Viva o Benfica? Não!
Já lá vai o tempo em que todas as coisas que não corriam ao meu gosto eram amenizadas com o desabafo: do mal, o menos, que viva o Benfica. Quando tudo parecia ser uma desgraça, o Benfica estava lá para aguentar todos os dissabores. Vá-se tudo com o diabo da vida, mas que fique o Benfica para compensar todas as desilusões, que são muitas e muito difíceis de roer.
Claro que muita gente poderá dizer que outros clubes serão melhor lenitivo para os seus momentos maus, mas a verdade é que, se seis milhões se inclinam para o Benfica, não restam senão menos de quatro milhões a torcer por todos os outros. É obra a diferença de devotos entre o maior e os outros todos juntos. Todos estes milhões já incluem os filiados recém-nascidos e mortos ainda não abatidos.
Mas, que não fiquem tristes os minoritários, porque o fervor clubístico não se mede somente pela quantidade, mas pela qualidade dos fervorosos seguidores de cada um dos colossos da nossa clubite aguda. Cada qual com as suas características de difícil comparação entre si, tal como se não podem comparar as cores que representam cada uma delas.
Seria um sacrilégio dizer que o verde é melhor que o azul, ou que o vermelho, versus encarnado, suplanta os outros dois juntos. Nada de exageros, porque não quero ser acusado de estar com os olhos em bico, apesar destas inclinações poderem ter alguma evidência na definição do meu grau de daltonismo mais que evidente. Mas não confundo o vermelho legítimo com o falso do Braga.
Contudo, já lá vai o tempo em que, quando as coisas me corriam mal no trabalho, bastava um desabafo, simples, espontâneo, banal e um alívio semelhante ao tubo de escape do meu chaço: viva o Benfica! Tudo o resto era coisa de somenos. Ora, que me digam os que têm outros credos deste género, se não têm, ou não tiveram, igual maneira de descomprimir arrelias do dia-a-dia.
Mas, como disse, já lá vai o tempo, porque o tempo tudo leva e o tempo tudo traz. Embora a realidade me mostre que o tempo tem levado muito mais do que tem trazido, não em termos de bola, mas em termos de qualidade de vida, nem eu, nem ninguém, penso eu, podemos viver apenas dos nossos desvairados egoísmos do ganha/perde no fim-de- semana.
Porque, a meu ver, por mais inquinados que eles sejam, é mais que evidente, a degradação que me atinge de semana para semana. Já nem os resultados da bola me aliviam o pesadelo da jornada seguinte, perdão, da semana seguinte, em que as maravilhas da semana anterior vão dando lugar às derrotas previsíveis ou imprevisíveis da semana que decorre.
Para mim, já não há lenitivos que me aliviem este estado abúlico de não acreditar em resultados, sejam eles da responsabilidade dos jogadores que entram em campo, cheios de vontade de ganhar, sejam eles fabricados pelos árbitros que armam em juízes infalíveis, mas que, no campo, subvertem toda a verdade que nos devia fazer acreditar no futuro. Falo de árbitros sem apito, mas com corneta.
E, em boa verdade, o futuro só podia fazer-me acreditar nele, se eu pudesse, como em outros tempos, dizer convictamente, que se lixe tudo mas, ao menos, que viva o Benfica. O mesmo desejava para os que pudessem dizer que viva o seu preferido. Seria sinal de que, no resto, no principal da vida, as coisas não iriam de modo a recear uma qualquer catástrofe iminente.
Finalmente, deixem-me perguntar inocentemente a quem tanto se serve dos donos da bola para adormecer consciências, se eles também dizem, o resto que se lixe, mas que viva o meu e o dos meus clientes e amigos. E se os resultados por que tanto se desunham, são apenas e só, os dos clubes da sua simpatia. Ou se os clubes deles são outros, de outro campeonato que já não é o meu.