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afonsonunes

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31 Out, 2010

Que horas são?

 

Tenho a impressão que é menos uma hora que ontem, o que quer dizer que o país está mais atrasado agora, principalmente, depois das vinte e três e dezanove de anteontem, minuto em que duas assinaturas, talvez mesmo dois rabiscos ilegíveis, marcaram o início do armistício que ficará para a história como ‘A minha vitória em casa’.

Nem mais nem menos. O doutor Eduardo andou, andou, até que conseguiu levar o doutor Teixeira lá para casa. Eu já sabia que isso ia acontecer. É certo e sabido que quem joga em casa ganha sempre, principalmente, se o da casa tiver na mesa uma lagosta suada e uma garrafinha bem geladinha a condizer.

Mas é que tem de ser assim mesmo para, muito lentamente, ir mudando o gelo dos dois rostos para dentro da garrafa, à medida que ela se for despejando para os dois copos. Depois, ao mesmo ritmo a que se quebra o gelo, os lábios vão desenhando dois sorrisos, até que a conversa se endireita e os sins começam a substituir os meneios das duas cabeças.

A hora vinte e três e o minuto dezanove, não podem ser considerados uma hora qualquer, por exemplo, só para dar uso à imagem do telemóvel. Representa a resistência de dois conversadores de fundo, que conseguiram ultrapassar a hora de jantar com a conversa nas gargantas, por onde apenas passara a lagosta e o vinho bem geladinho.

A essa hora e nesse minuto histórico, já se não pensava em mais nada que no jantar comemorativo que, certamente aconteceu, não ali, que a cozinheira já não estava de serviço, mas em qualquer mesa que pessoalmente escolheram, desta vez cada um para seu lado, visto que já estavam fartos de se ouvir um ao outro.

Sim, porque o tempo dos sorrisos já lá ia. Não dá jeito nenhum fazer uma comemoração com duas pedras na mão, cada um. Sabe-se lá quem atirava a primeira. Mas a verdade é que ambos estavam muito satisfeitos, ambos estavam ansiosos por comemorar, mas longe da vista, porque não se festeja uma vitória com o derrotado.

Apesar de, naquelas cenas antes e durante os encontros, nunca se ter percebido bem se eles eram da mesma equipa ou adversários de verdade. Houve momentos para manter todas as dúvidas e permitir todos os palpites, com as preciosas ajudas dos vibrantes adeptos e dos três treinadores dos gabinetes de alto nível.

Peço perdão pela triste imagem que me veio è ideia, pois eu sei que isto não é bola, nem tem treinadores. A minha cabeça é que já está a rolar como essa bola, com tantos pontapés que já levou. E sem culpa nenhuma, pois não fui eu que andei por aí a pôr muitas outras cabeças à roda com toda esta assistência endiabrada.

Tem-se perguntado muito, e discutido muito mais, nos ‘mentideros’ comunicacionais, sobre quem foi o vencedor destes encontros. Do meu ponto de vista, muito curto, há vários aspectos a considerar, ou seja, podíamos distribuir vitórias e derrotas parcelares. Mas, com toda a justiça, ambos mereceram a vitória sobre a teimosia.

Agora, não podemos ignorar que uma vitória em casa não é uma vitória fora, embora mereça os mesmos pontos. É uma injustiça. A ter em conta também, que o doutor Teixeira esteve a defender a sua dama. Normalíssimo. Pelo contrário, o doutor Eduardo esteve a defender a dama de outro. Vantagem para o doutor Eduardo. Um cavalheiro, sem dúvida.

Porque é muito mais fácil defender o que é nosso, que defender o que é dos outros. Nos tempos que correm, não nos devemos admirar que para bem defender os nossos interesses, se não somos capazes de os defender nós, é preciso arranjar um bom advogado. Ora o doutor Eduardo nem sequer é advogado.

Já tenho ouvido dizer que os bons advogados conseguem ganhar causas perdidas. Mérito do doutor Eduardo que se portou à altura de um bom advogado.

A propósito, que horas são? Ao fazer desta, são mesmo dez e dezanove. Como as coisas são. De ontem para hoje, já perdemos uma hora. Estamos sempre a atrasar.

 

30 Out, 2010

...

 As previsões para o dia de hoje, sábado, penúltimo dia do mês de Outubro, véspera de mudança da hora sem que se vislumbrem no país outras mudanças que nós, os residentes, como os ansiosos financeiros da estranja, tanto desesperam por ver concluída esta sorte macaca de que nós sairemos mal e eles sairão a rir.

Evidentemente que estas não são as previsões dos serviços de Protecção Civil que preferem ignorar essas coisas tristes, para se entregarem aos caprichos dos alertas, no caso de hoje, um amarelo para toda a gente do continente. Mas, cá para mim, o alerta laranja teria muito mais sentido na conjuntura. Já bem nos bastam os sorrisos amarelos que não nos largam um minutinho sequer, quando bem podiam ser mais alaranjados.

Convém não associar estes alertas amarelos ou laranjas a outros alertas, aparentemente, sem qualquer tonalidade, vulgo recados, oriundos de um local bem definido em Belém, alertas esses, que terão salvado ‘muitos cidadãos e suas famílias’, de se verem numa situação muito pior do que aquela de que Deus nos livre.

Tudo por causa de depressões múltiplas com origens muito diversas. As da chuva que se lançam sobre nós, provêm do Atlântico e põem ‘muitos cidadãos e suas famílias’ a meter água até às orelhas. Coisa que não nos devia causar grandes admirações, pois isso é o que andamos a fazer, com toda a sapiência e competência, há uma penosa eternidade.

Talvez por causa dessa habituação, que já é mais que um vício, todas as depressões causadas pelos caudais do cacau, têm origem nas fontes que ainda nos vão abrindo as comportas, enviando sempre umas mensagens em que nos ameaçam de sede letal e, ao mesmo tempo, do aumento dos algarismos da factura.

Começo a pensar que estes malabarismos vindos da estranja, têm tido cá dentro uns habilidosos que estão felizes por estarem a contribuir para que os seus companheiros, que se mudaram lá para fora, regressem brevemente, para resolver isso à sua maneira. Tudo porque gostam e desejam que o poder lhes caia na mão, sem que nada façam para o ganhar.

Até já pensei que um desses, agora tão reclamado para vir cá resolver isto, é um potencial, ou mesmo o mais provável sucessor daquele que tem estado a armar toda esta tramóia do diz que faz, mas que acaba sempre por nem dizer, nem fazer nada de concreto. Há quem chame a isto, uma táctica inteligente.

É verdade que vejo e oiço muita gente inteligente que tende mais para a esperteza. Isto não quer dizer que os inteligentes tenham de ser pouco espertos. Aliás, não me custa nada enviar os meus respeitos a toda a comunidade inteligente e as minhas felicitações aos que conseguem ser espertos neste país de natureza um pouco dura.

Já me tinha esquecido completamente de que hoje é realmente dia de alerta amarelo geral. Mas, acima de tudo, é o dia do fim do alerta laranja, do alerta do alarido, também ele geral, e cheio de incidentes mais vermelhos nos efeitos, que laranja nos benefícios. Já me tinha constado que todas as tontices têm um fim. E, seguramente, não agradam a ‘muitos cidadãos e suas famílias’.

Tontices que têm um fim e um preço, mas isso, a eles, não importa nada, porque não são eles que vão pagar a factura. Certamente que serão sempre os habituais ‘muitos cidadãos e suas famílias’. Já ouvi dizer que a metade que se vai poupar mais tarde, já foi gasta agora com a encenação que durou mais que as tais pilhas da eternidade. Sinceramente, não faço ideia do que querem dizer com este enigma.

No entanto, hoje, ‘muitos cidadãos e suas famílias’, bem como os ansiosos da estranja, viram levantados todos os alertas. Mas, que ninguém tenha dúvidas, novas superfícies frontais se aproximam, mais alertas amarelos e laranjas vão surgir, quiçá algum vermelho, para desassossego ou comemoração de ’muitos cidadãos e suas famílias’.

 

 

 

29 Out, 2010

As corjas

 

A corja que anda metida na política passa a vida a inventar coisas para sacudir a água do seu capote, como se tudo o que está mal neste reino da bagunça se devesse apenas àquele, ou àqueles, que cada um detesta. Por muito que este, ou estes, tenham a sua cota parte de responsabilidade. Maior ou menor daquela que àqueles cabe, ou coube.

Não há português que não se sinta habilitado a fazer um diagnóstico perfeito do estado da nação e dos méritos e deméritos de todos os seus ‘conhecidos’, sejam eles amados ou odiados. Diagnóstico que muitas vezes não passa de um chorrilho de faltas de muita coisa, mas em cada um dos seus autores.

Pois o meu detector de mentiras, que tem a sua antena principal situada na ponta do meu dedo mindinho esquerdo, não me deixa dúvidas de que a coisa fia muito mais fino, que essa treta de que, ao longo de cada período de quatro anos, há um ‘gatuno de estado’ que tudo leva e que tudo desbarata.

Esse gatuno é tido como o comandante da corja que lixa o pagode e, apesar de substituído de quatro em quatro anos, a corja não deixa de existir, o pagode não deixa de ser lixado e o estado não deixa de ser cada vez mais roubado. Isto não é sina nem é fado. Isto é estupidez natural e, o pior de tudo, é ela ser geral.

Pois bem. Vamos lá ao encontro de mais uma corja, e que corja. A corja do futebol, que tudo mina, até a integridade da nação, ao dividir o país em mouros e cristãos. Se olharmos, mesmo de esguelha, para esta corja que tudo manobra, desde a criminalidade mais sub-reptícia e violenta, até às instâncias mais elevadas dos poderes do estado, vemos sem esforço, grandes e gradas figuras vivendo a coberto do seu apregoado prestígio.

Tenho a certeza de que já não há quem não esbugalhe os olhos ao ver o que se passa na justiça, através de acções que só podem ser atribuídas a corjas individuais, ou organizadas, que fazem dela, da justiça, a vergonha das vergonhas nacionais, com influência na própria governação e nos comportamentos de outras corjas que gravitam ao seu redor. Ai de algum governo que se meta com ela.

Bastaria passar uma rápida vista de olhos pelos jornais para descobrir outra das corjas mais poderosas, dada a sua influência a todos os níveis da vida nacional. Os seus furos, tantas vezes furados, revelam uma subserviência aos poderes que os comandam, quando tanto falam em pressões a que dizem não ceder.

Claro que não cedem àqueles poderes que lhes interessa manter como fantasmas para encobrirem os poderes que os sustentam e lhes dão o poder da palavra. A maneira como sustentam casos até à rotura da paciência de quem os lê, é um atentado à maneira como vão abafando sistematicamente tudo o que diz respeito aos casos que envolvem os amigos dos seus protectores, padrinhos ou benevolentes empregadores.

E a corja televisiva da informação? Seria uma pura perda de tempo perguntarem-lhes se têm as suas preferências partidárias. Até podem ter mas, calma aí pois, tal como nos jornais, quem manda, manda. Tudo afinadinho, tudo controladinho, para seguir a onda que está a dar. E quem seria capaz de recusar o que é dado sem sequer ser pedido?

Corja não deixa de ser também muita daquela gente que comenta, os ditos comentadores, com um grau de acidez estupidamente sectária, que julgam que metem os seus ídolos, ou os seus padrinhos, nos olhos de quem os vê ou os ouve. Não imaginam certamente a figura que estão a fazer quando o seu próprio nível se vai abaixo. 

E a corja que anda colada aos sindicatos, sempre os mesmos, como na monarquia, onde os interesses dos trabalhadores são sempre os interesses deles, principalmente, dos seus partidos porque uns, sem os outros, não teriam muitas vezes onde se agarrar para garantir a sobrevivência.

Não podia faltar aquela parte da corja empresarial que não obedece a regras nem a leis para burlar o estado e, por consequência, todos os sobrecarregados contribuintes que têm de pagar por si e por toda a corja que nunca pagou o devido, mas tenta tudo para ir lá buscar o que pode. Tudo a bem dos empregados a quem não pagam nada, ou pagam sempre muito pouco do que mandam as suas obrigações.  

As piores corjas são aquelas que não fazem, nem deixam que os outros façam, criando dificuldades permanentes que levam à inércia e à paralisação, com o exclusivo intuito de deteriorar aquilo que querem a todo o custo e sabem, ou receiam, que o não conseguem dentro das regras normais para lá chegar.

As corjas, as citadas e outras, muitas outras, como é óbvio, são uma parte do todo. Mas, por muitos e variados motivos, são a parte que influencia o todo, num país vergado às más influências. É por isso que as corjas não têm autoridade moral, nem qualquer outra, para pedir contas a ninguém, do estado em que isto está.  

Nunca serão os lobos com pele de cordeiro deste país, que o vão salvar do abismo em que já está metido. E esses lobos são alcateias de corjas que ainda estão incontroláveis. E assim vão continuar, fazendo disto um país ingovernável, enquanto não houver quem tenha condições para enfrentá-los com determinação e poder de decisão.

Haja pois a coragem de criar essas condições para combater as corjas, em lugar de manter a hipocrisia e a cobardia que as alimentam.

 

Nunca imaginei que o espírito inventivo se desenvolvesse tanto em tão pouco tempo e conseguisse o milagre de eliminar barreiras tão difíceis, como o são todas aquelas que separam os homens das mulheres. E não são apenas aquelas que dizem respeito ao vício do cigarro ou do cachimbo.

Cito apenas esta, para já porque, ao que me parece, alguém se lembrou que as mulheres não fumam cachimbo e vai daí começou a bombardear a cabeça com hipóteses de introduzir esse utensílio de fumo nos hábitos femininos, ainda que com utilização bem diferente daquela que lhe dão os fumadores masculinos.

Então, o investigador começou por fazer um estudo profundo do esboço físico do objecto, com aquele depósito largo e redondo, a cabeça, numa das extremidades, e aquele género de tubo curvo de alambique, destinado a vazar a aguardente no recipiente. E achou que se tratava de algo muito interessante para que valesse a pena investigar.

O homem, ao fumar cachimbo, absorve o fumo do tubo que vem da cabeça, onde o tabaco vai ardendo em combustão lenta, fumo que vai em direcção à boca do fumador. Pode dizer-se que, em termos de alambique, o circuito está igualmente definido, pois mantendo a cabeça cheia de produto, o bagaço, a aguardente sai pelo tubo em direcção ao exterior, caindo no recipiente.

Se a mulher não gosta de meter o cachimbo na boca, talvez o pudesse meter em qualquer outro sítio, de modo o dar mais um passo na aproximação ao tão desejado objectivo de igualdade de oportunidades e de hábitos. Se o homem ainda não aderiu ao uso da mini saia, a mulher há muito tempo que usa calças de ganga.

Foi aqui que o investigador soltou um ah revelador de descoberta luminosa. Pois é, a mulher usa calças compridas mas, para fazer chichi, tem de baixá-las e sentar-se, senão fica numa posição muito incómoda. Ora o homem, faz isso de pé com toda a naturalidade. Foi exactamente aqui que o investigador estalou os dedos e pensou muito alto: já descobri!

E lá veio a ideia do cachimbo e do alambique. Se o cachimbo fizer como o alambique, destilando na cabeça e enviando o líquido para o recipiente, a mulher pode perfeitamente dar uso ao cachimbo colocando-o dentro da portinhola das calças e vazar pelo tubo, em qualquer urinol e, comodamente, de pé.

Esta ideia original foi minha, porque eu sempre fui um tanto idiota. Mas, porque ela vai revolucionar a vida de muitas mulheres, alguém, lá de fora, da estranja, onde sou muito conhecido, bem como as minhas ideias, tratou de a surripiar, dando-lhe um ar mais prático e mais barato, coisas em que eu não tinha pensado.

Foi assim que surgiu um utensílio de plástico, ao que dizem muito simples, prático e giro, que permite que o chichi das mulheres já tenha o mesmo tratamento e o mesmo circuito do dos homens. Acho muito bem e, por isso, já perdoei ao seu inventor, a maldade que me pregou, porque sou sempre, sempre, a bem da igualdade e do progresso.

Já estou mesmo a ouvir aquelas vozes sempre muito pudicas, dizendo que isso é uma estupidez. Ai não é, não. Imagine-se, no futuro, o dinheirão que se poupa nos sanitários públicos comuns a homens e a mulheres. Isto para já não falar da discriminação que vai pelo esgoto abaixo.  

Outras vozes se levantarão quanto à oportunidade deste tema. Pois, bem sei que hoje só se devia falar das caturrices de homens e mulheres que inutilizaram um orçamento por se terem dignado fazer uma ‘chichizada’ em cima dele. Só não sei se o fizeram todos ao mesmo tempo, ou se utilizaram mictórios diferentes.

Sim, porque estou convencido que os objectos de plástico ainda cá não chegaram. E, já agora, hoje queriam que eu falasse de quê?

 

Sem qualquer espécie de dúvida sou quem melhor conhece o que diz, porque mais ninguém diz o que eu conheço perfeitamente. Já disse tanta coisa que era inevitável acontecer isso, a menos que eu tivesse memória de galinha e alguém passasse a vida a decorar as minhas palavras e as minhas frases.

Espero que ninguém diga que estou a revelar muita presunção, apesar de concordar que, dela e água benta, cada um toma a que quer. Não tenho qualquer problema em aceitar que sou presunçoso, porque gosto de ser diferente dos outros. Quer isso dizer que não conheço ninguém tão presunçoso como eu.

Ora, assim sendo, não tenho mais que orgulhar-me de quem sou e do que sou, que é, nem mais nem menos, que o melhor dos portugueses a conhecer muito bem, direi mesmo, perfeitamente, o meu país, bem como todos aqueles que me conhecem muito bem, lá está, perfeitamente também.

Já que ninguém me pergunta porque sou assim tão conhecido, eu respondo, melhor, informo quem não quer saber nada, que há muitos anos ando a ensinar como se fala bem, mesmo correctamente, sobre tudo, mas mesmo tudo, aquilo que só eu posso ensinar aos meus queridos amigos, que são todos os portugueses sem excepção.

Confesso que tenho uma grande ambição, um pouco frustrada é certo, já que durante cinco anos não consegui realizá-la completamente. Os portugueses conhecem-na na perfeição. Durante todo esse tempo, tentei ser árbitro, um árbitro neutro, com apito sibilino e transparente, de preferência, de vidro sem qualquer coloração.  

Essa pequena frustração tem uma explicação que, de certo modo, a minora um bocado. Tive o azar de andarem por aí uns silvos desagradáveis, que poluíram a minha vontade e desfocaram um bocadinho a minha imagem que, como todos sabem, é pura e cristalina. Tanto se falou de apitos de ouro e de apitos iniciais, que até houve que dissesse que eu nunca poderia ser um bom árbitro.

Ah, mas aqui e agora, eu garanto que desta vez é que vou ser mesmo um árbitro a sério. Sim, porque já não é sem tempo das nossas ligas todas ficarem definitivamente ligadas à minha seriedade e ao meu fôlego excepcional para fazer soar o apito como deve ser. Esta coisa de se dizer que apito sempre contra os vermelhos, também vai acabar, porque já descobri que o vermelho pode ser muito atenuado, misturando-lhe um pouco de amarelo.

É exactamente por aí que eu vou de agora em diante. É fácil verificar como fica uma cor suave, relaxante, desde que o amarelo não abafe o vermelho, senão logo se veria que cheirava a cor de vil metal, a dinheiro novinho em folha, que é realmente tentador, mas comigo, não. Comigo é tudo transparente e, que eu saiba, o vil metal não é transparente.

E tanto que não é, que resolvi colocar metade do que tenho, no futuro. Ouvi dizer que hoje se deve enviar dinheiro para o futuro, assim como o craque conhecido por ser o maior investidor real. Ora ninguém está em melhores condições que eu para saber como se faz essa maravilha dos penosos tempos que atravessam alguns.

Sim, porque quem não sabe é como quem não vê. Mas eu sei e vejo perfeitamente. Tanto assim é que estou permanentemente a enviar mensagens aos que não sabem nem vêem e só Deus sabe o que teria acontecido se essas mensagens não chegassem ao destino. Como se vê, as minhas palavras-chave são - futuro e destino.

Depois desta minha exortação às inegáveis qualidades que possuo, vou voltar à minha habitual gestão de silêncios. Aliás, as citadas qualidade, são apenas umas tantas das muitas mais que não referi, para não parecer uma descarada campanha pessoal de alguém que parece inchado de presunção.

Não, essa, não! Inchado é que eu não estou. Sou magrinho, escorreito, saudável e sei muito bem o que sou e o que digo. Se não soubesse, estou em condições de garantir que estava meio caladinho. Sim, porque eu também só digo metade do que devia.  

 

26 Out, 2010

Um país parado

Suponho que já toda a gente sabe da novidade desde que ela foi anunciada com aquela pontinha de orgulho pelo informador superior das grandes instâncias, deformador das pequenas notícias, inventor de pecados cor-de-rosa e defensor de tudo e de todos que cheirem a citrinos, preponderantemente de tons alaranjados.  

Aquela novidade nada traz de novo à supostamente porca da vida portuguesa, se atendermos a que, não é substituindo a permanente cara de pau, por uma cara que passou agora a sorrir nas cerimónias que foram feitas, também agora, exactamente para isso. Quando uma cara de pau se muda contra natura para melhor, algo está para acontecer.

E o que vai acontecer hoje, já toda a gente sabe. E também é sabido que o país vai parar lá mais para a tardinha, às horas habituais da cega-rega das notícias e um pouco depois do tempo regulamentar para os tempos de antena. Portanto, daqui faço o meu apelo mais que veemente, a que ninguém esteja distraído por essa altura histórica.

Que ninguém pense que vai ouvir um daqueles discursos para adormecer no sofá, como aperitivo a uma noite repleta de sossego e sonhos a condizer. Tanto quanto posso garantir, vai ouvir-se uma daquelas novidades que nem o informador superior conseguiu antecipar no domingo à noite. Esta novidade foi bem guardada.

E, sobretudo, foi muito bem preparada ao longo de semanas a fio, com muito alarido, com muita comédia, com dramas de faca e alguidar, como se o mundo fosse ruir sobre as nossas cabeças. Bom, que ele vai ruir, vai, mas não é por causa disso. Claro que este mundo é o nosso mundo, é um mundo onde hoje à noitinha vai ser Natal.

Sim, porque Natal é quando o homem quiser e quando o informador superior o anunciar, mesmo à socapa, como se fosse a estrelinha do oriente. E, como sempre, no Natal tem de haver as tradicionais prendas. É isso mesmo, logo mais à tardinha, as prendinhas vão sair de um discurso sem sorrisos.

Esses, os sorrisos, ficam para depois do discurso, nos momentos felizes dos abraços, das felicitações, dos sucessos anunciados, dos recados enviados, das qualidades realçadas e da garantia de que todos nós o conhecemos bem. É verdade, quem disser que o não conhece muito bem, mente. Nesta história, os eternos desconhecidos somos e seremos sempre nós.

Aparentemente muitos portugueses vão respirar fundo, convencidos de que haverá algum alívio na porca da nossa vida mas, pelo que diz o meu borda-d’água, sempre muito atento aos atentados que se preparam à nossa volta, nem a porca nem a vida, se vão limpar da chafurdice em que têm andado metidas.   

Mas vou gostar de ouvir. Não há nada pior que a gente virar as costas a quem tanto se esforça por nos amparar nos momentos difíceis. Poderemos até estar a ser ingratos ou mal agradecidos, por não estarmos numa situação muito pior, não fossem os tais esforços dos nossos amigos salvadores.

Cá por mim, que sou um ser privilegiado pelos astros, só sei que amanhã já não haverá nenhuma ronda negocial, a sério, a desviar as nossas atenções daquilo que é realmente importante para nós. E o mais importante de tudo, não é a fome, não é vontade de comer, não é quem corta mais, ou quem menos cede.

Realmente, o mais importante de tudo é a sede com que todos querem atirar-se ao pote. É uma sede mais que vista, mas sempre com os sequiosos a disputar o pote da mesma maneira. Sempre com o risco de o partirem e ficaram todos com a sede sempre a crescer. Mesmo secos haverá sempre água a crescer-lhes na boca.

Apesar do champanhe que vai correr abundantemente lá para a noitinha, em todo o país, os sequiosos não vão matar a sede. Nunca mais. Mesmo com o país parado.

 

Ah pois, isto vai começar a aquecer não tarda nada. O bife do lombo vai sair definitivamente da classe média para a classe alta e, mesmo esta, vai ver o tamanho desse bife reduzido, embora apenas numas escassas gramas. É verdade que essa redução não chegará para abater essas gramas na barriga, porque elas serão compensadas com as mesmas gramas a mais de sobremesa.

Restará à sacrificada classe média o bitoque de carne de vaca de segunda, ou o bitoque de carne de porco que, entretanto, sairá definitivamente da mesa dos pobres, mesmo daqueles que o são um pouco a fingir. Como nestas classes há poucas possibilidades de manterem a sobremesa, é natural que as barrigas encolham um pouco.

Prevejo que todas as classes sofram uma profunda remodelação, consequência destas alterações alimentares que, por sua vez, vão ter efeitos devastadores, por exemplo, no calçado e no vestuário. Quando o estômago não enche, a barriga diminui e, com ela, os pés, a cara, e outras coisas de que me não lembro agora.    

Está bem de ver que quem calçava quarenta e três, biqueira larga, vai descer para o tamanho quarenta, com biqueira estreita. Lá vai o conteúdo de toda a sapateira para o lixo que, assim, terá de ser renovado. Muito provavelmente com sapatinhos de pano e piso de corda, que até são capazes de proporcionar um andar ligeiríssimo.

O mesmo se passa com o vestuário. Certamente que ninguém gostará de se ver a flutuar dentro das roupas e fatos dos tempos das bifalhadas e das caldeiradas de mais peixe que batatas. Portanto, há que deitar tudo fora, juntamente com a sapatada toda. Lá terá que se ir para umas coisinhas baratinhas ou até para uns fatinhos de treino com publicidade, que sempre dão para todas as eventualidades.

Como toda esta revolução precisa de dinheiro, coisa que não há, e cuja falta determinou esta triste e complicada situação, anda no ar a criação de um movimento reivindicativo que exija, não se sabe a quem, que não esteja teso, os fundos necessários à ultrapassagem deste transe que ameaça deixar tudo a nu.

Até aqui era o estado que dava tudo de graça a toda a gente. A partir de agora somos nós que temos de dar tudo ao estado, para que ele próprio se aguente nas canetas, ainda que como pobre a fazer vida de rico. Obviamente que, com tudo isto, os pobres vão deixar de ter orgulho no seu estado, quando pensam no seu colega estado.

A classe média alta passa a ser a classe média, média, enquanto esta baixa mesmo para a classe média baixa. Aquela que já era baixa antes, passa também para colega do estado, ou seja, a classe pobre a fazer vida de rico. Tudo porque sempre houve gente pobre que nunca soube ser pobre. Sempre com a mania das grandezas, tal como o colega estado.

Com todas estas divagações mais que pobres, já havia esquecido o meu bitoque de porco, com poucas batatas fritas, mas mais que a carne, onde noto que falta o ovo a cavalo e, arroz, nem vê-lo. Pergunto a mim próprio porque razão terá que ser assim, se eu nunca fiquei a dever nada do que comi ao restaurante.

A empregada de mesa, reparando na minha cara de fome, e adivinhando o meu pensamento, aproximou a cara dela do meu ouvido e murmurou em surdina, que era para compensar aquilo que muitos comilões comeram durante vidas inteiras sem pagar um chavo.

Fiquei de boca aberta, levando outros clientes a pensar que eu implorava mais um bitoque.

 

 

 

 

 

 

24 Out, 2010

A primeira CONVERSA

Há uma certa tendência para se dizer que a primeira é sempre a melhor, mas primeiro importa saber do que se trata realmente nessa primeira. Também há quem diga que à primeira dói, mas que depois já não querem outra coisa. Se for a primeira piela, naturalmente que essa ressaca é sempre dolorosa.

Mas, como diz o título, aqui, vou tratar apenas de uma conversa. Quando digo apenas, não significa que se trata de mais uma daquelas conversas de perna cruzada no café da esquina, entre mim, que não sei nada, e outro igual a mim. Nada disso. Trata-se de uma CONVERSA a sério entre gente muito séria.

Uma CONVERSA que bem merece letras gordas, ou não estivesse o país pendurado para saber que raio de coisas tão importantes para os portugueses, se vão tratar entre meia dúzia de conversadores que, bem o espero eu e muitos e muitas mais, saibam respeitar a nossa preciosa língua, não saindo dos limites do dicionário.

A ordem de trabalhos dessa CONVERSA parece-me muito redutora e restrita, ao indicar como ponto único, CONVERSAR SOBRE TUDO. Depois, nos conversadores, há dois de primeira, e mais uns tantos que, ou muito me engano, ou vão servir apenas para emitir aqueles sonoros apoiados que servirão como uma espécie de incentivo de claques aos seus craques.  

A mim até me parece bem, porque se as claques se metem muito na CONVERSA, está tudo estragado, porque são daqueles que gostam muito de nos mostrar como se deve estar calado, falando demais. Parece complicado mas não é, para quem está habituado a ouvi-los, se não tiver ‘córagem’ suficiente para desligar no botão.

Mas, no fundo, lá muito no fundo, prá aí à décima CONVERSA, vamos ter fumo branco que, ao que dizem os entendidos mais entendidos, digo eu, sempre é menos poluente que o fumo negro que, só por ser negro, já me deixa a espirrar por todos os lados. A avaliar pela cor dos cabelos dos dois maiorais, ambos devem gostar mais do branco, se não tiverem negro noutros lados, que pode ser o caso das ideias.

Parece-me que já estou a descambar para a especulação, coisa que detesto veementemente nos outros.  É este tipo de conversa banal, usada por gente banal como eu, que estraga o íntimo dos políticos que, não sendo banais nas conversas normais, se deixam influenciar por nós, não raras vezes caindo na situação de que alguém os veja como bananais.

Voltemos à primeira CONVERSA, que é essa que está na ordem do dia e na ordem de trabalhos, senão ainda acabamos por nos esquecer dela e da sua importância. A esta hora já deve ter sido elaborada a acta respectiva que, logicamente, deverá ter o número um. Mais um sinal de que esta CONVERSA é mesmo única. Vejamos então o projecto de acta que dela saiu.

Aos vinte e três dias do mês de Outubro de dois mil e dez, mais coisa menos coisa, pelas quinze horas, (local, participantes, etc.) realizou-se a conversa acordada uns dias antes. Como constava na ordem de trabalhos, conversou-se sobre tudo, mas não se decidiu nada. Nomeadamente, sobre o caso Branquinho que, apesar da recusa de uma das partes em o discutir, a outra parte discutiu-o mesmo. Ficou marcada a segunda conversa para local, data e hora a combinar pelas direcções gerais das conversas importantes. E não havendo mais assuntos a tratar, encerrou-se a conversa, elaborando-se a presente acta que, depois de lida, vai ser assinada por todos os presentes.

Ainda antes de terminar a CONVERSA, consegui apurar que uma das partes declarou de imediato que não vai assinar a acta, por causa do tal caso. E mais, se a outra parte persistir em mencioná-lo na acta, não haverá mais conversa nenhuma. Ora toma lá, para que se saiba que este, não é como os outros casos.

PS: Acabei de ouvir agorinha na televisão que, afinal, hoje, domingo, vai haver nova conversa, esta já com minúsculas, pois só a primeira era de interesse excepcional. Não posso confirmar se a acta ficou assim, ou assado. Estou a ficar farto de conversas e até da própria CONVERSA.

 

23 Out, 2010

Miminhos

Aposto que não há ninguém que não goste de receber uns miminhos, nem que seja na careca lisa, ou nos farfalhudos cabelos compridos, para falar apenas no que se passa acima do pescoço. Miminhos são miminhos, de novos e novas, de maduros e maduras, são trocas que, entre todas as idades, podem ser as delícias que fazem gente feliz.

Contudo, há um segmento da sociedade, onde os miminhos são particularmente necessários e onde, verdadeiramente, mais se notam e se apreciam. Refiro-me ao mundo da política onde, mesmo sem formação específica, todos encaixaram aqueles gestos típicos de miminhos que, ao pressenti-los, com muita inveja o confesso, me fazem cócegas em toda a pele.

A linguagem política, então, é um autêntico linguarejar de anjinhos doces e puros, onde a delicadeza, a subtileza e a inocência se cruzam em cada palavra, em cada frase, tornando qualquer diálogo, num compromisso antecipado, sobre os mais difíceis, complicados e polémicos dossiers da vida nacional.

Tudo porque cada palavra é um miminho, cada gesto um mimo mais crescidinho, que toca as campainhas do entendimento e repele os mais leves sintomas de discórdia, ou assomos de um tom de voz mais susceptível de provocar comichão nos tímpanos. Quem tiver dúvidas sobre esta grata realidade, é porque não consegue seguir-lhes o exemplo.

Não há nada mais elucidativo que ouvir um político dizer para o seu interlocutor: ‘Você é um indivíduo politicamente desavergonhado’. Chamo a atenção para a suavidade desta frase, gramaticalmente perfeita, onde se alia a proximidade pessoal do você, com o sentido de humanidade do indivíduo, aliada ainda à modéstia de um desavergonhado.

Depois, está lá o politicamente, o qual define e localiza o cenário, que leva o interlocutor a ser ainda mais sensível, se possível mais delicado, ao responder: ‘ Gente como você é a desgraça do meu país’. Repare-se como há nesta frase o reconhecimento de que o interlocutor é gente, o que só por si, já representa uma incomensurável grandeza de alma.

Porém, numa análise mais profunda, ou aprofundada, se alguém preferir, reforça-se a intimidade com a repetição do você. A desgraça é um complemento de companheirismo perfeito na conjuntura actual. Nestas circunstâncias de diálogo de anjinhos, nada é dito por acaso. Veja-se o país, que está ali, na frase, a representar a força da união entre eles.

Não resisto a uma outra quase citação, que me deixa feliz, porque há políticos e políticas (mulheres que fazem política) que têm um sentido extraordinário de como dar uns miminhos a si próprios e aos outros, ao mesmo tempo, quando as circunstâncias da vida os colocam, ou colocaram, como co-autores dos bons feitos que não esqueceremos nunca.

‘Quem fez esta coisa, há muito que devia estar preso. Quem fez isto é um criminoso’. Ninguém é capaz de retirar a grandeza de alma a esta frase e à sua autora. Ninguém é capaz de negar que isto é verdade, que é um miminho carinhoso para quem fez isto, e para quem fez isto mesmo, há anos atrás. Ninguém vai duvidar de que, todos mereciam uma boa prisão, mesmo dourada, para que pudessem ter todos os miminhos do mundo. As prisões é que são poucas, para tanta gente a merecer tantos miminhos.      

No mesmo contexto se poderiam citar outras frases, porventura outras palavras, sempre expressivas e reveladoras de uns miminhos que ninguém desdenharia receber, desde que imbuído daquele saber ser, daquele saber estar, na política, claro, porque fora dela, tudo é bem diferente.

Por exemplo, na rádio e na televisão, é frequente ouvirmos frases cortadas por apitos. Sem fazer ideia do que está debaixo desse apito, gostava de ouvir. Só para confirmar que não são frases de políticos, mas sim de aprendizes de político. É por isso que não concordo com os apitos, simplesmente, porque um apito não é um mimo, quanto mais um miminho.

O mesmo se passa em tudo quanto é escrita, com os pontos repetidos, os traços, as estrelinhas e outros símbolos que, cá na minha, não passam de uma imitação dos mimos e dos miminhos que os seus autores gostavam de oferecer a alguém.

Se os oferecem de boa vontade, vá lá, não os ofereçam truncados. Se estão apenas a querer oferecer um simulacro de miminhos, sugiro que, generosamente, os ofereçam a si próprios, pois não duvido de que bem os merecem.

 

22 Out, 2010

Conversas medidas

Finalmente!... Esta palavra, tal como o ponto de exclamação e as reticências, nunca se revestiram de tanta importância para o país, quanta aquela que somos obrigados a reconhecer-lhes agora, concretamente neste dia e neste momento. Simplesmente, porque surgiu a luzinha ao fundo do poço, situado no interior e mesmo no fim do túnel.

Pois, finalmente, vai haver aquelas conversas que toda a gente estava à espera que viessem a acontecer, há muito tempo para que, ao que dizem, não caíssemos no fundo escuro do poço, onde já estaremos agora, segundo cálculos alternativos a outros cálculos, quais deles os mais mal calculados. É por isso que as conversas que aí vêm, têm de ser muito bem medidas.

E para serem bem medidas é indispensável que alguém de confiança de um lado, o fundo do poço, tire as medidas ao outro lado, o fundo escuro do túnel, para que possam começar as operações de salvamento. Que consistirão em lançar cordas a ligar os dois lados dos desesperados sinistrados.

O projecto foi feito para que, numa primeira fase, o lado que está no túnel, vá içando um a um, os sinistrados do lado que está no fundo do poço. Se tudo correr bem, vão juntar-se os dois lados cá em cima, no fundo escuro do túnel, situação que está longe de ser um salvamento que possa considerar-se um sucesso e definitivo.

Porque, há quem receie que aqueles que estão no fundo do poço puxem pelas cordas para baixo, em lugar de se deixarem içar, provocando a queda no fundo poço, dos que estavam na entrada do túnel, prontos a fazer força para cima. É uma teoria com fundamentos de suicídio colectivo, com tendências extensivas. Isto porque os do fundo do poço já se consideram mortos logo, que morram os outros também.

Uns e outros andaram tempos infindos a tirar medidas de um lado e a pôr medidas do outro, para ver se uns conseguiam enterrar os outros com as medidas bem tiradas. Afinal, parece que, reconhecem agora, é melhor conversarem antes de serem todos enterrados vivos. Entretanto, enterrados estão por agora os receios suicidários.  

É por isso que o tal – Finalmente!... – foi, para muita gente, o fim de um pesadelo, a salvação do país, o fim da parvoíce, ou a revelação das medidas mal tiradas. A excitação de hoje, se não é prenúncio de salvamento, representa um sinal de que as cordas entre o fundo do poço escuro e o túnel às escuras começaram a movimentar-se, ainda que experimentalmente.  

Mas, as cordas são muito traiçoeiras e podem partir-se facilmente, se nas extremidades houver quem as puxe em sentidos contrários, dependendo da intensidade das forças utilizadas pelos dois lados. E esse tem sido o pão nosso de cada dia. Que cada vez é menos pão e mais conversa, que cada vez é menos nosso e mais deles.

Andam medidas no ar aos milhares, de tal forma que já sentimos que elas servem para nos oferecerem um fatinho à medida deles, com as canelas à mostra e um casaquinho do tipo de toureiro em acção, muito curto, tão curtinho, que vamos ficar com o umbigo de fora como as meninas que o têm belo.

Todas as medidas já tiradas e a tirar, vêm na sequência das exigências da moda. Garantem que o tempo dos fatos largos e compridos já lá vai e não volta mais. Agora é tempo de tudo apertadinho, muito justinho, com clara discriminação positiva para quem for muito magrinho, com medidas muito abaixo da média.

Os do poço e do túnel vão acabar com as cordas enroladas ao pescoço, enquanto nós, os dos fatinhos, vamos ficar mesmo fresquinhos este inverno. Que bem nos tiraram as medidas.

 

 

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