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afonsonunes

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29 Dez, 2010

O nosso banco

 

Em teoria um banco é de todos aqueles que lá meteram o seu dinheiro pois, sem ele, dinheiro, não havia banco nenhum. Enquanto esse banco se governa com o dinheiro dos seus depositantes e levantadores, tudo bem, a vida é deles, o negócio é deles e ninguém tem nada que se meter, desde que sejam cumpridas as leis do país.

Até pode fazer ricos e pobres ao mesmo tempo, até pode criar ilusões e desenganos àqueles que resolveram entrar nele, e até pode fazer aquelas trafulhices que toda a gente sabe que existem, menos quem as devia controlar. Mas, atenção, tudo tem de ser feito debaixo da alçada da lei, senão, devia acontecer alguma coisa.

Estamos fartos de saber que não acontece nada e a prova disso são os balúrdios que voam do banco para os bolsos de muita gente, sob as mais diversas ilegalidades que, até as pessoas beneficiadas e ditas muito sérias e honestas, consideram que sacar o mais que puderem, de qualquer maneira, é um direito que lhes assiste.

Ainda se pode aceitar esta teoria do venha a nós, se essas pessoas são fraquinhas, muito fraquinhas mesmo, na arte de lidar com números, isto é, nas pessoas que não sabem fazer contas. Essas, é natural que não conheçam as consequências do que acontece quando se tira mais do pote, do que aquilo que entra nele.

Agora, quando essas pessoas, fortes em contas, que sabem tudo sobre dinheiro e lucro, que também sabem muito, melhor, tudo mesmo, sobre prejuízos, quando essas pessoas entram no jogo de encher os bolsos em pouco tempo, sabem perfeitamente que alguém está a perder o que elas estão a ganhar. Não são, com certeza, anjinhos inocentes.

Quando um banco em situação de falência é nacionalizado, deixa de ser apenas dos seus clientes, para passar a ser de todos os contribuintes. Porque o dinheiro que o estado lá meteu para pagar os calotes, veio exactamente dos bolsos de quem nada tinha a ver com aquilo, nem nunca de lá recebeu um cêntimo.

Logo, qualquer contribuinte tem o direito de se sentir lesado e de sentir que houve alguém que o lesou, material e moralmente, por ter contribuído para essa situação. Logo, qualquer contribuinte tem o direito de se sentir ofendido com tantas manifestações de inocência, de seriedade e de honestidade de quem tem em seu poder o que outros tiveram de pagar.

Agora que o banco é nosso, é uma propriedade tão incómoda que apenas nos dá o direito de pagarmos os prejuízos que outros fizeram, transformando-os em lucros para eles. Como estamos num país à beira da ruína por causa da vigarice e dos vigaristas, não admira que isto seja uma realidade.

Esta maneira de fazer contas, estou certo que não é ensinada em nenhuma universidade do mundo, nem mesmo daquelas que dão cursos aos sábados e diplomas aos domingos. Mas há por aí muitos cursados que têm esta especialização contabilística. E com ela têm vivido e convivido com toda a tranquilidade e honestidade.

Sem dúvida, também, com muito sucesso e proveito, ou não houvesse otários como eu, mesmo forçado, a esvaziar os meus bolsos para manter cheios e intocáveis os de outros. Tudo porque o banco que era apenas deles passou também a ser meu. Passou a ser o nosso banco.

 

 

28 Dez, 2010

Sujos!... Sujos?...

Sujos!... Sujos?...

A exclamação acima não é minha, mas a interrogação pertence-me por inteiro. E esta só existe porque ouvi falar daquela. É das tais coisas que nos levam a dizer que, palavra puxa palavra e depois, toma que lá vai disto. É assim que nascem muitas das sessões sujas de jogos florais que fazem delirar tanta gente.

Alguém se excitou e ficou com aquela falta de saliva que acontece nos momentos em que era preciso responder a perguntas chatas. É realmente muito embaraçoso que a língua fique seca, quando mais se precisava dela bem molhada, para dar uma ´mangueirada’ de limpeza nos tais sujos que andam a pretender pegar a sujidade a quem se considera um modelo de higiene moral e corporal.

No entanto, para que a mangueira seja eficaz, é preciso que o higiénico tenha uma maior, que a do sujo que ele pretende limpar. Ora, é muito fácil saber o tamanho de uma das mangueiras. Basta ir ao site sobejamente conhecido. O mais difícil é encontrar a medida exacta da mangueira oposta, pois essa não consta mesmo de site nenhum.

Nestas coisas de sujos, os falsos e os verdadeiros, há sempre uma tendência generalizada para, quem está de fora, inalar o perfume que vem dos dois lados. Seria melhor referir os perfumes, pois há que contar com o odor de outro sujo, embora esse bem dissimulado pelo perfume do frasco, normalmente, caro e eficaz.  

Na promiscuidade das sujeiras, lá vamos deparando com os sujos que se confundem com os limpos, pois não é raro depararmos com limpos que não toleram ser considerados sujos mas, na realidade, são os mais sujos, enquanto muitos dos considerados sujos são, afinal, muito mais limpos que os anteriores.

Sim, eu sei que já está tudo isto a cheirar mal e, acima de tudo, numa grande confusão. Porque também eu não consigo fugir ao pivete que vem dos aparelhos audiovisuais que tenho à minha volta e que, umas vezes para bem, outras para mal, me influenciam a linguagem que utilizo e também ponho no ar.

Consequentemente, também eu tenho de me considerar um poluidor, ou seja, um propalador de coisas sujas. Mas, eu sou um minúsculo propalador que está dentro dos valores suportados pelo ambiente, comparado com outros de grandes dimensões que afectam, e de que maneira, o aumento do buraco do ozono, que são os ouvidos de todos os atingidos.    

Além disso, se tenho paciência para ouvir tantas e tão variadas coisas sujas, entendo que também tenho o direito de sujar alguma coisa, nem que seja apenas um bocadinho da biqueira dos sapatos de algum limpinho que, de vez em quando, se esquece de ver se tem mau hálito quando abre a boca.

Ainda que ele pense que foi coisa que nunca teve na vida, nem mesmo de pequenino, quanto mais agora que já pode ter um site onde isso está tudo muito bem explicadinho. É só ir lá e ver. É ele que o diz. Está lá. Claro que alguém estará a pensar que hoje já toda a gente tem um site para dizer o que lhe apetecer, quando e como lhe aprouver.

Ai como me apetecia dar nomes aos sujos e aos limpinhos que ando a ouvir todos os dias… Mas, a mim, até me repugna admitir que os há, para além daquilo que é natural e normal em pessoas que, simplesmente, sujam a roupa que vestem diariamente, depois, também têm de a lavar todos os dias.

É por isso que fico espantado quando oiço alguém dizer, sujos!... Então, logo me interrogo, sujos?... Ai se eles tivessem um espelho na frente…

 

 

 

Quando não há tempo a perder, lembramo-nos logo de que tempo é dinheiro. E como o dinheiro é coisa que não abunda, lembrei-me eu de promover umas alterações cá no burgo, no sentido de incutir mais confiança, sobretudo, nos donos do dinheiro, dos quais não há meio de se encontrar uma forma de nos livrarmos da sua prepotência.

Esta treta das alterações de qualquer coisa é um monte de trabalhos, até para se falar delas, quanto mais para conseguir levá-las à prática. Tudo porque há sempre quem diga que a gente só quer alterar aquilo que nos interessa. Ora eu, que sou daqueles que estou sempre a dizer que isso agora não interessa nada, repito neste momento que nada me interessa.

Quero lá saber se o Eng. Policarpo é um bom ou mau político, ou se D. Sócrates é ou não um eclesiástico de primeira água. O que sei é que, o primeiro, nunca mais se cala com sobre o que vai mal no país, nos partidos e no seu pensamento de diz o que se devia fazer, mas não faz. O segundo, não abre a boca sobre o que devia dizer e não diz, acerca do que vai no espírito dos seus fiéis, no fausto da vida dos seus domínios e até dos pecados próprios e alheios.

Portanto, eu entendo que deviam alterar as suas vidas de modo a serem mais eficazes nos seus desempenhos. Por exemplo, não ligarem aos nomes que têm. Hoje em dia, ser D. Sócrates ou ser Eng. Policarpo, não diz nada a muita gente, porque o que conta é a gente ver como estão os súbditos, salvo seja, de cada um.

O que diria muito, era a comunidade sentir o conforto moral do Eng. e o conforto material do D. E isto tem andado um tanto ao contrário, com os resultados que estão à vista, pelo menos daqueles que também não se calam mas, mais conformados, menos conformados, lá vão consentindo que eles não mudem.       

Está provado que o Eng. Policarpo dava um excelente primeiro-ministro, se o deixassem levar à prática todo o seu manancial de ideias sensatas e ajustadas à realidade sócio económica actual. Talvez até merecedor de uma actuação para lá das fronteiras, minorando assim a crise de génios que se tem evidenciado nas altas esferas da comunidade.

Depois, teria a vantagem de contar sempre com uma real, apropriada e indestrutível cooperação estratégica, onde os recados seriam imediatamente substituídos por rezas, e os encontros semanais por missas. Isto parece surreal, dito assim como quem vai de caminho mas, é nas rezas e nas missas, que se encontra a fé suficiente para curar os males que, nem um nem outro, têm encontrado nos caminhos que escolheram.    

D. Sócrates, então, está excepcionalmente vocacionado para fazer milagres daí que, não poderia encontrar melhor ambiência que o claustro da simplicidade e da oração, que o reduza ao penitenciado de um passado de excessos e de luxúria. Aliás, ali encontraria múltiplas fontes naturais de receitas que nunca seriam comparáveis à míngua das impostas aos forçados pagantes.  

Depois de muitos sacrifícios e de muitas orações, podia sonhar um dia com Roma, pois até na simplicidade e na penitência se pode ser um pouquinho sonhador, até um bocado ambicioso, porque no céu há lugar para todos, ao contrário da terra, onde os lugares são sempre muito difíceis de distribuir.

Afinal, comecei a falar de alterações e desatei a falar de milagres como quem fala de politiquices. No entanto, parece-me que se podia ganhar alguma coisa, se estes dois líderes de que falei se empenhassem a fundo nos cargos em que os coloquei. Evidentemente, que o meu critério foi exclusivamente o dos respectivos currículos individuais.   

Sim, porque eu não sou como os políticos que escolhem os candidatos pela cor dos olhos, pela cor do cabelo, pela cor da carteira, ou pela cor das aparências específicas que não cabem aqui, por uma questão de espaço.

Pelo futuro, respeitosamente, boa sorte Eng. Policarpo. A sua bênção, D. Sócrates.  

 

 

 

Nos minúsculos pormenores se descobrem os grandes pormaiores. Eu, moi, je, considero-me uma pessoa séria, sem ter a petulância, a arrogância, o desplante e a desfaçatez de garantir que não há ninguém mais sério que eu. Quanto mais não fosse, porque, hipocritamente, até poderia admitir que o nosso presidente é a única exceção.

As exceções não são o meu forte, mas declaro solenemente que algumas me deixam a sorrir por baixo do bigode que não tenho. Isto para dizer que quem nasceu apenas uma vez, como eu, tem de se colocar ao meu lado e sujeitar-se ao teste do algodão, para confirmar quem fica mais limpo. Eu, ou ele.

Agora, imagine-se quem tem a prosápia, o desplante, o fingimento, a hipocrisia e o descaramento de se comparar a quem nasceu duas vezes. Por mim, só consigo imaginar esta situação, se alguém se propuser ser duplamente hipócrita para se colocar ao lado de quem nasceu duas vezes.

Repito que eu só nasci uma vez, não me considero minimamente hipócrita, nem tão pouco, o homem, o sujeito, o indivíduo, o sábio, o conselheiro ou o pai da humanidade, para ser o mais sério dos terráqueos que só nascem uma vez. Quanto aos que já conseguiram nascer duas vezes, bem, digam-me lá onde estão eles.

Mas, eu sou apenas o mais simples dos filhos dessa humanidade que luta e sofre por ver um mundo melhor, despido de roupagens que não passam de fogo de vista em tempo de festa, preferindo olhar para a realidade dos trezentos e tal dias de aperto do cinto e não embriagar-me nos restantes dias de festa para tranquilizar a consciência.

É mentira! Garanto eu, que alguma vez me tenham visto com a boca na botija, porque eu, moi, je, sou um amigo incontestado da botija da água quente que a minha Maria coloca na cama para me aquecer os pés. Depois, ela apenas tem que juntar os dela aos meus e fica com os pés quentinhos como eu.

Assim, com estas provas iniludíveis, ninguém pode dizer que é mais sério do que eu, tal como ninguém, que eu saiba, é capaz de garantir que já nasceu duas vezes, para contrariar a minha tese de que sou o mais sério do mundo. Até porque a seriedade não se mede quando se está no meio de uma qualquer campanha suja.

Isso da campanha suja não é comigo, como é óbvio, pois isso apenas diz respeito aos políticos e eu, claro, não sou político. Sou apenas, e simplesmente, o controlador dos políticos, o exemplo dos políticos, a referência dos políticos, o sujeito que está acima de todos eles e tudo o mais logo, acima de todas as suspeitas, mesmo daquelas que eu julgo que são mentiras.

Sim, porque eu gosto muito de julgar, e isso é bom, mesmo muito bom, num país onde quem devia julgar não julga, porque passa o tempo a julgar o que não deve. E os meus julgamentos têm dado ótimos resultados, ou não fosse a táctica do cala-te boca quando é a doer, a solução ideal, tal como o envio de recados é a melhor forma de sorrir nos bons momentos e de calar os outros quando se teme que eles queiram falar.  

E ainda está para nascer quem tenha mais experiência que eu. Mesmo aos que pensam que já nasceram duas vezes, posso seguramente aconselhá-los a verificar com cuidado a sua certidão de óbito, certificando-se de quantas vezes já morreram antes. Sim, porque só nasce duas vezes quem já tenha morrido uma vez.

Porém, tendo em conta que é de mortos que reza a história, daqui presto a minha especial e sentida homenagem a todos aqueles que morreram sem um emprego, que nunca passaram de pequenos e médios trabalhadores, que nunca tiveram mais que uma reforma e pequena, bem como todos os micro investidores como eu. Tudo como eu.

Isto é que é estar a favor dos pobres e desprotegidos e não estar para aqui e para ali, a dizer que eu sou isto e aquilo. Coisas de que eu não quero dizer aquilo mais isto, porque isso não interessa nada. Depois, toda a gente sabe que eu não sou o outro, portanto voltem-se para o outro lado, como têm feito, que por aí é que vão bem.

Aliás, os portugueses sabem que ainda está para nascer, quem o fizer pela segunda vez. A propósito, o Menino Jesus nasce todos os anos, na próxima noite. É por isso que eu, mais que ninguém, como só eu sei dizer, UM SANTO NATAL!

 

 

 

Pensava eu que nesta época festiva, a família da suinicultura nem devia tão pouco andar nas bocas, nem sequer nos dedos, de quem acredita nas virtualidades do Natal e da solidariedade e respeito que devem merecer todos os seres humanos, sejam eles quais forem, vivam eles onde viverem.

Afinal, também eu não resisto à tentação de sujar o pensamento e as mãos ao mete-los na pocilga onde chafurdam umas tantas mentes degeneradas pelo ódio e pela vingança que nem a presente quadra consegue amenizar. Estranho seria que os porcos e porcas, bem como os seus juniores leitõezinhos, fossem capazes de alguma vez se conterem.

Tinha prometido a mim mesmo estar calado durante esta semana para não incomodar ninguém, mesmo aqueles que o não merecem. Apesar de saber que me estou a emporcalhar com a quebra da minha intenção, sinto que seria pior não limpar a minha consciência, despejando este mal estar que eles me injectam cá dentro.

Pensava eu que no Natal era tempo de bacalhau, onde até as línguas dos ditos se esqueciam durante uns dias, bem como as caras correspondentes, a fim de salientar a tradição das postas, quanto mais altas melhor, acompanhadas das respectivas couves. Depois, com elas, as conversas da família, em jeito de gente boa…

Todavia, também há quem meta nas festividades, o polvo legítimo acompanhado de outras iguarias, em substituição do bacalhau. Mas, o que não se tolera em lares de gente que respeita a tradição são os tentáculos de polvos terrestres que buscam obsessivamente onde fixar, sem qualquer legitimidade, as suas enganadoras ventosas.  

Com papas e bolos se enganam os tolos, embora muita gente que não é tola use e abuse de guloseimas nesta época. Porque festa é festa, mas é uma daquelas festas em que não se dá importância ao porco, tão pouco à porca, a não ser por fornecer o inocente leitãozinho que cabe sempre em qualquer mesa mais abastada.

É por isso que o porco, nem morto, se aceita de bom grado pelo Natal. Tão pouco a porcaria que eles e elas, sem olhar ao nojo que provocam, preferem lançar nos ares, para extasiar os seus apaniguados, que nunca vão conseguir dissociar as festas e as tradições, dos seus lúgubres devaneios e macabras cogitações.

Como para mim e para a grande maioria dos portugueses, o Natal é mesmo tempo de paz e de união entre todos, quero terminar estas linhas com o regresso ao espírito da quadra que atravessamos, fazendo de conta que tudo vai bem à minha volta.

Para todos, pois, felizes festas neste final de ano, bem como votos de um próspero Ano Novo.       

 

 

20 Dez, 2010

'O algarviu'

 

Nascer lá, crescer lá e fugir de lá, deve ter sido a sina de muitos algarvios que não se conformaram com aquela estreita faixa litoral, ainda por cima entalados entre arribas enormes e serranias de meter medo a quem precisa de ver muita gente junta, para desenvolver a teoria de que aí, alguns, têm muitas possibilidades se safar.

O algarvio que vou meter nestas linhas acabou mesmo por se desenrascar, depois de se aventurar numa viagem de algumas centenas de quilómetros, de carrinho novo, com final feliz, ao verificar no destino, uma praia quase tão bela como a sua Quarteira, que o nível do óleo do veículo estava na mesma como quando partira.

Satisfeito, naturalmente, entrou num local onde havia muita gente ávida de emoções fortes e novidades fabricadas ali mesmo, em directo e ao vivo. O meu algarvio, sorridente, desde o limiar dos portões, até ao seu lugar numa das filas da frente, contou o sucesso da sua viagem graças ao desempenho excepcional da sua viatura.

De boca em boca, esse sucesso percorreu rapidamente todo o recinto e, como que por magia, muitos dos olhares se iam concentrando na pessoa do meu algarvio sorridente e feliz, meio encavacado devido à sua modéstia, meio desconfiado, pela rapidez do reconhecimento da eficácia do seu carrinho e meio suado pelo calor que já adivinhava que viria a seguir.

E veio mesmo, depois de ligeiro perpassar de suores frios, um calor abrasador arrasou o recinto, de tal forma que o carrinho teria gripado, se não tivesse ficado lá fora. Mas, no final, condutor e veículo estavam tão assombrados que já não voltaram ao Algarve. Lisboa e as multidões esperavam ansiosamente por eles. Adeus praias do sul, adeus praia do centro.

Hoje, conheço o ‘algardisse’ que recorda com orgulho tudo o que disse desde que saiu do Algarve, nomeadamente, que um algarvio é, como todos os portugueses estão fartos de saber, um homem feliz pelas suas origens, um lutador muito calmo que nunca luta com as armas dos seus adversários, porque tem as suas, que são muito melhores.

E a principal, a mais importante de todas elas, é a sua seriedade, mais sério que todos os ‘algarsérios’ , não desfazendo, porque nunca quis nada que não fosse seu, deixando isso a cargo de alguns dos seus melhores amigos. Que, felizmente, lá conseguiu que eles saíssem da pobreza, essa porque tanto lutou.

O nosso agora lisboeta, bem pode orgulhar-se de ser visto por muita gente como o ‘algarescreve’, ou não tivesse ele escrito muito sobre a sua especialidade, as contas, que ele já referiu, e muito bem, ter ensinado a grandes estadistas da estranja que lhe pediram encarecidamente, uma mãozinha de auxílio.

Mas, acima de tudo, ele é, sem dúvida, o maior ‘algarviu’ de todos os tempos. Ou não soubessem todos os portugueses as misérias que ele já viu. Por todo o Algarve, certamente, mas também no país inteiro. Está tudo dito, escrito e falado nos seus livros, nos seus discursos de subida e nas conversas que teve com a família.

Aliás, logo que subiu do Algarve cá para cima, teve o cuidado, muito cuidado, todo o cuidado, aliás, de recomendar aos seus colegas políticos, que se lembrassem de tudo o que ele já tinha visto, lido, escrito, falado, para que todos fizessem tudo para resolver os problemas que ele tão bem conhecia e melhor tinha denunciado.

Portanto, um ‘algarviu’ assim, não volta a aparecer no país, nem no Algarve, nem no Minho que, neste caso, seria um ‘minhoviu’. É um privilégio para todos os portugueses saberem que já alguém viu aquilo que eles, míopes, muito míopes, não conseguem ver que está tudo por resolver.   

Certamente, porque quem já viu tudo, está à espera que seja o povo a resolver.

 

 

18 Dez, 2010

Todos para as obras

O país precisa mesmo de entrar em obras urgentes e é bem visível que nada escapa a essa necessidade premente. Mão-de-obra há muita, mas falta muita massa cinzenta para a planear e, sobretudo, para a executar de harmonia com as necessidades. Em contrapartida, temos muitos gabarolas que dizem que sabem tudo, e que sabem fazer de tudo.

O governo prepara-se para mobilizar os que não querem fazer nada, quer eles saibam ou não, para as obras de construção civil urbana. Como esse não é o meu caso, estou-me nas tintas para a ordem e para o resultado que ela possa vir a ter. Acho bem que só obedeça quem quer, desde que o dinheiro dos meus impostos não lhes seja metido nas mãos.

Todavia, há obras muito mais importantes que podem e devem ocupar gente muito mais importante, sobre as quais não se ouve o mais pequeno ruído. E essas sim, modificariam o país, com muito mais abrangência que as fachadas dos edifícios que estão quase a cair, ou mesmo daqueles que já estão feitos em montes de lixo.

Portanto, convinha mobilizar outros obreiros, entre aqueles que ainda não mostraram o que valem, em substituição dos que já estão cansados de tanto apregoarem como obra feita, a obra que ainda está por fazer. Quanto aos que ainda não mostraram o que valem, convém criar um crivo por onde não passem os que só mostram ter conversa, e muito limitada.

No entanto, há obras para todos. Em última análise, há a tal reconstrução urbana. Hoje, até já se pode trabalhar de luvas calçadas, o que alivia um pouco a dor nas mãos, a formação de calos e os estragos nas unhas provocados pelo cimento, que custa a tirar debaixo delas, se não forem lavadas de imediato.

Em contrapartida, deixa-se para trás aqueles gabinetes ricamente decorados, cheios de sofás com moleza a mais, repletos de fumo de charutos caros ou cachimbos viciados, onde as conversas fedem e as ideias se afundam nos meandros da politiquice que nem faz obras, nem deixa em paz quem as quer fazer e, sobretudo, mandar fazer.

É lógico que quem tem por missão, ou a obra que lhe compete, é mandar outros fazer as suas próprias obras, tem de cumprir e obrigar a cumprir, senão lá se vão todas as obras, como tem acontecido até aqui. No dia da posse de cada um, do mais alto ao mais baixo, ouvimos um rol infindo de obras que vão arrancar de imediato.

São assim os discursos no início dos mandatos presidenciais, já para não falar nas campanhas que os precedem. Aí temos a que decorre agora, com um dizer que fez tudo certinho e direitinho, enquanto os outros arranjam pontos sobre pontos, para coser os buracos que dizem ter descoberto no passado.

Por um lado, anunciam obras que não lhes competem. Depois, sacodem a água do capote, invocando as competências do governo. Logo a seguir culpam o governo de ter feito obras que não devia, ou que as fez à revelia do conhecimento presidencial. Haja paciência para obras destas, nas mãos de obreiros destes.

São assim os governantes que no acto de posse até garantem fazer as obras que não sabem se lhas deixam fazer, ou se têm meios para as fazer, ou ainda se os tempos não alteram as condições de execução. Também estes se esquecem de que, trabalhar nas suas obras, implica olhar para cima e à sua volta, medindo bem se as obras não caem antes de começadas.

E é assim por aí abaixo, com altos e baixos cargos. Lembro-me de há muito ter manifestado num destes escritos, a esperança de que a nomeação de uma senhora procuradora poder vir a ser comparada, à escala nacional, claro, a um senhor da justiça espanhola, chamado Baltazar Garzón. A mim, que sou meio cegueta, parece-me que até hoje, de obra, zero.

Mas, mesmo os que vêem tanto como eu, topam por todas as direcções-gerais, repartições, empresas e profissões de todo o género, tal como políticos de todos os quadrantes, muitos zeros que só contribuem para a obra negativa que o país constrói todos os dias.

Só há uma conclusão possível que contribua para remediar estes males. São as obras. As obras que terão de receber os obreiros adequados e requalificar todos os obreiros que são verbos de encher nos lugares ou cargos onde nada renderam, nem nunca virão a render. Sejam quais forem os lugares ou os cargos. Sem excepção.

Mas, que ninguém fique fora das muitas e muito diversificadas obras de que o país precisa. A menos que queiram viver apenas do ar que respiram.    

 

17 Dez, 2010

Ora ainda bem!

Tive o grato prazer de ouvir representantes do grande e pequeno comércio dizer que as compras de Natal estavam a correr bem ou, pelo menos, melhor do que era de esperar. Certamente que isto já é uma significativa melhoria no que respeita à lamúria que nos persegue desde tempos que já nem me lembro.

É verdade que ninguém passou a viver melhor, como também é verdade que há quem não faça compras de Natal, nem muitas outras, que nem de Natal chegam a ser. Mas também é verdade que não é a lamúria dos coitadinhos, dos miudinhos e dos amigos do choradinho que vai modificar as coisas que, quer se queira quer não, não se resolvem com isso.

Saber-se que os vendedores vendem, é saber-se que os compradores compram. E se há compras é porque ainda não está tudo teso como os tais supracitados querem propalar. Anda por aí muito dinheiro escondido ou à vista, nem sempre das melhores proveniências, ou das melhores opções de vida em sociedade.

Mudando de assunto, ora ainda bem que começamos a ouvir umas vozes que destoam da cantilena que constitui a corrente labiríntica, quase monocórdica, hipócrita e vesga, que quer mesmo que o país se afunde, com o contributo do sentido único dos seus desvarios, sempre sem perder de vista os seus interesses egoístas.

Ora ainda bem que neste período, em que nem todas as bocas se abstêm de se pronunciar, vêm ao de cima os contraditórios de tantos ditos de fanfarrões que nunca fizeram nada pelo país e pelo povo e, despudoradamente, têm feito crer e têm tido amplificadores até dizer chega, para afirmar que foram os maiores, os melhores e os mais sérios do mundo.

Ora ainda bem que a história nunca se fará apenas com os ditos daqueles que a querem escrever com o seu próprio punho, com a sua própria caneta, ou mandá-la escrever aos seus subservientes amigos que são, ao mesmo tempo, aqueles que directa ou indirectamente, ajudaram, se é que não ajudam ainda, a tentar esconder a outra face da verdade.

Além dos ex-ministros, agora muito solicitados para opinar, ainda não esqueci as competências de ex-titulares das finanças, da educação, da economia, do trabalho e outros, que se orgulham da herança que então deixaram. A isto eu chamo a geração heróica, que viu o seu trabalho virtual desbaratado pela actual geração rasca.

Ora ainda bem que há quem veja tudo ao contrário, sinal de que já não somos tanto, como já fomos, mais ou menos um rebanho de carneiros com algumas cabrinhas à mistura, pois não há nada mais saudável do que o cruzar de balidos de vários rebanhos, até para que possamos também largar as nossas próprias baboseiras.

Ora ainda bem que vamos sabendo que há uns sujeitos que atiraram o BPN para as ruas da amargura ao encher os bolsos, que há um caso chamado Gebalis, um caso no Metro do Mondego e no antigo edifício dos Correios de Coimbra. Provavelmente, tudo por culpa de alguém que não é do partido menos corrupto de Portugal, nem do governo deste país de corruptos.

Ora ainda bem que os portugueses estão perfeitamente tranquilos e descansados com a perspectiva de alternativas políticas nas diversas situações que se aproximam, ou que se façam aproximar. O sucesso é o nosso inevitável destino.

Ora ainda bem que o fracasso é um vocábulo que não consta do nosso glorioso passado. A atestá-lo, temos a nova geração ‘nem nem’. Nem trabalho, nem estudo. Porquê? Há quem diga, que são os filhos dos papás que lhes podem sustentar os vícios e os caprichos, sem fazer calos nas mãos.

Ora ainda bem que neste país ainda há muita gente que pode ter uma vida boa, à boa vida. No entanto, parece-me que se queixam pouco.

 

Começou mais uma interminável série de idas e voltas ao tribunal por parte dos coitadinhos que não fizeram nada de mal, como é costume nestas coisas, pois nem sequer pilharam uma galinha para matar a fome aos desgraçadinhos que não estão lá em casa à espera que chegue qualquer coisa que se mastigue.

Por acaso este mega não sei quê, até nem desperta um interesse por aí além, talvez porque não tem personagens à altura, nem tão pouco personalidades dignas de realce, o que só aconteceria se tivessem uma ligaçãozinha, mesmo ténue, muito ténue, a um partido político, que é, como sabemos, o gostinho da mediatização.

Isto deve ser assim uma espécie de passagem de modelos de gente que vestiu as calças ao contrário, ou enfiou as pernas nas mangas da camisa. Coisas que não interessam, e muito bem, a gente que tem muito mais que fazer. Portanto, mais que explicada está esta aversão mediática e, por consequência, o esquecimento na opinião pública.

Se a gente se puser bem em cima do assunto, tem de concordar que um conselheiro não tem um carisma daqueles que arrebata, que nos leva a gritar: Malandro! Nem tão pouco entusiasma saber se o tribunal lhe manda repor meia dúzia de euros de que se esqueceu dentro da pasta da papelada.

É que nem sequer dá para lhe gritar: Gatuno! Isso só faria sentido se ele tivesse roubado uns milhões e tivesse agora de os devolver ao dono. Mas qual quê! Aquilo parece que nem sequer tinha um dono. Porquê? Porque tinha muitos e estão todos nas mesmas condições: nenhum deles é malandro nem gatuno.

Ora, assim sendo, nem sei por que razão se vai perder tempo a caminho do tribunal, por tempo indeterminado, a menos que se queira condenar o estado por permitir que andem a incomodar tão respeitáveis criaturas, perdão pela minha insolência, tão respeitáveis dignitários de altos cargos.

Tão altos, que não há ninguém, nem sequer o juiz, por mais alto que seja, que tenha o direito, muito menos o atrevimento, de lhes fazer perder tempo com coisas destas. Sim, porque é a única coisa que eles perdem no meio disto tudo. Que ninguém pense que eles vão perder dignidade, até porque nunca a tiveram.

Que ninguém pense que eles vão perder milhões, porque nunca os ganharam, mesmo considerando que lhes podem ter mudado o local de repouso. Sim porque os milhões também dormem e, no caso, apenas foram bruscamente acordados para mudarem de cama. Mas isso não é crime. É um sono interrompido para passar a ser um sonho realizado.

A verdade é que tudo isso, de tão corriqueiro que é, nem merece a atenção de mais que meia dúzia de curiosos passivos e desinteressados, que estão quase tão calados como os antigos e originais donos dos milhões que viram quase a voar, mas que logo lhes pousaram nas mãos, através da protectora asa do estado.

Portanto, isto agora já não interessa nada. Já não há ninguém a reclamar nada, já não há cartazes contra gatunos, ladrões e malandros, já não há manifestantes em fúria logo, também não há jornais, rádios, televisões a bater no ceguinho que, aqui, declaradamente, não há, pois está visto que anda tudo com os olhos muito bem abertos.

Felizes, muito felizes, estão aqueles, muitos, que se amanharam, e nem sequer têm de andar a perder tempo nas idas e voltas ao tribunal. Os amigos são para as ocasiões. Amigos, amigos, mas os negócios nunca estão à parte.

Quanto aos incomodados, coitados, só têm de ter a maçada de ir umas tantas vezes ao tribunal. Mas, paciência! Logo dirão: Vou ali, já volto!

 

 

 

 

 

Se eu perguntasse a um alentejano do fim do mundo, o que era um traque, provavelmente, ficaria a olhar para mim, como se acabasse de ouvir um, no palácio de S. Bento. Como ele não está para ligar a esses sons vulgares na imensidão da planície, nomeadamente, aqueles de que ele próprio é produtor, vira-se para o lado contrário e lá vai disto.

Para aqueles que ainda tinham algumas dúvidas, um traque é um som maior ou menor, consoante a tuba que o emite e a vontade e a força com que o emitente dá relevo ao acto. Há traques que não merecem o esforço de os pôr cá fora. Mas há outros que, mesmo quase inaudíveis, têm um valor inestimável.

O traque de um alentejano na planície, ainda que disfarçado no meio de mil ruídos campestres, no seu dizer, não passa de um simples pêdo, coisa que nem sequer faz calar os grilos que cantam nas proximidades. Mas se for um traque vindo do quarto de banho de um ministro, assume foros de acontecimento sensacional que vai correr o mundo todo.

Não importará saber se o ministro estava sentado ou de pé, se tinha o autoclismo a correr ou se ia puxá-lo a seguir. Seja qual for o ministro, não pode soltar um traque, porque se o fizer, logo haverá quem queira saber tudo sobre o dito. Por exemplo, se o cheiro saiu do quarto de banho, ou se ficou refém daquele compartimento sombrio, embora bem iluminado.

Mais, no dia seguinte haverá já quem saiba, de certezinha absoluta, que o tal ministro também costuma dar traques no seu gabinete ministerial. E essa pessoa, sempre carente de mais informação dirá, a quem ainda tiver alguma dúvida, que já pesquisou isso nos habituais canais onde aparece tudo o que nós quisermos encontrar.

Portanto, sem dúvida alguma, que esse ministro é indigno de permanecer no cargo, tanto mais que não teve a coragem de assumir perante o povo, povo que tem o direito de saber tudo, mesmo sobre traques, que é um traqueiro incorrigível. Porque essa coisa de dar traques, é um direito do povo, mas não um vício de ministros.

Sem dúvida alguma que qualquer ministro viciado em traques está a prejudicar a imagem do país e a honra de quem sabe que ele anda por aí a traquear por tudo quanto é sítio. Para quem ainda tenha dúvidas, aí está a garantia de quem o diz. Portanto, palavra de quem é especialista em traques de ministros e de todos os que lhes são próximos. 

 Além dos traques ministeriais, também há os chamados traques presidenciais. A diferença entre eles, ou melhor, a perigosidade de uns e de outros, consiste na proximidade dos seus titulares ao povo, que tem o privilégio de usar os traques como perfume dos ambientes que o rodeiam.

Sendo o presidente uma emanação do povo, é evidente que pode traquear à vontade que ninguém, mesmo os que gostam de saber tudo, se interessarão por eles. Ninguém lhes ouvirá uma palavra de censura nem de elogio. Já o mesmo não acontece com os ministros, que são uma seca para o povo, sobretudo para os que gostam de antecipar como sabido, aquilo que ainda mais ninguém descobriu.

A propósito, tenho a certeza de que, a esta hora, já há quem garanta que o ministro fez traque nos corredores do palácio, sendo ouvido o eco cá fora, no meio da rua, em pleno Chiado onde, por acaso, se encontrava uma daquelas vozes que ouve tudo e mais alguma coisa. Pois, eu sei que a voz não ouve, mas lá que transmite, não tenho dúvida nenhuma.

Para quem esteja a pensar que eu sou contra, ou a favor, dos traques que se ouvem, ou dos que se julga ouvir, esclareço que acho muita graça a estes últimos. Adoro a criatividade.

 

        

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