Porquê agora?
Antes da demissão do governo e da dissolução da assembleia, ninguém mexeu uma palhinha sequer, com aquela convicção de ser levada a sério, no sentido de haver um entendimento entre os três partidos da área do poder. Houve sim, aquela convicção exuberantemente expressa de que socialistas com Sócrates nunca mais.
E, socialistas sem Sócrates, só muito condicionados, a começar pela escolha de um dirigente, não pelo seu próprio partido, mas pelos já certos futuros detentores do poder, os sociais-democratas, a mostrarem toda a sua vocação para o diálogo de surdos. Mesmo o diálogo com os centristas andava muito turvo por causa das maiorias em perspectiva.
Portanto, na prática, os socialistas não eram para ali chamados, nem pelos partidos da direita, muito menos pelos partidos à sua esquerda. Mas também não eram para ali chamados pela generalidade dos comentadores políticos, os comentadores de conveniência, bem como os seus colegas do lado da informação.
É verdade que houve uns rumores de que talvez não fosse boa ideia ir para eleições, porque podia ficar tudo na mesma em termos de maiorias. Mas tudo se calou, com o argumento de que só as eleições iriam resolver o problema. O PSD iria ter maioria absoluta e, se a não tivesse sozinho, tê-la-ia com o CDS.
Subitamente parece que o tempo mudou e logo vieram os primeiros sinais de que, afinal, mesmo que houvesse aquela maioria, o PS passou a ser indispensável, porque não seria possível, sem ele, conter a contestação que podia facilmente prever-se. Portanto, agora, a direita precisa já de uma espécie de guarda-costas para o que se adivinha vir aí.
Mas muito pouca gente se lembrou disso antes da dissolução da assembleia. Não houve movimentos de apelo ao diálogo, movimentos de figuras a assinar manifestos para que o país não se metesse numa aventura de que podia vir a arrepender-se. Ninguém se lembrou de que o FMI vinha aí ditar as suas leis e não as leis dos interesseiros de cá.
Tudo porque era já inevitável trocar Sócrates por Passos, trocar o PS pelo PSD, não havendo direito a misturas nem a acordos de qualquer espécie, sem sequer se permitir o mínimo diálogo, no sentido de explorar hipóteses, ainda que remotas, nem tão pouco prever sensibilidades sobre o desenrolar do futuro do país.
O grande problema é que quase toda a gente se esqueceu de que havia um país no meio deste imbróglio, país que não se compadece com os ódios e os recalcamentos, seja de quem for, contra quem quer que seja. Os governos não se escolhem a dedo, nem aos berros ou murmúrios de sábios ou ignorantes.
Mas escolhem-se, como parece ser o caso agora, por imperativos de dinheiro, do dinheiro que vai permitir que não sejamos atirados para a valeta da estrada que os dignitários estrangeiros vieram percorrer a mando dos endinheirados de cá, que estão habituados a atirar para a valeta quem lhes não sacie a gula de mais dinheiro.
E agora, sim, parece que já se vão convencendo de que tem de haver a tal união que não quiseram antes, dizendo agora que há uma coisa que é o interesse nacional, que antes ignoraram, que há um partido que passou de proscrito a indispensável, que há um herói que, afinal, já não é tão herói como se pensava. E que há um derrotado que até pode ainda sair vencedor.
Contudo, que não haja grandes ilusões quanto a vencidos e vencedores. Pode haver uniões, pode haver entendimentos. Mas serão sempre impostos. Serão apertos de mão com facas escondidas na outra mão. Mais dia, menos dia, será a faca que vai ditar as suas leis, porque vai sempre vencendo o que anda escondido.
Tanta confusão, que até parece ser maior, quanto mais alto mora a inteligência de classes que julgam ditar as suas leis aos que, afinal, não deixam de lhes dar lições a toda a hora. É bom que comecem a aprendê-las, para não andarem a cometer os mesmos erros através dos tempos.
Uma coisa é quererem tudo, outra bem diferente, conseguir segurar a parte que lhes compete. O que vão ter de aceitar agora já o recusaram, quando o país bem precisava do seu esforço de diálogo e entendimento. E, sobretudo, de gastos desnecessários.