Preocupados
Já me constou que há por aí gente preocupada, só ainda não percebi porquê e quem é que se mete nestes receios que, pelos vistos, não se manifestam em qualquer lado, nem de qualquer maneira. Mas isso são manifestações que não estão ao alcance da minha vista, talvez porque ela se desvie sistematicamente da obscuridade social.
Mas lá que tenho as minhas preocupações, lá isso tenho, mas não pelos mesmos motivos dos preocupados com futilidades de comadres e compadres, ao que parece por ainda não saberem seguramente se o que lá está acabará por ficar, ou se o que quer ir para o lugar dele conseguirá a indispensável desistência do homem e depois vencê-lo.
Repito que as minhas preocupações não são bem essas e até tenho cá um pressentimento que há muita gente a pensar como eu. Sim, porque estou deveras preocupado por ouvir dizer que os impostos não podem subir, a menos que seja o FMI a impor que é preciso. Se assim for, já os podem duplicar ou quadruplicar, pois assim poderá dizer-se que a responsabilidade será do outro. Tudo bem, portanto, ou não seja essa a lógica passadista.
É lógico e razoável que os impostos não subam pois, assim, os mais necessitados não serão atingidos. Aqui, tenho de me penitenciar, pois sempre pensei que os mais necessitados não pagavam impostos, logo, as subidas seriam para os que pagam, isto é, para os que têm rendimentos suficientes para o fisco os atacar. Era mesmo ignorância da minha parte.
A mesma ignorância tem andado ao redor do meu entendimento sobre as deduções nos benefícios fiscais. Lá andava eu a pensar que os pobres eram os que menos benefícios podiam deduzir, porque, coitados, se eles não têm dinheiro para mandar cantar um cego, como poderiam apresentar descontos em impostos que não pagam? Não percebo como nunca tinha pensado que não estava a ver bem a questão.
É como essa de baixar o imposto sobre a venda de combustíveis. Pensava eu que se baixassem esse imposto teriam de criar outro para compensar as receitas. Ora, se quem anda de carro, não pode pagar, pagaria quem anda a pé ou até de burro, através do outro imposto que fosse criado. Está visto que não dou uma para a caixa dos pirolitos.
Também ainda não percebi como é que o estado devolve dinheiro dos almoços e jantares dos que comem nos restaurantes, que devem ser pobres de primeira, enquanto os que comem em casa, e pouco, não estão autorizados, não a deduzir, que não têm por onde, mas a exigir os géneros de borla para fazer as refeições em casa. Será porque são pobres de segunda?
Inevitável seria eu não esquecer as portagens. Então como é que eu havia de entender que os utilizadores das auto estradas não pusessem a exigência do respectivo pagamento por parte de quem só anda de burro? Tudo tem a sua lógica, claro, mas seria de toda a justiça que aqueles utilizadores também ajudassem a pagar as ferraduras dos ditos animais, que de há muito ganharam o direito a, também, andarem calçados. É que ser burro, também é ser gente.
Bom, deixa-me cá acabar com as revelações da minha estupidez senão ainda vai haver quem diga que estou armado em esperto. Não confirmo nem desminto essa minha intenção, pois se houver alguém ainda mais esperto, peço que me explique porque é que está preocupado com essas coisas e outras do mesmo género. Do género de quem nos quer ver preocupados.
Peço também que se deixem disso, pois bem basta que eu carregue com todas as preocupações dos espertos deste país e também de todos os outros. Ainda não me puseram no dorso a albarda da ordem, mas não tardará. Só espero que essa honra caiba a um burro menos burro que eu.