Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

afonsonunes

afonsonunes

31 Ago, 2010

Polvos e pintos

Há muita gente a dizer que já não percebe nada do que se passa no país de polvos sem cabeça e até de polvos de cabeça perdida que levam outros polvos, mesmo cabeçudos, a enterrar a cabeça na relva, que é onde lhes dá mais jeito. Eu diria que não se passa nada, pois há muito tempo que descobri os meandros daquela guerra tentacular que mina os donos das bolas e contamina até os pobres apanha bolas cá do burgo.

E também descobri há muito tempo que os pintos com bolas são especialmente caracterizados por depenicarem muito bem na relva onde encontram as tais cabeças de polvo enterradas, às quais juntam os seus tentáculos de pintos ‘polvoeiros’, que é uma espécie de polvo com penas ou, se quiserem, uma espécie de pintos tentaculares.

Depois, esta guerra há muito que tomou aspectos bem pitorescos, se considerarmos que há quem pense que os pintos são todos do norte e os polvos são todos do sul. Puro engano, pois isto já anda tudo misturado, tanto lá em cima como cá em baixo, tanto na relva como nas alcatifas, tanto nos que mandam, como nos que deviam obedecer.

Já não me custa nada admitir que os pintos que cantam de galo são demasiado sensíveis a jogadas mais ou menos limpas mas, de qualquer modo, limpas. Vai daí que, quando pensam que alguém lhes está a fazer uma finta, ainda que imaginária, ou mesmo uma simples finta de língua, toca a levantar a chuteira de pitons em riste e aí vai disto até ao interior profundo do osso da canela.

Ai, eu sou cabeça de polvo? Então espera aí. Como tu não és pinto, nem nunca vais cantar de galo, tal como não tens um secretário para te recomendar a dose certa, ninguém te livra dos meus tentáculos, pois fica sabendo que eu não sou apenas a cabeça. Sou também o corpo inteirinho de um grande polvo cabeçudo.

No fundo, isto gira tudo à volta dos pintos do meu país, pintos calçudos, cuja única utilidade tem sido a de produzirem muito estrume, tanto, que chega e cresce para estrumar todos os relvados do país, ainda com alguns excessos de produção que gentilmente cedem aos amigos lá de fora, onde o estrume mais escasseia.

Embora haja quem deteste estrume, principalmente de pintos, eles juram a pés juntos que o seu estrume é um asseio, muito completo em termos de composição, o que por si só justifica o retumbante prestígio de que goza lá fora, embora cá dentro, para não variar, é convicção generalizada de que cheira demasiado mal.

Mas isso não quer dizer nada, porque quanto mais mal cheiroso for, mais freneticamente ele será aspirado por milhares de narinas inchadas que o sugam como se de uma regeneradora droga se tratasse, como se fosse mais que reconfortante para neutralizar as muitas frustrações que o dia-a-dia cruel e insuportável lhes cruza as vidas, ora monótonas, ora explosivas.

Polvos e pintos, estrume e droga, eis quatro coisas que me sugerem um mundo surreal, onde a realidade se cruza com a ficção, onde aquela é enganada e esta é um desengano, onde o cheiro nauseabundo é consumido por muitos como perfume raro, onde os homens e as mulheres que não são pintos nem polvos, precisam de máscara para andar no meio daqueles.       

Neste mundo onde as transformações genéticas já não constituem surpresa, nem pela qualidade, nem pela quantidade, tudo me leva a aceitar que os polvos já são tão pintos, como os pintos já sabem mesmo a polvos. Depois, vá lá saber-se quem sabe ou não sabe lidar com todas estas e outras drogas.

Qualquer dia lá temos de gramar, em qualquer restaurante, a norte ou a sul, um polvinho da guia, ou um pintinho à lagareiro. Eu sei que há gostos para tudo, mas enfim…

 

20 Ago, 2010

Fogo! ...

Sim, é verdade, estou farto de fogos, estou cheio dos pirómanos, enojado com os incendiários e de olhos arregalados por ver que, afinal, toda essa cambada merece mais respeito e consideração que qualquer pessoa séria que se esforça por fazer qualquer coisa de útil para o país. Porque, coitadinhos daqueles, são alcoólicos, ou drogados, ou sofrem de alguma frustração que os torna inimputáveis. Logo, o estado que os trate em lugar de os prender…

Estou farto de ver que as televisões dedicam horas diárias às chamas que, não raras vezes, são as mesmas durante dias seguidos, ouvindo pessoas desesperadas junto dos haveres perdidos, como se isso lhes trouxesse de volta alguma coisa. Parece que traz, e com alguma eficácia, um poderoso aliciante para os apreciadores do espectáculo.

Não posso com aqueles indivíduos que a propósito da desgraça alheia culpam tudo e todos pela tragédia que têm diante dos olhos, como se as suas diatribes de oratória resolvessem todos os defeitos que encontram em todo o lado. Só me apetece aconselhá-los a pegarem numa ferramenta qualquer e dirigirem-se para uma frente de fogo.

Contudo, podiam ainda dar melhor contributo à extinção do flagelo, indo à procura dos criminosos que não param de atear as chamas nos locais mais ermos e de difícil acesso, escolhendo, normalmente, a calada da noite para melhor encobrirem a sua cobardia e o seu desprezo pelos soldados da paz, pelas vítimas e pelos danos incalculáveis causados a tanta gente.

No mínimo, é um acto ridículo de qualquer político em representação do seu partido, ou do seu cargo, andar de volta dos fogos a mandar vir postas de pescada contra quem está a dar o seu melhor e, nitidamente, nada mais pode fazer senão incentivar quem dá o corpo ao manifesto, a dar também o seu melhor na defesa contra o inimigo que não dá tréguas.

Ao menos podiam ver os exemplos que nos chegam lá de fora, mesmo de grandes potências, ricas e poderosas, mas que têm de pedir auxílio perante a impotência dos meios de que dispõem que, em circunstâncias tão invulgares, nunca serão suficientes perante tais calamidades. Se assim é para essas potências, como não o há-de ser para um país pequeno e de recursos limitados como o nosso.

Bem basta que se oiçam os desabafos mais injustos vindos de quem se vê no centro da desgraça e do desespero. Compreende-se. Só quem não passa por situações dessas o não compreende. O que se não compreende são os oportunistas que se aproveitam dessas vítimas da tragédia para atingirem objectivos que nada têm a ver com isso.

É fácil falar de muita coisa que se podia fazer. O mais difícil é fazer aquilo que é possível fazer, dentro dos condicionalismos existentes no país, tanto no aspecto económico-financeiro, como no aspecto operacional ao dispor de cada extracto da população envolvida.

É evidente que há sempre quem veja em tudo uma questão de ajudas do estado, que tudo tem obrigação de pagar, mesmo àqueles que não mexem uma palha para defender o que lhes pertence. Pelo contrário, muitos deles são autênticos incendiários, só porque vêem nessas acções, boas possibilidades de ainda irem lá buscar algum. Ou, de não terem de pagar do seu, o custo da prevenção que evitaria essas verdadeiras catástrofes.

 Fogo! … É o meu desabafo perante tantas e tão incorrigíveis mentalidades.

 

18 Ago, 2010

Passos de Coelho

Tenho cá um pressentimento de que o nome de Pedro de Passos teria um impacto muito superior ao de Passos de Coelho. Não vale a pena perguntarem-me porquê, pois eu não saberia responder. Digo isto com toda a naturalidade, pois não sou daqueles que sabem tudo e nunca seriam capazes de dizer que não sabem.

Pedro de Passos, até poderia ser comparado ao Senhor dos Passos, atendendo a que têm sido inúmeros os passos dados em procissões de muita fé, isto sem contar os passos perdidos ingloriamente, coisa que nenhum santo tem no seu curriculum.

Agora o que mais me espanta, é quererem convencer-me de que há passos de coelho, quando sempre vi todos os coelhos a saltitar ou a correr, mas nunca a andar aos passos, lentos ou ligeiros, mesmo quando não tenham atrás deles, aqueles caçadores que levam à sua frente matilhas de cães ruidosos e sedentos de ferrar o dente em chicha vivinha da costa.

É por causa disso que me parece muito mais sensato falar em Pedro de Passos, porque Pedro sempre é nome de apóstolo, com muito prestígio desde os primórdios da doutrina que sempre professou, ainda hoje credor de devoções incontáveis e imorredoiras. Daí que me pareça que em lugar de Passos de Coelho, lhe ficasse muito melhor o nome de Pedro de Passos.

Tal significaria que o seu caminho seria triunfal ao longo dos tempos, sem aquelas hesitações e quebras de fé que sempre acontecem, mais tarde ou mais cedo, a quem se lança em busca da sua terra prometida, quantas vezes apenas sonhada. Nos passos de Pedro seria, com certeza, uma caminhada conseguida.

Depois, Pedro de Passos dá a sensação aos observadores muito miudinhos como eu, que se meteu em competição com outros Pedros, esses autênticas lebres de corridas, onde ninguém as supera, até porque é exactamente essa a sua função. Manter-se sempre à frente da corrida, para que sejam elas a manter o ritmo que lhes é exigido pela organização.

Está-se mesmo a ver que um Pedro de Passos nunca poderá competir com um Pedro de Corrida, pois estaríamos perante uma situação de confronto entre uma espécie de coelho que saltita e uma lebre que salta como deve ser. E assim, um coelho no meio de lebres é um espécime deitado aos bichos.

Fica demonstrado à evidência que Passos de Coelho não resolvem nada nesta coutada abrasada de lebres que correm que se farta atrás de tudo o que seja massaroca dos milheirais dissimulados entre as florestas que ardem mesmo sem se ver. Quando lá chega o Passos de Coelho, cheio embora de belas tiradas de moralidade, nunca conseguirá mais que apanhar uns grãozinhos de milho perdidos, nem jamais conseguirá que comam todos dessas diabólicas massarocas, como tanto propala.

Escusa bem de querer mostrar que tem o que não tem, ou seja, pernas para competir e vencer as lebres que tem a seu lado, e do seu lado. São exactamente as mesmas lebres que têm devastado o terreno, onde vislumbram as tais massarocas, algumas delas, armazenadas cuidadosamente nas frescas montanhas da estranja, para mais tarde roer tranquilamente.

Um outro, o Pedro Coelho, provavelmente primo muito chegado da família, talvez um pouco, ou muito confuso, vai criando o hábito de dizer que não quis dizer o que disse e, com grande sentido de humor, vai dizendo que não faz aquilo que disse que ia fazer. E que a opinião pública diz que ele não pode mesmo fazer.

Não basta levantar poeira, ainda que seja muita poeira e muito densa, em todas as direcções, tentando meter lá pessoas no meio de lebres, para que estas fiquem mais à vontade, e desloquem a direcção das objectivas que estão sempre por perto.

É bem verdade que se precisam passos firmes e decididos sobre um caminho que está longe de ser percorrido com justiça e convicção, sobretudo, protegendo convenientemente toda a massaroca de todas as lebres furtivas, que se estão marimbando para todos os coelhos que nunca darão passos na direcção que, decididamente, lhes trave as corridas desordenadas.  

Se, com Pedro de Passos não passa nada, com Passos de Coelho nunca sairemos da cepa torta.

 

 

 

 

Diz o povo que é melhor cair em graça que ser engraçado. Não tenho quaisquer dúvidas em afirmar que há coisas que nem têm graça nenhuma, mas às quais há quem atribua mais importância que a uma graça divina, diria mesmo que lhes dedicam milhentas graçolas, às quais só se pode dedicar um somítico sorriso amarelo.

O mau gosto nunca pode ter graça, mas os engraçadinhos julgam que conseguem esse milagre de a ter, talvez porque vejam os outros, os seus semelhantes, como clones do seu feitio degenerado, ou o fruto de qualquer transgénico que eles pensam já homologado com a qualidade que atribuem a si próprios.

Ao pensar nestas coisas não evitei que o pensamento se me desviasse para dois procuradores e respectiva chefe, que acabam por se manifestar vítimas ‘de uma campanha de destruição da honorabilidade, do carácter e do profissionalismo dos magistrados responsáveis.’

Apetecia-me soltar uma daquelas exclamações que não acalmam a dor, nem o desejo, nem a vontade de rir até rebentar com as entranhas. Antes de me precipitar, lembrei-me que aqueles três não se devem lembrar do que são campanhas, nomeadamente, aquelas de que eles foram autores e protagonistas. Foram e continuam a ser.

Quanto a destruição, sugeria que fossem ao dicionário, além de que os lembraria que é um substantivo que vem do verbo destruir, coisa que é o que fazem os fogos, as inundações, os fora da lei e outras pestes. Tudo isso e muito mais significam destruição. Depois, há os destruidores, que são os provocadores da dita. Ainda depois, há os que se consideram destruídos, mesmo depois de terem sido os principais destruidores, nos mais variados sentidos.

A honorabilidade será alguma coisa que se coma? Sinceramente, há tanto tempo que não a encontro, que pensei que já tivesse sido mais uma daquelas espécies completa e irremediavelmente extintas. É com total surpresa que verifico que ainda há alguém que reivindica tê-la. Depois de tanto a ter destruído nos outros. Será possível?

Fica-me uma dúvida muito grande sobre aquilo que vi escrito. Os três falam no carácter, coisa que, por mais que estique o meu raciocínio, não descubro um fiozinho dele que me leve a concluir que ele anda por aí. Talvez, e aí está a minha dúvida, eles estejam a falar dos caracteres que inundaram as páginas dos jornais e serviram de base de dados aos telejornais.

Resta o profissionalismo, essa coisa que o tempo e o erário público bem clarificaram. O trabalho dessas três vítimas do descalabro popular que os atingiu, já foi arquivado duas vezes. E estamos para ver o resto. Vamos só imaginar que o profissionalismo tinha ditado que 2003 tinha sido o ano do fim da comédia.

Se calhar, todos os TGVs já estavam quase a funcionar, sem problemas de verbas, e todos os destruidores já estavam à sombra, graças à acção e ao aproveitamento de sete anos de trabalhos de buscas frutíferas, de tanta gente que andou, ao que parece pelos resultados, esses sete anos, a gastar dinheiro em buscas inúteis, dinheirinho que tanta falta fazia. Mas, tudo indica que ainda vamos ter o terceiro arquivamento, lá paro o ano de S. Nunca à Tarde.

Ah, com licença, ainda falta lembrar que eles, os três, também falaram de magistrados responsáveis, naquela curta comunicação aos parceiros. Acho muito bem que tivessem prestado esse acto de justiça aos seus colegas íntegros que ainda existem e, certamente, continuarão a existir. Estou certo de que era desses que estavam a lembrar-se.

Mas esta era apenas a primeira coisa sem graça nenhuma. Agora me lembro que tinha falado em três, no início deste escrito. Acontece que, com a ausência de entusiasmo e a falta de graça desta coisa, me esqueci das outras duas. E por pouco não me esquecia desta também. Pena é que ela não tivesse sido arquivada logo à nascença, pois assim temos de falar de um aborto tardio.

 

Até parece que é impossível a alguém ter estes três atributos cumulativamente, tal a onda de burburinho que se levantou em volta de um desabafo de um homem profundamente convencido de que a verdade e a mentira têm diferenças tão visíveis que só as não vê quem não quer abrir os olhos e olhar para a sua frente.

Ser beirão não é sinónimo de honesto, tão pouco de crente, tal como ser alfacinha ou tripeiro não quer dizer que sejam fenómenos de esperteza ou trafulhice. Todas as generalizações são, além de um perigo, uma profunda mania dos regionalismos bacocos e, muitas vezes, complexados, que não pretendem mais que dissimular esses complexos.

Diz-nos a experiência que os habitantes de cada região do país, tal como acontece com habitantes de cada país, têm algumas características genéricas especiais que os distinguem, mas daí a concluir-se que uns são melhores ou piores que os outros vai uma grande distância, como facilmente se conclui sem necessidade de uma lupa.

Agora, ser beirão de uma geração em que a melhor universidade foi a vida dura e difícil desde os primeiros dias de existência daqueles que, como o granito, se tornam inevitavelmente bem rijos e morenos, não é a mesma coisa que ser nado e criado no ar condicionado, tratado basicamente a copinhos de leite, bebidos antes de adormecer ao som de histórias de príncipes e princesas.       

Ser honesto é hoje uma complicação danada, porque a honestidade não é uma coisa rija como o granito, nem mole como o leite ou a pastilha elástica, tão pouco se vai colher à montanha ou ao mar, nem se tira ou se põe em cima da cabeça como um barrete de qualquer forma, cor ou tamanho. Ser honesto, em qualquer ponto do país, é um estado de alma que vem do berço, embalado pelo pai e pela mãe, que o souberam fazer ao longo do tempo.

Ser crente, é acreditar-se em tudo o que se diz e se faz, é ter a consciência de que podem estar mil olhos em cima de nós, em todos os momentos da vida que, de boa fé, nunca encontrarão um único motivo para nos fazer mudar de percurso, sem uma demonstração inequívoca de que estamos no mau caminho. Porque o equívoco pode estar do lado de quem nos quer desencaminhar.

Para ser honesto e ser crente, cada um dentro das suas convicções, não é necessário ser minhoto ou algarvio, nem o facto de se ser beirão ou ribatejano, demonstra maior capacidade de dominar as feras e até fazer algumas boas pegas. O que é necessário é ser homem de barba rija e pulso de ferro, contra os truculentos que vêm do copinho de leite e do iogurte, venham eles de onde vierem a mascar nervosamente na pastilha.

Mas, quando vierem à liça, que tragam a força da razão e não a cobardia das dúvidas e das desconfianças, querendo impô-las às convicções dos outros, sem se sentirem obrigados a demonstrar seja o que for. Ainda não perceberam que as suas desconfianças, enquanto não se transformarem em certezas, não podem valer mais que as convicções de quem tem razão e autoridade para tomar decisões.

Funciona assim, ou devia funcionar assim, a verdadeira hierarquia, onde manda quem pode e obedece quem deve, sem prejuízo de se demonstrar com factos, e não com desconfianças, quem está dentro das suas atribuições. Quem desconfia, tem obrigação de procurar respostas e não de fazer perguntas, que só põem em evidência quem não sabe nada de nada.

E, quem não sabe nada de concreto, mais lhe vale estar calado até saber do que fala, principalmente, se estiver a incorrer em algum delito hierárquico, para não falar em outros delitos contra direitos básicos de outros cidadãos. Sim, porque não são só e apenas os desconfiados que têm todos os direitos do mundo e são mais credíveis que ninguém.

Demonstre-se, pois, com factos, com provas e com verdades, que o beirão não é honesto e que aquilo em que ele acredita está errado e porquê. Já agora, que os desconfiados provem também que são mais honestos que o beirão, já que tanto crêem que sabem mais que ele.

 

Uns dizem que são precisos mais poderes para se meter isto na ordem, enquanto outros se arreganham dos pés à cabeça porque entendem que quem manda em alguém, tem poderes até demais para, alegam esses, fazerem todas as asneiras que lhes dá na real gana.

O que na verdade está em causa é que o poder causa muitos engulhos a certos lírios que não suportam que alguém lhes trave os desvarios a que costumam chamar de liberdades, bem como a certos servidores do estado que entendem que não devem servir a ninguém mas, apenas e só, servirem-se, ainda que se sirvam da humilhação para que ninguém os incomode.

Daí que se arvorem em juízes de todos aqueles que têm por missão orientá-los e disciplinar a sua actuação, numa completa subversão de posições, insistindo em querer mandar, quando deviam obedecer, boicotando sistematicamente todas as decisões que lhes não agradem, por não servirem os seus interesses, muitas vezes inconfessáveis.  

Todos os dias assistimos a vozes individuais ou colectivas que contestam todas as fontes de poder, não com críticas mais ou menos construtivas, mas com acções de puro boicote a roçar a ilegalidade, quase sempre acompanhadas de insultos e impropérios que não tolerariam se lhes respondessem no mesmo tom.

Não custa nada afirmar que são precisamente os menos sérios, os que mais se furtam às suas responsabilidades de cidadania, os que consideram que todos roubam, que todos são incompetentes, que ninguém faz nada, quando não custa verificar à vista desarmada, que são esses incorrigíveis cidadãos, supostamente exemplares, que fazem com que o país não saia dos males que eles têm entranhados e não querem eliminar.

De entre esses incorrigíveis cidadãos, há muitos que não querem, nem nunca quiseram trabalhar, vivendo do ar, mas também há muitos desses cidadãos, eleitos ou escolhidos, que têm as suas ocupações na administração pública ou outros serviços similares, que eles transformam em autênticos ninhos de víboras onde picam o seu veneno permanentemente em quem os rodeia ou, pior ainda, em quem está acima deles hierarquicamente.

Já se tem ouvido falar na estranheza de ainda se encontrar quem queira ocupar determinados cargos, sabendo-se como estão permanentemente sujeitos aos maiores vexames de gente sem escrúpulos, muito piores em tudo que aqueles a quem insultam e exigem a toda a hora que se demitam, uns atrás dos outros. Porque ninguém serve para satisfazer as suas exigências, nenhum presta para lhes servir de colher que lhes meta a papinha na boca sempre esfomeada.

É evidente que isto não é de agora nem de ontem. Isto já vem de muito longe, vendo-se que, muitas vezes, ao longo do tempo, os vilões passam a sérios e os sérios passam a vilões. Como a fruta, tudo tem as suas épocas. Como acontece com a fruta, muita coisa vai apodrecendo com o tempo e, no meio da podridão, não é fácil encontrar alguma coisa que se salve.

Até porque a fruta podre vai apodrecendo a fruta sã que tem ao lado. Às tantas, tal como a fruta misturada, também as pessoas com fama de muito sérias, ou as pessoas tidas como corruptas, todas correm o risco de passar por ser duvidosas, devido à inacção que todas elas revelam em escolher abertamente o lado onde querem estar, sem a hipocrisia das aparências.

Nem só o poder corrompe. Nem só o poder é responsável pela triste situação do país. Não é aumentando poderes ou retirando poderes, seja lá a quem for, que se põe isto no lugar devido. É preciso que cada um, do mais pequeno ao maior, utilize bem e sem hesitações, os poderes e os deveres que lhe cabem.

Mas, de uma vez por todas é, acima de tudo, necessário e urgente, acabar com os muitos contra poderes que já se demonstraram como perniciosos e que asfixiam quem tem a obrigação de usar os seus poderes legítimos. 

Até parece que há gente permanentemente interessada no interior desses contra poderes, em proteger as ervas daninhas para que medrem e infestem as culturas da sociedade.

 

04 Ago, 2010

A nossa rainha

Com muita dificuldade lá consegui perceber que o pessoal do palácio, aquele que trata de prestar todo o apoio ao conforto da rainha, não tinha sindicato, porque os candidatos a líderes tinham chegado à conclusão que não arranjavam nenhum membro que quisesse ser a palma da coroa, nem o símbolo de guerras palacianas que, já se sabia, acabariam muito mal.

É evidente que nunca seria cómodo nem sensato querer falar mais alto que a rainha, sabendo-se, como se sabe, que a nossa rainha tem voz grossa, tão grossa que até dizem que deve ser de homem. Lá está outra coisa que ainda não percebi, como é que um homem se atreve a dizer que é rainha, num país republicano, onde até já se pensa criar o sindicato dos réus.  

A nossa rainha não concorda com essa ideia porque, pensa ela, antes de se pensar no sindicato dos réus, tem de se pensar no sindicato dos arguidos, por uma questão de sequência lógica da justiça. Isto, mesmo que se saiba que, por cá, se dá muito mais importância aos candidatos a arguidos que aos réus já efectivos.

Porque a nossa rainha já concluiu que lhe dá muito mais dores de cabeça um arguido que nunca chega a ser réu, que um réu que nunca mais passa a condenado. Isto para não falar na ralação que constitui um simples procurado que nunca chega a ser encontrado, apesar de pôr de faro afinado todos os cães do reino, a quem ninguém coloca um simples açaimo.

Penso que toda a gente sabe o perigo que representa mandar cães à caça em roda livre. Seja à caça de uma inofensiva codorniz, seja a perseguir um perigoso assaltante de bancos. Ora, a nossa rainha entende que não pode, ela própria, ir à caça, porque não tem arma nem farda adequada, que lhe permita impor respeito aos cães que fazem o que querem e bem lhes apetece.

Depois, há sempre quem pense as coisas mais disparatadas sobre a caça, os cães que a procuram, os comilões que comem dela e até o sindicato dos caçadores, que também representa os cães deles. Tudo isto é normal em qualquer democracia deste reino, mas a nossa rainha acha que isto é democracia a mais para gente sem sindicato.

Mas, a grande discussão está para surgir ainda. Na verdade, questiona-se, e muito bem, porque razão a nossa rainha não pode ir à caça, só porque usa cautelas a mais na defesa das espécies e tem uma coroa na cabeça, que não dá para as travessuras das correrias no terreno para controlar os cães.

No entanto, a nossa rainha tem a obrigatoriedade de passar licenças de caça a qualquer caçador, seja qual for a raça de cães que queira pôr no terreno a procurar a dita. Ora, há quem sustente que tem toda a lógica substituir a rainha por um rei, ao menos este pode usar a fatiota apropriada, pegar na arma e largar os seus cães devidamente controlados.

Assim, dizem, nunca se caçaria gato por lebre, nem nunca se passariam licenças de prazo indefinido e cães a dar com um pau, mordendo sem rei nem roque. Sim, porque isto não é a caça ao homem, onde vale tudo, nem é uma monarquia onde o rei satisfaz a sua realeza e a rainha não aspira a ser presidente do rei.  

É por isso que a nossa rainha não se conforma com a coroa que lhe puseram na cabeça, simplesmente, porque há quem diga que parece um barrete, nem nunca se resignará a ser um sucedâneo de representante da república, quando deixar a monarquia.