uma gaita. Guita já ele sabe há muito que não há. Resta saber por quanto tempo dura esta gaita.

 

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