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afonsonunes

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31 Jan, 2011

Máfias do oeste

 

A oeste deste nosso território continental só há água e não me consta que os mafiosos se encontrem suficientemente adaptados à tona de água ou mesmo à profundidade do oceano. Assim sendo, é aqui, neste imperfeito rectângulo à beira mar plantado, que todos eles se acumulam, tanto os que vêm de fora como os que aqui nasceram e vivem tranquilamente.

 

Obviamente que aqui é o oeste dos mafiosos, tal como na América há o oeste dos rapazes das vacas e dos bois. Com o território marcado, nada mais se pode fazer senão entrar no jogo de quem dita as regras. E aqui, neste oeste de brandos costumes, quem dita as regras são os mafiosos, ainda que tenham de marrar tanto ou mais que os bovinos da América do oeste.

 

Estou farto de dar voltas à mioleira em busca de um qualquer ramo de actividade imune a este tipo de integrantes mafiosos, para poder dizer que, afinal, ainda há quem não entre nesse desígnio nacional, tão arreigado à sociedade em geral e a uma grande fatia dos cidadãos que precisam das máfias para garantir os seus estatutos de gente de vida dourada.

 

Apesar da procura exaustiva a que me tenho dedicado ainda não encontrei esse ramo de actividade onde esse bichinho corrosivo não tenha conseguido penetrar. Diz o povo que no melhor pano cai a nódoa, mas eu rectificaria dizendo que na nódoa que encharcou o pano, lá aparece um ou outro pontinho que escapou à mancha.

 

Este nosso oeste bruto e selvagem em que nos encontramos, já nem precisa de ocultar, dissimular ou justificar o porquê de tanta mentira e de tamanha hipocrisia, habituado como já está à aceitação tácita de todas as suas atitudes, de todos os seus devaneios e de todas as suas manobras que desvirtuam tudo o que o país tem de bom.

 

Apesar de tudo o que vai e vem, apesar de todos os que vão e voltam, mesmo apesar de alguns que vão e não voltam mais, a oeste nada de novo, talvez porque o mar, que alguns consideram libertador e potencial salvador, seja a cerca que nos limita a fuga perante os que tudo nos roubam com toda a impunidade garantida por outras máfias.

 

Não nos esqueçamos que no mar há redes para peixes e em terra há redes para gente tão indefesa como os peixes. Quem não cair nas redes das máfias terrestres vai, seguramente, prender-se nas redes que, no mar, estão preparadas para todo o tipo de incautos pois tudo quanto vem à rede é peixe.

      

Curiosamente, uma grande parte das organizações e corporações que, em princípio, deviam servir para proteger os cidadãos da arbitrariedade e de injustiças do sistema, é nelas que reside a maior fonte de perniciosa conflitualidade a qual, de tanto querer e reclamar privilégios, acaba por criar condições que só prejudicam o seu regular funcionamento.

 

Compreensivelmente, quando algo não funciona regularmente, são os cidadãos que o sentem na pele, como se comprova com o actual estado do país, onde reina o prazer pelo desrespeito da lei, o vício da contestação muitas vezes baseada numa ignorância primária, ou a raiva e a má fé contra tudo e todos que representem o estado.

 

Ora, um estado nestas condições, sejam quais forem os motivos que levaram a este estado, não pode sobreviver se não se arrepiar caminho, se não ganhar a guerra contra todas as espécies de máfias que, aparentemente, boas ou más, são elas que impedem o desenvolvimento, pelo que não fazem mas, principalmente, pelo que não deixam fazer. 

 

 

29 Jan, 2011

Merk Ar Passo

 

Já passou quase uma semana sobre as eleições em que alguns portugueses não esqueceram a sua realização e já se nota que tudo está muito mais activo, o que me leva a pensar que o candidato vencedor não perdeu tempo a concretizar uma das suas principais promessas de campanha que foi, precisamente, esse género de magistratura.

Já se nota uma certa actividade na mudança de cadeiras por parte de gente com avaliação de muito bom que, agora e por enquanto, se encontra a recuperar de situações de saúde debilitada, devido a grandes empreendimentos que levou a cabo no passado recente, nos seus domínios que acabam de abandonar.

Já se fala numa coligação que se reclama de indispensável mas que, conforme o dia da semana, ora avança, ora recua. Como amanhã é domingo, dia de descanso, essa coligação foi declarada precipitada e inadequada no tempo. Mas, para a semana há mais desenvolvimentos, como acontece em todas as telenovelas.

Mais importante ainda é que, sabemos já, o futuro governo vai passar de dezasseis ministros para a conta certa de dez. Por mim acho que, psicologicamente, deviam ser doze, uma dúzia, pois o slogan de que à dúzia é mais barato, sempre tem algum impacto na opinião pública. Depois, dois menos dois, também já se sabe que, matematicamente, é sempre igual a zero.

Esta discussão do número de ministérios dava pano para mangas. Penso mesmo que, matematicamente, se podia defender a relação entre o número de ministros e o número de assessores presidenciais. Elevando esta relação ao expoente máximo, podemos considerar que a magistratura activa pode alterar muita coisa.

Por exemplo, se os ministros passarem a estar de ouvidos à escuta ao que vem dos assessores, deixam de ser necessários e então, lá está, o país não precisa de dez, nem de cinco, nem de nenhum, mesmo que seja primeiro. Ainda não fiz as contas mas, assim, a ‘olhómetro’, calculo que se pouparia uma pipa de massa.

Esta hipótese só resultaria se os assessores não aumentassem os seus efectivos em dezasseis, vinte, trinta ou mais, para continuarem a não estar com uma carga laboral igual à dos ministros actuais que, como toda a gente sabe, e os assessores também, não têm sequer tempo para se coçar.  

Mas toda esta actividade vertiginosa, mesmo louca, pode estar ameaçada, se houver um Passo que queira ser único, um Passo que não precisa de assessores de ninguém, que não precisa de se coligar com Porta nenhuma, um Passo que acredita que vai meter isto tudo na ordem, só com a sua mente activa e a sua força de oratória.

Agora, tem de saber muito bem que, se isto já está mal com dezasseis ministros, como é que isto vai ficar apenas com dez. Sujeita-se, muito provavelmente, a ter uma jornada de reivindicação de melhores condições de trabalho, senão uma greve com vista ao pagamento de extraordinários.

Veio-me agora à ideia que tudo isto é conversa fiada, pois a senhora Merk está a preparar a maior bomba atómica destinada a tombar governos de toda a zona. Pois, de uma penada, ela prepara-se para, com uma carrada de assessores da sua confiança, arrumar todos os que têm, ou venham a ter, ilusões de continuar a ter os euros dela para viver bem à portuguesa.

Portanto, Merk ar Passo é o mais provável recuo de toda a magistratura activa, e já colectiva, que anda por aí a mostrar-se festivamente com sintomas de já ter tudo preparado para o festim. Esqueceram-se que a Durona Merk faz mais do que fala, contrariamente ao que se passa por cá.

Convém ter calma, ainda que seja necessário o comprimido da ordem.  

 

 

26 Jan, 2011

Avenida Cagacão

 

Esta avenida fica na bonita cidade de Castelo Preto que já foi Branco, transformação que se deu devido à grande quantidade de montinhos que se acumulam diariamente nos arruamentos, largos, praças e relvados de toda a urbe. Tal situação deve-se ao facto de ainda ninguém se preocupar com o cumprimento das leis em vigor para a cagação nos locais públicos.

Ninguém, quer dizer mesmo ninguém, mesmo quem gasta muito dinheiro e muito paleio com a propaganda em favor do bom ambiente, do asseio, da saúde e do bem-estar animal. Paleio, propaganda, dinheiro, três coisas que, por todo o país, não passam de desperdícios, pois mais valia estarem todos caladinhos, pelo menos poupavam muito na conversa.

Sim, porque quanto a dinheiro, só se preocupam com o que não recebem, alinhando nas críticas miserabilistas da crise e dos cortes de verbas provenientes do estado. Os gastos supérfluos em coisas que nada resolvem, antes servem para que alguém se amanhe, pois daí nada se corta, nada se evita.

A Avenida Cagacão, em Castelo Preto tem, para mim, o nome alternativo de Sucursal do Canil. Imagine-se que os seus cagadores foram todos retirados da rua para não fazerem aquelas coisas na via pública, nem nos passeios, nem nos jardins, relvados e afins, onde as crianças, especialmente, até se rebolam, convictas de que aquilo está tudo limpinho.

Para isso há muito dinheiro que sai dos bolsos de todos nós, via autarquias, para o Canil reter esses cagadores errantes, de luxo, ou em regime de semi-internato em residências. Em Castelo Preto, na avenida Cagacão, existem alguns que, no Canil, foram seleccionados para passar ao regime de, ora em casa, ora na rua, sem dono, sem trela e sem saco de plástico.

O local de descarga é uma incógnita, mas vai desde as portas dos moradores, a entradas de garagens, aos passeios e à estrada. Tudo pronto a ser levado a reboque dos sapatos ou dos pneus dos carros. Tudo isto é uma dádiva de quem, não sendo cão nem cadela, se julga mais limpo que eles, só porque lhes dão comida e dormida.

Castelo Preto não merece ter um nome assim, a destoar de tudo o que é branco e limpo, nomeadamente, os locais onde caem todos os montinhos tão detestáveis como quem contribui para que os cães sejam aquilo que os donos também são. Porque tão sujo é o que vai para a rua, como quem o põe na rua, por mais ou menos tempo.

Para ver o que estes fazem, ou não fazem, em matéria de higiene pública, há entidades que têm esse dever. O dever de proteger os cidadãos destes inconscientes, alguns, outros, simplesmente, mais porcos que os animais que dizem estimar. E tanto os estimam, que arriscam que eles sejam atropelados na rua por onde erram a cheirar tudo e todos.

Nesta cidade de Castelo Preto há um canil municipal com uma autonomia muito superior à das nossas ilhas. Nem sei como ainda não foi reclamada por estas, a igualdade do seu estatuto autonómico, para evitar que o governo do país esteja sempre a contrariar os governos regionais, coisa que eles consideram uma aberração.

Venham a Castelo Preto e aprendam como funciona a relação entre o governo do canil e o governo autárquico. É uma maravilha. No canil ninguém mete o bedelho. Porque se metesse, havia caganeira e da grossa.

Não admira pois que, na Avenida Cagacão, também dita Sucursal do Canil, há muita cagação à vista. Porque ninguém limpa nem ninguém quer saber disso para nada. E é assim, que o Branco vai dando lugar ao Preto. E é pena porque no resto, tudo está num brinquinho. 

 

 

25 Jan, 2011

Eufóricos

 

Diz-se hoje, que nada vai ser como dantes, depois de há uma semana atrás, em plena campanha, andarem papões a esvoaçar por todo o lado, a assustar aquelas pessoas que andavam a pensar alto, naquilo em que os outros andavam a pensar, mas em silêncio, por causa do perigo das mentiras se transformarem em verdades.

Sinal dos tempos é aquela verdade que demonstrou como um quarto dos portugueses se sente no pódio da cidadania, espetando os dedos na direcção dos restantes três quartos, mostrando-lhes como o rancor e o ódio, são o melhor bálsamo para festejar esse, para eles, facto histórico e fantástico de dimensão estrondosa.

É a loucura da euforia contra a vergonha das palavras reprimidas. É a esperança de que tudo volte atrás, contra a vontade de que tudo avance rapidamente à medida que se vão corrigindo os incidentes de percurso. É a febre do reumático que já não escolhe idades para atacar, contra a força do movimento regenerador a caminho do futuro.

Sente-se muita sede de poder mas não se vislumbra água que possa beber-se. Sente-se muita fome nessa gente cheia de sede, mas apenas se vislumbram ossos para distribuir pelos inquietos e ansiosos eufóricos. Já se olha para o lado vendo quem se perfila para a ocupação das cadeiras que já se imaginam vazias.

Vazios estão os cofres, tal como vazios são os pensamentos daqueles que, na ânsia de correr para eles, os imaginam a encher-se até ao momento de chegarem junto deles. Porque a euforia não se alimenta do vazio. A euforia levanta os braços, abre as mãos para colher mesmo o que não vê e, de imediato, as leva ao bolso até os encher.

Os eufóricos já esqueceram os pobres e os desempregados que tanto os preocuparam nas últimas semanas. Não me surpreendem, já que nunca quiseram que se fizesse nada por eles, logo que isso implicasse a sua activa participação. Lá bem no fundo, os pobres e os desempregados são a melhor fonte de rendimento dos eufóricos mais activos.

Concordam com cortes nos salários, mas não nos seus. Defendem a implementação de facilidades para despedir trabalhadores, mas só pensam no despedimento dos seus. Reclamam por tudo o que é privatização, mas exigem que seja o estado a sustentar toda a privilegiada clientela do privado.

Realmente, há razões para um quarto dos portugueses estarem eufóricos. Eles não querem, nem podem ouvir falar, de empresas que não pagam impostos há muitos anos, senão mesmo desde que existem. Mas exigem que o estado as subsidie, que lhes encha os cofres, de onde acabam por transferir o dinheiro para as contas pessoais que vão lá para fora.

Os eufóricos não falam, nem podem ouvir falar da justiça que não temos, porque seriam eles os primeiros a sentir-lhe a mão pesada se ela existisse. Um simples olhar à nossa volta é bem revelador de que ela se entretém a mexer e remexer em casos onde só o tempo e o dinheiro gastos justificam a sua continuação.

Estes dois aspectos da vida dos eufóricos, que se entretêm a mexer e remexer em outros aspectos, resolveriam os problemas principais do país, caso da pobreza e do desemprego em grande parte, pela viabilidade económica que receberia o seu combate. Com todos os mamões a reclamar continuamente mais mama, nunca sobrará nada para aqueles.

Mas sobrará sempre a conversa dos coitadinhos que não têm os apoios do estado, das criancinhas que não podem ser esquecidas, dos idosos que não podem ser abandonados, dos desempregados que não têm pão para dar aos filhos. Pois bem, deixem-se de ser passivos reclamantes e transformem-se em activos transformadores desta sociedade doente numa sociedade saudável e toda ela com prazer de viver.

Um quarto de eufóricos e três quartos de insatisfeitos, ou mesmo a viver muito mal, não podem fazer um país equilibrado. Se isto é histórico ou fantástico, vou ali já volto…

 

 

24 Jan, 2011

Ressaca

 

Há aquelas que se apanham sem esperar e há aquelas que já estavam previstas e, de algum modo, programadas. Ontem, dia vinte e três deste Janeiro contaminado, apanhei uma das maiores da minha vida.

Aquela noite bolorenta e propícia a virar a cara para o lado a todo o momento, era um convite permanente ao enjoo, a ponto de me apetecer meter dois dedos na boca para ver se depois já conseguia digerir, mesmo a muito custo, as imagens da minha enervante televisão.  

Ainda lhe dei dois murros na parte superior para ver se os intervenientes que ela me mostrava, tremiam ou se voltavam para o lado de lá. Qual coisa. Eles estavam indomáveis nos seus desígnios de me querer subornar com a sua conversa embriagadora.

Foi isso mesmo. Uma noite de bebedeira de caixão à cova. De tal maneira que a minha, já só me mostrava grossuras de todos os lados. Eu tinha vontade de ouvir aqueles comentadores, mas qual quê. Tinha mesmo a sensação de que a deles ainda era maior que a minha.

Porém, ainda consegui perceber que um deles conseguiu reaver quinhentos euros de um depósito inicial de dez mil. Apeteceu-me dizer, sem soluçar, muito bem-feita. Mas solucei mesmo, e de que maneira.

É que o depósito em causa foi feito num banco irlandês que, como aconteceu a todos por lá, faliu. Aquilo foi um Rio que quase secou. Mas isso não interessa nada porque os barris de lá continuaram cheios de néctar prontos a produzir valentes bebedeiras.

O mesmo endinheirado revelou ainda que lhe aconteceu quase o mesmo com outro depósito. Este, agora, num banco alemão. Até me parece que deve haver engano no país. A menos que ali, os barris de cerveja tenham ficado alterados.

Mas, mais alterado que ninguém devia estar esse endinheirado investidor em bancos estrangeiros, ao confessar que, ele sim, teria sido um óptimo candidato pois, em lugar de somar grandes lucros nos investimentos, tivera antes grandes prejuízos.

Isto é que é falar. Tudo às claras, não se esconde nada, confessa-se até aquilo que ninguém perguntou. Se toda a gente fosse assim, teria sido uma grande campanha. E eu não teria apanhado uma daquelas.

Ah, já me esquecia de dizer que estes é que são os portugueses amigos do seu país. Tudo o que ganham cá, muito ou pouco, bem ou mal ganho, vão pô-lo lá fora. Mas, repito, ao menos não escondem as suas opções, nem tentam atirar areia para os olhos dos outros.

Por acaso até nem reparei na sua cor política, mas fiquei com a sensação de que não destoava da predominância nessa matéria tão sensível, como é o cacau e os seus movimentos à volta do mundo, através dos grandes negociantes.

Se nessa altura da noite eu já estava com ela, aconteceu que depois, quando começaram a surgir os discursos, comecei a ver duas imagens de cada vez no ecrã da televisão. E, pior ainda, a ouvir tudo o que eles diziam, completamente ao contrário e até a ver ver dois ecrãs.

Os ricos só falavam de pobres. Nunca consegui ouvir os pobres. Se calhar não estavam lá ou, se havia por lá algum, devia estar com uma ainda maior que a minha. Também não consegui ouvir nenhum corrupto, nem nenhum desonesto, confessos. Não era o dia deles.

Porém, o homem dos dois discursos arrasou-me. Se eu já estava de gatas, depois de o ouvir, melhor, depois de o bi ouvir, dei um salto acrobático, sentei-me como deve ser, e fiquei assim, como que regenerado, com uma lucidez total, pronto para mais cinco anos de vida boa.  

Haja alguém que não me engana. Ontem fui para a cama feliz. Dormi que nem um lorpa. Hoje, quando acordei, estava todo partido. Era a ressaca nua e crua. Já decidi que vou substituir o aparelho de televisão.

 

 

 

 

23 Jan, 2011

Bocas de aluguer

 

Espero bem que ninguém fique chocado por trazer este assunto à minha lista de originalidades, a qual nem sempre prima por seguir esse roteiro, devido à concorrência pouco leal de quem se dedica a ‘roteirar’ frequentemente em sentido contrário, pois contribui grandemente para que o meu, tenha menos visitantes do que podia e devia ter.

Alguma concorrência política já descobriu que pode ter bocas de aluguer espalhadas por tudo quanto é sítio onde se escreva, fale, mostre o sorriso ou o ar tramado da desgraça de alguém. Uma boca de aluguer é, nem mais nem menos, como uma barriga de aluguer. Mete-se lá o que se quer e ao fim de nove meses, dá-o cá, que é meu.

Na boca de acolhimento alugada também se mete o que se quer, desde que se pague o aluguer daquela espécie de armazém que até pode armazenar bocas dentro da boca. O alugador, ou inquilino, só tem de estabelecer o programa de libertação do material pelo qual responde. Essa libertação pode ser feita através da voz ou da escrita, conforme os termos do contrato de aluguer.   

A finalidade do dono ou da dona da boca, senhorio ou senhoria, é receber a renda pontualmente dentro dos prazos acordados. Depois, é pôr a boca no trombone e ir despejando a mercadoria que criou a pedido. Pode parecer um trabalho pouco digno mas não é. Cada um safa-se por onde pode, para levar para casa nem que seja um naco de pão duro.

Nem sempre o aluguer da boca constitui um acto de sacrifício. Há quem o faça com aquele prazer de badalar, badalar, até que a língua lhe doa, desde que o badalo sinta o gosto de estar a morder as feridas de alguém que detesta e a lamber as botas do inquilino que lhe paga pontualmente a renda bucal. 

Volta não volta lá oiço dizer que alguém encomendou qualquer coisita para ser lançada no mercado da vida. A encomenda, logo que pronta para ser transaccionada, é depositada na boca de aluguer, após o que será passada para o domínio público pelo senhorio, ou senhoria, bem controlada, bem contada e muito bem representada.

Sim, porque a situação do coitadinho ou da desgraçadinha, não pode deixar de impressionar quem não pensa de imediato. Quem ouve e chora, quem vê e blasfema, quem nunca acredita no poder da representação, quem não consegue aperceber-se de que está a ser embalado num qualquer conto de levantar cabelos a carecas.

Hoje, lá mais para o fim do dia, vamos ter muitos partos bucais que, conscientemente, foram guardados para este dia em que vamos ter mandato novo em titular velho. Velho, não no sentido pejorativo do termo, já que neste mundo pode não haver nada velho, se houver reciclagem a tempo e horas e se soubermos tirar partido de tudo o que é usado.

As bocas de aluguer vão despejar-se porque o tempo vai sofrer uma alteração profunda. Prevê-se um agravamento das condições a regular os contratos das bocas de aluguer, principalmente, no que toca à dimensão do que se mete, ao conteúdo do que se tira e, como não podia deixar de ser, o embaratecimento da gravidez, dado o aumento, sobretudo, da oferta dos senhorios e senhorias.

As bocas, cada vez menos, vão servir para mastigar e engolir. Cada vez mais, vão estar à disposição de quem por elas paga renda.     

 

 

22 Jan, 2011

3 euros?!...

 

Mais de três euros é, segundo ouvi dizer, quanto vale o voto que cada um dos eleitores vai sepultar na urna aberta, sem cadáver, no dia vinte e três que já está aí à nossa frente. Não sei se é barato ou caro, mas parece-me que, comparado com outros preços da crise, é até bastante elevado.

Se atendermos a que os custos de todo o evento também são por nossa conta, caso do papel, da substituição das urnas corroídas pelo tempo, do pagamento ao pessoal, dos cadernos, das TVs, etc. e tal, lá vai tudo dar à teoria de que o país não suporta, não suporta, não suporta. Portanto, tudo somado, dá um balúrdio de mais de quinze milhões, que só poderá ser compensado pela eleição do candidato que sabe gerir bem as suas contas.

Nestas contas ainda não estão incluídos os agravamentos dos juros da dívida soberana que o mestre de economia já está a lembrar aos seus bons amigos dos mercados, não vão eles esquecer-se de uma parcela tão importante, geradora da principal fonte dos seus lucros. Aos bons amigos dá-se tudo, ainda que se tenha de enterrar vivos, os inimigos de estimação.

Não é por falta de avisos e recados que os portugueses serão enganados, uma vez que está tudo bem claro. Por exemplo, seria um desperdício, estar a depositar três euros numa urna que nos desse de juros, durante cinco anos, uma miséria de uns cento e tal por cento ao ano. Só um ignorante nestas coisas de baixa finança não compreende esta evidência.

Embora a mania das grandezas leve muitos portugueses a considerar que três euros e tal não é dinheiro, não é nada, eu tenho a obrigação de dizer com clareza, que não devemos fazer análises simplistas e evitar ir na onda daqueles que só vêem coisas más. A esses devemos virar-lhes as costas e dizer-lhes que vão à vida, que a nossa está muito, muito difícil.

Portanto, que ninguém pense que isto do dia vinte e três, é chegar ali, à beirinha da urna, e meter lá o cheque de três euros e tal, que não pode ser ao portador nem endossado. Não, pelo contrário, tem de ser um cheque com um nome bem definido, com a foto sem qualquer tremelique, com uma cruz perfeita e, sobretudo, usando uma esferográfica daquela cor vitamínica que toda a gente identifica à légua.

Muita atenção, porque sem estes requisitos, designadamente, ao usar uma esferográfica azul, ainda que seja do Porto, ou vermelha, mesmo que seja do Benfica, os três euros e tal vão para o caraças, ou seja, para mãos sujas que nem a lixívia pura conseguirá limpar. Isto, para lá do mau investimento que representa um empate de capital a baixa remuneração.

Lembro os mais indecisos que, em relação ao valor dos três euros e tal, comparado, por exemplo, com uma sandes de presunto ou um maço de cigarros, o gasto no voto tem muito mais utilidade. Basta lembrar que um voto só se compra de tantos em tantos anos, enquanto um cigarro, só por si, mata, e uma sandes de presunto, além de engordar, só serve para se ter mais fome, logo, mais vontade de comer, logo, mais engorda.

Além disso, ainda estamos a um dia das eleições podendo, portanto, fazer umas poupanças que compensem os três euros e tal. Sugiro, nomeadamente, que não vão a almoços ou jantares de pós campanha, daqueles que têm milhares de convivas. Come-se mal, a fartura não é nenhuma e o ruído é um estraga ouvidos.

Quem não tiver nada que fazer, continue a ouvir os que não têm voz para multidões. Falam baixo, não perdem a esperança de fazer o que fazem os maiores, dão mais valor e agradecem muito mais os três euros e tal, porque são uma preciosa ajuda para quase quinze dias de privações e sacrifícios, com a única compensação de terem sido, nesse período, presidentes como os outros.

Ai tanta fome e tantos ruidosos a escancarar a boca por outras razões, algumas tão inacreditáveis como o currículo que nos quiseram impingir. Tanta miséria para a qual o estado não tem dinheiro e tantos três euros que o estado vai tirar daquelas bocas famintas para os entregar de mão beijada a quem só sabe gastar mal e estragar escandalosamente.

A estes, devia Deus tirar muitas vezes três euros todos os dias, já que ninguém é capaz de o fazer, para os entregar a quem davam muito jeito, nem que fosse apenas uma vez por mês.

 

 

21 Jan, 2011

Olá, xelência!...

 

Estamos mesmo à beirinha de ouvir pela última vez nesta campanha, as suas palavras entusiásticas e vibrantes, os seus apelos ao vil papelinho que há-de guiá-lo à vitória no domingo. Serão as palavras finais do seu hino, o seu grito rouco de levantamento de outras vozes mais sibilinas que o farão imaginariamente pintar o palácio da cor dos seus olhos.

É evidente que no momento em que dou corpo a esta ideia, ainda não sei o nome da xelência, embora vá imaginando já o que me vai sair na rifa, bem como a todos os meus caros concidadãos. Se eu falo numa rifa ninguém vai estranhar que haverá surpresas de todos os tamanhos e feitios no acto de desenrolar os papelinhos. 

Para mim, não vai haver surpresa nenhuma, para mal dos meus pecados, logo, já gastei todos os foguetes que tinha a deitar e, de modo nenhum, me verão a apanhar as canas dos foguetes que outros deitarem. Claro, que alguém as vai apanhar, ou não fosse isso um acto de contrição por um erro de cálculo que logo dá em arrependimento.

Mas, xelência, permito-me sugerir-lhe hoje, sexta-feira, antes do discurso de encerramento da sua campanha, que diga nesse discurso, tudo aquilo que sempre disse que não podia ou não devia dizer. Quem não pode ou não deve, seja lá no que for, não merece ser eleito, seja lá para o que for pois, quem é eleito, tem toda a gente que o elegeu a exigir que diga tudo o que lhe vai na alma, que deve, que tem obrigação de dizer sempre aquilo que prometeu a quem o elegeu.

Já dizia o povo que todo o homem deve sempre falar claro e mijar direito. Xelência, sugiro que faça uma observação muito directa à sua aplicação prática desta máxima popular, coisa que até pode verificar pela sombra e pelo eco. Mas, por favor, xelência, não diga que tem a certeza absoluta de que está dentro do cumprimento, sem primeiro fazer a prova da observação directa.

Estou certo que a xelência, no seu discurso de hoje, não vai assustar mais ninguém. Pelo contrário, vai até mandar um abraço fraterno aos seus parceiros desta lida, bem como a todos os amigos, bons ou maus, não interessa, estejam eles a fazer contas de cabeça no continente, nas ilhas ou mesmo em Cabo Verde ou na Suíça.

Lembre-se, xelência, nem precisava de lho dizer, que o mundo do dinheiro está com os olhos postos no seu discurso, para nos lixar ou para nos pôr a pão e laranjas. Não sei bem qual é a diferença, mas confio plenamente na capacidade da xelência para decifrar enigmas muito piores que este.

Se assim não fosse, era impensável que tanta gente o conhecesse tão bem, que tanta gente lhe dê o papelinho mágico que dá para cinco anos de tranquilidade, cinco anos sem problemas com ninguém, cinco anos de concórdia e ainda mais cinco anos de uma experiência feita de cinco anos de sabedoria.

Tinha muita coisa para lhe dizer, mas também estou plenamente convencido de que a xelência já sabe tudo o que eu lhe queria dizer. Se assim não fosse, certamente que faria todo o sentido que fosse eu a ser eleito ou, no meu impedimento, talvez um dos Coelhos não se importasse de fazer esse sacrifício.

Contudo, tudo deve ser feito para evitar uma tragédia, senão mesmo uma catástrofe se, por um daqueles cataclismos impensáveis, a xelência não fosse chamada ao seu posto. Daí que peça respeitosamente que me permita mais uma ‘sugerência’.

No próximo domingo, xelência, não saia à rua, por nada deste mundo. Lembre-se que há outros à espreita, esperando vê-lo de costas, para se sentarem na sua cadeira. Por favor, não pense que estou a meter-lhe medo. É apenas uma gracinha inofensiva, xelência.

 

 

20 Jan, 2011

Estou todo a tremer

 

É verdade, estou mesmo a entrar em pânico por causa do estado em que se encontra este país, depois de ter ouvido o recandidato dizer que este, o dele, o nosso, o meu país, não aguenta uma segunda volta. Se não aguenta, perante essa possibilidade, porque não acaba já com uma comédia que é sabido que tem forçosamente de terminar antes do intervalo?

Quem já não aguenta mais isto sou eu, com outro candidato a dizer que a nossa democracia está amputada. É verdade, sim senhor, está amputada e bem amputada. Basta ver como os seus apoiantes se metem à procura de pancada, mesmo daquela que lhes possa cair, como uma bênção, em cima das costas, pois será sempre um grande pretexto para um bom golpe publicitário.

E continuo a tremer de medo por causa desta democracia que, julgava eu, devia tirar o medo às pessoas, dizendo-lhes aquilo que eu já sei. Mas tremo de medo destes democratas de meia tigela que só se contentam com uma democracia que lhes encha os bolsos e lhes permita calcar debaixo dos seus botins lustrosos, os que têm de lhes pagar a extravagância.

É claro que eu não tenho medo da democracia amputada, nem da falta de dinheiro para a segunda volta, porque não sou eu que pago as almoçaradas nem as jantaradas de milhares. Tão pouco me meto nas bem preparadas balbúrdias que fazem o gáudio de certa comunicação social que acaba por ter a mesma visão democrática que esses tais.

Porém, quer eu queira quer não, quer tenha muito medo ou pouco medo, de muita coisa ou de coisa nenhuma, continuo a tremer como varas verdes, que é o que parecem as minhas pernas neste momento. Até já pensei que talvez isto se deva a algum problema neurológico ou do foro de outro ‘ógico’ qualquer.

De qualquer forma nem quero pensar nisso, senão não chego mesmo à segunda volta, correndo o risco de ser eu a ficar amputado de qualquer coisa na cabeça, se por acaso lá chegar. Por precaução, vou providenciar junto de um bom advogado que entre com uma providência cautelar para parar isto tudo, em defesa do meu estado de saúde.

Se me acontecer qualquer coisa, alguém tem de ser responsabilizado, pois a minha Maria não tem aplicações, nem implicações, que lhe permitam superar a minha falta. Portanto, calma aí, é preciso que fique bem claro, que não se pode amputar nada, nem se pode suprimir nada daquilo que a gente tem e tem mesmo de ter. Lá que nos amputem o salário ou o vencimento, ou suprimam o direito à bandalheira dos que não sabem fazer mais nada, ainda vá que não vá. A gente encolhe-se mas há-de passar.

Contudo, há ainda outra coisa assustadora que me faz tremer ainda mais. Estando eu já a contar que no domingo próximo vou votar, para dar um bónus de mais de três euros ao meu candidato, estou mesmo a ver que as eleições ainda vão ser adiadas. Se o julgamento de uns heróis que eu cá sei foi adiado, penso eu de que…

É precisamente por causa disso que me veio agora uma tremura ainda maior. Se esse julgamento foi adiado desta semana, anterior às eleições, para a semana que vem, parece-me que se devia manter a sessão do julgamento antes das eleições. Ora, para isso, é preciso adiar as eleições para a semana que vem.

Está aqui qualquer coisa a tremer junto do meu ouvido, sussurrando que deve ser por causa disso que não há condições para uma segunda volta. E eu tremo todo, com amputação à vista, porque não vejo condições para esse julgamento andar para a frente, antes ou depois das eleições.

E, estranhamente, não é o dinheiro, as condições financeiras, que me põem todo a tremer.

 

 

19 Jan, 2011

Sem rei nem roque

 

É verdade que não temos um rei mas também cá não faz falta nenhuma. Já o mesmo não acontece com o roque, precisamente, porque não temos rei. Temos de ter consciência de que necessitamos de nos valer de alguma coisa, senão ficamos à mercê de uns tiranetes, o Coelho que me desculpe o plágio, que se julgam donos do mundo e arredores.

O roque é aquele ser que deve emergir das sombras quando não temos o substituto do rei, ou seja, no nosso regime, o presidente, que toda a gente julga que serve exactamente para fazer alguma coisa, quando a coisa vai mesmo mal. Também, se não servir para isso, então não serve mesmo para nada, senão para agravar o défice.

Quando não temos presidente nem rei, quando não temos roque nem roca, ficamos à mercê de uns sujeitos que não olham a nada para atacar o que pretendem, seguros de que a impunidade jamais lhes será retirada. Ora essa coisa só pode ser resolvida na justiça que não temos e que, está mais que visto, altos interesses impedem que se tenha.

É muito pior quando a própria justiça demonstra a toda a hora que está bem assim e desunha-se para que lhe não retirem o poder discricionário que detém. O poder de atacar quem a não pode atacar, é o poder de quem quer apenas ter direitos sem ter uma única obrigação. O poder de responsabilizar toda a gente, sem permitir que lhe seja assacada qualquer responsabilidade.

É um facto reconhecido cá dentro e lá fora que a justiça é um cancro que já colocou o país em fase terminal e, ao que parece, prepara-se para assumir o cargo de sacerdote do funeral e, seguidamente, de coveiro nesse cemitério. Só ainda não percebi quais os planos dessa justiça para si própria, depois das exéquias a que presidiu.

Como o féretro ainda não saiu, mas não tarda a sair, continuo de cabeça baixa, em recolhimento profundo, com as imagens dos homens que andam numa maratona diabólica a distribuir planos infalíveis de, como diz a canção, fazer o que ainda não foi feito. Mas, lá vou pensando, porque carga de água ainda não foi feito.

É evidente que alguém tinha a obrigação de já ter acabado com esta pouca vergonha nacional, e só ele pode ser o garante do bom funcionamento das instituições, dadas as limitações de uns e poderes de outros, que os impedem de limpar o problema. Sendo assim, para quê tanta conversa de promessas futuras, esquecendo o passado de interesses e omissões comprometedores que, ao que parece, nem sequer se podem abordar agora na campanha.

Por onde anda e tem andado o substituto do rei e do roque, que não vê os desordeiros que querem bater nos polícias, porque não admitem que são estes, as autoridades de manutenção da ordem. Porque será que não falam claro os candidatos a substitutos do rei e do roque, quando alguém os incita a falar dos problemas crónicos de justiça, de segurança e de ordem pública.

Se há verdades que me têm surpreendido, a maior surgiu com a comparação entre as fraldas dos bebés impregnadas de cocó e os políticos em actividade, deixando-me mesmo a desmaiar com o pivete que imaginei a sair de qualquer deles. Daí o meu grito de revolta, por não compreender a razão porque se não muda a fralda antes do pivete se agravar.

Aliás, parece-me que já não há nada a correr o risco de se agravar, quando já não há rei nem roque, num país onde não deixam mandar quem quer mandar e onde quem devia fazer-se ouvir, anda a prometer mando para daqui a alguns dias. Entretanto, o país segue dentro de momentos no combate à abstenção porque cada voto dá dinheiro.

Exclusivamente por causa disso, abriu uma época especial de caça ao divino voto, esperança de salvação de todos os pecadores, redentor de todas as almas perdidas, recheio de todas as bolsas à beira do vazio.

Mas, que ninguém pense que lá porque dá votos que valem dinheiro a quem os recebe, que vai ter em troca um país com rei, com roque, ou mesmo com presidente.

 

 

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