Gestão de dívidas
Começo por afirmar categoricamente que não sou filósofo para entrar em cogitações deste género de assuntos. Também não sou advogado para me dedicar a tentar ganhar causas perdidas à nascença. Mas também não sou economista para ter a veleidade de meter a moral dos números pelos olhos adentro de quem quer que seja. Ah, também não sou gestor.
Mas há uma coisa de que gosto a potes. Gosto de ser uma espécie de brincalhão de trazer por casa, sobretudo, quando me atrevo a brincar com teorias defendidas por pessoas que eu tenho a certeza de que têm outra bagagem que eu não tenho, mas que nem sempre pensam que pode haver uns pormenores que lhes escapam.
Portanto, para aquelas pessoas mais sensíveis deixo a sugestão de que parem esta leitura por aqui, para não terem de tomar algum comprimido que não esteja à mão. Para quem continuar, refiro que não há aqui um único nome, precisamente, porque sei que há gente que não pode ouvir citar pessoas que lhe ferem a pituitária.
Dizer que as dívidas não se pagam é um lugar-comum, como qualquer outro e eu nem preciso de ouvir isso duas vezes para perceber a ideia. Pela simples razão de que não tenho dívidas logo, também posso afirmar que nunca as pago. É óbvio que me estou a referir àquelas dívidas que não tenho neste momento.
Dizer que as dívidas se gerem, também não é preciso ser muito culto, que é o meu caso, para compreender que só se gere o que se tem. Logo, quem não tem dívidas, como eu, não gere coisas dessas. Mas, também é lógico que quem as tem e não as quer pagar nunca, não está a pensar em geri-las. Era o que faltava. Não tem jeito dizer-se que não paga, mas gere.
Porque gerir é, de algum modo, arranjar soluções. Ora, quem não quer pagar o que deve, já solucionou o seu problema, segundo a sua maneira de pensar, ou seja, a sua dívida, desde que foi contraída, deixou imediatamente de ser problema, precisamente, por ter ficado decidido que nunca ia pagar absolutamente nada.
Daí que, se alguém disser que os países que têm dívidas, não as pagam, gerem-nas, não está a cometer um acto de ignorância. Se afirma que elas se gerem é porque não as ignora, nem as renega. Vai geri-las. Ou seja, como é normal nesses países, contraem-se outras dívidas para pagar as anteriores. Isto, sim, é gerir as dívidas.
Sobre este assunto, alguém com responsabilidades ao mais alto nível, comentou, ao ser instado a fazê-lo – ninguém pode deixar de estar de acordo com isso. Em sentido contrário, outro responsável, disse que precisou de ler duas vezes a mesma coisa, para perceber não sei o quê. E eu que julgava que pessoas inteligentes percebiam tudo à primeira.
Mas, curiosamente, não me apercebi de que houvesse muita gente, dessa que pensa pela sua cabeça, a produzir comentários ou fazer declarações de repúdio pelo suposto sacrilégio ao bom nome do país, ou dos seus responsáveis do passado ou do presente, para além dos desvios que sempre saíram das mesmas bocas.
Ao ver umas fugazes imagens do local onde o suposto sacrilégio de deu, foi possível observar a assistência, no final da cerimónia em questão, de pé, a aplaudir um qualquer orador, que não sei quem era. Assistência essa que, se bem me pareceu, não era constituída por aldeãos transportados em camionetas para um comício qualquer em Portugal.
Estou cada vez mais convencido de que, quando a cabeça pensa, tudo roda na normalidade da vida, com críticas acesas e justificadas, sim, mas deixando os disparates para aquelas línguas que se inserem em cabeças que, de tão quentes, não podem ser responsabilizadas pelas erupções de fumaça que já não assustam ninguém.
Depois, quem não associa a lógica e o sentido das palavras, à sua interpretação normal, a mente foge-lhe sempre para o pior que tem dentro de si próprio – a má intenção. Mas, não é difícil ver que, depois de quem foi muito mau, há sempre quem venha a ser pior. Já se pode verificar a olho nu que, atrás de mim virá…
Bem se percebe porque razão a gestão da nossa coisa comum, não se preveja que tenha as, repetidamente, prometidas melhorias. As melhorias não se cumprem com promessas – gerem-se. Mesmo agora, não vejo que as dívidas estejam a ser pagas, nem sequer aos soluços. Mas espero que, mesmo durante anos, sejam bem geridas.
E ainda ninguém se indignou com isso. Logicamente.