Silêncio! Calem essas bocas
Não há um único cidadão que tenha a mínima razão para falar sobre o período que atravessamos. Daí que, vamos todos calar a boquinha para, assim, contribuirmos para o desenvolvimento silencioso do país, que não se compadece com conversas fiadas, ou mesmo com bocas foleiras, de quem não tem autoridade para as proferir.
E não há melhor maneira de começar, que evocar as palavras sábias de madame Leite que me dispenso de reproduzir. Para simplificar, o que ela disse, se fosse uma sentença para cumprir, só seria aceitável se ela própria fizesse um rigoroso exame de consciência ao que fez durante o seu mandato governamental.
A seguir o seu raciocínio, desde o início da nossa existência como nação, nenhum dos responsáveis políticos, poderia abrir a boca sobre a evolução da nossa existência. Não só porque todos terão cometido erros mas, principalmente, porque os erros têm de ser avaliados à luz da realidade do tempo em que foram cometidos.
Porque, decisões de hoje, não podem ser comparadas com decisões de ontem, até porque aquelas que outrora podem ser reconhecidas como erros, não quer dizer que, essas mesmas, tomadas hoje, o possam ser. Além disso, calar a boca, ou manter a boca fechada, não pode deixar de ser um sinal de cobardia política.
E, quando alguém como a madame Leite, advoga que alguém tenha de manter a boca fechada ou se mantenha calada, isso traduz uma visão, não de boca ou de olhos fechados, mas de mente completamente obstruída, para não resvalar para um juízo mais a tender para a junção do de à mente, formando uma única palavra.
É evidente que ela não me conhece de lado nenhum, senão já me teria obrigado a calar a boca. É claro que eu responderia que, ao escrever estas linhas, até estou absolutamente em silêncio, não por ter sido obrigado a manter-me de boca fechada, mas porque apenas os meus dedos se estão a mexer sobre o teclado. Por opção minha, evidentemente.
Como a madame Leite se referia ao partido que detesta, é caso para lhe lembrar as incoerências, para não dizer outra coisa pior, do seu próprio partido. Tanto quando esteve na oposição, como agora que está no poder, por sinal ganho através dos mesmos métodos eleitorais de que acusaram aqueles que os precederam.
Portanto, madame Leite esqueceu-se de aconselhar os seus companheiros a manterem, também eles, a boca fechada, porque o hálito, correndo o risco de ser o mesmo, pode vir a ser ainda bem pior, apesar do entusiasmo ministerial e do ambiente laboral sobre o ritmo de reformismo amplamente propagandeados.
Está bem de ver que, se alguém tem de ser elogiado pelo reformismo feito e a fazer, terá de ser a troika que pôs tudo, preto no branco, o que tinha de ser feito, com datas, pontos e vírgulas, para que não houvesse mais para aqui ou mais para ali. Aliás, se já houve uns desvios foi exactamente no sentido muito mais para além.
E, fosse qual fosse o governo neste momento, não havia como fugir. Mas havia muito por onde optar, sobretudo, entre estes e aqueles. Entre os que pagam tudo e os que não pagam nada. Entre os que têm várias reformas e os que não têm nenhuma. Entre os que não têm um emprego e os que têm vários.
Mas também havia a opção de caça no regime geral já exaurido e as coutadas onde a caça se diverte a ouvir o tiroteio que vai lá fora a tudo quanto mexe, desde os irrequietos pintassilgos até aos mais manhosos tentilhões. Também havia a opção de utilizar bem as gaiolas para reter os passarões que não têm medo das armas, ou reter os passarinhos retirados dos ninhos.
Mas, ao que parece, cada vez mais se nota a tendência definida por madame Leite, que poderá traduzir-se no simples aceitar do seu princípio de que, eu falo, tu calas, nós falamos e vós ouvis. Bem vistas as coisas, há sempre um lado positivo em tudo. Se não ganhamos nada em falar, mais vale fechar a boca. Escusamos de gastar saliva.
Vá lá mais um lado positivo. Há quem esteja a divertir-se à brava com a situação.