O negócio do século
Desta vez vou começar pelo princípio, já que tenho o mau hábito de andar por aqui às voltas até chegar ao assunto que consta na minha agenda demasiado rabiscada. Começo pois por dizer que o negócio em título vai ser, digo eu, celebrado entre o Madrid e o Porto, devendo a respectiva assinatura ter lugar na fronteira do Caia.
Evidentemente que a escolha desse local tem, obviamente, a ver com a facilidade de deslocação das duas comitivas que, através da utilização do TGV, não perderão o precioso tempo de que ninguém pode dispor nos velozes tempos que correm. Ao mesmo tempo, foi também por pressão do governo, via Laurentino, que assim pretende demonstrar que o TGV dá jeito ao país.
Não se pense que este super negócio foi engendrado ontem em Barcelona, onde aconteceu aquele golpe publicitário, conhecido pelo desastre dos cinco sem resposta. Portanto, o negócio começou há tempos entre o Madrid e o Porto, mas o Barcelona resolveu dar um forte empurrão na noite de ontem.
Estou absolutamente convencido de que houve ali uma certa raiva benigna dos catalães, por causa da semelhança entre o nome do seu estádio, ‘Nou’, e o nome do comandante madrileno ‘Mou’. Vai daí, referindo-se ao negócio, alguém gritou no estádio: ‘Dou’ cinco! ... E o leilão começou de imediato e só terminou quase duas horas depois.
Foram exactamente esses cinco que motivaram uma chamada de emergência do Porto para Madrid, quando Madrid já estava com o telefone na mão para falar para o Porto. O motivo era óbvio: ambas as partes queriam um bom negócio, porque a oportunidade parecia ser uma daquelas que dificilmente se repetem.
Passo a tentar esclarecer o andamento das negociações. A primeira parte do negócio tinha como premissa a permuta de Boas com Mou, dando seguimento a rumores anteriores já escutados em ambas as cidades. Porém, o Porto, bom negociador, declarou logo de imediato que tinha de receber outras contrapartidas.
Pela simples razão de que era evidente que Boas valia seguramente o dobro de Mou. Madrid admitiu que havia alguma diferença nesse sentido, dispondo-se facilmente a juntar ao one, o da camisola número um, Silhas, o herói dos cinco. Aí, o Porto, nem vacilou, argumentando que estava habituado a dar cinco e não a encaixá-los.
Outras hipóteses foram aventadas de um lado e do outro mas os números andavam ainda muito longe da satisfação mútua. O Porto chegou a sugerir que Boas viesse ao Porto uma vez por mês, dar umas luzes a Mou, para que não houvesse por cá um desastre como o de Barcelona. Em vão. Madrid insistiu que podia incluir mais outro elemento na lista de permuta, mas sem resultado.
É evidente que o Porto é muito matreiro a negociar, para mais quando tem os melhores trunfos na mão. Foi assim que recusou a oferta de Jo Jus, de Lisboa, para adjunto de Mou. Aí, o Porto estremeceu. Um amigo é sempre bem-vindo. E perguntou a Madrid, como conseguia convencer o Fili a prescindir do Jo Jus.
A resposta foi dada num espanhol muito arrevesado que eu tenho de traduzir. Disse ele que o Fili estava à rasquinha com as contas, logo, dinheiro na mão era o seu primeiro argumento. Depois, o segundo argumento era de caras: O Fili não sabia como se havia de livrar do Jo Jus e esta era a oportunidade que vinha como sopa no mel.
Seguiu-se um prolongado momento de reflexão por parte do Porto, com as duas mãos na cabeça. Mou e Jo Jus juntos no Porto, oh, seriam oiro sobre azul. Mas, Boas vale muito mais que tudo isso, murmuravam. Logo, Boas vai para Madrid, mas tem de ser por muito mais. Os madrilenos coçaram a orelha, olharam demoradamente uns para os outros e fecharam os olhos.
Foi então que do Porto saiu a proposta final. Venha de lá o Mou, o Jo Jus e o Ron. Depois, com muita pena nossa, já podem levar o Boas. Podem pensar uns minutos. O negócio do século está nas vossas mãos.