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afonsonunes

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O meu conselho foi convocado para esta tarde e, porque é constituído por gente muitíssimo pontual, vai começar dentro de escassos dez minutos. Precisamente às quinze horas ou, popularmente falando, às três da tarde. Daí que já aviste pela janela mais de uma dúzia de conselheiros, fumando o seu cigarrito antes de entrar.

Noto que estão muito compenetrados, ao contrário das pessoas que se movimentam na rua. Aqui, nada de novo, uns correm, outros passeiam, enquanto os autocarros cheios se desforram hoje, dos dias de greves anteriores, e enquanto se preparam para as próximas. Os utentes aproveitam enquanto podem, já que para pagar não há greve.

Mas, quem não faz greve são os meus conselheiros, pois o prémio de presença nem sequer deixa pensar nisso. Aliás, estou convencido de que eles até de borla vinham a correr, bastando-lhes a recompensa de contribuírem decisivamente para as minhas decisões, no caso, importantíssimas, até para as vidas deles.

Bom, como tenho apenas estes minutinhos para escrever estas linhas, antes do início do conselho, tenho de acelerar. Mas, se acaso o tempo não chegar, tenho horas para alinhavar isto, à medida que eles vão falando, fingindo que estou a ouvi-los com muita atenção. Enquanto vou escrevendo, eles julgam que estou a tomar notas do que eles dizem.

Como eles são dezanove, comigo vinte, isto até dava para fazer um lanche ajantarado, o que talvez nem fosse mau, no sentido de facilitar consensos, tão difíceis nos tempos que decorrem. Também, se fossem fáceis, qual seria o meu papel no meio disto tudo. Já estou mesmo a ver que haveria quem propusesse a extinção do meu posto de trabalho.

Sinceramente, eu sei na perfeição que alguns dos meus conselheiros pensam exactamente que o conselho podia bem passar sem mim, com o argumento de que eu apenas oiço o que eles dizem, não ligando patavina ao que dizem muitos deles. Como eles sabem que é assim, também não têm a coragem de dizer o que pensam.

E eu, corajosamente, faço de conta que não sei o que eles pensam e, no fim do conselho, abro um grande sorriso e agradeço-lhes do fundo do coração, toda a inestimável colaboração e lucidez das suas ideias, de todas elas, claro, para uma tomada de decisão, que será minha, só minha, mas que me levará a dizer que cumpri com os meus superiores deveres.  

Mas, antes do fim do conselho, temos o início e esse está mesmo à beirinha. A esta hora já estão perfilados em frente da porta de entrada, segundo a ordem do número que lhes foi atribuído por mim. Pois, todos têm um número, de um a dezanove, que é como eu trato cada um deles durante os trabalhos.

Por exemplo, na entrada cumprimento-os todos, dizendo, como está senhor número um, e por aí adiante até ao número dezanove. Parece fastidioso mas não é. Para cerca de uma dúzia há sempre uma gracinha que faz o tempo correr às mil maravilhas, enquanto para cerca de meia dúzia, o sorriso amarelo, quebra a monotonia.

O momento mais excitante chega quando digo, tem a palavra o número dezanove. Porque aí já todos estão com os cotovelos apoiados na mesa, preparados para aliviarem o peso das cadeiras. Eles já sabem o que disseram e eu já sei o que vou fazer. Tanto eles quanto eu, não têm dúvidas de que este conselho foi extremamente útil para todos.

Bom, são quinze horas em ponto. Vamos lá cumprir o calendário. Logo, às vinte horas, vou anunciar o resultado final, que só pode ser, vitória, empate ou derrota. A propósito: De quem?

 

 

30 Mar, 2011

PECar com prazer

O PEC é uma coisa muito séria para se andar a brincar com ele, mas eu tenho uma tendência esquisita para brincar com coisas sérias. Daí que, à falta de outros prazeres mais corriqueiros, mas alguns deles muito em voga, sinto um prazer estranho quando começo a delirar contra a corrente, embora sabendo que estou a PECar.

Ora isso é, nem mais nem menos, falar do PEC, que é uma coisa que eu ainda não sei bem qual a tradução correcta destas letras misteriosas. Em termos de comidinha de que tanta gente gosta de falar, podia ser, e não sei se não será, Prato Especial da Casa. Tem lógica, pois há quem ande obcecado, talvez cheio de fome, a ponto de não falar noutra coisa.

Por outro lado, essa obsessão, também pode levar à gula que, por sua vez, é um Pecado de Especial Colorido na lista, quer dizer, na carta. Assim sendo, já podemos estar a falar de PECadores, que são aquelas pessoas que, à mesa, com muito sabor, se metem a falar do que não sabem, ou do que julgam servir para endrominar os outros.       

Cruzes santinho se eu me metesse numa coisa dessas. Mas, tenho cá uma pequenina impressão de que já estive no meio de alguns PECadores pelos quais, por acaso, até tenho muita consideração. Apesar de os meus PECados não terem nada a ver com os deles, pois cada um tem o direito de PECar conforme lhe dá mais jeito e prazer.   

Aproveitando a oportunidade de estar a PECar, sempre direi que quem julga que nunca PECou, atirando todos os PECados para cima da alma de outro PECador, talvez esteja a comprometer a sua salvação, pois a mentira não é, nem de longe nem de perto, uma maneira de ganhar o céu, ainda que seja o dos pardais.

Também já me lembrei que as três letrinhas do PEC talvez sintetizem, Podem Estar Cansados, mas ainda não descortinei qual a razão que conduziu a esse estado físico desconfortável sobretudo, porque a caminhada ainda nem começou. Para agravar a situação, o guia dos cansados ainda nem se dignou adiantar o itinerário menos cansativo.

Sim, Podem Estar Cansados de tanto olhar para trás e nada ver, nomeadamente, do contributo que lhes cabia dar para que o cansaço não resultasse de tanto palavreado inútil, tão bastas vezes paralisante. Podem Estar Cansados da voz do inimigo, mas vão ter de arrepiar caminho e seguir o percurso dele, depois de o deixarem para trás.

Até já me lembrei de que, eventualmente, alguém tivesse feito confusão entre o PEC e o PREC. Como é bem visível, um ‘R’ de Revolucionário faz toda a diferença. O PEC é em si uma revolução logo, já não precisa de ser revolucionário. É realmente um Processo Em Curso, mas feito lá fora, para todos cumprirem cá dentro.

Os saudosos do PREC não podem passar sem a ilusão de que, com mais rua menos rua, o PEC vai cair e o processo vai seguir o seu curso, como sempre tem sido. Esquecem-se que há o Fungo Morte Iminente (FMI) que mais rapidamente, ou mais lentamente, lhes vai amolecer a alma e a coragem, sobretudo, pelo corte radical na abastança.

Já quase me esquecia do PECa, que é o Pagamento Especial de Contas atrasadas. Das contas de todos os que ganharam mal o dinheiro que receberam, ou nem sequer o ganharam. Por exemplo, os que nunca trabalharam e sempre receberam. Isto para não falar nos que o roubaram, principalmente, aqueles de que os PECadores não gostam de falar.

Mas eu falo e falarei, sempre que a voz não me doa, mesmo que as estrelas brilhem com aquela hipocrisia e mentira que se vai generalizando, até naquilo que sempre foi puro e generoso. Ai se alguém pudesse cobrar impostos a quem o não é! … O país não teria caído nisto que hoje temos. Com perspectivas de muitos mais PECs.

Porque cá dentro, não há ninguém, ao contrário do que muitos apregoam, que possa lavar as mãos das asneiras e dos excessos que lhe deram origem. Desde os grandes beneficiários directos aos indirectos, desde os que viveram bem de mais aos que têm agora medo de passarem a viver mal de mais.

Apesar desses males, nem tudo lhes ficará a pesar na consciência. Livraram-se do mal maior, do cerne do tumor, do fungo contaminador. Vamos ver se depois de passar o mal, os doentinhos não acabam por morrer da cura.

Salvo seja! ... Bem me parece que me fartei de PECar.

 

 

 

Pugilismo é uma actividade legal e praticada em todo o mundo com maior ou menor entusiasmo, com maior ou menor grau de profissionalismo, a maior parte das vezes em regime de amadorismo e, frequentemente, naqueles tira teimas em que o toma lá dá cá, provoca uns arranhões e umas nódoas negras.

Já o terrorismo é muito mais complicado que o pugilismo, por não ter adversários concretos com quem se defronte individual ou colectivamente, visando sempre provocar danos, semeando o terror nas suas vítimas indiscriminadas e nas populações traumatizadas e amedrontadas pelo receio permanente do que lhes possa acontecer.

Isto, é pugilismo e terrorismo em termos físicos, onde se usam os punhos, no primeiro, e a mente transviada, no segundo. Mas, foi agora inventado o pugilismo verbal, qualquer coisa de muito esquisita pois, quando muito, poderia chamar-se-lhe ‘linguismo’, uma vez que a linguagem dos punhos, se querem que ela exista, tirem daí a língua.

Já existia o terrorismo verbal, esse sim, com toda a prova existencial, ou não fosse ele um meio de fazer aquela guerra de palavras, sempre suja, com consequências tantas vezes imprevisíveis. Normalmente, praticado por quem não tem melhores argumentos, nem suficientes capacidades para mover os outros para as suas causas.

Daí que o pugilismo verbal seja um exercício entre duas partes com punhos próprios, prontos a acertar nos ouvidos contrários, enquanto os fecha para não serem atingidos pelos punhos do adversário. Até certo ponto, é uma luta leal, dependendo dos socos ou dos murros não serem dirigidos muito para baixo.

Também aqui se aplica o guerreiro ditado de, quem vai à guerra dá e leva. Pugilismo verbal, sim, mas com regras, devendo a língua respeitar os princípios que estão estipulados para os punhos. Depois, quem tem unhas é que toca guitarra, que é como quem diz, quem tem argumentos é que festeja a vitória.

Não pode entrar-se pelo caminho do terrorismo verbal que é, muitas vezes, sabotar tudo o que o adversário diz, sem lhe contrapor argumentos, limitando-se simplesmente a responder aos factos, bons ou maus, com frases bombásticas, cuja finalidade é impressionar quem só perceba de ouvido, sem meter a inteligência no caso.

Para se poder fazer uma escolha consciente, tem de se ter duas hipóteses de escolha bem claras ao dispor. Para haver pugilismo a sério tem de haver dois pugilistas frente a frente, cada qual com dois punhos prontos a defrontarem-se. Se um dos pugilistas se recusa a sê-lo e prefere comportar-se como terrorista verbal, então deixou de haver luta séria e leal.

Quem quer entrar na luta, em qualquer luta, tem de utilizar as mesmas armas do adversário. Não é sério chamar pugilista, a quem se quer defrontar apenas e só, na qualidade de terrorista verbal. Obviamente que fica bem claro que, de comum, apenas possuem ambos o facto de serem verbais. Felizmente, e por enquanto.

Sim, porque, penso eu, é muito preferível termos pugilistas aguerridos e activos nos seus assaltos, nos seus combates, que termos terroristas verbais sem ideias e sem estratégias para vencer, que apenas pretendem que o árbitro dos combates lhe atribua a vitória pelos estragos subterrâneos que causou.

Penso eu também que o país só terá a ganhar se dermos preferência aos pugilistas em detrimento dos terroristas. É óbvio, pelo menos para mim, que passávamos bem sem pugilistas e sem terroristas, ainda que bons especialistas em temas verbais.

Infelizmente, atrás dos profissionais, andam por aí uns aprendizes dessas espécies, que julgam aterrorizar quem lhes não atribui importância nenhuma. Até para se ser amador, tem de se ter um mínimo de bom senso e, sobretudo, de decência.     

Depois, bem vistas as coisas, temos algumas possibilidades de nos defendermos dos pugilistas, mas não temos qualquer hipótese de resistir a um terrorista.

 

 

24 Mar, 2011

CHEGOU A PRIMAVERA

FINALMENTE, DEPOIS DE UM LONGO E PENOSO INVERNO QUE DUROU ANOS, EM QUE -OS PORTUGUESES- ANDARAM MACAMBUZIOS, CHEGOU A DESEJADA E APLAUDIDA PRIMAVERA.

 

FINALMENTE, HOJE, JA VI - OS PORTUGUESES - FELIZES E CONTENTES.

BERNARDINO SOARES DO PCP ANTI PEC INTRODUZIU AS DUAS BANDAS NO DEBATE PARA QUEBRAR A SECA: ELES VÂO TOCAR A MESMA... MAS COM MAIS FORÇA.

CARAMBA!... TODA A GENTE TEM UM MOMENTO DE LUCIDEZ.

 

 

21 Mar, 2011

Mentiravilhas

Não, mentiravilhas não é uma palavra do vocabulário inglês nem do português, mesmo daquele que saiu do tal acordo de que eu pessoalmente não gosto. Estou no meu direito, que é igualzinho ao daqueles que o geraram e o adoram. Portanto, mentiravilhas só pode ser um termo do vocabulário afonsês, que é o meu. Tal e qual.

Para aqueles que dizem que vivemos no país das maravilhas, eu digo que vivemos no país das mentiravilhas, submetendo-me desde já ao mais rigoroso teste que defina quem está mais perto da razão, podendo aceitar que essa razão não está só de um lado, nem precisamente ao meio, mas algures num ponto que eu vejo claramente muito próximo de mim.

Não admira pois que até eu me sinta mentiravilhado com o que se passa à minha volta, quando os mentiravilhosos políticos e seus ajudantes de campo e de gabinete, se desfazem em esclarecimentos e denúncias sobre as suas mentiras feitas de verdade ou, se quiserem, as suas verdades de mentira feitas.

Vivemos no verdadeiro paraíso da mentiravilha em que se pretende passar a ideia de que mentiroso só há um, quando estamos realmente rodeados, ou cercados, por um autêntico enxame de vespas humanas munidas de um ferrão verdadeiramente mentivenoso que dá, a quem não esteja a pau, uma ferroada que parece ter mel, onde apenas tem veneno puro.

Compreendo mais ou menos as mentiras de estado, ou não fossem elas o sal e a pimenta de uma sociedade ávida de mexericos e especulações que lhes quebre a monotonia de vidas chatas e frustradas que precisam de sair à rua para gritar e esquecer o silêncio que faz tremer as suas casas durante grande parte do dia e da noite.  

E isso não se consegue com um estado certinho e direitinho, onde tudo se passa com o máximo de seriedade e verdade, onde não há o mínimo atrito entre aqueles que o compõem e aqueles que o dirigem. Esse seria o estado maravilhoso contra o pagode mentiroso, já que tinha mesmo de haver o bom e o mau da fita.

Inevitavelmente, temos a obrigação de suportar as mentiras contra o estado, para contrabalançar as mentiras deste, mesmo que o sejam só de nome, pois a fama e o proveito nem sempre andam de mãos dadas. Há verdades de estado que têm de morrer como mentiras, enquanto as mentiras contra o estado, morrem sempre como verdades.

Esta fase do país político tem aspectos altamente preocupantes, entre eles a verborreia de mentiras que circula na generalidade das bocas de todas as correntes partidárias, em que o sacudir da água do capote ganha uma evidência confrangedora. Ninguém quer assumir claramente aquilo que deseja, como se tivesse medo da própria língua.

Como se já estivessem a adivinhar que os eleitores não são parvos e conhecem muito bem quem anda a jogar às escondidas com eles. Como se esses eleitores não soubessem que, se os que estão, não gostam de sair, os que querem entrar estão em delírio ao verem a porta do poder entreabrir-se.

O mais curioso é quererem fazer crer que vão entrar porque são empurrados, repudiando a ideia de que estão eles próprios a empurrar os que lá estão. E andamos nisto há tanto tempo que, realmente, apetece dizer por onde anda a competência, a experiência, o conhecimento, a seriedade e a verdade, de quem tanto as apregoou e prometeu usá-las.

Foi por tudo isto que eu inventei esta palavra que ainda não consta do dicionário, mas vai constar um dia - mentiravilhas - é o que mais temos neste país que podia ser de maravilhas.  

 

 

17 Mar, 2011

O elogio do defunto

Parece que finalmente vai haver funeral, uma vez que também parece já haver defunto, condição essencial para que se celebrem as tão desejadas exéquias. No entanto, já é de esperar tudo, depois de tantas tretas e de tantos ameaços de abortos, quer por parte do regedor da freguesia, quer por parte do vigário da paróquia e do seu fiel sacristão.

Nesta freguesia tradicional ainda funciona tudo segundo a velha tradição e segundo a tradicional hierarquia à antiga portuguesa. A entidade superior é realmente o vigário. Além das rezas, dá as suas ordens ao sacristão que, por sua vez, incentiva e orienta o regedor e seus colaboradores, especialmente, os oradores e autores dos sermões diários.

Quanto ao defunto, manda a tradição que se diga que foi um exemplo de bem servir para toda a gente que o conhecia e sempre lhe dedicou uma estima inultrapassável, além de um respeito de se lhe tirar o chapéu. É certo que este elogio vem com alguma antecedência, porque o defunto ainda mexe, mas já se pode ver o coveiro da freguesia de pá em punho.

Como manda também a tradição, falta a última palavra do vigário da paróquia e do seu fiel sacristão, o que não invalida que os fregueses vão já prestando as últimas homenagens àquele que está praticamente falecido. Da justeza dessas homenagens vai falar-se muito nos próximos tempos pois agora o corpo ainda está quente e ninguém se quer queimar.

Para uns, o defunto foi um gajo porreiro que conseguiu enfrentar os bichos com firmeza e muita frieza, enquanto para outros, ele sempre foi um safado que, finalmente, se vai safar. E assim, digo eu, vai deixar ao próximo vivo, a tarefa de lhe emendar a mão e provar até que ponto o defunto foi um tipo porreiro ou um irritante safado.

Como é normal, para o lugar do morto vai um sujeito que está vivo, mas há muito quem questione por quanto tempo estará ele de pé no seu posto, onde até pode permanecer por muito tempo numa posição mais cómoda. Pode ter que esperar sentado por algumas decisões mais chatas, ou de joelhos, se for um crente nos poderes superiores.

Uma coisa é certa. Não há vivo nenhum que consiga fugir eternamente à lei da morte logo, à sua transformação em defunto, a curto, médio ou longo prazo. Foi o que aconteceu com o defunto que agora se prepara para prestar contas. Todos, perdão, quase todos, lhe atribuíam poderes sobrenaturais no domínio de tudo e de todos e afinal também se vai.

Vamos lá ver se não estou a cometer o erro de anunciar um funeral, quando o morto ainda mexe. Tenho de ter em conta que se trata de um pré defunto muito resistente, ou não tenha ele conseguido lutar contra poderes que muitos julgavam impossível resistir-lhes durante escassos minutos, quanto mais durante uns bons anos que já lá vão.

Nunca se sabe se o vigário da paróquia, o próprio regedor da freguesia, ou até o devoto sacristão, não são convenientemente manipulados, ou simplesmente convencidos, a adiar as exéquias para lá do tempo de vida que o destino parece já ter traçado definitivamente. Para quem não acredita no destino, certamente que acredita no inatacável vigário.

Haja o que houver nesta paróquia onde toda a gente se dá bem, o defunto, se o vier a ser já, vai deixar muitas saudades. Principalmente, porque aceitava de bom grado, o que lhe queriam dizer, não raras vezes com um sorriso que cativava qualquer um. Só não aceitava que lhe beijassem as mãos, porque não se sentia assim tão divinal.

Tinha um prazer imenso em ver toda a gente feliz. Daí que não fosse capaz de negar nada a ninguém. Foi sempre um mãos largas, um mãos rotas, um mãos de levar pancada, mas nunca um mãos de a dar. Não se pode imaginar ninguém mais pacífico, tão pacífico que sempre condenou todas as lutas que via por perto.

Se me fosse permitida a honra de um epitáfio, diria simplesmente, agora vai em paz, mas volta para fazer a guerra.

 

 

14 Mar, 2011

Candidatos a boys

Muitos dos trezentos mil que dizem estar à rasca não querem, nem nunca quiseram, ser um dos muitos talhantes ou merceeiros que, ainda há dias, um dos maiorais dos negócios de cá, afirmou que não conseguia encontrar. Numa das imagens dos enrascados, vi que uma jovem exibia um cartaz que dizia ter um curso superior e era caixa de uma daquelas mercearias.

Assim, depreendo que há muitas maneiras de estar à rasca. Uma delas, pelos vistos muito importante, é termos muita gente que está à rasca porque julga que daria um bom primeiro-ministro e não há meio de ver o lugar vago para poder avançar. Claro que nem é preciso ser grande coisa para ter essas aspirações.

Há outros que estão mesmo à rasquinha por estarem convencidos que lhes cairá em sorte um daqueles muitos jobs em que não se faz nada, mas tardam em ver a luzinha ao fundo do túnel. E então não se calam enquanto os actuais boys não lhes derem o apetecido lugar, substituindo cartões rosa por cartões laranja.

Estou plenamente convencido de que muita gente que está mesmo à rasca, anda a ver os subsídios a voar, depois de se ter habituado ao seu doce fazer nada, que é a melhor profissão do mundo para aqueles que até têm preguiça de se deslocar a um sítio que eu cá sei, para fazer o que ninguém pode fazer por eles.

Depois, como não podia deixar de ser, ficam mesmo à rasquinha, com uma dorzita na barriga, com uns gases que prenunciam perigo de explosão. E a casinha ali tão perto, com águas correntes e papel com fartura. Mas há gente tão teimosa e tão preguiçosa que prefere estar à rasca, mas enfim, a vida é assim mesmo. Complicada.

Confesso que não ignoro a enrascada situação de gente séria que quer trabalhar, ali perto ou lá longe, na cidade ou na aldeia, no escritório, na fábrica ou no campo, mas temos de admitir que esses não são os profissionais enrascados, os que até têm emprego, os que dizem que estão à rasca porque lhes faltam uns cêntimos por dia, não olhando aos euros que desperdiçam inutilmente.

Até eu podia dizer que estou à rasca mas não quero. Prefiro lamentar aqueles que verdadeiramente o estão, mas lamentar ainda mais todos aqueles que contribuem para que não se vislumbre a mais ténue esperança de que um dia se saia disto airosamente. E eles são tantos que fazem com que não me saia da cabeça uma comichão dos diabos.

Não quero dizer que estou à rasca, porque não estou mesmo. Porque nunca contribuí minimamente para esta situação. Sempre trabalhei, sempre gastei apenas uma parte maior ou menor do que tinha e nunca pertenci a qualquer boyada que me trouxesse ao colo ou às cavalitas. Porém, agora, estou a pagar como os outros, mas não à rasca como eles.  

É aflitivo ver como tanta gente fala de boys e não tiram da cabeça essa terrível doença de massacrarem o juízo com a ideia de que têm de ter um job muito melhor que o seu amigo ou o seu vizinho que, por acaso, até nem vão à bola juntos. Mas são amigos porque têm a mesma profissão, ou seja, estão em listas de espera para as substituições periódicas.

Porque, na verdade, o que eles querem não está onde eles julgam. O que eles, os tais, querem, já alguém o gastou. Muito dele, gasto por eles próprios, ao que parece, em muitos casos, resultou em puro desperdício. E continuam a querer mais para o mesmo, como se os cofres continuassem cheios. O problema é que os cofres estão vazios.

Entretanto, vão entoando a cantiga da rua, gritando que a rua é nossa, deles. Pois que lhes faça bom proveito. Porque eu penso que a rua, tal como diz a canção, não é tua, não é minha, é de toda a gente. A rua não é só dos boys rosa ou laranja, com ou sem jobs. Os outros boys, por mais que se esforcem, vão mesmo continuar na rua.

 

 

 Até o uso das palavras devia ter limites bem demarcados para que não fosse necessário meter explicador para orientar o sentido que se lhes quis dar. Se as palavras tivessem sido sempre devidamente ponderadas antes de terem sido ditas, ou seja, se elas, as palavras, fossem sempre claras, não seria necessário traduzi-las depois.

Ainda se poderia aceitar alguma condescendência, quando elas são proferidas de improviso e sob alguma pressão ou tensão, mais ou menos justificável. Mas, é absolutamente imperdoável, se elas foram escritas, corrigidas por especialistas em discursos longos e pretensiosamente pedagógicos, e lidas e relidas vezes sem conto, antes de as meter no éter.

Depois, já não há nada a corrigir nem a explicar, pois o que lá está, está lá, e só o facto de se pôr em causa a interpretação que se lhes deu, já é uma prova de que elas, as palavras, foram desastradas, pensadas na estratégia ou na óptica do desastre, proferidas exactamente no sentido que depois se lhes pretende retirar.

É por isso que o uso das palavras devia ter limites mas apenas e só, no sentido de que elas sejam a expressão da verdade provada e não da verdade apregoada, conveniente e distorcida, quando não, como muitas vezes acontece, ser a expressão de uma verdade mais que mentirosa, pior, uma verdade de má fé.

Quando se diz que o estado de pobreza tem limites, não se está a falar verdade. Basta andar de olhos abertos na rua para ver que o único limite que ela tem é a morte. Sim, porque há muita gente que morre de fome, de frio e de muitas outras carências. Então, é esse o limite que os demagogos lhe estipularam e convivem com isso na consciência.

Porém, nunca ouvi esses demagogos dizerem que a riqueza devia ter limites. Sim, porque esse é o seu estado, o estado que eles sempre quiseram forte e continuam a querer intocável e duradouro, ainda que passem por cima de quem depois lamentam profundamente o estado em que os deixaram.

Se o estado de riqueza tivesse um limite aceitável e justificado pelo trabalho e pela seriedade com que foi conquistado, então, sim, o estado de pobreza teria, com certeza, um limite decente e justo, dentro de uma sociedade solidária em que todos os limites de tudo o que a influencia, seriam realmente respeitados por toda a gente.

A hipocrisia devia ter limites, para que não se falasse de esforços conjuntos, com duas pedras na mão contra alguns, ou a falar de tolerância e solidariedade, com o rosto e a voz crispados a ponto de se poder vislumbrar no lado de dentro, um estado de espírito onde se adivinha um rancor latente e uma contradição gritante entre as palavras de parágrafo para parágrafo.

Se o limite da vida é a morte, o limite da decência não são os jogos de palavras com que apenas se pretende cobrir a indecência de vidas suportadas por duplas personalidades, em que se apregoa muita moralidade e se praticam imoralidades a toda a hora, com consequências graves para muita gente.

Realmente, devia haver limites para tudo. Mas, infelizmente, para certa gente, não há limites para nada.

 

 

09 Mar, 2011

Toma lá mais cinco

Expiraram já os cinco que foram à vida, sem que a vida tenha melhorado para mim e para todos aqueles que não fazem parte do número restrito de alguns felizardos que hoje, dia nove de Março de dois mil e onze, quarta-feira de cinzas, vão festejar alegremente os novos cinco que logo à tarde se iniciam.

Tenho a sensação de que há aqui um enigma qualquer na escolha desta quarta-feira de cinzas para a entrega de uma prenda tão significativa e que se queria de luz e cor para levantar ânimos e despertar anseios, mesmo naqueles que estão tristes por terem acabado de assistir ao enterro do carnaval, enterrando com ele o último sorriso de que dispunham.

Espero fervorosamente que, no momento alto da cerimónia de entrega de mais cinco, não abras tu um daqueles sorrisos que não se adequam à esperança de um início de quaresma que se sabe vir a ser de muito jejum e abstinência. Por isso, talvez não tivesse sido pior, ter escolhido o dia de ontem, ou mesmo o anterior, para esta festividade.

Ou talvez não tivesse sido despropositado fazê-lo no domingo magro anterior, isto para quem, por via das dietas forçadas e dos complexos de crises reinantes, não acharia bem que fosse o domingo gordo, o escolhido para dia de farta brutos. É que nestas coisas, há sempre quem ponha ‘rodriguinhos’ em tudo o que é decisão.

Bom, isto para não falar naqueles sujeitos imaginativos que estarão a congeminar uma qualquer razão para armarem um banzé muito discreto e sensato ali por perto, para aparecerem nas televisões, no primeiro minuto de cada telejornal, durante uma semanita completa. Claro que é legítimo, é democrática e tem montes de graça.

Mas, também compreendo que haverá quem não ache graça nenhuma a essas legitimidades até porque seria, para esses, uma falta de respeito para com a única pessoa que no país merece respeito, além de uma comparação despropositada com manifestações de igual teor, para com outro que é muito pior que ele.

Quando lhe disserem, toma lá mais cinco, ele dirá várias vezes que nos esperam muitas dificuldades, como já o fez muitas vezes, em muitas outras ocasiões, mas nunca dirá que já andamos nisto há ‘muitos cincos’, nem de quem é a culpa destes adiamentos de cinco em cinco. Muito menos dirá que também já adiou tudo quando lhe diziam, toma lá mais quatro.

Para intróito desse momento que espero seja suficientemente alto, por causa dos muitos baixinhos que também o vão ouvir, parece-me que já chega de conversa. Vou fazer um breve intervalo, como dizem nas televisões, e voltarei depois de ouvir o que serão os próximos cinco, pela boca de quem, mais que ninguém, sabe da coisa.

INTERVALO

Pois, cá estou eu de novo, agora reconfortado com uma permanência mais longa do que esperava na moleza do sofá mas, sobretudo, com uma tranquilidade de espírito que me é dada pela recordação da minha não contribuição para este ‘toma lá mais cinco’. Isto sem pôr em causa quem contribuiu para isso.

Se eu estivesse habituado a fazer a minha soneca ao princípio da tarde, não teria resistido hoje a dar continuidade a esse vício que dizem ser muito saudável. Mas, assim, lá resisti e até consegui resistir também à tentação de bater palmas, que mais não fosse porque não quis ser mais um a quem tão profundamente se agradeceu a origem da cerimónia.

Sim, porque me pareceu que eu nunca poderia ser um dos que, em consciência, daria ‘mais cinco’ a quem diz que é de todos e depois só fala para alguns. A alguém que escolheu a cerimónia errada para agradecer favores de amigos e fazer remoques aos inimigos, tudo numa lógica de verdade que uma viagem ao tempo desmonta facilmente.

E o que já se receava ficou hoje muito claro. A propaganda, que muitos julgavam já desnecessária, vai continuar durante mais cinco, mesmo sabendo tratar-se apenas de um capricho de orgulhos feridos.

Amigo e conhecido de longa data, ‘toma lá mais cinco’ mas poupa-me, por favor.   

 

 

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