Já temos um rumo
Até há muito pouco tempo todos os portugas tinham o direito, e a oportunidade, de fazerem vida de ricos, mesmo aqueles que só queriam ser ricos, isto é, aqueles que não queriam fazer mais nada que ser ricos. Para os ditos, o dinheiro aparecia não se sabe de onde, mas aparecia sempre a tempo e horas de ser gasto à tripa forra.
Depois, havia aqueles que trabalhavam e ganhavam o suficiente para viver bem. Mas isso era uma ofensa à sua dignidade, porque não ganhavam o suficiente para ser ricos sem ir ao banco. E tantas vezes lá foram que encheram as suas casas e os seus bolsos, mas despejaram os cofres que sempre encontraram de portas abertas.
Isto era um rumo que interessava a muitos portugas com um grau de chico espertismo acima da média mas que incomodava os chicos que se esfalfavam a trabalhar dia e noite para pagar os impostos de onde saíam os balúrdios para sustentar aqueles, mais as suas extravagâncias, que deixaram os bancos de cofres a abanar e o país mais que falido.
Isto era um rumo. Rumo que já deu o que tinha a dar. Agora temos um rumo que substituiu o estado que dava tudo, por um estado que tira tudo. Essa coisa de querer fazer vida de rico fica mesmo só, e apenas, para quem é rico a sério. Os ricos a fingir têm os dias contados, pelo menos no que toca às contas bancárias de onde só se tirava e nada se punha.
O rumo que nasceu agora, diz que quem tem rendimentos, vai pagar aquilo que os ricos a fingir gastaram, e compensar as perdas, perdão, as quebras nos lucros, dos bancos e dos ricos de verdade. Portanto, adeus rumo do reino onde todos comiam, mais ou menos. Bem-vindo o rumo do reino onde todos pagam, excepto os muito pobres e os muito ricos.
Mas, satisfeito, posso dizer também, que Portugal já tem um rumo. Para já, neste mês de Agosto, o rumo é o Algarve, quiçá naquela praia e naquele paraíso, cujas reservas tanto custaram aos bolsos dos contribuintes que pouco sabem o que são férias. Muito menos, férias no Algarve, mesmo no estado de prevenção e alerta, por causa das arribas.
Sem grande conhecimento de causa, boto-me a imaginar como será bom ir de férias para a nossa mansão de verão, onde apenas temos como vizinhança uns tantos, poucos, amigos e companheiros de tantos momentos felizes, como aqueles que se compartilham na mesma praia, igualmente restrita e bem guardada.
Sobretudo, boto-me a imaginar aquela tranquilidade laboral que só se obtém quando se leva a consciência tranquila de se ter deixado tudo bem entregue na sua residência habitual. Até apetece trabalhar assim, mesmo em férias, mesmo de prevenção, porque tudo está em boas mãos e, como diria um dos nossos heróis, com toda a tranquilidade.
Acima de tudo porque o rumo está traçado, e bem traçado, indelevelmente, pelo menos até ao fim de Agosto, com correios diários entre Lisboa e o Algarve. Daí que os onze motoristas e as nove secretárias para um só patrão, de que já ouvi falar, talvez até tenham ainda de ver incluídos outros e outras, na lista da boa vontade na poupança.
Em tempos ainda pensei, e não sei mesmo se não ouvi dizer, que neste ano de rumos certos e de vários colossos incertos, não poderia haver férias, mesmo para aqueles que estavam habituados a mais de meio verão de barriga para o ar. Mas, parece que do novo rumo não consta tal barbaridade.
Afinal, já temos a factura de férias alheias, já sabemos que não nos cabe nenhum bom motorista, nem nenhuma secretária boa, nem vamos ter bacalhau do Pai Natal, só nos resta que tenhamos entrado bem, no rumo que já nos traçaram.