Cágados
Começa a ser muito difícil falar de gente neste país, na medida em que já nem os alinhados conseguem manter a linha que devia fazer deles uma espécie de clonados no que toca a inteligência e à sua verdadeira aplicação no campo das suas ideias. No entanto, enquanto eles se vão desalinhando, a gente vai observando e comentando.
Para isso, é necessário que se fale, alinhada ou desalinhadamente, consoante as vistas e os estômagos de cada um. Porque há quem, sem fazer nenhum, consiga ver ao longe, mesmo muito ao longe, o tacho que lhe vai permitir encher o estômago. Depois, é só caminhar sempre em frente, sem nunca o perder de vista.
Em regra, só os alinhados têm esse privilégio. Eles vão conseguir que todos tenham o seu tachinho ou a sua tachada e, ao ritmo a que a corrida decorre, não levará muito tempo a chegar lá. Porque eles, a correr nessa pista, não são cágados pachorrentos, pois estão bem conscientes de que a carapaça os protege de acidentes contra os não-alinhados.
Já a construir aquelas coisas a que chamam reformas, os alinhados são mesmo autênticos cágados, sem pressa, dando mesmo a ideia de que tudo o que vinha de trás e precisava de ir abaixo, afinal não era assim tão mau como o pintavam. Assim sendo, como se lhes faltasse aquela pontinha de engenho e arte para fazer melhor, toca a marcar passo a ver no que dá.
Além disso, tem-se verificado com frequência que alguns recuos já assentes e outros que estão em banho-maria, servem às mil-maravilhas para alinhados, tal como serviam para desalinhados logo, é um desperdício não aproveitar aquilo que tanto jeito deu aos outros. E, obviamente, alinhados à espera de novas oportunidades não faltam.
Mas, mesmo dentro dos alinhados, verifica-se que há cágados e cágados, pois dentro da lentidão do percurso, há aqueles que preferem ir por ali e os que lhes dava mais jeito que se fosse por acolá. E o problema é que essa marcha em que se faz que anda mas não anda, tem cágados de muita envergadura. Que é como quem diz, cágados com carapaças muito rijas.
Há quem pense que os cágados não têm ideias. Uma ova, é que não têm. Mas também há quem julgue que as ideias dos cágados, são ideias fixas, muito escondidas debaixo das carapaças, que só de lá saem, em momentos bem escolhidos, nos quais o ar anda cheio de neblina intensa, ou em dias de nevoeiro cerrado. Por vezes, até de noite.
Isto para que os desalinhados não se apercebam de imediato do alcance que tal vai ter na cepa torta. Porque depois de feita a marosca, à maneira, só quando o sol romper a neblina ou o nevoeiro, é que os distraídos desalinhados verão que os cágados também têm mais que uma velocidade, engatando com destreza a que mais convier no momento.
Porém, o maior problema mecânico que tem causado alguma apreensão entre os alinhados, é o facto de haver dois cágados de relevo na respetiva comunidade, que se esforçam por engatar cada um a sua velocidade. O cágado-mor exige que o ponto morto seja considerado uma velocidade. Morta, pois claro. O cágado executivo não prescinde da quinta e sempre a acelerar.
Em certas capelinhas mais incomodadas, até já se blasfema com este sacrilégio. Então o cágado-mor, não se aperceberá de que pode estar a dar a ideia de que passou a ser o mais ativo dos desalinhados? A interrogação é interessante para os menos atentos, ou que não conheçam minimamente as complicadas táticas dos cágados ultra experientes.
Agora, não se pode abandonar a tese de que aquele paraíso de comunhão de ideias e de sintonia perfeita entre os alinhados que, pela primeira vez, se veem naquilo que parecia vir a ser uma era de rolha a fundo no gargalo, foi chão que deu uvas. Porque os alinhamentos nem sempre se fazem conforme as aparências ou as teorias dos ideólogos.
Acima de todas elas, nem sempre bem visíveis, mas lá estão os cágados, nem sempre a passo de caracol, mas sempre à velocidade dos interesses, usando cada um, com aparente mestria, a carapaça que os protege.