Falta de tempo
Esta coisa chamada tempo é capaz de ter a ver com a utilidade ou inutilidade da passagem de certos elementos pela rota da esperteza ou da estupidez, rota que serpenteia por este vale de manifestações que cada um exibe durante o tempo de permanência na cena em que se mostra, tendo depois a nota final correspondente à sua exibição.
Mas antes do tempo temos a falta, coisa que, dizem os entendidos mais confundidos, não há falta que não dê em fartura, principalmente, quando a falta é de juízo e a fartura é de estupidez. Este tipo de raciocínio talvez tenha um pouco de tudo isso, mas bem sabemos como a natureza humana está extremamente sujeita ao contágio de tudo o que a rodeia.
É curioso que ainda há quem se sirva da estafada lengalenga da falta de tempo, para tentar justificar a sua tendência natural para a clara demonstração da sua estupidez mascarada de esperteza ou, não raras vezes, esta disfarçada de estupidez, por mais que se pretenda tirar partido daquela que mais lhes realce a personalidade.
O mesmo é dizer que há quem não tenha tempo para mostrar devidamente os seus verdadeiros dotes, porque vive na ilusão de que compete ao tempo permitir-lhes garantir estupidamente as suas espertezas. Por mais estúpidas que estas sejam, pois elas vão continuar a ser, ao longo do tempo, as verdadeiras armas dos espertos.
Gostava de ter tempo para me explicar melhor sobre esta problemática, mas estou completamente convencido de que não é por ter um insuficiente bocadinho de esperteza, nem um excessivo bocado de estupidez, que aqui deixo este assunto meio engrolado, convicto de que alguém que me supere acabará por deslindar.
Porque até aqui, só não tem tempo para fazer o que deve, quem já perdeu ao longo do tempo todas as oportunidades para mostrar que sabe fazer e sabe o que lhe compete fazer. Quando, carregando montes de frustrações, conclui que não teve competência para arranjar soluções, embrulha-se em contradições e desculpas, alegando que não tem tempo.
Trata-se então de pretender espalhar uma esperteza no meio da estupidez ou, vendo o problema pelo lado mais objectivo, é pretender espalhar a estupidez mais desmascarada, no meio da esperteza de quem já conhece bem essa maneira de ser estúpido. Por mais que os estúpidos se considerem os verdadeiros espertos.
Estes, os verdadeiros espertos, distinguem-se dos falsos estúpidos, por terem quatro olhos. Os dois normais que vêem mais ou menos para a frente, mais dois que vêem demais para trás, com a prevalência destes sobre aqueles. Ora, assim, com umas luzinhas débeis viradas para a frente e uns faróis potentes virados atrás, o mundo fica de pernas para o ar.
Fica para eles, coitados, porque sempre se ouviu dizer que é preciso ter os pés bem assentes no chão, para caminhar e pensar no bom sentido. Como se fosse a mesma coisa caminhar com a cabeça no chão e os pés no ar. Ainda por cima a escoicear. É caso para dizer, calma aí. Olhem que a estupidez não é mana gémea da esperteza, nem o tempo alguma vez as juntará.
E não será por falta de tempo. O tempo nunca faltará a quem seja capaz de ver as coisas sem miopia mental. A falta de tempo será sempre a desculpa de quem vive apenas e só para complicar e nunca para resolver. Talvez um dia haja quem possa acabar-lhes com a falta de tempo, retirando-lhes de vez, tudo aquilo que lhes rouba o tempo.
Até eu já começo a ter falta de tempo para aturar as madurezas, as espertezas e as estupidezes. Mas terei sempre absoluta falta de tempo para compreender como se pode gastar uma década da vida a marcar passo e, depois, ainda se dá apenas um passo atrás. Uma década é muito tempo para se ter apenas falta de tempo.
Também já não tenho tempo para continuar a asneirar.