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afonsonunes

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27 Jun, 2010

Fujões

 Pois é. Mais uma vez os do costume estão a fugir a sete pés da obrigação de dar o seu contributo para sanar os problemas criados pela crise, de que eles serão os maiores responsáveis, já que serão eles a grande fatia dos que gastaram muito mais do que tinham e pagaram muitíssimo menos do que deviam pagar ao estado.

Partindo do princípio de que alguém vai ter de pagar tudo o que o país deve, e parece que terá de o fazer depressa para não ter de pagar mais, ou entrar mesmo na tal insustentável, vemos os habituais fujões a porem-se de fora, como se isso não fosse nada com eles. É caso para perguntar, se não é nada com eles, com quem é então?

A minha resposta pode parecer um tanto parvinha, mas não encontro outra mais lógica, por não ver melhor saída, que não seja ser eu a arcar com os calotes dos outros. Sim, eu, que não gosto de fugir de nada nem de ninguém, muito menos fugir do cumprimento das minhas obrigações perante o estado que, se é meu, também o é de todos os fujões.

Agora, o que não me agrada nada é ter de pagar portagens em auto-estradas onde não passa o meu veículo, para mais sabendo que quem lá passa com os seus, não paga. Sabendo-se que auto-estrada é sinónimo de comodidade, de economia de tempo, de economia de combustível e economia de desgaste dos veículos, quem não paga portagem está a obrigar outros a pagar os benefícios que não usufrui.

Porque, se não se pagam portagens é o estado que as paga com o dinheiro dos impostos dos contribuintes, ricos ou pobres, utilizadores daquelas vias ou não utilizadores, muitos destes últimos, residentes em pequenas localidades, onde apenas circulam pelos chamados caminhos de cabras, porque do dinheiro dos impostos que vai para as scuts não lhes chega uns cêntimos sequer para lhes facilitar a vida do dia-a-dia.

Estes sim, não têm alternativas para o calcorrear de caminhos ou veredas, onde não entra sequer um carro, cujo piso é um lamaçal no inverno ou um monte de poeira escaldante no verão. É a estes utilizadores do incrível, que querem entregar a responsabilidade do pagamento das portagens que suas excelências entendem que não lhes compete pagar.

Também eu gostava de não pagar nada em lado nenhum. Gostava de não pagar nada ao estado, como muitos fazem, gostava de dizer que paguem os outros, sejam os governantes, sejam os beneméritos do povo pagante que sustentam o país. Porque os coitadinhos dos protestantes só têm tempo e dinheiro para os protestos.

Com esta coisa da crise, que até só o é para alguns, muito se tem falado que sejam todos a pagar, que não sejam sempre os mesmos, que não se peçam mais sacrifícios àqueles que sempre os fizeram e vão fazer até ao fim das suas vidas.

Esses não são, seguramente, os que querem borlas para tudo. Porque as borlas que os protestantes querem para si, significa mais sacrifícios para quem não tem carro, para quem tem dificuldade, em alguns casos, muita dificuldade, em comprar o pão e a água da sobrevivência, quanto mais ajudar a pagar as despesas de quem vive muito melhor que eles.

Se eu visse alguma possibilidade de serem os governos, os governantes, os do contra, os bancos, os ricos, a pagarem o que me obrigam a mim a pagar, aí parou. Eu também queria porque, trouxa, também não sou assim tanto. Mas também não esqueço todos aqueles que não sendo governantes, e são fujões, fazem de todos os cumpridores autênticos trouxas que os sustentam, a eles, e a todos os vícios e luxos de que não prescindem.

Era bom não esquecer que o estado gasta muito, sim senhor. Mas uma das maiores fatias do que gasta, vai, precisamente, para sustentar quem não quer fazer nenhum, quem quer gastar mais que ninguém e fugir a todas as suas responsabilidades. Esses, são os que até têm muita gente a defendê-los e a apoiá-los, como se de heróis nacionais se tratasse. Esses, são os fujões.  

 

26 Jun, 2010

Zarolhos e zarelhos

Não há nada mais animador que um nadador salvador dizer para uma vítima prestes a afogar-se, que está irremediavelmente condenado a ir ao fundo nos próximos minutos. É animador e consolador ter uma opinião sincera de quem sabe da coisa, de quem tem um curso que serve efectivamente para salvar vidas.

Ora, o nadador salvador, com a sua verdade e o seu saber do que fala, com o seu devotado esforço para ajudar o afogado, eleva-lhe o moral, precisamente no momento em que está prestes a baixar ao convívio com os peixinhos. Assim, lá vai desta para melhor, consolado por saber que a situação dele era mesmo insustentável.

E o nadador salvador, impávido e sereno, perante essa situação, sente-se absolutamente realizado na sua missão de salvar, por se lhe ter deparado um pré afogado que, antes de o ser, já o era. É assim, desta maneira simples, que o salvador se salva si próprio de ter de molhar os calções, resolvendo o problema com o seu olhar atento e um último adeus ao afogado.

Depois, no funeral do infeliz, houve quem alvitrasse que o nadador salvador não fez tudo o que estava ao seu alcance para salvar uma vida. Houve até quem fosse mais longe e afirmasse que ele não tinha feito nada daquilo que lhe competia. Mas, a sabedoria fala sempre mais alto. E ela ditou que o nadador salvador salvou a sua própria vida.

Não estou a ver lá muito bem porquê, mas cheira-me a que isto tem muito a ver com algo que se passa na politiquice nacional que é, exactamente, o que se passa com a minha zarolhice crónica. Depois lá vem a desculpa habitual de que não estou a ver bem quando, na verdade, não estou a ver nada direito.

Nem eu nem eles, pois isso acontece muito naturalmente aos zarolhos que, como se sabe, andam permanentemente com os olhos tortos, ou são cegos de um olho, ou ainda, dão azo a que lhes atribuam a honrosa qualificação de vesgos. Por mim, não tenho pejo nenhum em auto intitular-me de tudo isso.

O mesmo não acontece com os políticos zarolhos e com toda a zarolhice que gravita à volta deles. E, além de gravitarem, muitos deles vegetam, transformados em autênticos zarelhos, que mexem e remexem, que não param, que não se calam, que conhecem tudo menos a sua própria ignorância e, sobretudo, a sua muito apregoada boa fé.

Só assim se compreende que haja zarolhos e zarelhos nas mais altas instâncias políticas do país, também a nível de grandes nomes de conceituados analistas, como de catedráticos especialistas de todas as áreas que, diariamente, se contradizem nos meios de comunicação social.

Depreendo que, ou não conhecem a Constituição e as leis do país, ou não sabem interpretá-las. Se não for uma coisa nem outra, fazem o malfadado frete de sacrificar a sua reputação passando por cima de tudo, só para arranjar um artifício justificativo da camisola partidária que vestem.

Depois, cá mais em baixo, há os que estão prontos a aceitar tudo sem pensar, desde que lhes falem ao jeito das suas ideias pré concebidas e tendenciosas. Estes não serão sequer zarolhos, porque vêem bem dos dois. Só que ambos vêem apenas para um dos lados. Mas são eles os zarelhos por excelência, remexendo e revolvendo tudo e mais alguma coisa para a esquerda e para a direita.

É por isso que a situação é perfeitamente sustentável enquanto a zarolhice e a zarelhice, andarem de mãos dadas, como se constituíssem uma união que já ultrapassou a fase precária do namoro. 

 

Por enquanto parece que é só a gente do norte que se encontra naquela desesperada situação de estar à beira de se poder revoltar contra o pagamento de portagens nas auto-estradas lá de cima, porque queriam que os de lá de baixo também pagassem. Devem ter ouvido falar naquele dito popular que nunca fez qualquer sentido de que, ou há moralidade ou comem todos. O certo é que nem há moralidade nem comem todos.

Parece-me que não estão a ver bem a coisa. Como nunca houve moralidade, nunca foram todos a pagar em coisa alguma, o que devia mesmo ter sido motivo para se estar à beira de se poder. Quem, normalmente, tem podido. Se querem ter o privilégio de poder, então viagem para sul, onde não pagarão nada, nem terão de poder ninguém.

Até porque os do sul, quando vão ao norte, também estarão à beira de se poder, se entrarem nas auto-estradas de paga paga, ou seja, paga e não bufes. Entre bufantes e podidos está a tal revolta, que não é mais que uma volta pelas auto-estradas e uma re volta pelas ruas das vilas e aldeias à beira de se poder chamar-lhes alternativas. Mas que o são, são. Só que não são auto-estradas.

Mas, penetrando mais a fundo na questão de poder ou não poder, verifica-se que anda muita gente com medo que se saiba por onde anda, e o que anda a fazer, nessas viagens de norte para sul e de sul para norte. Realmente, para esses, o chip é um verdadeiro bufo, muito pior que as escutas, pois receia-se que não possa ser apagado, ou invalidado em tribunal.

O dr r r certamente não explorou devidamente o estado de espírito de todos os nortenhos podidos, principalmente, aqueles que nem sequer estão à beira de ter uma bicicleta, quanto mais um carro a rolar pelas auto-estradas onde, nesse caso, essa gente se sentiria então, verdadeiramente podida. Mas, como não podem, não estou a ver que se revoltem assim, sem mais nem menos.

Tenho cá um pressentimento que o sr dr r r, esse sim, está a sentir-se podido, sobretudo no seu elevado poder de empurrar outros podidos e os não podidos para a beira, que se espera não seja a beira do rio que deixa poucas hipóteses de nele se tomar uma banhoca impunemente. É sabido que há quem goste imenso de andar sempre à procura de banhadas, sobretudo de multidões, ainda que patrioticamente empurradas.

Parece-me que a gente do norte não se sujeita assim tanto a morrer de amores por um rio que abusa das enxurradas perigosas que provocam outras ondas revoltas que só enrolam quem se atira, ou quem se deixa empurrar, para o meio delas.

Depois, o norte tem muitos montes e vales onde não há rio, onde não há auto-estradas, nem scuts, nem portagens, nem gente à beira de se poder. Nem que seja porque tem mais que fazer.

A gente do norte preocupa-se mais com outras podas e não com o poder de vice-reis ou outras prepotências reinantes, ou à beira de sentirem que nunca mais podem à sua doentia e insaciável vontade.

O acto de poder que vai gerar a revolta, já está abençoado pelo bispo que deixou clara a sua concordância, ou não fosse ele um natural dependente hierárquico do papa do norte, grande criador da alma revoltada e angustiada da região contra o resto do país, ainda que notoriamente a área de conflito real seja bem mais limitada.

O cardeal já pediu um candidato presidencial, presumo eu que do norte, presumindo também que, por enquanto sem revolta. Agora vem o bispo em defesa do nortenho que advoga a eminência da revolta por causa da justa causa de poder. Cá para mim, isto está a ter orações sem devoção adequada, transformando tudo numa questão de falsa fé, em desfavor do poder.

Para mais, parece-me, a mim, que se está a dar a possibilidade de poder a quem, em teoria, não pode mesmo, a menos que quem quer poder mais, também pague mais pelo que pode além das suas competências.

 

21 Jun, 2010

Na vida tudo passa

Até as ilusões que durante mais ou menos tempo criamos e alimentamos, se esfumam como nuvem passageira, depois de nos molhar com a sua chuva inoportuna ou nos cobrir com a sua sombra protectora. Se é verdade que as ilusões se vão perdendo umas após outras, também é verdade que as realidades, boas ou más, têm o mesmo destino.

Tudo vai passando por nós até que um dia serenos nós, todos nós, a passar também. A passar para o lado lá, esse lado desconhecido sobre o qual muito se fala mas nada se conhece. Nem a especulação se atreveu ainda a entrar nesses domínios, como o faz em tantos outros, para nos dar a sensação de que podemos ir passando com ideias mais claras para abrigos mais escuros.

A vida vai passando e os que passam vão fazendo parte do passado, que pouco contarão para a maioria dos que ainda ficam à espera da sua vez. Vemos isso a cada dia que passa em relação aos que nos deixam, mesmo que tenham feito muito em benefício dos que mais depressa os vão esquecer.

Estes dias têm sido férteis em reflexões e opiniões sobre quem passou, como sempre acontece quando quem passa tem um passado que mexe com consciências de todas as dimensões e de todas as sensibilidades. Consciências que vão desde a gratidão que se move apenas na solidariedade, até à hipocrisia das palavras de circunstância.

Palavras que tanto servem para um simples e modesto mortal, como para um vulto que tenha mobilizado um povo cá dentro e muitos povos para lá das nossas fronteiras territoriais e culturais ou outras. São assim as palavras de circunstância, a expressão de uma hipocrisia que apenas representa a pretensa expressão do dever cumprido.

Na vida tudo passa. Depois da morte tudo é passado. Vão passando os bons que a todos deixam saudade. Vão ficando aqueles que permanecem indiferentes à perda que representam os que partem. Mas um dia, também os indiferentes vão partir, vão passar para onde nunca mais poderão mostrar toda a hipocrisia e insensibilidade que dominou as suas vidas.

A mesquinha vaidade dos que se julgam superiores a essas manifestações de saudade e gratidão, só porque um dia tiveram uma birra ou um engulho qualquer que nunca lhes passou, também num outro dia vindouro há-de passar, quando chegar a hora de eles próprios passarem para o rol do passado.

Essa mesquinhez, se tivesse pensamento, pensaria que é simplesmente a lei da vida. Mas esqueceria que também há a lei da morte, muito mais justa e indomável que a lei da vida, essa lei que os indiferentes importantes se habituaram a controlar a seu belo prazer. Embora esperem que durante muito tempo se vão da lei da morte libertando. Devem ter lido isso, com certeza.

Por estes dias tenho lido e ouvido tanta coisa que fico sem uma palavra adequada aos acontecimentos que entraram em mim e teimam em não sair. Tudo porque não quero ser mais um a falar da boca para fora. O que tinha a dizer está cá dentro. Até porque não tenho as obrigações que outros tinham.

São as obrigações dos que falaram, e mais lhes valia estar calados, bem como as obrigações dos que deviam falar e ficaram calados.

Ao menos eu, que não sou ninguém para falar de tudo o que me suplanta, não fico com problemas de consciência, como outros não se livram de os suportar.

Mas, repito, parece que na vida tudo passa, tal como parece que na morte tudo acaba.

 

20 Jun, 2010

Adoro gente teimosa

Como nota prévia devo dizer que este adorar é uma força de expressão. Em boa verdade não adoro ninguém. Mas é chique dizer que se adora seja lá o que for e eu vou na onda.

Se eu fosse um génio da escrita, a primeira coisa que fazia era um hino à teimosia. Tenho um fascínio muito especial por ela, que sempre me mostrou como se consegue chegar muito para além de capacidades e vontades que nem sempre seriam suficientes para avançar num determinado sentido, sem essa força chamada teimosia.

Força que pode ser exercida em diversos sentidos dando ao teimoso a possibilidade de superar barreiras que o tiram do anonimato e da mediocridade da inacção, ou o metem naquela categoria de pessoas que fixam um alvo e nunca mais o largam de vista. Nem que tenham de passar a ser cegas para tudo o resto que anda à sua volta.

De qualquer forma tenho uma imensurável admiração por todos os teimosos. Uns justificam essa admiração com o talento das suas decisões ou opiniões, com as quais aprendo muita coisa que não sabia. Outros justificam a minha admiração com o facto de me ensinarem a evitar fazer o papel que eles fazem a toda a hora.

Para aqueles que já sabem tudo e que ensinam toda a gente, deixo no ar uma lembrança que pode ser apanhada, ou pode ser rejeitada, deixando-a voar livremente, ao sabor do vento e ao calor do sol que tanto aquece como queima. Lembro pois, que é com os teimosos que mais se aprende, por muito que certos teimosos pensem que não ensinam nada a ninguém.

Adoro os teimosos que não raras vezes me fazem rir, quando não à gargalhada, tornando-se nos meus queridos e divertidos ocupantes do meu tempo de lazer, porque sempre gostei muito de uma boa palhaçada, daquelas que se encontram nos locais do costume, com os intervenientes do costume, interpretando os números do costume.

À primeira vista, devia parecer que essas palhaçadas, de tão vistas e repetidas, se tornariam monótonas e cansativas. Qual quê. Nada disso. A originalidade das palhaçadas reside precisamente no facto de ser tudo o do costume, mas sempre com um ou outro pormenor que quebra a tendência de se deixar o palhaço a falar sozinho. 

Isso não traria qualquer problema pois, mesmo a falar sozinho, o palhaço teimoso não perderia a graça normal que o caracteriza, o dom da palavra fácil e a indiferença pelo vazio exterior que o rodeia. Contra tudo isso, ele tem o calor e a luz de outros que com ele fazem coro.

Se um teimoso já anima muita gente, um grupo deles provoca uma animação extraordinária, à qual eu, pessoalmente, sou extremamente sensível. Porque sou incapaz de me animar a mim próprio, vai daí que adoro tudo e todos os que contribuam para a minha animação.

Penso que está bem justificada a minha adoração por gente teimosa.

Tenho cá um pressentimento que haverá quem esteja a perguntar em quem tenho estado a pensar ao longo do tempo que me levou a ter estes desabafos. Ainda que fizesse um esforço sobre humano, estou convencido que não conseguiria chegar lá.

Contudo, se puxasse dos meus galões de teimoso de primeira e fosse ao álbum onde guardo os grandes teimosos e as experiências que eles trouxeram até mim, aí eu teria muito lucidamente uma memória repleta deles. Nomes para quê?

 

Que fique bem claro desde já que não faço parte de qualquer comissão de inquérito, logo, também não participei na elaboração de qualquer relatório. Mas, isso não me impede de fazer a minha declaração de voto sobre as conclusões que eu tiro, dos relatórios elaborados por outros, mesmo que as declarações de voto deles sejam completamente ao contrário das minhas.

Em primeiro lugar, esclareço que eu voto sempre na seriedade e na coerência das pessoas e das organizações o que, desde logo, me dá direito à declaração do dito, após a aprovação do relatório final. Com mais um milhão de razões, quando todos os comissionistas usam desse direito, para justificar a razão porque aprovam um relatório do qual discordam.

Justificado, portanto, o meu direito a esta declaração de voto, mais que justificada.

O relatório concluiu com a aprovação de duas vezes sim. Os aprovadores lá sabem porquê. Mas eu estou completamente em divergência porque a minha conclusão é duas vezes não.

O primeiro não, é para todas as comissões de inquérito, porque elas nunca inquirem nada. Elas, as comissões, vasculham à medida das conclusões que, à partida, cada um já leva para elas. E quando se vasculha selectivamente, deita-se fora o que não interessa e aproveita-se aquilo que é nitidamente lixo memorial.

O segundo não, é para a rica pobreza, ou a clara obscuridade, da distinção entre a virtude inquiridora e o defeito inquirido. Todos os inquiridores são um manancial de pureza, um poço de água cristalina, enquanto todos os inquiridos são, à partida, um bando de arruaceiros que não merecem qualquer crédito, desde que não lhes falem ao jeito.

Politicamente, a minha declaração de voto, vai no sentido de fazer um apelo à serenidade e à reflexão das pessoas de bom senso que, eu não tenho dúvidas, estão todas à espera da minha opinião para decidirem a sua. Senão vejamos.

Gostava que alguém me dissesse se conhece uma única pessoa que nunca tivesse mentido. Se não há ninguém que nunca tivesse mentido, não percebo a razão de tanto escândalo quando pensam que um inquirido mentiu, só porque o pensamento é livre, mesmo que divague por via indirecta. A verdade é que, se toda a gente mente, os inquiridores estão obviamente incluídos nos mentirosos.

Portanto, mais mentira menos mentira, mais grossa ou mais fininha, deixem lá continuar a mentir, tanto quem se julga puramente verdadeiro, como quem nem sabe fazer mais nada que mentir. Se o mundo fosse feito apenas de verdades, íamos ter todos muitas saudades de certas mentiras que são o sal das nossas vidas.

Os inquiridores também não suportam que alguns dos inquiridos sejam fiéis àquele princípio que viria a gerar o comércio entre as pessoas e os povos: eu te dou uma coisa a ti, tu me dás uma coisa a mim. Parece que isto era conhecido pelo comércio de trocas.

O princípio é o mesmo de que, quem dá um murro no amigo, pode sempre esperar que o amigo lhe dê também um, a ele. É o princípio da justa retribuição.

Portanto, deixemos as coisas assim. Quem vai à guerra dá e leva. No fim, quem mais der, ganha a dita. Bem sei que aqueles que têm sempre o rabo a tremer, por qualquer motivo, gostam mais da lei da protecção, sua e dos seus, e do poder de impedir que os outros se defendam.

É que, nesta guerra não há inocentes para serem defendidos. Nem há cobardes para serem poupados. Há gente com princípios e gente que não olha aos fins que usa. Deixemos que a guerra funcione e os resultados finais têm de ser aceites como sequelas de guerras que ninguém quis, ou ninguém pôde evitar.  

Esta é a minha declaração de voto sobre um relatório que não li, que não votei, nem aprovei, nem tão pouco recusei. Portanto, é uma declaração de voto com tanta seriedade e coerência como outra qualquer declaração de voto, das muitas de que tenho tido conhecimento.

 

18 Jun, 2010

O bom caminho

O dia dezassete de Junho de dois mil e dez veio clarificar muita coisa que anda obscura há muito tempo no panorama político nacional, sobretudo com implicações profundas no funcionamento discursivo dos palradores de serviço permanente dos partidos políticos.

E até os palradores a título individual vão perder argumentos para a sua retórica do culpado único dos males do país, que é sempre o primeiro-ministro que esteja em funções, seja qual for o partido a que pertença e a época em que exerça o seu mandato.

Agora, segundo o que veio a lume no dia citado, aperta-se o controlo das decisões económicas, que vão passar a ser ainda mais acompanhadas de perto do que já eram, pelos burocratas europeus, esvaziando a margem de manobra dos chefes de governo dos países membros da comunidade do euro.

Ora, assim sendo, lá se vai a possibilidade de se fazerem maroscas às claras, que todos os governos faziam, em claro benefício dos seus partidos e dos seus amigos do peito. Que todos os governos espalhavam por tudo o que mexesse com o dinheiro dos cofres que alguns dos contribuintes enchem todos os anos com os impostos, que só os parvinhos vão pagando.

Num país como o nosso, em que toda a gente está habituada a dar conselhos aos governantes nacionais, não me passa pela cabeça o que vai ser a partir de agora, pois duvido que em Bruxelas se oiça o alarido que por cá se faz diariamente contra todas as decisões, sejam elas boas ou más.

Também não me passa pela cabeça que haja um consenso nacional tendente a transferir para lá, os mimos que até agora eram concentrados em S. Bento, bem como as queixinhas que diariamente chegam a Belém. Já para não falar nos recados de Belém para Bruxelas, quando acabar a desnecessária cooperação estratégica.

Também se começa a perceber a razão porque já não interessa mandar o governo para casa. É que, se ele já manda pouco, está em vias de não mandar nada. E não custa mesmo nada acreditar que ninguém gosta de ser pau mandado. Mal por mal, é preferível estar em posição de mandar bocas, que sempre é mandar alguma coisa.

É por isso que todas as desculpas já são boas para não derrubar o governo. Até há pouco tempo, assistíamos a um clamor diário de bota abaixo, como imperativo de salvação nacional. Agora vemos estranhamente o movimento contrário. Aguenta aí os cavalos, porque a salvação nacional está exactamente em manter o governo em funções.

Eu, que não boto nada abaixo nem acima, acho toda esta feira de interesses, uma comédia muito divertida. Se houvesse dinheiro nos cofres, todos queriam ir para o governo ainda antes de já. Mas, como está tudo vazio, até têm medo que os obriguem a encher os cofres com o que têm no bolso deles.

Dizem os espertos e os inteligentes que é por causa da crise. Que isso seria agravar a dita. Mas, por outro lado, dizem que o governo nos está a levar para o abismo. Bem recentemente, ingleses, holandeses e belgas, deram essa suposta cabeçada na parede, com as consequências que os privilegiados de cá já devem ter notado. Mas não comentado.

Eu, nada parecido com aquelas sumidades, diria que não há nada como ter coragem e mostrá-la nos momentos difíceis. Quem sabe até se, com eles no poder, com todos eles, estes momentos não ficariam fáceis para o país, de um momento para o outro. Os audazes nunca se devem encolher em circunstância alguma.

Mas, a coragem deles é andar permanentemente a bater em mortos. É querer continuar a ter mortos em quem bater a toda a hora. Sim, porque são eles que dizem que o governo já morreu há muito tempo. Então, daqui lhes lembro que enterrar os mortos é um acto de misericórdia.

Além disso, a oportunidade é única. Ainda teriam alguns dias para mandar alguma coisa, enquanto os burocratas europeus se aconchegam nos seus ninhos. Depois, daqui a alguns meses, já tanto fará ter um governo de mortos, como de inteligentes recém-nascidos.

Uns e outros, talvez mereçam percorrer o caminho que em breve lhes será indicado. Tendo em conta o passado dos caminhantes, e para evitar tanta conversa oca, até pode ser um bom caminho.

 

15 Jun, 2010

Foi tudo preparado

Palavra, palavrinha, que começo a não estar preparado para tanta surpresa que me atravessa a parte frontal do meu esqueleto ambulante. Sim, que ninguém estranhe tão decadente imagem de mim próprio, pois se cada um olhar para si atentamente, pode considerar-se uma estranha excepção, se concluir que não é nada disso.

E eu felicito exuberantemente esses heróis dos dias de hoje por terem conseguido fugir a uma certa regra, a regra do pensamento colectivo, eivado de muitos males antigos a que só os privilegiados conseguem fugir. Não sei como, mas é uma realidade que me conforta, pois se eu não consigo fugir da peste, é reconfortante saber que há quem consiga.

Nesta sociedade que vai sufocando minuto a minuto, tudo é preparado, muito bem preparado, por todos aqueles que decidem o que vão fazer. Estou tentado a ir ao encontro de uma ou outra dessas preparações, algumas bem complicadas e enredadas nos meandros da ordinarice nacional, em que temos verdadeiros especialistas.

Começo pelo herói dos túneis, que afirmou publicamente que foi tudo preparado. Confesso que pensava que tinha sido uma veneta que lhe tinha subido à cabeça quando se atirou a um infeliz que teve o azar de lhe piscar o olho quando se cruzou com ele. Esta era a versão mais plausível, atendendo a que o tal infeliz ficou com o olho azul depois do sucedido.

Mas não. Afinal, segundo o autor da cena, já estava tudo preparado antecipadamente. Resta saber se muito antes do jogo, se durante o jogo, se à entrada do próprio túnel. Resta também saber quem preparou a cena. Se o agredido com o agressor, se o agredido com o seu presidente, ou o agressor com o seu presidente. O meu palpite sobre o preparado é secreto.

Mudando de página, aparece uma outra dúvida, esta suscitada pelo aluguer da TVI ao nosso PM que, segundo consta, não gostava nada do sectarismo da RTP1 e vai daí, resolveu que a solução era ter uma TV só para si. Ainda pensou na SIC, mas viu de imediato que o Mário até dava um certo jeito, por causa da borbulha do JN.

Parece que ainda houve uns vanguardistas que tentaram antecipar-se ao PM, atirando-se à compra da TVI, antes que o PM concretizasse o arrendamento. Como esses vanguardistas demoraram muito tempo a garantir a massa necessária junto de uma série de empresas, soou o alarme que viria a estragar os negócios todos.

Agora, o grande problema é saber em que medida o PM foi prejudicado, e foi, pelos tais vanguardistas da compra, quando o PM já tinha tudo preparado com o JEM e com a MMG, para que se mantivessem em funções depois do aluguer, inclusivamente, com as condições editoriais completamente preparadas e acordadas. Mas, repito, já estava tudo preparado.

Contudo, há sempre quem goste de complicar. Aqueles que não gostam de vanguardistas, os rectaguardistas, trataram logo de pôr em prática tudo o que já tinham preparado sobre todos os negócios, tanto do arrendamento, como da compra e vai daí, prepararam também a cena de que não permitiam que o PM, o JEM e a MMG fossem inseparáveis.

Porque, no fim de contas, nem o PM podia pôr em risco o lugar dos outros dois, nem os outros dois podiam pôr em risco o lugar do PM. Isto foi tudo preparado. Mas, para mim, tudo isto está profundamente errado. Se eu pudesse preparar alguma coisa, era de caras que todos eles eram livres de fazer o que entendessem. Ou eram todos livres ou eram todos presos.

Voltando a mudar de página, eu mesmo tinha preparado que devia restar espaço para os preparados do apito dourado, os preparados da face oculta, os preparados do freeport, os preparados do portucale e dos submarinos, os preparados da SLN e outros preparados que agora me escapam.

Realmente, depois de tantas preparações, anda tudo a escapar-se não sei para onde, logo, parece que não vale a pena terem tudo tão bem preparado.

 

13 Jun, 2010

Acredito na mentira

Sinceramente, juro que acredito em todas as mentiras que oiço, vindas da boca de todos os mentirosos que eu conheço de ginjeira. Se não acreditasse do fundo do coração, tinha de me penitenciar pelo facto de os considerar mentirosos. E isso é coisa que me não passa pela cabeça, tão certo estou de que, verdade, verdadinha, é o meu juízo acerca deles.

Há quem acredite nas mentiras porque as considera verdades, ao mesmo tempo que considera verdadeiros os maiores mentirosos do planeta. Obviamente que não estou entre esses crentes, porque as mentiras em que acredito são aquelas que me chegam com origem certificada como mentiras e não como verdades.

Há muito tempo que aprendi a distinguir entre uma mentira, uma verdade e uma dúvida. Mas, se há coisa que o meu dedo mindinho esquerdo não deixa escapar, é uma mentirinha piedosa ou uma mentira enorme, que não cabe na boca de um alarve. Há no meu dedo pequenino um feeling muito maior que o do besbanco, com todos os feelings dos seus maiores clientes juntos.

Não consigo perceber a razão de tanta sensibilidade à mentira do meu mindinho esquerdo, mas penso que ele lhe junta uma dose razoável de bom senso, para reforço das suas capacidades anti-minas, visto que ele detecta tudo o que é subterrâneo. Logo, sensibilidade e bom senso, não sei onde é que já ouvi isto, é o melhor detector de mentiras.

O meu maior ponto fraco é saber distinguir as verdades, quando elas são mesmo verdades, e se apresentam completamente à margem das mentiras. Tudo porque o meu dedo mindinho direito ainda não aprendeu a distinguir as meias verdades das meias mentiras. Depois, noto que não há uma colaboração perfeita entre os meus dois mindinhos.

É por isso que há uma zona nebulosa entre as chamadas verdades verdadinhas e as meias verdades que, como é óbvio e lógico, andam associadas às meias mentiras. E é aqui que residem as fragilidades dos meus dois dedos mindinhos que, por vezes, me obrigam a estar quietinho e caladinho, para não meter o dedo onde não devo.

Por exemplo, não consigo meter o dedo na dúvida. Porque a dúvida, por mais que me tente, não me convence. A dúvida é, e será sempre, o campo onde os duvidosos se espreguiçam e se coçam uns aos outros, incapazes de puxarem um pouco pela cabeça de forma a ultrapassarem esse campo minado e perigoso.

Mas há, e sempre houve, quem faça da dúvida a sua certeza, quem veja nela a possibilidade de realizar o seu sonho dourado de alcançar uma felicidade fugaz ou um momento de glória, nem que acabem, como muitas vezes acabam, com o rebentamento da mina mesmo debaixo dos seus pés.

Mesmo assim, a dúvida continuará a dominar a vida desses estropiados, que nada mais encontram para bálsamo das suas feridas, que a sua verdade, onde eles nunca vão encontrar a realidade de uma mentira, por mais desilusões que o tempo lhes vá trazendo.   

Se eles nunca vão acreditar na mentira que são as suas verdades, eu vou acreditar sempre nas mentiras que me dizem os mentirosos. Porque sei que são mentiras e sei que eles nunca dizem a verdade.

 

A língua portuguesa é muito rica, o que não impede muitos portugueses de a empregarem muitas vezes em situações de uma pobreza franciscana, mesmo considerando que uma ou outra liberdade linguística não constitui atropelo mortal, nem tão pouco suspende as liberdades criativas de quem gosta de falar e escrever.

O discurso presidencial das comemorações do dez de Junho foi considerado adequado mas excessivo, pelo candidato presidencial Manuel Alegre, insigne poeta e político conceituado da nossa democracia.

Como poeta, não custa reconhecer-lhe o direito à liberdade de dar uns pontapés na gramática, normalmente, por causa das rimas e do rigor silábico dos versos. Como político, aceita-se perfeitamente que, como tantos outros, até dêem pontapés na atmosfera, para conseguirem o que julgam ser o maior realce para as ideias que pretendem fazer passar.

Portanto, como um candidato à presidência é um político, embora haja quem se considere acima desses fazedores de erros, está justificado qualquer pequeno ou grande mau trato, mesmo alguma indelicadeza de oratória, ou até aquelas que só o passam a ser para quem percebe menos disso que qualquer estrangeiro acabado de aterrar aqui.

É, com certeza, o meu caso. Talvez porque eu seja um inadequado para comentar certas coisas de excessiva adequação à cena política nacional. Logo, se eu sou um inadequado, tenho falta de adequação, seja lá para o que for.

Segundo o meu obtuso raciocínio, a adequação não tem falta nem excesso, senão deixa de ser adequada. E, se uma coisa é adequada, é porque está na medida correcta da sua utilização, pois se for excessiva é porque é exagerada, logo, não é adequada.  

Bom, repito que isso é para mim, que sou um inadequado. Talvez excessivamente inadequado, mas isso também não me preocupa muito, porque não devo ser caso único.

Todo aquele burburinho, e por consequência, também este, teve a sua origem, penso eu, num vulgar e indesejável adjectivo, que bem podia ter ficado fechado na gaveta da secretária do autor do texto que lhe deu voz de soltura.

Insustentável, é o palavrão que tanto pode ser apenas adequado, como adequado mas excessivo, ou até substituído por uma dificuldade. Vá lá a gente perceber estas liberdades linguísticas que aparecem sem ser convidadas nestas cerimónias solenes de tanta pompa e circunstância.

Também podia dizer-se, sobretudo agora que já passou a cerimónia, que o discurso foi adequado mas insustentável.

Por outro lado, suponho que também teria sido normal e correcto dizer-se que a situação do país se tornou adequadamente insustentável.

Mas, segundo o meu obtuso ponto de vista, ainda acrescentaria que talvez a situação do país seja insustentavelmente adequada e o discurso insustentavelmente inadequado.  

 

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