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afonsonunes

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Desta vez vou começar pelo princípio, já que tenho o mau hábito de andar por aqui às voltas até chegar ao assunto que consta na minha agenda demasiado rabiscada. Começo pois por dizer que o negócio em título vai ser, digo eu, celebrado entre o Madrid e o Porto, devendo a respectiva assinatura ter lugar na fronteira do Caia.

Evidentemente que a escolha desse local tem, obviamente, a ver com a facilidade de deslocação das duas comitivas que, através da utilização do TGV, não perderão o precioso tempo de que ninguém pode dispor nos velozes tempos que correm. Ao mesmo tempo, foi também por pressão do governo, via Laurentino, que assim pretende demonstrar que o TGV dá jeito ao país.

Não se pense que este super negócio foi engendrado ontem em Barcelona, onde aconteceu aquele golpe publicitário, conhecido pelo desastre dos cinco sem resposta. Portanto, o negócio começou há tempos entre o Madrid e o Porto, mas o Barcelona resolveu dar um forte empurrão na noite de ontem.

Estou absolutamente convencido de que houve ali uma certa raiva benigna dos catalães, por causa da semelhança entre o nome do seu estádio, ‘Nou’, e o nome do comandante madrileno ‘Mou’. Vai daí, referindo-se ao negócio, alguém gritou no estádio: ‘Dou’ cinco! ... E o leilão começou de imediato e só terminou quase duas horas depois.   

Foram exactamente esses cinco que motivaram uma chamada de emergência do Porto para Madrid, quando Madrid já estava com o telefone na mão para falar para o Porto. O motivo era óbvio: ambas as partes queriam um bom negócio, porque a oportunidade parecia ser uma daquelas que dificilmente se repetem.

Passo a tentar esclarecer o andamento das negociações. A primeira parte do negócio tinha como premissa a permuta de Boas com Mou, dando seguimento a rumores anteriores já escutados em ambas as cidades. Porém, o Porto, bom negociador, declarou logo de imediato que tinha de receber outras contrapartidas.

Pela simples razão de que era evidente que Boas valia seguramente o dobro de Mou. Madrid admitiu que havia alguma diferença nesse sentido, dispondo-se facilmente a juntar ao one, o da camisola número um, Silhas, o herói dos cinco. Aí, o Porto, nem vacilou, argumentando que estava habituado a dar cinco e não a encaixá-los.

Outras hipóteses foram aventadas de um lado e do outro mas os números andavam ainda muito longe da satisfação mútua. O Porto chegou a sugerir que Boas viesse ao Porto uma vez por mês, dar umas luzes a Mou, para que não houvesse por cá um desastre como o de Barcelona. Em vão. Madrid insistiu que podia incluir mais outro elemento na lista de permuta, mas sem resultado.

É evidente que o Porto é muito matreiro a negociar, para mais quando tem os melhores trunfos na mão. Foi assim que recusou a oferta de Jo Jus, de Lisboa, para adjunto de Mou. Aí, o Porto estremeceu. Um amigo é sempre bem-vindo. E perguntou a Madrid, como conseguia convencer o Fili a prescindir do Jo Jus.

A resposta foi dada num espanhol muito arrevesado que eu tenho de traduzir. Disse ele que o Fili estava à rasquinha com as contas, logo, dinheiro na mão era o seu primeiro argumento. Depois, o segundo argumento era de caras: O Fili não sabia como se havia de livrar do Jo Jus e esta era a oportunidade que vinha como sopa no mel.

Seguiu-se um prolongado momento de reflexão por parte do Porto, com as duas mãos na cabeça. Mou e Jo Jus juntos no Porto, oh, seriam oiro sobre azul. Mas, Boas vale muito mais que tudo isso, murmuravam. Logo, Boas vai para Madrid, mas tem de ser por muito mais. Os madrilenos coçaram a orelha, olharam demoradamente uns para os outros e fecharam os olhos.

Foi então que do Porto saiu a proposta final. Venha de lá o Mou, o Jo Jus e o Ron. Depois, com muita pena nossa, já podem levar o Boas. Podem pensar uns minutos. O negócio do século está nas vossas mãos.     

 

 

Com que então, eles podem decidir dar o fora, fazendo com que os prejuízos aumentem numa espiral de descalabro muito superior àquela que têm tido durante os seus fecundos e irrepreensíveis exercícios. Seria uma desgraça nacional perder-se tão grandes cabeças, não no tamanho, obviamente, mas na dimensão do que está dentro delas.

Ele há coisas levadas da breca. Então suas senhorias estão dispostas a ir fazer prejuízos para onde até agora só havia lucros? Ora aí está uma nova mentalidade na gestão, na gestão pública, obviamente, que prefere o prejuízo feito por gestores altamente qualificados, aos lucros de anedotas em matéria de gestão. É caso para dizer, finalmente.

Mais uma vez, os tais do centro político, nos obsequiaram com um verdadeiro murro no estômago, ao virem com essa treta de que a crise não pode chegar ao bolso dos maiorais, senão eles vão-se embora. Se nos dissessem para onde, a gente ainda podia dar um pouquinho, apesar de muito pouquinho mesmo, de credibilidade a essa treta.     

Se, com excepção dos bancos, é tudo a dar prejuízos escandalosos, gostaria que me dissessem se estão com medo de os substituir por outros que, eventualmente, pudessem vir a gerar lucros. Provavelmente, por causa da chatice de terem de entregar alguns impostos ao estado, coisa que, na situação actual, cheiraria a boicote à lógica institucional do quanto pior melhor.

A esses senhores, eu diria que me ofereço de borla para ocupar o lugar de um ou mais, de qualquer deles, pois não tenho dúvidas de que também seria capaz de estar muito mais de oito horas sentado no mesmo cadeirão, que é muito cómodo, fazendo, no mínimo, por olhar de vez em quando para o que se passasse à minha volta.

E com isto, passo imediatamente para os espertalhões, não para os que já se amanharam, mas para os que estão já, na fila, à espera do reviralho. A redescoberta deste exército de salvação das hostes partidárias foi agora oportunamente anunciada. E logo por quem sabe da coisa, pois é mais que elementar, pensar nos anos em que ele conheceu a fila de muito perto.

Retenho na memória a imagem de um espertalhão que apareceu na primeira página de um diário, em que se apresentava de mãos postas, olhando o infinito, como se implorasse a inspiração divina de um sucesso mais iluminado que todas as intervenções em que a esperteza o não tem distinguido de muitos outros.

Retenho também aquela prova de uma esperteza acima da média, revelada através da descoberta de que serão necessários oito anos para meter isto na ordem. Apesar de eu já ter ouvido algo semelhante em qualquer lado, a qualquer espertalhão como ele, considero que se trata de uma redescoberta muito esperta. É assim que se vai longe.

Seria uma espécie de estultícia pedir, para já, três ou quatro legislaturas, podendo correr o risco de ter as mesmas pretensões do seu adjunto Alberto madeirense, que só pede uma de cada vez, mas já perdeu o conto às que já leva. E não vale a pena falar de espertalhões onde eles não existem, muito menos onde eles se evidenciam a todo o momento.

Porém, há qualquer coisa que está a atrapalhar, muito especialmente, os espertalhões mais ansiosos. Os outros lá vão arranjando umas lérias para entreter o pessoal e não deixar que ele desmobilize. Entretanto, o tempo também está uma chatice para comemorações.

É por isso que o melhor é ter paciência, montes de paciência, e esperar mesmo pelo reviralho.

 

27 Nov, 2010

Caldo entornado

Completamente entornado, a ponto de não restar uma colherzinha das de café, ao menos para podermos dizer se o caldinho era bom ou era apenas uma zurrapa como tantas outras que nos impingem a toda a hora e em qualquer lugar. Desta feita o caldo foi cozinhado com uma sopinha do pacote de letras dos jornais e, noutra panela, pelas vozes e gestos dos telejornais.

Ainda agora me parece estranho que um caldo tão elaborado, tão suculento ao tocar na língua, tão aveludado ao entrar na vista, tão cheiroso à pituitária, tão badalado na propaganda, se tivesse entornado tão inesperadamente, por causa de uma surpresa que só o é, porque foi de todo contra a encomenda.

Não se compreende, pelo menos eu não, que estando tudo tão bem preparado, melhor, tudo muito bem cozinhado, os advogados de toga verdadeira, que nada têm a ver com os advogados de banco de jardim, fossem escolher para seu bastonário aquele que tanto foi proclamado em público como a ovelha, ou o carneiro, que não cabia dentro do rebanho.  

Afinal o rebanho, por maioria absoluta, dizem, elegeu-o sem margem para dúvidas dos seus delatores e de todos aqueles que, por fora, tudo fizeram para que ele fosse considerado um trapaceiro qualquer. Afinal, repito, de entre os muitos trapaceiros que tem o país, o bastonário agora reeleito não é um deles.

Tão pouco o são todos aqueles que o elegeram, visto que souberam ver nas suas palavras o verdadeiro significado que outros bem tentaram denegrir, sem resultado. Os números assim o indicam pois, quando eles atingem tais proporções, numa classe tão habituada à discussão de grandes causas, não se pode sequer torcer o nariz.

Para mais, só não quer ver quem tiver uns argueiros grossos na vista, pois as palavras do bastonário sempre soaram a reviravolta no patético estado da justiça e na patética atitude de muitos dos seus intervenientes, que deviam explicar muito claramente, porque não querem ver alteradas todas as situações patéticas do sistema em que estão inseridos. 

Para quem está de fora, como eu estou, certamente que sentiu, com esta reeleição, uma sensação de caldo entornado. Não tenho a menor dúvida de que haverá dois tipos de caldo nesta panela que ainda está ao lume. Para uns, um caldo verde muito amargo, mesmo engrolado, para outros, um caldo creme de legumes, suave, delicioso.

Todavia para uns e para outros, sobressai aquela ideia de que o caldo está definitivamente entornado. Para os do caldo verde, o seu império está à beira de ruir, com o fim da sua base, que já foi sólida, mas deixa de o ser a partir de agora. Para os do caldo creme de legumes, o fim da mentira e da hipocrisia pode estar perto, pela chegada da verdade sem papas na língua.

O caldo até pode estar entornado para os dois lados mas se, finalmente, com o decorrer do tempo, se encontrar uma sopinha que acomode os estômagos dos dois lados, os cidadãos maltratados também poderão compreender melhor a distância que vai da mentira até à verdade. E anda por aí muita confusão a este propósito.

O bastonário diz que não ataca pessoas, antes denuncia situações. Haja quem prove que ele não procede assim. Mas que não se insista no processo caluniador da obsessão contra a pessoa, seja ela qual for, mesmo depois de a justiça não conseguir chegar onde tanto parecia querer.  

Portanto, que se entorne o caldo à vontade, mas que o bastonário prossiga o seu caminho.

 

26 Nov, 2010

Dois em um

É verdade que Passos está farto de nos dizer como está este país, mas ainda não nos disse uma única palavra sobre como está o seu partido. Que está partido, ninguém tem dúvidas, mas convinha que nos dissesse se está tão atento ao que se passa na sua própria bagunça, como parece estar em relação à bagunça dos outros.

Nem era preciso ter esperado pela votação do orçamento para compreender que ele é o mestre-de-cerimónias que faz a ligação, ou a desligação, entre os muitos baronetes que querem disputar a primazia na influência sobre a tomada de decisão a decisão, sempre que os interesses pessoais não são coincidentes.

Para quem parece estar já convencido de que está a um passo de ser primeiro-ministro, ainda tem que dar muitos passos para conseguir convencer todos os seus convivas a tomar um pequeno-almoço em conjunto, antes de ter como certo, que o esperado próximo banquete vai mesmo ser um repasto agradável e de fácil digestão.

Desta vez foram os quatro do madeirense Alberto a estragar aquela disciplina que já era indisciplina palpável há muito tempo. Certamente que não deixará de o ser para todo o sempre, se os passos do mestre-de-cerimónias não forem no sentido do regabofe que sempre foi, mas que não colam com a imagem que Passos tanto se esforça por querer mostrar.

Parece-me que quem não domina um partido do qual precisa, por inteiro, a todo o momento, quando for governo, nunca poderá dominar um país que, como é sabido, está extremamente dividido e extremado que é, aliás, uma das causas, senão a grande causa, para o estado em que nos encontramos há muito tempo.

Se Passos pensa que lhe basta chegar ao poder para fazer o que quer, ou o que pretende fazer, só porque julga que tem ideias, o que também não é um dado adquirido, está completamente enganado. Não só porque não domina o partido, enquanto não garantir lugar no banquete a todos os seus, como os amigos externos de hoje vão, inevitavelmente, mudar de trincheira.  

Como é habitual, apenas poderá contar, e nem sempre, com o amigo a meio tempo Paulo, e isto se ambos conseguirem votos suficientes para suavizar as vozes que, na nova consonância que se vai formar, se erguerão contra tudo aquilo que parece fácil agora, mas que se tornará intransponível no momento da verdade.

Nem é preciso ser bruxo, pois basta olhar para trás, para se ver como os melhores e os piores primeiros-ministros, no conceito das diferentes correntes partidárias, se viram sempre entre a espada e a parede sempre que pretenderam tomar decisões estruturais que não nos conduzissem para o charco em que nos encontramos hoje e onde os tubarões espreitam escondidos no lodaçal.

Ainda está por ficar bem às claras, quais foram os primeiros-ministros que tentaram mudar as coisas e não os deixaram, e os que podiam tê-lo feito e preferiram criar as seitas que, de tanto engordarem, acabaram por estar hoje a começar a pagar, embora a custos muito reduzidos, os rombos que o país ainda não sabe se conseguirá tapar.

Se Passos e os seus pensam que tudo volta a ser como dantes, bem podem tirar daí o sentido. Se pensam que depois de bem instalados, a vidinha está tratada, estão muito enganados. Se julgam que os tachos vão ser suficientes para matar todas as vontades de comer na mesa do orçamento, nem pensem nisso.   

Já não é uma questão de serem mais ou menos sérios que os outros. No que eles estão completamente enganados, é que o mundo não é o mesmo de quando eles lá estiveram e se amanharam. Nessa altura havia de tudo para todos. Por isso é que hoje não há nada para ninguém, quer eles acreditem quer não. Depois, já não se pode esconder como nesse tempo.

Se acrescentarmos a tudo isso, que não é pouco, um partido que ainda hoje, na votação do orçamento, mostrou que é um autêntico dois em um, não ajuda nada à esperança de futuro.

 

 

No dia de ontem, dia de greve, houve dois trabalhadores especiais que se fartaram de trabalhar, embora tivessem sido os primeiros aderentes à paralisação, se considerarmos que eles se devotaram a ela com muita antecedência. Para ser mais exacto, eles andaram a fazer a greve durante meses.

São eles o Manuel e o João. O primeiro esteve no seu ambiente habitual, desempenhando o seu trabalho habitual, enquanto o segundo passou de primeiro, quando no seu ambiente, para segundo, nesta sua nova tarefa de acompanhante de luxo. Tarefa que não tem nada de desprimoroso, se atendermos à categoria do acompanhado.

Se eu quisesse meter um pouquinho de veneno, poderia dizer que ambos foram fura-greves, pois quem está de greve está parado e eles não pararam um instantinho sequer em todo o dia, correndo de um lado para o outro, sempre com o João a fazer um esforço tremendo para não ficar para trás. Pareceu-me uma espécie de falta de pedalada.

 Vamos imaginar que os três milhões de grevistas lhes seguiam o exemplo, fazendo a correria que deixaram exaustos o Manuel, e muito mais o João. Com três milhões e mais dois a dar o litro bem escorrido, perdão, bem corrido, o país ficava um autêntico tornado. Lá se perdia o objectivo principal da greve, que era parar o país.

Mas, cá na minha análise mais aprofundada que o normal nestas circunstâncias, o país esteve mesmo parado, tudo porque entre os parados estavam dois milhões de funcionários públicos. Ora, há quem diga em surdina, que nunca ninguém viu correrias nos funcionários públicos, coisa que eu não confirmo nem desminto.

 A vingar esta tese, é indesmentível que o país parou mesmo, pois se ele já está parado quando os funcionários públicos ainda vão tomar a bica de manhã e de tarde, mais uns minutos várias vezes ao dia para fumar um cigarrito em local pouco visível, ficou mesmo paradíssimo, por causa dos dois milhões parados o dia todo.

Que ninguém esteja a pensar que é minha intenção estar aqui a atribuir-lhes responsabilidade pela paralisação geral, pois essa pertence exclusivamente a quem lhes dá os bons exemplos que eles seguem milimetricamente, para não serem desmancha-prazeres no seu local diário de repouso.

Portanto, só há uma conclusão a tirar de toda esta ladainha. Se o país parou, esteve parado ou tem andado parado há muito tempo, alguém tem de voltar a lançar aquele grito de há anos atrás, grito que teve a sua origem remota em Boliqueime e que ecoou por Lisboa, já nem me lembra a que propósito: ‘Deixem-nos trabalhar’.

Naquela altura plena de vigor, era o autor do grito que queria e implorava que o deixassem trabalhar, a ele e aos seus acompanhantes dependentes. Agora, nesta época de cansaço geral, só pode ser o Manuel e o João a pedir tamanho sacrifício aos seus três milhões de seguidores. Mas, é óbvio que bem vale a pena, sobretudo, para que não se perca uma união que, de facto, tem agora todo o sentido.

Têm pois de pensar no trabalho intenso e produtivo que levou à sua união, quem sabe, se depois de terem parado para pensar. Se acaso, por qualquer motivo, a união se desfizer, é caso para dizer que parem, não para pensar, mas para descansar.

Até lá, com a tentação dos milhões, convém ir jogando, jogando sempre, pode ser que um dia lhes saia qualquer coisa parecida com isso. Mas, não se esqueçam: Deixem-nos trabalhar. Aos outros, claro.

 

24 Nov, 2010

Geral é geral

 

Reza o meu dicionário que geral é qualquer coisa comum à quase totalidade ou a grande número. Como hoje é dia de greve, dita geral, parece-me que há aqui qualquer coisa que não me cheira nem a geral, nem tão pouco a comum, muito menos ainda a grande número ou à totalidade dos cidadãos, considerando o país no seu conjunto.

Se o país fosse um recinto de espectáculos, a geral seria apenas o conjunto de lugares mais baratos. Logo, ficariam de fora todos os restantes, que são a grande maioria: os camarotes, a plateia e o primeiro e segundo balcões. Normalmente, a geral, é hoje o terceiro balcão de qualquer sala mais ou menos normal.

Ora, neste país, as greves apenas são feitas por algumas filas da geral e uma boa parte da plateia. Bem-feitas as contas, a sessão grevista deixa de fora a grande maioria da lotação da sala de espectáculos. Não adianta andarem a dizer-nos que aqui e ali se verificaram adesões de noventa por cento, ou próximo disso.

Falar de transportes, ensino e saúde, não é falar do país, tanto mais que se sabe que nestes sectores, há uma espécie de ciclo vicioso que conduz à adulteração dos números de adesão. São sectores que antes da greve já estão bloqueados por condições que não permitem a liberdade de quem quer mesmo trabalhar.

Os grevistas devem ter toda a liberdade de decisão, tal como a devem ter todos aqueles que entendem que devem em ir trabalhar. Ora o que acontece é que os piquetes de greve e muitos dirigentes entendem que têm o direito de impedir quem não lhes siga o exemplo. Por outro lado, há empresas e outros estabelecimentos que resolvem, antecipadamente, fechar as portas.

É assim que se ouve dizer a não aderentes e não só, que há trabalhadores prontos a trabalhar, só que não há quem aproveite a sua disponibilidade, quer em hospitais, onde há médicos mas não há pacientes, quer em escolas, onde os professores estão disponíveis, mas não há alunos, porque ficaram em casa, devido a comodidade ou a má informação da véspera.

Como simples curiosidade, gostava um dia de saber, por exemplo, quantos professores no total, descontaram o dia de greve nos vencimentos, comparado com o número de professores que não deram aulas nesse mesmo dia. O mesmo se pode dizer do pessoal hospitalar, médicos e enfermeiros, que não trabalharam, mas estiveram disponíveis nos seus postos de trabalho. Logo, não perderam o respectivo valor do dia.

Portanto, boa ou má, houve greve, mas nunca me queiram convencer que foi geral, a menos que o meu dicionário seja mentiroso, como muita gente que eu conheço. Aliás, para além do que já disse, cito o caso das muitas lojas chinesas que há no país. Alguém é capaz de me dizer uma sequer, que tenha feito greve? A verdade é que os chineses apenas se limitam a seguir o exemplo dos portugueses do seu ramo de negócios.

Igual análise se pode fazer dos bancos, dos restaurantes, dos cafés, dos pequenos e grandes mercados e de toda a actividade privada, onde só à lupa se pode vislumbrar um ou outro caso de adesão significativa. Nas próprias repartições públicas, refere-se com grande ênfase aquelas que fecharam as portas, mas não se diz nada da grande maioria das que mantiveram a sua actividade normal ou perto disso.

Nas próprias reportagens de rua das televisões, é notório o número de pessoas que se queixam de não terem condições para ir trabalhar, por dificuldades que lhes são alheias e lhes são impostas por outros. As próprias televisões, com tanta propaganda feita da greve, apregoando um país parado, não aderiram, como mandava a coerência. Tal como as rádios e os jornais.         

Conclui-se que a informação é tão geral como a greve, ambas muito sectoriais, muito voltadas para o foco que lhes mostra a árvore em lugar da floresta. Reparo que até há por aqui bem perto, uns anúncios de greve, os quais, só por si, já representam algum trabalho, nem que cheire a propaganda, pois fazer greve é parar, mas parar mesmo.  

Finalmente, a greve também tem algumas coisas boas, mesmo para quem não é lá muito amigo delas. Há ambientes que estão muito menos poluídos no dia de hoje. Mas não foi por isso que eu não fiz greve aqui.  

 

23 Nov, 2010

Os badamecos

Nem sei bem a que propósito me vieram à lembrança os badamecos dos tempos de outrora, já que nos dias de hoje parece não haver cá disso, apesar do insucesso escolar e da iliteracia ainda serem potenciais factores da sua existência. Todavia, a gente pára, escuta e olha, em qualquer esquina e só ouve gente sabida, entendida e desenvolvida.

Os badamecos não sabiam nada de nada logo, não se atreviam a botar opinião sobre aquilo que nunca entrara nas suas limitadíssimas cabecinhas de gente sem importância. Até fazia sentido, se pensarmos que a lógica da batata nos diz que nunca se pode tirar de qualquer lado, o que nunca lá se meteu, com excepção dos verdadeiros ilusionistas que tiram tudo de onde não há nada.

Com base neste raciocínio, hoje, badamecos é raça que não existe, pois toda a gente tem muita importância, como deve ser, toda a gente sabe tudo, mesmo que nunca tenha ido aprender, o que é surpreendente, na medida em que isso representa um poder de auto aprendizagem verdadeiramente incomparável, relativamente a outros países.

Contudo, se não temos badamecos a sério, temos muitos badamecos híbridos, ou seja, já aprenderam umas coisas, mas sobre valorizam a sua importância ao pretenderem constantemente meter o bedelho onde a tal lógica da batata desaconselha que o façam, visto que a sua influência é zero e a sua opinião é manifestamente uma gracinha que não dá sequer para rir.

Ao menos que pudéssemos levar esses ditos à conta de palpites, mas nem isso. Falta-lhes aquela pontinha de probabilidades mínimas de acerto. De quando em vez até arriscam uma exigência ou outra, com aquela solenidade de quem julga que pode dar ordens a quem tem mais que fazer do que dar atenção a ‘badamequices’.

Não tendo muito a ver com o caso, lembrei-me agora de uma ou outra espécie aproximada, que, volta não volta, lá exige a demissão imediata deste ou daquele. Só podem estar a brincar à batalha naval adaptada à política, onde não há nada mais que água. Nem sequer uns barquitos de plástico, quanto mais submarinos a sério.

Bom, já agora, também me ocorrem aquelas espécies que, por falta de ideias que alimentem a sua necessidade de dizer qualquer coisa, uns palpitam que vai haver remodelação, outros exigem que se faça já uma remodelação, outros ainda lamentam que ela ainda não tivesse já sido feita.

O país não precisa de uma remodelação. Precisa de muitas remodelações, a começar por aqueles que estão tão obcecados com as dos outros. Qualquer badameco de antigamente diria que quem faz a maior de todas elas é o povo, mas em tempo oportuno, e não ao sabor de híbridos da politiquice.  

Tal como aquele frenesim dos tabus, desenterrado a propósito de uns lamirés de autênticos badamecos que a gente pensa que já não existem mas, de vez em quando, lá tropeçamos num exemplar raro que não tem a noção do espaço que lhe cabe, sem se meter no espaço que ninguém lhe cedeu.

Mudando de assunto. Já agora, aproveito para mostrar a minha satisfação pela preciosa ideia de um veículo com instalação sonora que, durante todo o dia, fez a mobilização para a greve de amanhã. Nada de anormal, se não fora a insistência em lembrar a importância de que se reveste a aderência de todos os reformados.

Ora aí está uma excelente ideia. Ao menos estes não sofrem o respectivo corte nas reformas. A mesma insistência se ouvia em relação aos desempregados. Acho uma maravilha que se lembre a estes trabalhadores que façam greve, pois talvez alguém lhes pague o dia que ninguém lhes pode descontar.

Quanto aos outros, cada um lá sabe as linhas com que se cose. Um dia de satisfação com as mãos a abanar, vale bem um dia de ordenado a voar. 

   

 

Vá lá, despachem-se de vez com essa história que já me está a causar comichões por todo o corpo, só porque uns dizem que está eminente a sua chegada, outros dizem que não senhor, que não o querem cá, nem tem cá nada que fazer. Ora bem, parece que uma coisa não bate com a outra, mas quem me dera poder bater, e com força, em quem me põe no corpo esta vontade de me coçar.

Mas, como é que eu hei-de bater se não sei em quem? Só sei que não há outro remédio senão cada um coçar onde tem os seus pruridos. Por mim, é o que faço, apesar de não me conformar com os provocadores deste mal-estar que bem podiam falar de outras coisas mais agradáveis, como a chuva que nos refresca as ideias e o sol (sim, o Sol) que nos faz cócegas na cabeça.

O presidente já explicou isso tudo muito bem explicadinho ao Obama, que tem muito mais sorte que eu, que ainda não tive explicador. Aliás, o nosso presidente podia ter dado essas explicações ao nosso Zé-povinho todo, no qual me incluo, e o problema estava resolvido. Coisa mais simples não haverá certamente.

É perfeitamente compreensível que eu já não acredite em bocas e contra bocas que andam por tudo quanto é voz de matraca. Oiço dizer, por exemplo, que os economistas garantem que o FMI já está a caminho. Só não dizem se vem de avião ou se vem a pé, o que tem as suas diferenças quanto à data de chegada.

Depois, há aqui uma coisa muito estranha. O presidente é um economista, é professor de economia e está altamente habilitado a explicar às sumidades mundiais, como o Obama, estas coisas económicas que baralham as cabeças de muita gente, incluindo a minha. Será que os economistas de cá, os que já pressentem o FMI, sabem mais que o presidente? 

Também há a hipótese de haver apenas o facto de, a explicação privada dada ao Obama, não ser coincidente com as declarações públicas divulgadas. Nesse caso, o presidente só estaria a fazer um frete ao primeiro-ministro, ao concordar com ele publicamente e, em privado, concordar com os seus colegas economistas.

Eu só queria saber se, afinal, o FMI vem, ou não vem, por causa das minhas comichões. Uma delas, até já me lembrou o tempo da cooperação estratégica. Esta coincidência de, nesta altura da campanha das presidenciais, haver concordância entre governo e presidência, faz-me coçar ao centro, deixando para depois as comichões à direita e à esquerda.

É evidente que estou a referir-me às comichões que tenho no corpo todo, de alto a baixo, das unhas dos pés até à ponta dos cabelos, na parte da frente e atrás. Espero, pois, que ninguém se lembre de atribuir significado político ao meu centro ou às minhas laterais. Muito menos às alas laterais da campanha presidencial que já está a ser estudada pelo FMI.

Só espero que o famigerado FMI do dinheiro, não venha cá dizer qual é o candidato que tem de ser eleito pelos tesos portugueses, como retaliação por não terem tido juízo sempre que elegeram os muitos responsáveis por isto, ao longo de muitos anos, que já motivaram duas famigeradas intervenções anteriores.

Vá lá, eu só quero saber se é desta que o FMI vem aí pela terceira vez. Em boa verdade, sempre ouvi dizer que não há duas sem três. Mas, haja quem me explique, muito bem explicadinho, se ele vem ou não. Mas tem de ser o expoente máximo dos explicadores a fazê-lo, senão nem eu vou acreditar.

Vá lá… Ai, estas malditas comichões! ...

 

Não é fácil ter amigos destes, mas há quem os adore. Sobretudo, porque não lidam com eles senão através do que vêem e ouvem acerca dos seus feitos, mostrando-lhes amizade através de uma solidariedade que é feita de admiração e simpatia pelos estragos que provocam aos seus inimigos comuns.

Tudo em nome de uma paz muito esquisita, que é feita de actos violentos, que eles consideram pacíficos, contra quem identificam como sendo os senhores da guerra. Como se as guerras fossem um produto exclusivo de quem tem armas, e a paz fosse um antídoto que utilizam os guerreiros sem armas de fogo.

Como se uns fossem os guerreiros pacíficos que lutam contra os maus que destroem a vida e o sossego do mundo, e outros fossem os pacíficos guerreiros que lutam contra os que, como eles, são vítimas das guerras e dos distúrbios violentos que provocam entre gente que nada tem a ver com uns nem com outros.

Sim, porque esses violentos pacifistas não atacam nem destroem a riqueza dos senhores da guerra, que essa está bem protegida, mas tão-somente os haveres de gente que os tem junto às ruas onde passam esses pacíficos inocentes, enquanto fazem o contrário daquilo que dizem defender. Logo, a sua guerra, visa apenas mostrar aos guerreiros que também sabem fazer guerra às vítimas de ambos os beligerantes: o povo.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

Aliás, há um certo tipo de pacifistas, por sinal autênticos guerreiros na sua oratória normal, que passam a vida a mostrar que a sua paz é a luta, seja lá que luta que for, contra moinhos de vento como D. Quixote, ou contra a cor com que embirraram desde pequeninos. Nem que tenham de fazer simplesmente a sua guerra contra a ordem pública e os poderes instituídos.

Para esses, a desobediência civil é um direito, a paz é a desordem e a anarquia, desde que não lhes toquem na roupa nem no bolso, ignorando sempre as vítimas das brutalidades que vemos a toda a hora. Para eles, quem fica sempre mal na fotografia, são as autoridades que têm por missão defender quem não se pode defender.

E, depois, lá vêm com os estafados argumentos da desproporção de meios e da falta de liberdade para se manifestarem. Ou, mais caricato ainda, como já li num jornal diário, os pacifistas não vieram a Portugal, pois cá já não há nada para destruir. Ao que dizem, já está tudo destruído. Conclui daí o artista da escrita, que é mais uma prova de que somos um país do terceiro mundo. E eu fico a pensar, de que mundo será ele, o artista.

Ainda a este propósito é de realçar a recusa da CGTP em albergar esses beligerantes pacíficos na sua manifestação, precisamente, porque não quis arcar com as consequências de ter entre si, autênticos delinquentes que, em nome da paz, estragam a vida a muita gente, essa sim, pacífica, trabalhadora e ordeira.

Ficaram desiludidos os que já arrebitavam as orelhas em busca de um espectáculo que pudesse levar uns tantos agentes da autoridade para o hospital, umas dezenas de montras estilhaçadas, além de um sem número de vandalizações por toda a baixa da cidade de Lisboa.

Sobretudo, porque teriam muita chacota delirante a dar ênfase aos êxitos das façanhas dos bêbados pacifistas, e da incompetência dos meios de dissuasão e seus mentores. Aí, sim, não faltariam ferroadas nos que não haviam previsto e evitado avultados prejuízos muito bem discriminados. Como não houve nada disso, esta coisa toda foi um fracasso total.    

Infelizmente, alguns dos pacifistas desconhecem que há guerras que são consequência de outras guerras. Há guerras com armas e guerras com mais violência que a gerada pelas armas, especialmente, a guerra dos terrorismos, com a qual esses pacifistas parecem não se preocupar. Se é que não a apoiam intimamente.

A guerra nunca teve apenas um beligerante, e os pacifistas que estão sempre dispostos e alinhados para a luta violenta, mesmo a verbal, nunca conseguiram evitar guerra nenhuma. Daí que sejam mais amigos da guerra que da paz.  

 

 

Este título é muito enganador. Parecem três mas são apenas dois, uma vez que o carvalho existe, tanto no cabo como no sargento, embora o do cabo tenha tendência para se lhe pendurar na língua, enquanto o do sargento se mantém mais recatado, a coberto da farda, em lugar um pouco mais abaixo do umbigo.

O cabo também tem um no mesmo sítio do sargento, só que gosta especialmente de lembrar a este, que um mau cabo pode ter um bom carvalho. E vai daí manda-o para lá. Não tem mal nenhum, pois a todo o momento se ouve alguém a mandar outros para os sítios mais diversos, e daí não vem mal ao mundo.

Mesmo que, eventualmente, se omita uma ou outra letra ao destino, facto que deve ser entendido como uma compreensível ignorância semântica, que não se deve estranhar em meios onde as ignorâncias são tantas que também se manda uma ou outra para o Carvalho ou para a Coina da Tia, quando se é adepto ou adepta de uma certa rotatividade onomástica.  

Este tipo de linguagem nem sequer é exclusivo de cabos e sargentos. Se pensarmos um pouco, não será difícil encontrar ilustres oficiais de todos os ramos, ou modestos soldados de quaisquer artes, todos detentores de grande, médio ou pequeno Carvalho, ou com Coina onde estes encaixavam perfeitamente se os actos fossem tão livres como a linguagem.

Isto, partindo do princípio que não são, pelo menos até surgir a notícia de que os tribunais, chamados a pronunciar-se sobre tão momentoso assunto, considerem que Carvalho e Coina não têm que pensar em preconceitos em tempo de limpar armas. É, segundo qualquer veredicto de qualquer colectivo, uma disciplina como outra qualquer.

Perdão, não é oportuno nem conveniente falar de disciplina em questões verbais, muito menos se elas envolverem a virilidade de qualquer Carvalho ou de qualquer Coina, mesmo amputados de uma simples letrinha que em nada lhes afectaria essas virtualidades. Aliás, as letrinhas nem sempre são pronunciadas logo, nem sempre fazem assim tanta falta em certas palavras que se escrevem pouco, mas se usam muito.

Quando se ouve dizer, com Carvalho, ou, mas que Coina, o sentido voa ao encontro de algo que faz parte da vida, para os mais viris, do dia-a-dia, para os menos, de semana a semana. É melhor não pôr mais na carta, senão pode haver uma ou outra crise de virilidade subjectiva, ainda que verbal ou escrita.

E, na pior das hipóteses, lá terão os senhores juízes das ralações, de perder uma data de meses ou anos, a ralar-se para arranjar uma justificação plausível, com consultas às origens do triste fado que sempre cantou as graças e desgraças do Carvalho e da Coina, os quais sempre gostaram muito de misturar as coisas.    

E, mesmo assim, haverá sempre quem diga que os juízes já não são o que eram. Pudera, eles também têm essas coisas. E não há nada como aquela justiça que vem de gente com consciência tranquila e produz sentenças justas, porque nascem da experiência e do saber que dela emana.

Daí que o nosso cabo Carvalho possa mandar descansar, à vontade, a nossa sargenta Coina, que a ordem de comando, mesmo invertida, não é crime nenhum.  

 

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