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afonsonunes

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Não há um único cidadão que tenha a mínima razão para falar sobre o período que atravessamos. Daí que, vamos todos calar a boquinha para, assim, contribuirmos para o desenvolvimento silencioso do país, que não se compadece com conversas fiadas, ou mesmo com bocas foleiras, de quem não tem autoridade para as proferir.

E não há melhor maneira de começar, que evocar as palavras sábias de madame Leite que me dispenso de reproduzir. Para simplificar, o que ela disse, se fosse uma sentença para cumprir, só seria aceitável se ela própria fizesse um rigoroso exame de consciência ao que fez durante o seu mandato governamental.

A seguir o seu raciocínio, desde o início da nossa existência como nação, nenhum dos responsáveis políticos, poderia abrir a boca sobre a evolução da nossa existência. Não só porque todos terão cometido erros mas, principalmente, porque os erros têm de ser avaliados à luz da realidade do tempo em que foram cometidos.

Porque, decisões de hoje, não podem ser comparadas com decisões de ontem, até porque aquelas que outrora podem ser reconhecidas como erros, não quer dizer que, essas mesmas, tomadas hoje, o possam ser. Além disso, calar a boca, ou manter a boca fechada, não pode deixar de ser um sinal de cobardia política.

E, quando alguém como a madame Leite, advoga que alguém tenha de manter a boca fechada ou se mantenha calada, isso traduz uma visão, não de boca ou de olhos fechados, mas de mente completamente obstruída, para não resvalar para um juízo mais a tender para a junção do de à mente, formando uma única palavra.

É evidente que ela não me conhece de lado nenhum, senão já me teria obrigado a calar a boca. É claro que eu responderia que, ao escrever estas linhas, até estou absolutamente em silêncio, não por ter sido obrigado a manter-me de boca fechada, mas porque apenas os meus dedos se estão a mexer sobre o teclado. Por opção minha, evidentemente.

Como a madame Leite se referia ao partido que detesta, é caso para lhe lembrar as incoerências, para não dizer outra coisa pior, do seu próprio partido. Tanto quando esteve na oposição, como agora que está no poder, por sinal ganho através dos mesmos métodos eleitorais de que acusaram aqueles que os precederam.     

Portanto, madame Leite esqueceu-se de aconselhar os seus companheiros a manterem, também eles, a boca fechada, porque o hálito, correndo o risco de ser o mesmo, pode vir a ser ainda bem pior, apesar do entusiasmo ministerial e do ambiente laboral sobre o ritmo de reformismo amplamente propagandeados.  

Está bem de ver que, se alguém tem de ser elogiado pelo reformismo feito e a fazer, terá de ser a troika que pôs tudo, preto no branco, o que tinha de ser feito, com datas, pontos e vírgulas, para que não houvesse mais para aqui ou mais para ali. Aliás, se já houve uns desvios foi exactamente no sentido muito mais para além.

E, fosse qual fosse o governo neste momento, não havia como fugir. Mas havia muito por onde optar, sobretudo, entre estes e aqueles. Entre os que pagam tudo e os que não pagam nada. Entre os que têm várias reformas e os que não têm nenhuma. Entre os que não têm um emprego e os que têm vários.

Mas também havia a opção de caça no regime geral já exaurido e as coutadas onde a caça se diverte a ouvir o tiroteio que vai lá fora a tudo quanto mexe, desde os irrequietos pintassilgos até aos mais manhosos tentilhões. Também havia a opção de utilizar bem as gaiolas para reter os passarões que não têm medo das armas, ou reter os passarinhos retirados dos ninhos.

Mas, ao que parece, cada vez mais se nota a tendência definida por madame Leite, que poderá traduzir-se no simples aceitar do seu princípio de que, eu falo, tu calas, nós falamos e vós ouvis. Bem vistas as coisas, há sempre um lado positivo em tudo. Se não ganhamos nada em falar, mais vale fechar a boca. Escusamos de gastar saliva.

Vá lá mais um lado positivo. Há quem esteja a divertir-se à brava com a situação.

 

 

27 Set, 2011

Segurito

Sempre tive muita relutância em aceitar que alguém se meta em algum lugar reservado para onde não foi chamado. Admito que pode haver diversas formas de definir o que é um lugar reservado mas, em princípio, é onde alguém tem legitimidade para decidir sem ter de submeter a sua decisão à apreciação ou opinião seja a quem for.

Serve este intróito para entrar na forma como se podem estabelecer relações de proximidade entre governo e oposição ou, para ser mais preciso, entre governo e oposições, embora isto tenha pouco ou nada a ver com as oposições que não têm qualquer hipótese de chegar ao poder, mesmo em coligações imaginárias.

Ora o novel oposicionista maioritário Tó Zé, que apresenta a novidade de, além de ser Zé como o seu antecessor, tem mais o Tó, o que, já de si, representa uma vantagem de tomo. Não quer isso dizer, nem por sombras, que ele seja um dois em um, tal como não significa que esteja em desvantagem só porque possam pensar que é mais Tó que Zé.   

Aliás, bem se tem esforçado por demonstrar que é mais segurito que filósofo, tal como pretende mostrar desde já que não hesita em ir à procura de meter o bedelho onde é evidente que não é desejado. Nesse sentido, já começou a dar passos em direcção ao Pedro, já que o Pedro parece pouco disponível para esperar por ele.

Talvez Segurito pretenda fazer esquecer a diferença abissal entre o filósofo que já não filosofa e o seu velho amigo Passitos curtos e sem direcção definida. Daí que queira aproveitar a maré para tentar ir remando calmamente, para se não dizer que está à espera que o amigo se transforme em mais um náufrago mártir.

Seguro, Segurito, voluntarioso e colaborante, sabe que não pode entrar a matar em matérias que lhe possam granjear os mesmos epítetos do seu antecessor, preferindo entrar no diálogo que já celebrizou outra época, ainda que toda a gente saiba que diálogos desses, só podem ser diálogos de surdos, como sempre acontece quando o poder não está para aí virado.

Segurito tem de compreender que o seu amigo Passitos tem mais que fazer que dar-lhe ouvidos. Já bem lhe bastam os chatos companheiros de permanentes e intermináveis reuniões, onde ainda têm assento muitos faladores que já deviam ter perdido o lugar por troca com alguns que foram, ou estão para ir à vida.

Portanto, Segurito devia passar à prática de uma oposição personalizada, do tipo de governação personalizada do seu antecessor, mestre em filosofia também ela personalizada, mas nunca subordinada à pretensão alheia de uma colaboração envenenada, colaboração que, nem agora, virá alguma vez a ser partilhada e isenta.

Diálogos de hipocrisia são tudo o que menos este país precisa. Se deles apenas resulta propaganda táctica, não faz sentido que se perca tempo com eles. Muito menos quando o governo tem uma maioria que lhe permite fazer o que bem entende e o maior partido oposicionista, o do Segurito, apenas pode andar à volta da mesa a abanar o…

Nestas circunstâncias, por uma questão de dignidade, quem é oposição que proceda como tal, fazendo a sua estrita obrigação, que não é pequena, indicando projectos alternativos. E quem é governo que dedique o seu tempo a fazer a sua obrigação, que é muito grande, concretizando os projectos de que o país precisa urgentemente.

A grande responsabilidade, a maior de todas elas, reside no facto de o governo ter ou não ter a coragem de aceitar os projectos alternativos, quando sejam melhores que os seus, sem que as oposições tenham que lhe andar a dar palmadinhas nas costas para que lhes seja concedida a graça de uma concessão do tipo de contrapartida por qualquer outra graça.

Seguro não ganha nada em ser um segurito mostrando que não é filósofo, querendo conversar com quem, mesmo sendo amigo, tem apenas aquela disponibilidade que não pode negar em função do seu cargo. Seguro tem apenas de mostrar-se seguro nas suas ideias e firme nas suas convicções onde quer que intervenha. E a mais não é obrigado.

Senão, fica-me, a mim, a ideia de que o Segurito já fica satisfeito se o Passitos lhe der uns minutos de conversa a sós, de tempos a tempos. Certamente que já se considera alvo de uma atenção muito especial. E, vamos lá ver se não espera aproveitar essa atenção para introduzir o tema sempre presente da distribuição dos boys, tão querido de ambos os partidos.

No entanto, firmeza de convicções e segurança de ideias, são coisas que não se vêem nem se sentem nos dois lados da barricada. É por isso que eu vejo mais o passitos que lá vai tolerando e o seguritos que lá vai indo.

 

 

24 Set, 2011

Cromos

De há uns tempos para cá ando obcecado com a ideia de que tenho de arranjar uma maneira de ganhar algum para tapar os meus próprios buracos que, no entanto, são buracos decentes que nada têm a ver com os indecorosos buracos modernos de que vou tendo conhecimento a conta gotas, mas onde as contas são rios de milhões.

A minha ideia anda à volta de um negócio que me parece ter todas as condições para convencer os que entram com o pilim, ao comprar o meu produto, ou não estivessem nesse mercado, personalidades que já provaram que foram capazes de levar os portugueses para onde lhes deu na real gana.

Ando cá a magicar na maneira de valorizar essas personalidades como cromos, a colar numa caderneta de papel aos quadradinhos, como antigamente, bastando passar-lhes a língua pelas costas, onde há cola de sabores, e colocar um em cada quadradinho, onde simplesmente vai aparecer um nome, pelo qual ficaram, ou vão ficar, na nossa história.

O grande sucesso da colecção vai basear-se na dificuldade de conseguir que saiam, no acto da compra, alguns dos cromos, os mais raros da colecção, enquanto outros, os mais vulgares, servirão para trocas, pois cada coleccionador ficará com os bolsos cheios de cromos repetidos, enquanto os poucos que lhe faltarem, nunca mais aparecem.

Para melhor compreensão do meu esquema de negócio passo a dar exemplos dos mais valiosos em termos de trocas. Um Catroga vale dez Cavacos. Pode parecer um contra senso mas não é, pela simples razão de que o primeiro, tendo sido discípulo do segundo, conseguiu agora mostrar-lhe como é que se fala direito, mesmo mijando torto.

Um Victor vale exactamente o mesmo que um Teixeira, pela simples teoria de que ambos descobriram que o nosso dinheiro andava todo lá por fora, razão pela qual ambos resolveram fazer omeletas com ovos estrangeiros, sabe-se lá de que galinhas e de que galos que lhes puseram as patas em cima das penas.     

Um Portas vale cinco Passos. Ainda tenho algumas dúvidas neste câmbio, devido à grande instabilidade dos negócios da estranja, que o primeiro representa, e os buracos e cortes nacionais com que o segundo está confrontado. Mas, nisto de trocas e baldrocas, são dois cromos que muito valorizarão o meu negócio.

Será preciso dar vinte Relvas por um Seguro. Aqui, a valorização vem exclusivamente do facto de um cromo seguro, como é o segundo, dar muito mais garantias de longevidade no lugar onde se encontra, que as relvas de estação que, como é normal no nosso clima, ora muito frio, ora muito quente, queima e seca qualquer espécie vegetal rasteira.

Um Jerónimo com apêndice verde vale um Francisco e meio. Esta transacção cromática tem valores muito instáveis, devido a ciclos de altos e baixos relativos à cotação sazonal do Francisco. Depois, estes cromos têm uma relação muito estranha e sincronizada com alguns dos restantes cromos da colecção.

Ainda pensei meter aqui a insularidade, mas cheguei à conclusão de que não dava. Se, por um lado, temos um cromo que podia competir com os do continente, do outro lado, temos um creme de banana insular que mais parece um creme tipo banha. Aí, pensei, não, ninguém vai comprar. Além disso, não se pode comparar um creme com um cromo.

Como é óbvio, não se faz uma colecção apenas com estes cromos. Temos cromos para todos os gostos. Do presente, no governo, na assembleia, nos órgãos, fora dos órgãos, na sociedade. Do passado, gente com nome, gente a quem chamam nomes, gente que ainda fala, gente que já se calou porque ninguém os quer ouvir. Enfim, cromos para trocas.

Interessante é saber como estão os câmbios cruzados. Um Cavaco pode valer até dois Passos, enquanto meia dúzia de Catrogas podem ser trocados por um Teixeira. Mais curioso é que um Portas vale, no mínimo, trinta Víctores, embora haja quem diga que nunca se devem comparar cromos que são mesmo incomparáveis.

E para terminar, que para exemplos já basta, falta acrescentar que há um cromo, como acontece em todas as colecções, que é exemplar único. Para o conseguir é preciso gastar muita massinha. Com esse não há trocas possíveis. Quem tiver a sorte de o comprar, será o único a completar a colecção. Obviamente, trata-se do cromo Sócrates.  

 

 

22 Set, 2011

...

Quando vejo ou oiço alguém a falar muito alto, logo me vem à ideia que deve tratar-se de pessoa que, para lá de ser surdo, deve estar a tentar disfarçar a razão que não tem. Quem ouve mal, também não se ouve a si próprio. Quem não tem razão, grita por todos os lados, convicto de que, assim, convence melhor quem o ouve.

Mas, pior que esses, são todos aqueles que se expressam, oralmente ou por escrito, com aquela linguagem chamada de carroceiro. Não peço desculpa aos carroceiros que conduziam carroças, porque já não existem. Mas, ficaram cá, os tais sujeitos que têm sempre a boca cheia de coisas que só os pobres animais podiam ouvir sem dar resposta.

Em parte, hoje já nos habituamos a eles e às suas coisas sujas, mal cheirosas e impróprias, fazendo o possível por passar com os olhos ou os ouvidos quanto possível ao lado e, se for preciso, tapando o nariz com dois dedos bem apertados. Embora isso não nos impeça totalmente de sentir a sua porca presença, proporciona algum alívio.

É evidente que há sempre um trauma qualquer, ou outra coisa parecida com isso, que justifica esses procedimentos. São os típicos casos da cegueira política ou da cegueira futebolística. A coisa duplica se ambas as cegueiras se acumularem no mesmo sujeito, ganhando foros de uma doença múltipla de características altamente preocupantes.

Não é difícil observarmos fenómenos destes na rua, por vezes em pessoas falando sozinhas, talvez porque já deixaram de ter alguém que queira ouvi-las. Mas, se passarmos os olhos pela informação escrita, na parte em que os leitores têm acesso por qualquer forma a expressar as suas opiniões, há quem não prescinda de julgar os outros, pelo que tem dentro de si próprio.    

Para essas estranhas individualidades o mundo devia ter como bíblia, o seu próprio pensamento. Em futebol, só devia haver um clube. O seu. Esquecem-se que, depois, não tinham com quem jogar. Não tinham a quem ganhar. Não tinham a quem insultar. Não tinham com quem desopilar para limpar sua mente repleta de teias de aranha.

O mesmo se passa no mundo da política. Só devia existir um partido. O deles. Esquecem-se que, depois, não haveria incompetentes, não podiam sequer pensar em imbecis, não encontrariam quem mamasse a vida inteira do orçamento, nem podiam perder tempo a inventar nomes que, certamente, teriam de guardar, por ficarem muito bem em si próprios.    

Para quem só vê o paraíso do seu partido ou do seu clube, faria bem em ocupar-se exclusivamente a enaltecê-los, contar os seus feitos, as suas virtudes. Porque, ao pretender e tentar falar do inferno dos outros, tudo sairá confuso e disforme, com imagens do seu paraíso sobrepostas às imagens do inferno dos outros.

Por mais esforços que faça para tentar ver com um olho para cada lado, mesmo que mobilize binóculos, óculos, lentes ou monóculos, incolores ou coloridos, nada corrigirá a partidarite ou clubite agudas, de que padece, talvez desde pequenino, talvez com o perigoso risco de se tornar irremediavelmente incurável.

Hoje tudo tem cura. A ciência está maravilhosamente desenvolvida e nós temos dos melhores médicos do mundo, até na especialidade da visão. Com um pouco de atenção e cuidado, dificilmente se chegará à cegueira. Não há nada como poder ver tudo a olho nu.      

 

 

20 Set, 2011

Vivó PSD

Dizem os entendidos que, se não pudermos vencer aqueles de quem não gostamos, devemos juntar-nos a eles. Pela minha parte, estou constantemente a verificar que o dever, nem sempre significa obrigação de aderirmos a esse princípio. Até porque o dever é uma coisa muito ambígua, ou muito vasta, para ser tomada como obrigação.

Ora o PSD está a aumentar a sua performance eleitoral, segundo a última sondagem que eu conheço, apresentando-se à beira da maioria absoluta. Vamos lá ver se o tombo do seu parceiro de coligação, não representa um aumento das disfunções que a governação já começa a evidenciar, nomeadamente, no jardim do Atlântico.

Mas, isso agora não interessa nada, se o PSD chegar mesmo à maioria absoluta, caso em que teríamos novas eleições, se de Belém não viessem orientações precisas e concisas, sobre o tão perfeitamente identificado interesse nacional que, como sempre, terá de ser o interesse daqueles que sempre estiveram ao nosso lado nas boas e nas más.

Com o PSD a consolidar posições de hegemonia, não nos resta alternativa senão voltarmo-nos para esse lado, deixando de sonhar com coisas do passado, mesmo aquelas coisas que o PSD sempre rejeitou e agora parece ter adoptado como grandes descobertas de poupança de incontáveis milhões.

Não é que eu tenha de ir contrariado para o PSD. Nada disso. Vou com todo o gosto se o estado contribuir para as poupanças com o que gasta e não devia gastar. O problema é que ainda não o vi poupar nada, senão nas promessas de que vai reduzir em tudo o que só, e apenas, afecta a vida dos cidadãos que já estão espremidos até à exaustão.

No entanto, mesmo estando eu disponível para aumentar os valores das sondagens favoráveis ao PSD, tenho esperança de que ele se não transforme no partido único da unidade e da coesão nacional, sob pretexto de que é esse o interesse inquestionável para que sejamos os melhores, mesmo entre os piores, protegidos da troika.

Apesar de me encontrar entre os que não simpatizaram com o PSD da oposição, nem com o actual PSD da governação, até este momento, admito perfeitamente que num futuro próximo, venha a dar-lhe vivas, mesmo sem esperar que me caia em cima alguma benesse, ainda que não tenha a benigna designação de tacho.

E chamo aqui o tacho magnânimo, porque quero deixar bem claro que gosto muito de cozinhar, mas as minhas preferências culinárias vão para os grelhados na brasa. Em primeiro lugar, porque brasa é brasa, aqui ou qualquer parte do mundo. Ou não fosse o lume onde a gente se aquece feito de brasas, quentes, vivas, escaldantes.

Voltando à vaca fria, ainda não é agora que o PSD me leva nos seus braços. Para isso, tem de fazer muita coisa que anda a dizer que vai fazer, além de ter de esquecer muitas outras coisas que já fez e não devia ter feito. É que eu sou esquisito para caramba, ao não aceitar hoje como bom, aquilo que ainda ontem era inaceitável.

No entanto, já aprendi que o mundo é feito de mudança. E eu estou pronto a ir de corrida para o PSD se, alguns que por lá andam, incluindo uns tantos do governo, mudarem o seu estilo de profetas da desgraça, adoptando o estilo de obreiros da reconstrução, com as mãos metidas na massa e fazendo recolher a língua ao forno onde se mastiga o pão.

Porque reconstruir é erguer o que está derrubado, sem passar a vida a olhar para ruínas e lastimar ter de pensar que é preciso meter mãos à obra. Reconstruir é também olhar para dentro de nós próprios e para o contributo que podemos dar para que não se repitam os erros dos outros e, sem complexos, assumir os nossos próprios erros.

Até posso ir direitinho ao PSD. Mas, primeiro, tenho de ver que aquilo está mais limpo que os outros. Que aquilo já não se refugia na hipocrisia das palavras ocas, ou na verdade das mentiras de conveniência. Ou ainda na opacidade de uma transparência de faz de conta.

Quando, aos meus olhos, tudo estiver mais clarinho que a água quase pura, então sou capaz de estar lá a dizer, vivó PSD.

 

 

17 Set, 2011

Quanto mais melhor

Por favor parem com as lamúrias de que já não podem pagar mais impostos, mais taxas moderadoras nos hospitais, nem mais aumentos de taxas na água, gás e luz. Sabem perfeitamente que já fizeram esse chinfrim com o aumento dos transportes e também sabem melhor ainda o que ganharam com isso.

Por favor não lamentem o corte no subsídio de Natal, pois nesta altura do campeonato ainda nem sequer sabem se vão ter Natal, ou se um decreto do governo vai remediar esse óbice com um decreto que elimine o dia vinte cinco de Dezembro deste ano, e talvez os seguintes, do calendário nacional, colocando nesse espaço uma fotografia do Passitos.

Acho que todos os portugueses, perdão, primeiro as portuguesas, devem seguir o meu exemplo, não só, não fazendo lamúria quanto à porca da vida, mas, sobretudo, aclamando os bons ofícios do governo no sentido de nos proporcionar uma vida isenta de toda e qualquer possibilidade de passarmos fome, nem que seja só ao pequeno-almoço.

Sim, porque o almoço e o jantar estão garantidos através da misericórdia mais próxima. Por mim, acho óptimo, pois é uma maneira de não exagerar no aumento da barriguinha que, ao que dizem, só nos traz problemas de obesidade mórbida. E não me diga que não é o seu caso, porque eu não acredito.

Eu, cidadão da classe média, não me perguntem se é média baixa ou média alta, que eu não sei, mas sei que quanto mais tiver de pagar de impostos, mais aliviado fico com o problema das contas caseiras. Acho que, chapa ganha, chapa gasta, é o melhor método de levar a vida a sorrir, sem preocupações de contabilidades complicadas.

Quando olho para o que dizem alguns concidadãos meus, fico muito orgulhoso da minha total integração nesta sociedade unida e solidária. Concordo com o Passitos de que devemos todos falar a uma só voz em defesa da unidade no pagamento das despesas de todos os portugueses que, por desconhecimento, cometeram erros graves ou muito graves.

Isso não interessa nada, porque todos temos a indiscutível obrigação de pagar os erros de todos. Concordo com o meu ilustre conhecido João Soares, segundo o qual a obra de Sócrates o deixa orgulhoso. A mim também, quando começo a compará-la com a obra oratória de Miguel Relvas ou de Aguiar Branco, que João Soares desconhece completamente.

Também concordo plenamente com o nosso PR, que já descobriu que não há nada mais positivo para o país, que uma união de facto de todos os portugueses, para que todos os buracos sejam tapados, sem que ninguém se constipe com as correntes de ar que entrem por eles, podendo resfriar os menos informados, sem casa no Algarve, nem cota na SLN. 

Não posso deixar de concordar com o nosso jovem ancião Mário Soares, segundo o qual o euro que não salva a Grécia, vai mandar a Europa para o charco. Sinceramente não sei o que é o charco, mas ele sabe. A mim, charco, só me trás à memória, uma infinidade de tubarões escondidos no lamaçal, à espera das vítimas indefesas.

Mas também concordo com o experimentado Segurito que, acabado de chegar ao banquete, já sabe quem limpou a mesa antes dele se servir. Não há direito, pois isso não se faz a um cidadão que tem a virtude de ser, ao mesmo tempo, Tó e Zé, o que o torna, automaticamente, representante de duas importantes células da sociedade portuguesa.

E aqui declaro solenemente que concordo com o Alberto João e com todos os que fazem com que o reino unido da Madeira seja o povo mais democrático do Universo, pois tem um rei que só faz o que o povo manda, interpretando correctamente todos os gestos que lhe vêm da plebe, já que esta não tem voz, nem nunca a teve, por opção própria.

Como não podia deixar de ser, concordo plenamente com o nosso Jardim continental, perdão, com o nosso Victor Gaspar que sabe o que nós queremos sem nos perguntar, talvez porque julgue que já chegamos à Madeira. Sim, porque os madeirenses nunca acordaram, e nós, os do ´contnente’, deixamo-nos dormir quando o Victor fala. Mas eu adoro pagar impostos.   

Agora, toda a minha admiração vai para duas mulheres que me deixaram de olhos em bico desde o primeiro dia. Paula Teixeira da Cruz, que lindo nome, que disse tudo o que tinha a dizer no dia da posse. Depois, nada. Assim é que é! ... A outra, que espectáculo! … Assunção Cristas. É o máximo. É recordista em corte e costura. Eu adoro pouca roupa.   

Sinceramente, como já nada me espanta, só receio que, inesperadamente, apareça por aí o Sócrates e mande esta gente toda a bugiar. Então, e não é que até estou cheio de medo de concordar com ele? Por mim, quanto mais surpresas, melhor.

 

 

O país anda verdadeiramente a nadar em fantasias, sufocado entre os ditos e mexericos de uma direita à qual interessa esta nuvem de fumo que não deixa ver nada, e as teorias ideológicas de uma esquerda que apenas quer que a deixem continuar a sonhar com a vida regalada de que tem desfrutado.

Não é possível virar a página da nossa vida de caloteiros falidos, para o novo ciclo de um país que quer pagar o que deve, sem que se conheça a verdade total sobre quem, e em que medida, ao longo dos anos, contribuiu para esta situação. Este vendaval de acusações de todos contra todos, nunca vai permitir a sanidade e a normalidade da nossa vida colectiva.

O país precisa saber, concretamente, o que foi que Sócrates fez, para haver em certos sectores da sociedade, a convicção e a exigência de que ele devia estar na cadeia. Repito, que se diga, concretamente, quais foram os crimes que ele cometeu. Se não houver quem seja capaz de apresentar provas que o levem a tribunal, deixem-no em paz.

Um dos argumentos mais ouvidos é, Sócrates levou o país à ruína. É caso para perguntar se foi só ele, ou se a nossa ruína já vem a ser cavada há muitos, muitos anos. Os portugueses não fazem vida de ricos só depois de Sócrates chegar ao poder. O nosso tecido produtivo foi desbaratado muito antes do tempo de Sócrates. E, sem produção de riqueza, vieram os calotes.

Sobre o argumento de que Sócrates deu tudo a todos, diga-se que a aliança da esquerda com a direita contra Sócrates, nos últimos dois anos, foi sempre no sentido de aprovar tudo o que era aumento de despesa, contra todas as propostas do governo. No mandato anterior, com maioria, o governo reduziu substancialmente o défice herdado do PSD.

Sócrates foi obrigado, contra sua vontade a chamar o FMI. Ninguém se disponibilizou para governar ou viabilizar um governo de Sócrates. Estamos a avaliar agora as consequências da mudança de governo. Do que não temos já qualquer espécie de dúvida, é que quem manda no país, neste momento, já não é o governo actual.

Se os desvios colossais, os buracos de última hora nas contas e outras anormalidades, forem da responsabilidade de Sócrates, que sejam divulgadas provas concretas, já. Se, pelo contrário, alguém anda a esconder a verdadeira origem desses eventos, que seja rapidamente denunciado, bem como os verdadeiros responsáveis por eles.

Alguns desses verdadeiros responsáveis por muita coisa já conhecida, também já são conhecidos, mas a verdade é que os nomes deles não andam nas bocas do mundo. Mas, a bem da saúde mental colectiva deste povo, não se pode continuar a pedir cadeia para aqueles de quem apenas se desconfia e se tolere o silêncio sobre os que já estão enredados na justiça.

Muitos dos sacrifícios que nos estão a ser exigidos podiam e deviam ser ressarcidos por quem os provocou na satisfação de interesses próprios. É conhecida a malha imensa de gente que provocou enormes rombos nas contas do estado por via indirecta. Isso, como é sabido, não foi Sócrates. Mas foi gente ilustre bem conhecida deste país.

Já que a troika foi a solução encontrada, e a partir de certa altura sem alternativa, que se aproveite a ocasião e se lhe peça que nos diga tudo, tanto quanto a Sócrates, como a todos os ex-primeiros-ministros e ao actual, bem como ao presidente e a todos os ex-presidentes da república, porque os cargos não podem servir apenas como penacho.

E digo que seja a troika a fazer esse trabalho de averiguar e divulgar a verdade sobre o país, porque é sabido que os papagaios de esquerda e de direita, bem como os papagaios do regime e anti-regime, nunca deixarão que se faça uma análise séria do que foram os muitos anos de desmandos da nossa governação.

O que não é justo nem sério, é querer arranjar um Sócrates que dá para tudo o que foi mau e endeusar uns impostores que até colhem louros do muito que estragaram ou ajudaram a estragar. No fim de contas, o que se pede é que haja moralidade. Porque assim, anda tudo a comer à conta do orçamento da troika.    

Levando as coisas para o campo da partidarite reinante, onde se incluem aqueles que entendem que o PS tem por lá quem merecesse estar na cadeia, bem pode dizer-se que o PSD tem lá muitos que já ganharam um lugar no inferno.

 

 

12 Set, 2011

Olá, prima Balbina

Espero que não me leves a mal mas hoje tive de me virar para ti. Estou mesmo sem vontade de me dirigir aos do costume, talvez porque eles também não se dirigem a mim. Acho isso perfeitamente normal. Do modo como as coisas estão, não vale a pena andar a gastar o nosso latim com quem só sabe expressar-se em burrês.

Daí, querida prima Balbina, que me tenha subido cá uma coisa pela espinha acima e tenha decidido que só tu podes apaziguar este meu estado de sítio mental. Claro que isto não tem nada a ver com o estado que nos come as magrezas, nem com o sítio onde ele nos coça, sem que tenhamos comichão, nem tão pouco com a mente de quem só nos mente.

Já reparaste com certeza, ou não tivesses tu um olhinho de primeira, que a gente já não tem um metro quadrado para estar sossegado. Estamos piores que as crianças nas salas onde os pais as metem a troco de um balúrdio mensal. Sim, porque elas têm mesmo, por lei, um metro quadrado para chatear quem toma conta delas.

O nosso metro quadrado, mesmo que fosse só nosso, ficava muito mais reduzido, pois a nossa barriga ocupa-o quase todo. Quando digo a nossa barriga, não estou a falar da tua, prima Balbina, pois está-se mesmo a ver que és bastante elegante e, que se note e que eu saiba, também não estás grávida, pois não?

Só me faltava que tu estivesses de barriga cheia e não dissesses nada cá ao teu primo, pois bem basta que ninguém do governo me passe cartão quando estou de barriga vazia. Aliás, é para isso que eu tenho uma grande, uma enorme estima por ti, e não tenho a mais pequena vontade de sorrir quando oiço ou vejo os do governo a piscarem-me o olho maroto.

Diz-me cá, querida prima Balbina, tu já foste capaz de fixar o teu olhar penetrante em algum daqueles ministros que mais aparecem nas televisões? Agora me lembro, há dias confessaste-me que te tinha dado uma enxaqueca quando estavas a ouvir as medidas de cortes, que tu julgavas que eram medidas de corte e costura.

Não é por nada, prima Balbina, mas convém teres em atenção que, se tentas penetrá-los profundamente com o teu olhar, tens de estar de pé atrás, porque a especialidade deles é penetrarem com agilidade extrema nos bolsos, mesmo nos de quem nem sequer vira os olhos para o lado onde sabe que eles estão.

É evidente que eu não quero assustar-te, até porque sei que és uma prima como deve ser. Não faltaram já ocasiões em que eu vi que um sorriso teu, um sorriso daqueles que te faz torcer o nariz de uma orelha para a outra, pondo os brincos a tilintar, logo os fazes pensar que vai sair tumulto de pobreza para as ruas.

E aí, quem começa a tremer são eles e o que se ouve tilintar lá ao longe são campainhas de alarme que se tornam muito ruidosas à medida que se aproximam. No entanto, evita chamar-lhes aqueles nomes feios, do género de mentirosos e ladrões, visto que, mais que tu e que eu, eles sabem perfeitamente o que isso é.

Olha, prima, como sabes, há quem passe a vida a roubar e a viver de expedientes. Depois, para disfarçar, ou encobrir essas actividades, armam em sérios e desatam a chamar mentirosos e ladrões a quem lhes não caiu em simpatia, que é como quem diz, a quem não lhes quis estender a mão.

Agora aqui entre nós, prima Balbina. Já tenho reparado que no calor da dialéctica também deixas escapar uns piropos, por exemplo, contra o despedido Sócrates. Sim, sabes muito bem os nomes que lhe chamas. Sabendo eu que tu não tens fontes seguras sobre a matéria, fico a pensar que vais no embrulho de falar sobre o que não sabes.

Como também sei que tu não és aquilo que lhe chamas, ao contrário de outras pessoas, estranho que não chames esses nomes a quem a justiça já identificou e há muito que anda a enrolar, embora estejam em causa verbas astronómicas que, ainda por cima, pagas e não bufas, atirando o ódio para o sítio errado.

Olha, prima Balbina, não sou advogado de defesa de ninguém, mas também não sou de calar em relação a tudo aquilo que me querem impingir. Sabes porquê, prima? Porque penso pela minha cabeça. E na minha cabeça não cabe aquele mau hábito de emprenhar pelos ouvidos. Além disso, penso também que emprenhar, ainda não é coisa de homens.      

E, quanto às mulheres, prima Balbina, têm essa nobre função genética, mas não é pelos ouvidos. Embora isto possa parecer sermão, sabes bem que não sou padre. Beijos, prima.

 

 

Este governo liderado por Passos Coelho nasceu com o rótulo de personalidades classificadas de muito competentes em áreas técnicas de cada ministério, facto que fez com que as pessoas mais inclinadas a conceder o benefício da dúvida, criassem expectativas mais que benevolentes acerca do futuro do país e do próprio governo.

A expressão, governo de legislatura, tem enchido a boca dos seus membros e dos seus fãs, naturalmente, mas também de muita gente que acredita piamente que qualquer mudança conduz sempre a uma melhoria da situação existente. Sabemos que nem sempre assim é. Logicamente, nesse caso, lá se pode ir o governo de legislatura.    

Porém, este governo tem as costas suficientemente quentes com a presença constante da troika, para usar do poder de uma maioria que, em outras circunstâncias, nunca poderia tomar determinadas decisões sem que houvesse mesmo aqueles acontecimentos que já começam a temer, embora falem neles em jeito de conselhos ou avisos aos cidadãos.

O reconhecimento de que a situação é muito complicada, é um travão aos ímpetos mais exaltados, tal como o é, o comprometimento do maior partido da oposição nas dolorosas medidas acordadas. Mal será se essas medidas extravasarem para o campo do aproveitamento da situação, por parte do governo, para impor princípios que lá não estão.

Ter as costas quentes é uma coisa que dá muito jeito em situações difíceis e bem sabemos como este governo as tem a escaldar, até no plano interno, em que pode contar, como tem sido evidente, com o apoio, a complacência e quase sempre com o silêncio comprometedor de quem lhe podia causar dificuldades várias, como aconteceu com o governo anterior.

Obviamente, ter as costas quentes não dá apenas para se fazer o que se não deve. Também serve para tomar decisões necessárias e mal recebidas que muito dificilmente poderiam ser tomadas com as costas a descoberto. Algumas já estão anunciadas e com as quais concordará facilmente quem quiser ver um país mais eficiente e mais organizado.

Há, pois, alguns sinais positivos no calcanhar de Aquiles da governação, principalmente, onde o corporativismo e a falta de seriedade de muitos profissionais têm levado o estado à exaustão de recursos que fogem do verdadeiro destino que lhes competia, para os bolsos de tantos egoístas que só vêem o seu próprio umbigo.

Para que o governo possa lutar com tantos e tão poderosos inimigos da causa comum é mesmo preciso ter as costas bem quentes. Sem a troika não teria com certeza. Talvez por isso, a antiga obsessão de defender a sua vinda, mesmo quando ainda não era líquido que fosse esse o melhor caminho a percorrer. Daí que tanto o tenham forçado.

Mas, continua válida a possibilidade de que se podia ter feito esta união forçada, sem qualquer troika, mas isso foi chão que deu uvas. A sede de poder tudo suplanta e tudo suplantou. Vamos lá ver se as costas quentes conseguem superar todas as sedes que, previsivelmente, vão continuar a levantar a cabeça por cima do calor das ideias.

Já se fala muito em tumultos, em contestações e suas consequências. O problema é que tudo isso só será possível se o governo não tiver o bom senso de se lembrar que tem de ser justo com os cidadãos todos e não apenas querer proteger alguns com a caridadezinha das migalhas, relegando-os para a sopinha das misericórdias.

O governo tem as costas suficientemente quentes para que todos os ministérios entrem com a determinação do da Saúde e do da Administração Interna, por exemplo, nas medidas que já foram anunciadas, mas nunca poderá ficar atacado de paralisia no ministério da Justiça, da Defesa ou daquele que tutela o desporto. Outros têm de acabar com o sono que nos dão.

O ministério da Segurança Social, por seu turno, parece já ter começado a tirar o sono a muita gente, sendo talvez aquele que fornece indícios de maior calor nas costas, como se tivesse um cobertor felpudo, daqueles que se compram em pleno Inverno em qualquer feira de renome por esse país gelado.

Também está evidente que o governo tem de usar o calor que tem nas costas para mexer mais e falar menos no ministério da Educação e no da Agricultura. Dos outros ainda não ouvi falar, talvez porque estejam a gozar as merecidas férias de Verão. Pode ser que entrem agora cheios de força e de energia solar da praia, acumuladas nas costas dos seus responsáveis.

Se todo o governo não aproveita agora a ocasião em que tem as costas quentes, mal deles, pois podem ir para a reforma, apesar de serem ainda muito novos. Mas mal de nós também, que somos bem capazes de ficar sem trabalho e sem reformas. E com as costas geladas.      

 

 

Começo por esclarecer que a mim não me faz falta nenhuma, do mesmo modo que não me faz falta nenhum outro político, de nenhum outro partido. Isto, na medida em que não tenho nada que me afaste ou aproxime de qualquer um, tal como a minha vida em nada é afectada por causa de simpatias ou antipatias nesse campo.

Contudo, faz-me muita falta, como a qualquer cidadão, ter um governo e ter governantes que assegurem a vida normal do país, sem a qual isto não passaria de uma bagunça danada. Portanto, temos de ter um governo. O que acontece é que em lugar de bons governos e de boas oposições, temos tido aquilo que os seus resultados demonstram.

Para não variar, a tendência é para a continuidade, senão para o agravamento, à medida que o actual governo vá sendo obrigado a assumir como seu, o bom ou mau desempenho da governação. Porque, quer se queira, quer não, Sócrates vai saindo de cena, de todas as cenas em que, justa ou injustamente, lhe assacam todas as responsabilidades.

Com verdade ou sem ela, como sempre aconteceu com todos os governantes, a quem fica compete olhar para a frente, sem passar os dias a lamuriar-se de heranças e a inventar desculpas para tentar minimizar as suas incapacidades para resolver problemas antigos, já que sem esses resolvidos, os actuais ficarão sempre na gaveta.

É, pois, de esperar, que Sócrates vá fazer muita falta a muita gente que, ou está convencida, ou insiste em enganar-se a si própria, de que esta conjuntura é fruto de erros de uma só pessoa, nos anos em que essa pessoa esteve no poder. Num país, quando as coisas correm mal, há sempre muita gente que não fez o que devia.

Sócrates vai fazer falta a toda essa gente. Enquanto alguém puder agora desculpar-se com ele, vai aliviando as costas. Mas o tempo é implacável, por vezes cruel, ao não pactuar com arranjinhos de ocasião, ou deixar que o esquecimento enterre os factos que já não resolvem os problemas do futuro, por mais que se pretendam manter na agenda mediática.

Há cerca de uma dúzia de anos que Sócrates anda nas bocas do mundo. Essas bocas também vão sentir muito a falta dele, já que não conseguem eleger um substituto entre muitos que bem mereciam tirar-lhe esse lugar de relevo. Substituto que até estaria bem mais próximo das relações dos que não podem passar sem alimentar a sua abundante e fértil imaginação. 

Não adianta que nos venham agora com ‘futuros recentes’ ou passados actuais, porque tudo isso são sinais de que anda muita instabilidade nas cabecinhas que tinham obrigação de se manter bem frescas e aptas a reagir aos grandes desvios internos, evitando sempre acontecimentos colossais que queiram fazer crer que são desvios de fora.

Nesse sentido atrevo-me a sugerir que se evite o uso exagerado do slogan ‘permite poupar’ pela afirmação de que se ‘vai recuperar’ e ‘tapar os buracos’, com o que anda por tantos bolsos cheios do dia para a noite, de gente intocável do BPN e o que se esconde na Madeira, para que se tirem, pelo menos esses pecados, dos ombros de Sócrates.

A Sócrates o que é de Sócrates e a Coelho o que é de Coelho. Até agora, parece que há ainda a tentação de se querer perpetuar o primeiro numa toca de que já saiu, enquanto o segundo tudo faz para que não vejam nele o senhor dos Passos perdidos. Até há quem diga que lhe parece ver neles uma certa semelhança.

Isso, porém, não é motivo para que Coelho mude de toca, para demonstrar que Sócrates tem mesmo de continuar a fazer muita falta na toca que já não é dele.

 

 

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