É tudo mentira
Todos os portugueses de bem, sabem perfeitamente quem sempre lhes falou verdade e, por exclusão de partes, sabem quem sempre lhes vendeu mentiras sem fim. Estes foram, concretamente, os portugueses que destilam mal por todos os poros. Mas, pior que o produto dessa destilação porosa, é a língua viperina de quem põe em dúvida a vida e a obra dos impolutos que perenemente sobreviverão através dos séculos.
Portanto, numa altura em que as verdades de uns e as mentiras de outros, sobre os mesmos acontecimentos, surgem em catadupas nos mentideiros e nos verdadeiros, não pode haver dúvidas de que mentideiros e verdadeiros são coisas completamente diferentes, embora haja quem ande muito preocupado em fazer misturas de factos com invenções para baralhar e voltar a dar de novo.
Obviamente que o povo deve estar alerta, mesmo muito alerta, porque os portugueses bem conhecem uns e os outros, de anos e anos em que os bons têm apregoado as suas virtudes e os maus não têm feito outra coisa senão falar em defeitos onde há virtudes a sério, e falar de virtudes que são os seus próprios defeitos. Vá lá a gente saber porquê, daí que todo o cuidado seja pouco para não ir em conversas fiadas.
Não é difícil saber quem são os mentirosos, pois de há vários anos a esta parte não se tem falado de outra coisa. Estão devidamente identificados e, os que falam e falaram sempre verdade, não se cansam de lhes repetir os feitos e de lhes atribuir as medalhas pelo seu péssimo comportamento. Não são muitos os distinguidos individualmente, mas representam a classe ou o grupo a exterminar, porque coletivamente nada se aproveita.
Ao contrário, há uma geração que já vai com cerca de duas décadas de condecorações honrosas e de feitos muito pouco conhecidos até há pouco tempo, mas que ultimamente o país tem o grato prazer de acordar para a realidade, pois os bons portugueses, os verdadeiros portugueses, senhores de todas as verdades e de todas as virtudes, aí estão agora a despontar para a glória de um povo que tudo lhes deve.
Ainda bem que esses paradigmas do bem, da justiça e da solidariedade mas, antes do mais, símbolos da verdade e imparáveis lutadores contra a mentira reinante, estão agora a ser libertados para a glória que já mereciam há muitos anos. Lá diz o povo, mais vale tarde que nunca, pois quem é vivo sempre aparece e a verdade vem sempre ao de cima como o azeite.
Esta confirmação histórica de duas décadas de verdades foi agora reconfirmada irreversivelmente. E, finalmente, trazida, ainda que timidamente, para alguma comunicação social. Ainda com uns laivos de mistura de verdades insofismáveis, com artifícios de mentiras mais ou menos mal acondicionadas. Porém, constituem um avanço no processo de vivência da nossa cidadania e a confirmação de uma justiça que sempre tem sido impecável.
Esta é outra verdade indesmentível. Dizem os mentirosos que a justiça não tem funcionado bem. Até há os que dizem que ela não funciona, nem bem, nem mal. Que, simplesmente não funciona. Claro que é bem evidente que a justiça tem de funcionar em favor dos que sempre falaram verdade. E aí, ela tem sido implacável contra os que sempre falaram com a mentira na ponta da língua. E assim é que deve ser.
É tudo mentira o que dizem os mentirosos de sempre. É tudo mentira o que dizem agora dos que sempre foram os únicos a falar verdade neste país. É tudo verdade o que dizem e sempre disseram os que agora são acusados de terem mentido ao longo de duas décadas. É tudo verdade que quem roubou o país foram aqueles que sempre tiveram a fama de o ter feito. É verdade que os media começam agora a substituir a verdade pela mentira.
Essa mudança que está a transformar o país de mentiroso em verdadeiro, só por si, já valeu a pena. É verdade que a verdade também foi importada, como tudo o resto, tal como a mentira já começou a ser exportada a todo o vapor. Na verdade, o país está muito melhor. Os mentirosos vão-se embora. Os verdadeiros ficam. O povo está a ficar feliz, porque tudo está a correr muito melhor que o previsto.
No meio de toda esta felicidade, até as verdades mais evidentes, para os clarividentes, começaram gradualmente a ser evitadas. As mentiras, já deixaram de ser mentiras. A felicidade que se vive agora é toda ela feita de silêncios. Comprometedores ou arreliadores. A língua, dizem, é muito traiçoeira. Mas, bem feitas as contas, isto é tudo mentira.