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afonsonunes

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30 Out, 2011

Coragem, meu!

Nem sei porque carga de água havia de estar a encorajar-te, sabendo como sei, que és extremamente corajoso, mesmo quando estás a fazer coisas que te obrigam a fazer, com uma pistola encostada à cachimónia. Bastava ouvir as tuas proclamações da muita coragem que possuis, tanta, que ainda ninguém a ultrapassara no passado.

A coragem não se mede nas palavras proferidas ou no calibre da arma que empunha o ameaçador. A coragem, meu, vê-se ou não, no chão, junto aos sapatos, nesses momentos de aflição. E ainda ninguém foi capaz de descobrir nadinha que denunciasse qualquer fraqueza vinda de qualquer tremura emocional da tua parte.  

Sei perfeitamente que nada do que dizes tem outra maneira de ser feita, que não seja aquela que a tua mente capta, molda e determina. Esta é a tua maneira corajosa de me explicar que, por mais que eu queira interferir nas tuas captações, tu, meu, sempre me consegues convencer de que a minha razão é uma inutilidade, mesmo uma aberração passadista.

Corajosa é a tua postura moderna, aquela nova maneira de me demonstrar que as tuas teorias do passado foram devidamente recicladas, de tal modo que ninguém do presente pode ter a lata de as não poder considerar novinhas em folha, com rótulo brilhante e instruções de uso em latim corrente.

Aliás, as tuas teorias têm actualização quase diária, muitas delas sujeitas a reciclagem semanal, numa demonstração inigualável de coragem transbordante na tua capacidade de execução de cambalhotas e acrobacias de alto risco. Sobretudo, na coragem da transferência das tuas virtudes para currículos alheios.

Admiro sobretudo a tua coragem quando consegues, não sei como, transformar uma ordem, num compêndio com ordens para todos os gostos, excepto para o meu gosto, que é altamente contrário a tudo o que é reciclagem mental. Assim, de uma ordem para criar cem pobres, tu consegues criar mil.

Sei que sou eu que estou a precisar de reciclagem mas, em boa verdade, ainda não estou mentalmente preparado para essa operação. Amanhã pode ser tarde, porque posso ter que a pagar. Aliás, todas as operações e todos os actos, dos mais simples aos mais complicados, vão passando de tendencialmente gratuitos para obrigatoriamente pagos.

Olho à minha volta e vejo-me fora de contexto, apuro o ouvido e oiço ruídos estranhos. Sim, eu sei. São os teus reciclados cordelinhos a movimentar-se com um incrível afã de diligência, transformando o obviamente necessário, no desnecessariamente infligido, para que alguém te diga que estás no bom caminho.

Esse caminho só é bom para quem te guia e tu, meu, aceleras os passos, para nos convencer de que temos mesmo de seguir religiosamente esses passos, para garantir a tua e a nossa sobrevivência. Porque a tua banca rota já se transformou numa banca sustentável e o teu pesadelo nacional já saiu do país para a Europa e já corre a caminho do mundo global.

Olha, meu, há muitas coisas que te mandaram fazer, com as quais eu concordo plenamente. É urgente, é preciso, quanto mais depressa melhor, que essas coisas saiam do armário onde estão depositadas as tuas obrigações. Mas essas estão corajosamente a marcar passos e obrigam os teus soldados a trocar os passos.

O que não quer dizer que os teus maus passos não pudessem ser trocados por outros passos melhores. Que teriam de ser muito mais corajosos, pois a coragem nunca tem limites. Pois é, meu, este país, que também é meu, não pode ser tratado como se fosse apenas teu.           

 

 

Se é verdade que temos agora uma geração à rasca, que não arranja meio de ter cheta, nem para as despesas da cerveja e do tabaco, também é verdade que já tivemos uma geração desenrascada que arranjou maneira de encher os bolsos, as casas, as garagens e os armazéns de montes de dinheiro, tanto dinheiro que só podemos dizer que foram colossos dele.

E se foram colossos dele, é porque houve ali qualquer coisa de colossal que, passados ‘prá’ aí uns vinte anos do aparecimento desses heróis colossais, lá se conseguiu arranjar uma designação adequada para fenómenos que nunca tínhamos visto nesta pacata terra de gente mais ou menos séria. Propensa à asneira pegada, mas séria.

A designação adequada, desvio colossal, foi lançada no meio da confusão de quem, perdendo a tradicional seriedade, se mostra realmente muito confuso, ao tentar desviar os holofotes das suas hipócritas verdades, para outras paragens que convém manter na zona sombria, para que não haja um choque colossal na opinião pública.

Começam agora a compreender-se as origens dos desvios colossais e dos seus colossais desviadores, tudo gente muito séria, muito verdadeira e muito amiga dos interesses dos mais desprotegidos, além de verdadeiros patriotas, que sempre se mostraram disponíveis para todos os sacrifícios em nome do interesse nacional.

É esta a geração desenrascada que hoje, contrariamente à geração à rasca, todos têm mais ou menos cabelos brancos, mais ou menos carecas, mas todos, e são muitos, têm fortunas colossais vindas do além, talvez por via divina pois, quase todos, senão mesmo todos, sempre disseram de viva voz, que Deus é grande.

Tão convincentemente o apregoaram aos quatro ventos que houve muita gente, gente séria, que acreditou no mundo novo que eles prometeram. Evidentemente que esse mundo novo existiu e existe. Só que não saiu dos seus domínios e foi criado exactamente à custa de quem acreditou neles e, em muitos casos, com entusiasmo e alegria.

Esse mundo novo tem agora essa geração desenrascada que determina tudo o que a geração à rasca não pode ter. Mas determina também que tudo aquilo que eles puderam tirar, que foi tudo o que apanharam à mão, sem olhar aos donos, não pode agora ser devolvido a esses donos, antes os obrigando a pagar os prejuízos de tudo o que lhes foi tirado.

Quase todos eles devidamente identificados na opinião pública, apesar dos tais desvios que tentam lançar a confusão, facilmente se vê como o país vem sendo enganado, roubado, assassinado, desde há muitos anos, mas nunca como o foi por esta geração desenrascada que arrecadou fortunas que deviam ter servido para dar de comer a milhões de portugueses.

Que vivemos num país à beira de economicamente assassinado, parece não haver dúvida. Porque temos assassinos impunes a quem certa gente influente manifesta incondicional apoio, quer através do júbilo com que anuncia que ninguém lhes toca, como através da ginástica que fazem para arranjar distracções alternativas.

Falar de casos de polícia para quem gastou o que não tinha, dando a muita gente o que nunca teve, pode ser discutível. Isso será bom para quem beneficiou e mau para quem quer tudo para si próprio. Estes, se algo lhes corre mal, são como as aves migratórias. Levantam voo, desaparecem durante uns tempos. Depois, é como se não tivesse acontecido nada.

Não falar de casos de polícia onde os verdadeiros malfeitores andam à solta, gozando da maior impunidade e da simpatia de quem só quer polícia para aqueles que lhe estragam os interesses é, no mínimo, ser solidário com esses criminosos.

Tudo porque essa geração desenrascada tem raízes muito fundas e conta com a ajuda de muitas ervas daninhas que crescem à sua sombra.

 

 

27 Out, 2011

A caminho do céu

Não perco, nem podia perder, a imagem de felicidade que vi no mensageiro que me proporcionou o privilégio de ouvir anunciar a boa nova de que estávamos no bom caminho. Só ainda não percebi a razão pela qual eu próprio estou nesse bom caminho, pois não me vejo a caminhar, nem me parece que o vá fazer tão depressa.

Em boa verdade sinto que estou, e vou estar parado, com uns passinhos atrás de vez em quando, porque a vida é o que é e não o que toda a gente gostava que fosse. Mas não adianta nada fazer de conta que estamos todos desgraçadinhos. Até porque logo viriam os de sorriso permanente, limpar-nos as lágrimas ou a prometer-nos o seu bem-estar.

Depois, gostava de saber qual é o bom caminho. Não é difícil de perceber que tal depende do que está em causa. Há quem prefira os caminhos a descer porque, dizem, ò abaixo todos os santinhos ajudam. Mas também há aqueles que só vêem os caminhos a subir, ou não tivessem sempre em mente a permanente subida do que ganham.    

Felizes os que se deslumbram com o caminho do céu, estreito, difícil mas pleno de felicidade no final da caminhada. Sobretudo, porque temem os caminhos do inferno, embora mais fáceis, mais largos, mais cómodos. Este é o destino anunciado para todos aqueles que não se conformam com a felicidade dos que vivem apenas dos seus sonhos.

É para mim um terrível desengano ver mensageiros felizes ao anunciar-nos que estamos no caminho certo. Depreendo eu que nos querem dizer que estamos a caminhar para o céu. A caminho da felicidade a que só teremos direito quando lá chegarmos. Ao céu. Enquanto andarmos por cá, na terra, com eles, só teremos direito ao inferno.

Por mim, não quero passar a vida com esse dilema metido na cabeça. Quero passar a vida percorrendo o caminho que eu escolher, e não calcorriando caminhos que me são impostos para que outros, ao contrário do que desejam para mim, ganhem o céu no paraíso terrestre que eu e outros lhes proporcionamos.  

Não é fácil escolhermos um caminho digno que nos leve a estarmos de bem com a nossa consciência. Mas é muito mais difícil satisfazer esse desígnio se o caminho que nos impõem é um sulco por onde escorrem irracionalidades e injustiças que nunca conduzirão a qualquer destino sério, mas sim à vala comum dos que nunca souberam ou puderam falar.

Não sei, pois, se estamos a caminho do céu ou do inferno, mas sei que muitos seres humanos, no mundo inteiro, sempre viveram no inferno. Também sei que as labaredas que lhes queimam o corpo são cada vez maiores. Sei ainda que, além desses, há aqueles seres humanos que sentem já o calor a aproximar-se perigosamente sem poderem fugir.  

Bem poderão os mensageiros do sorriso garantir que esses seres humanos estão no bom caminho para chegar ao céu. O bom caminho que eles têm metido no seu íntimo, é exactamente o caminho que um dia os levará a prestar contas a alguém. Também eles terão o seu céu ou o seu inferno.

São insondáveis os caminhos do destino. Não sei se já ouvi isto em qualquer lado.

 

 

Ora aí estão dois assuntos de que eu sou um verdadeiro especialista. Aprofundando um pouco mais a matéria, talvez até conseguisse retirar dali um terceiro assunto. Mas, para mim, o mais interessante é o monstro, nado e criado nos anos noventa e agora muito oportunamente trazido à realidade actual.

Realidade que, segundo muito boa gente, é efectivamente uma monstruosidade, bem como a história do próprio monstro que, passados estes anos todos desde o seu nascimento, ainda vê por aí muitas confusões sobre a sua paternidade. É consensual que ele nasceu em mil novecentos e noventa e qualquer coisa.

Realmente, há qualquer coisa que anda a causar cócegas a alguém. Contudo, se as cócegas servem para fazer rir os mais pândegos, os mais sérios não perdem a seriedade com qualquer coisa desse tipo. E a história da paternidade do monstro está devidamente localizada no tempo e na melhor testemunha presencial do evento.

Como não sou professor de história, não me cabe dar lições dessa disciplina, nem dessa indisciplina factual. E a verdade é que o monstro tem pai, identificado por um familiar muito próximo do progenitor, monstro que agora é evocado por outro familiar, substancialmente mais novo, mas que fala dele com aquela proximidade parental.

Com tanta proximidade, que se prepara para assumir que vai assassiná-lo, nem que seja à má fila, que é como quem diz, a ferro frio, estando por definir se será com um golpe frontal, ou com um golpe vibrado pelas costas, para não sentir a força do olhar do monstro no último momento da sua já longa vida.

Se é verdade que monstro é monstro, também é verdade que matar é matar. Quem criou uma vida, mesmo que ela seja uma monstruosidade, e quem prolongou e alimentou essa vida ao longo do tempo, pode considerar-se, também ele, um monstro, ao pegar no cutelo para o enfiar nas entranhas seja lá do que for.

Não queria fazer histórias monstruosas mas a verdade é que parece que estou a cair nessa tentação. Por isso vou cavar desta a todo o gás, antes que me enrede numa qualquer cavacacofonia, coisa esquisita que até parece que tem a ver com a junção de sílabas que nunca deviam estar pegadas numa só palavra.

Por vezes fico espantado por ver coisas destas escarranchadas por tudo quanto é notícia, até porque sempre me pareceu que entre familiares ninguém devia meter a colher, sem correr o risco de criar ‘cacofonocolheradas’ que nos causam mau gosto de boca nestes tempos em que a união familiar tinha de comer a uma só voz.

Espero não ser acusado de andar para aqui a fabricar cacofonias, só porque já ouvi falar disso. É verdade que sim, mas juro que nem sei, nem quero saber, o que isso é. Portanto, como é que eu podia falar sobre o que não sei. Não podia coisa nenhuma. Isso até podia deixar-me ainda mais espantado que os espantos de que ouço falar por aí.

Confesso sinceramente que não há coisa que mais me entristeça que uma zanga de compadres. Ainda se fosse de comadres, bom, a gente sabe que essas, zangam-se agora, mas daí a nada já estão aos beijinhos e aos abraços. Mas, com os compadres, não é bem assim. Comportam-se sempre como aqueles matulões que querem a mesma namorada.

Não percebo porque razão se não dispõem a arranjar uma solução negociada já que, no resto, estão constantemente a proceder como se tudo fosse um negócio. Se é tudo, é mesmo tudo, e ambos me parecem negociadores de palavra e com provas exemplares mais que demonstradas nas suas palavras e nos seus actos.

No entanto, nos vossos negócios cacofónicos, por vezes monstruosos, não envolvam os ‘monstrozinhos’ que já constituem a rejeitada e enjeitada geração monstruosa da vossa era.      

 

 

23 Out, 2011

Sem Sócrates

Bem perto estão os tempos em que Sócrates era o único culpado de tudo o que aconteceu na Europa e no mundo, como se todos os líderes a nível global se tivessem curvado às suas ideias despesistas e aos seus desmandos de meter no bolso tudo o que apanhou à mão, como qualquer vulgar larápio ou beneficiário de bancos que foram à vida.

Porventura, há quem queira fazer crer que Sócrates era obrigado a prever então, os efeitos de uma crise que, ainda agora, os novos Sócrates, não conseguem atinar com os seus efeitos e consequências. Afinal, tudo o que já estava planeado e pronto a ser aplicado para resolver tudo e mais alguma coisa, simplesmente, foi bafo que se esfumou subitamente.

Ainda há quem já se tenha esquecido que todos os organismos mundiais, nessa altura, faziam previsões semanais, a rectificar as anteriores. Só os iluminados de cá, que então se limitavam a vaticinar que estava tudo mal, como de costume, se vangloriam agora de que já tinham previsto tudo. Pois, mas agora, continuam a não prever nada em concreto.

Porventura, há quem já se tenha esquecido que, ao rebentar a crise bancária americana, as instâncias europeias e nacionais, as ditas forças anti Sócrates, PR e todas as oposições, não se contiveram em exigir que nada devia faltar a estes e àqueles que, ao fim e ao cabo, era dar, dar e não deixar de dar, a todos os pretensos coitadinhos.   

São esses, precisamente, que hoje se queixam de que Sócrates deu tudo a todos. São esses que se esquecem de que, então, se dizia que em tempos de crise era preciso gastar para estimular a economia, teoria que Sócrates aceitou de bom grado. Logo, não queiram alguns descarregar as culpas que também têm no cartório, e são muitas, de muitos.

Esses muitos queriam e conseguiram que Sócrates se fosse embora. Mas, agora, é altura de perguntar a todos esses, bem diferentes nos seus objectivos, se estão satisfeitos com a situação que criaram, ou se, afinal, há uns que estão mais satisfeitos que outros. Ou ainda, se todos têm motivos para pensar que mais lhes valia terem estado quietinhos.

Uns porque, se estavam mal, passaram a estar pior. Outros porque, de mandados, passaram a mandar. Mas, até estes, já devem ter visto que o mando nem sempre é um favo de mel. Porque as abelhas nem sempre estão dispostas a deixar que lhe assaltam as colmeias, só porque os assaltantes julgam que é fácil roubar o doce a quem o produziu.       

É bem evidente que Sócrates não foi o mártir da pátria, sacrificado por um qualquer bando de malfeitores. Sócrates foi mais um, entre tantos dos seus antecessores. Foi mais um, que esteve no lugar errado, quando abriu a caça à malandragem. Só que os malandros já estavam nos seus abrigos quando começou o tiroteio.

Por cá, Sócrates deu muito jeito, pois foi o mal me quer entre os lírios da cidade, foi o alvo que serviu para ser crucificado em lugar daqueles que só serviram para o içar para alto da cruz. Que ainda não lavaram as mãos ensanguentadas, mas correm o risco de estar à espera do momento de verem derramado o seu próprio sangue.

Sócrates também deu jeito para servir de capa a todos os que roubaram o país em níveis absolutamente escandalosos e a quem ninguém foi ainda capaz de pedir um cêntimo. Porque ninguém se lembra destes mas, em contrapartida, resmunga-se, vocifera-se, contra o larápio Sócrates, só porque, falando-se nele, não se fala nos outros.

As políticas têm de ser contextualizadas. Criticá-las fora desse contexto, pode ser muito fácil, depois de ver as consequências. Sobretudo, sem ter em conta as condicionantes do momento. Se era possível a quem decidiu, decidir de outra forma. Se quem agora critica, não foi co-responsável com as decisões então tomadas.

Mais, se muitas dessas decisões não foram exactamente forçadas por quem agora as critica e delas se serve para se armar em salvador de uma pátria ameaçada pela totalidade de todos os que sempre se consideraram seus salvadores. É que nisto de política, de políticos e de críticos, o que vamos vendo é que cada um, na sua aflição, tenta salvar-se como puder.

Recorde-se que, então, tal como agora, todos os organismos internacionais, sempre elogiaram a actuação do governo anterior. Até cá, houve a célebre cooperação estratégica. Curioso. Lembro-me do amistoso ´porreiro pá´, da sorridente amizade alemã, dos abraços franceses, tal como da intimidade com o BCE. Nessa altura, os entendidos não faziam críticas à Europa.

Portanto, até encontrarem bons argumentos condenatórios, deixem lá o Sócrates em paz, não cometam os erros que ele cometeu e tentem fazer melhor que ele, se forem capazes. Todos teremos muito a ganhar.

 

 

22 Out, 2011

DÓI-DÓI

A saúde dos portugueses nunca esteve tão em baixo como nestes tempos dolorosos em que toda a gente tem o seu dói-dói. Uns manifestamente espalhados à flor da pele, outros escondidos no mais recôndito das suas entranhas. Como em tudo na vida, há quem se queixe sem dor e quem não se queixe mesmo quando a dor os destrói.

Muitos destes dói-dóis são como os das crianças muito pequenas, que ainda não compreendem verdadeiramente a gravidade nem a dimensão de cada um dos dói-dói. Para aqueles que são mais aparentes que reais, basta que a mamã ou o papá beijem esse dói sem dor para que o choro pare de imediato.

Ao adultos são muito mais imprevisíveis que as criancinhas no que toca a dói-dóis. Principalmente, porque não se calam com um ou mais beijinhos no local doloroso. Com a atenuante de que nem sempre se consegue localizar devidamente esse local logo, também os beijinhos podem ir para o local errado.

Ao analisar este fenómeno dos dói-dóis que apareceram com a conjuntura, verifiquei que estão a provocar autênticas debandadas de cérebros, melhor, de crânios, para o estrangeiro. E o que mais me preocupa é que esses crânios não ficam por lá. Ao fim de poucos dias estão de regresso, não sei se por vontade própria, se por mando de quem os não acolheu.

Se tal fenómeno se deve a que os dói-dóis que os levaram a sair do país, não encontraram remédio lá fora, isso quer dizer que, realmente, são mesmo graves, podendo considerá-los dentro de uma gravidade muito superior aos vulgares dói-dóis, passando à classificação de doenças infecto-contagiosas.

A situação está a tornar-se alarmante, bastando recordar quem tem sido mais afectado nestes últimos tempos, em que os dói-dóis de conjuntura até aconselhavam vivamente a que ninguém saísse do país. Em primeiro lugar, para que se tratassem cá dentro. Em segundo lugar, para que não trouxessem outros vírus de lá para cá.

De Belém, volta não volta, lá sai uma caravana infindável de gente com destino ao aeroporto, onde se metem num daqueles aviões onde a dor não entra, mas vão à procura de uma qualquer cura, para reconfortante destino, sem saber minimamente quais os dói-dóis que os fazem mudar de ares e, na dúvida, sobre se não acabam por ter falta de ar.

De S. Bento não há dia em que não saiam viajantes nos mais variados meios de transporte, grátis, com meio bilhete, bilhete inteiro ou bilhete de luxo, sempre com fundadas esperanças de que encontrem nos seus destinos quem lhes venda ou aconselhe o elixir da cura dos mais sofisticados dói-dóis que os põem nesta mobilidade interminável.

Do Rato também se verifica um movimento semelhante, embora de dimensão muito menor, como é óbvio, mas com o intuito de descobrir lá fora, o antídoto para a pandemia nacional de dói-dóis que abriram buracos por toda essa casa do Rato. A esperança reside, sobretudo, em descobrir uma variedade de queijo que faça esquecer o que lá vai.

Da Madeira, com um dói-dói maior que a ‘elha’, maior até que o ‘contnente’, desapareceu alguém que jurou ainda há dias que, ‘daqui não saio, daqui ninguém me tira’. Pressupõe-se que, assustado, mas sem qualquer espécie de medo, foi consultar o mago, o único mago que ainda lhe falta insultar, para que lhe ponha tintura no seu enorme dói-dói.

A verdade é que todos estes e outros clientes de curandeiros lá de fora, lá vão fazendo pela vida, à custa daquilo que mais dói aos cidadãos anónimos que lhes pagam as fugas constantes, sofrendo, poucos dias depois, mais dói-dóis com a constatação de que eles regressam sem terem obtido cura nenhuma.

Porém, há sempre quem não tenha dor de nada. E quem sinta um enorme gozo com os dói-dóis daqueles de quem precisa.

 

 

Estou farto de ouvir dizer que o país tem de mudar mas, na verdade, quando alguém muda alguma coisa, quase sempre muda para pior. Até me apetecia tirar dali o quase, não fora o linchamento que os arautos de todas as liberdades me sentenciariam de seguida, porque a minha liberdade seria zero em comparação com a sua liberdade total. 

Ao contrário do que acontece em algumas partes do mundo, onde as mulheres são sentenciadas com um número variável de chicotadas quando esquecem o código feminino a que estão vinculadas, eu virava isto das avessas, transferindo esse código para certas condutas masculinas de cá.

Porque, no meu entender, o código recomenda chicotadas a mulheres de lá, que não fazem nada de mal, enquanto os homens de cá recebem elogios e recompensas por fazerem coisas bem piores que as delas. Principalmente, coisas do foro da língua, no que toca à expansão de um código privativo de certa libertinagem.

Então como é que eu vou compreender que uma mulher de lá, apanha uma catrefada de chicotadas por conduzir um carro, enquanto um homem de cá, atropela a sociedade toda com as suas tropelias e inconveniências e recebe um arraial de deferências dos muitos que beneficiam e fazem a apologia do mesmo código.

Dizia eu atrás que virava isto tudo das avessas porque já percebi que os nossos códigos, ou não prestam, ou não são cumpridos conforme mandam os seus articulados. Claro que não está neles expressamente que se deviam aplicar as tais chicotadas que as mulheres de algumas paragens têm de suportar.

Ora aí é que está o busílis da questão. Se não há castigo para aqueles que até recebem prémios por tudo o que fazem de mal, então que se lhes aplique o código da chicotada, ainda que seja por determinação sumária das vítimas dessas arbitrariedades ou dessas imbecilidades, ainda que simplesmente verbais.

A justificação é simples e é baratinha para a época que atravessamos. A via judicial é cara, demorada e ineficaz, dado que obedece a outros códigos que as vítimas só conhecem depois de lhes terem sido aplicados. Já para não falar nos problemas das prisões que vão caindo em desuso, pois começamos a ficar presos em casa.  

Com o código da chicotada está tudo simplificado. Mas, primeiro é preciso elaborar o código, onde deve constar claramente o que se fez de mal e o correspondente número de chicotadas a suportar pelo delinquente. Óptima tarefa para quem gosta de tarefas difíceis, que é o caso de, indirectamente, manobrar o chicote na direcção que lhe interessa.

Obviamente que as chicotadas se devem aplicar nas costas dos que só sabem fazer alguma coisa de língua e, mesmo essa, muito mal feita. Portanto, cinco chicotadas para os primários, vendo as penas agravadas de cinco em cinco, cada vez que reincidirem. Se for o cinto a servir de chicote, o lado da fivela deve ficar na mão do fustigador.

Bom, isto é apenas um exemplo, porque eu não sou legislador, não gostaria de o ser, nem sou suficientemente inteligente para dizer que faço as coisas difíceis que não sei fazer. Depois, também não quero sujeitar-me a apanhar umas tantas chicotadas por estender a língua para fora da boca, gesto que pode ser considerado desrespeitoso.

Enfim, chicotadas já é o que mais temos por aí, mas essas ainda não são crimes, embora me pareça que, pelos indícios, aqueles que mais as merecem, são aqueles que desejam poder aplicá-las aos que não os bajulam.

Enfim, vida demasiado fácil, para quem só gosta de fazer coisas difíceis, embora as não saiba fazer bem.

 

 

Tenho a certeza de que o país teria tudo a ganhar se, de uma vez por todas, todas as cidadãs e cidadãos eleitores, fossem devidamente esclarecidos sobre quem foram os maiores thieves da nossa história, ordenados num ranking tão sério, quanto o exigem tão altos dignitários da nossa política e da nossa alta finança.

É evidente que tal ranking não poderia nunca ser elaborado ao critério de uma qualquer organização que integrasse os potenciais candidatos ao primeiro lugar. Como eles estão metidos em tudo o que é dinheiro, está-se mesmo a ver que seria muito difícil arranjar um júri que, ao menos, parecesse isento.

Como me considero um sujeito muito criativo, embora pouco esperto e, por vezes, porque não dizê-lo, um tanto brutinho, não me importando mesmo que alguns, no mínimo, que o são tanto como eu, julguem que o sou mais que eles, daí que goste de lançar umas dicas que sirvam de assunto a todos os inteligentes deste país que, afinal, não criam nada de novo.

A minha preferência iria para um concurso do tipo Master Chefe, onde a confecção de amostras de comidinha, seria substituída por cofres com os mais sofisticados sistemas de abertura retardada, por meio de segredos não passíveis de ter sido violados antecipadamente e passados à socapa aos concorrentes da cor.

Seria o concurso de apuramento do Master Thief, cujo vencedor seria aquele que, ao longo das muitas sessões de assalto aos cofres, derrotasse todos os outros, por ter as mãozinhas mais suaves do país, resistindo a todas as eliminatórias. Dada a sensibilidade da matéria, todos os concorrentes poderiam usar luvas, à maneira de perfeitos thieves.

Apurado o Master Thief, acabava-se de vez esta incerteza de quem fanou mais e de quem fanou menos, bem como este aproveitamento constante de cortinas de fumo para ocultar as virtudes de uns e os defeitos de outros na nobre e rica arte do fananço ao mais alto nível. Esta manobra, além do mais, é altamente deprimente para os que só têm a fama.

Depois há aquela eterna mania de uns sujeitos que passam a vida a inventar histórias de thieves os quais, quantas vezes, nem sequer algum dia chegaram a ganhar para o susto. Inventores que lá vão vivendo, coitados, com uma percentagem mínima sobre as audiências ou as tiragens que conseguem mobilizar.

Mas, mesmo assim, ainda têm a benevolência de uma garantia precária de trabalho, enquanto conseguirem manter os seus thieves vivos e na berlinda. Estes riscos podiam ser colmatados enquanto durasse o concurso do Master Thief, um êxito com garantia total, por mostrar ao vivo, mãozinhas tão famosas em acção nas suas especialidades favoritas.    

Findo o concurso e conhecido o Master Thief, bem como o ranking completo dos activistas militantes, seria um desastre rotundo para os inventores na modalidade. Com tudo em pratos limpos, conhecidos os que tiveram a fama e o proveito, bem como os que não tiveram fama, mas tiveram o maior proveito, o país podia, finalmente, viver melhor e em paz.

Todos podiam lavar as mãozinhas depois de terem tirado as luvas com que manejaram as rodinhas dos segredos dos cofres com todo o profissionalismo e seriedade. Aqui, no concurso, só um ganhou o prémio de Master Thief. Mas, os restantes ficaram com todo o dinheiro que tão hábil e inteligentemente conseguiram sacar dos cofres que abriram.

Há quem pense que está mal e há quem pense que está muito bem. Afinal de contas, há sempre quem pense que difícil, difícil é aquilo que eles pensam, porque é fácil pensar muito e não fazer nada. Já a minha prima dizia com alguma ironia. Mais vale dizer asneiras que estar calado. Coitada, ela, como eu, não é nada inteligente.

De uma coisa estou eu certinho como uma calculadora de última geração. Difícil, mas mesmo muito difícil, é ter cabeça para ganhar o Master Thief. Quem a tiver, só tem que se habilitar. Com as minhas limitações, não consegui traduzir o nome do concurso para português, pois thieves, não há cá disso.

 

 

16 Out, 2011

Matracas e pífaros

 Não sendo a música e os instrumentos musicais o meu forte, a verdade é que os meus ouvidos estão a ficar fartos de serem fustigados por certos tocadores de pífaros que, com sons agressivos e cada vez mais desafinados, se vêem nos píncaros do estrelato efémero de quem anda ao sabor das modas.

Atrevo-me mesmo a dizer que andam ao sabor das modinhas brejeiras que conquistam simpatias fáceis, enchendo a boca com aqueles palavrões de fazer rir, principalmente, quem nunca foi capaz de ser sério, perante a música onde até os pífaros podem ouvir-se sem ferirem os ouvidos de quem quer que seja.   

Do mesmo modo que até as matracas se podem abrir e fechar com aquela contenção e integração em partituras que toda a gente entende e ninguém detesta. Daí que não seja preciso ameaçar quem abre a matraca, soprando o pífaro com aquela fúria ordinária do ódio incontido e ameaçador de quem se julga dono da mentira com disfarce de verdade.

Em cerca de mil cidades, milhões de pessoas abriram as suas matracas neste quinze de Outubro, não para abafarem os pífaros de quem quer que seja, mas para lembrarem a quem detesta matracas e pretende fechá-las de vez, que o mundo tem de mudar de música e, sobretudo, de músicos que saibam tocar decentemente os seus instrumentos.

Quem pensa que as bocas dos outros não passam de uma matraca qualquer, no isolamento do deserto, está muito enganado e mais se vai enganar ainda, quando o som do seu pífaro murchar, incapaz de se fazer ouvir definitivamente. Porque nada, nem ninguém poderá abafar indefinidamente, os sons e os ventos da história.    

Porque a questão que se põe é que a língua tem tendência para se sobrepor à inteligência. Falar muito nem sempre é falar bem, sobretudo, quando a inteligência não ajuda, ou quando não convém dar-lhe muita atenção, ou ainda quando se subestima a inteligência de quem é amesquinhado a todo o momento.

É verdade que, no imediato, a esperteza dá notoriedade, mesmo quando espezinha a inteligência. Mas, o imediato é efémero. O tempo sempre foi mudando as coisas, precisamente, porque tudo é efémero. E hoje, o mundo muda mais que à velocidade da luz, que vai deixando para trás a escuridão da ignorância.

Cada vez é mais difícil a um pífaro fazer calar uma matraca, mesmo tendo em conta que todas as leis têm tendência para proteger os pífaros. Porém, temos vindo a assistir a um gradual enfraquecimento das leis, precisamente, porque o som das matracas desprotegidas, tende a romper todas as barreiras que lhes têm abafado o som.

Seria bom que se abandonassem de vez as sobrancerias de quem julga que a sua matraca é pífaro que dá música a todas as matracas do mundo inteiro. Destas, milhares de milhões já não têm pão suficiente para meter nelas, quanto mais as balelas dos pífaros onde sopram línguas imundas, egoístas e ameaçadoras.

É bom que se vá pensando nisso enquanto é tempo.

 

 

Olá se é, tanto na sua elaboração, como na sua execução, atendendo até a que se trata de um documento ‘Órdinário’ que só se elabora uma vez por ano, mesmo que seja estúpido e inútil, como tem sido de há muitos anos a esta parte e dá agora todas as indicações de superar todos os outros. Difícil, só se for por isso.

Mas este Ó É sem dúvida o mais ordinário da democracia nacional e, embora tenha poucas dúvidas e me engane muito, esta democracia também está a ficar muito ordinária, muito por culpa de um reformismo extra ordinário, que nos dizem ser ímpar pelo tempo recorde em que está a ser implantado. Mas os tópicos, já eram conhecidos há muito.

Pretendem ficar com os louros desta diarreia legislativa mas cá para mim, os louros e os espinhos devem ir para outras cabecinhas pensadoras, pois não é segredo que os autores vieram de fora e os negociadores foram outros que não estes. Portanto, estes de agora, são apenas os executantes, com alguns exageros pelo meio.

Portanto, reformismo, tal como no-lo querem impingir, mesmo no que toca à sua autoria, nicles, nada. Aceitando como inevitáveis as ideias base da sua inevitabilidade, estão a vir ao de cima os desvios que inverteram completamente a justiça social que o devia orientar, pelo que este Ó É acaba por ser um autêntico Ó Não É.  

Paradoxalmente, este terrível documento em vias de ser apresentado, é muito melhor aceite por todos aqueles que pouco ou nada contribuíram para a situação que o gerou, que por todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, tudo fizeram para que o país descambasse neste pântano, tantas vezes anunciado, mas sempre desejado ou tolerado.

Desejado e tolerado por todos aqueles, e foram muitos, talvez milhares, senão milhões, que se fartaram de gastar o que não tinham. Desejado e tolerado por aqueles que meteram, e agora metem mais à vontade, a mão no pote, bem como os amigos que meteram a mão nos cofres onde havia montes de dinheiro de muitos outros amigos. 

Tem sido muito fácil, trespassar esses negócios para outros que, com culpas no cartório sim, mas em nada comparáveis àquelas de que estes de agora se querem libertar, acusando, na mira de não serem acusados. Sempre ajudados por outros poderes que mais alto se levantam. Para lá das palavras, também estes desejavam a continuação do que sempre toleraram.

Este não é o Ó É dos que podem ajudar a destruir os vícios que os engordaram. Este Ó É não toca nos gordos nem nos obesos, mas ataca ferozmente todos aqueles que já carregam com o esqueleto apenas encoberto pela pele enrugada. Estes, sim, vão ser os verdadeiros salvadores da pátria e dos que continuam a dormir à sombra da iniquidade, da conversa e da preguiça.

Este não é o Ó É daquele que já tinha tudo na cabeça há muitos meses atrás. Nem tão pouco daquele e daqueles que nunca deixaram de incitar ao despesismo, mesmo depois de se começar a conhecer os verdadeiros contornos da crise. Crise que para eles era exclusivamente interna e que, à medida que se vão afundando, já só vêem a crise que vem lá de fora.

Chegados a este ponto, tenho uma curiosidade mórbida em saber quais as razões que levam a considerar este Ó É o mais difícil de toda a nossa história. Penso, pelo que ficou dito, que não se trata da sua elaboração. Então só pode tratar-se da sua discussão e aprovação mesmo com esta mais que garantida.      

Difícil, mesmo muito difícil será, sem dúvida, conseguir defendê-lo na sua discussão. Porque já sabemos de antemão, pelo menos eu já sei, quais serão os argumentos. E qual será o responsável único que obrigou estes patriotas a estar a fazer papel de idiotas perante tão indesculpáveis dificuldades que lhes puseram em cima das costas.

Mas, já todos ouvimos dizer que os anjos não têm costas. Logo, eles, dado o seu estatuto largamente auto proclamado, não tendo costas, também não têm nada sobre elas, incluindo o peso deste Ó É que terá de levitar pelos ares da assembleia, sem que se consiga que assente em alguma cabecinha pensadora, que só pode ser algum fantasma que também levite por ali.

Só espero e desejo que este Ó É, difícil, brutal, estúpido, indesejado, cruel, inútil, mas necessário, não provoque ataques cardíacos em cadeia. Para desastre já basta o Ó É. E seria um desastre irremediável perder esta preciosidade. Oh n’ Ó É?

 

 

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