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afonsonunes

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30 Abr, 2012

É tudo mentira

 

Todos os portugueses de bem, sabem perfeitamente quem sempre lhes falou verdade e, por exclusão de partes, sabem quem sempre lhes vendeu mentiras sem fim. Estes foram, concretamente, os portugueses que destilam mal por todos os poros. Mas, pior que o produto dessa destilação porosa, é a língua viperina de quem põe em dúvida a vida e a obra dos impolutos que perenemente sobreviverão através dos séculos.   

 

Portanto, numa altura em que as verdades de uns e as mentiras de outros, sobre os mesmos acontecimentos, surgem em catadupas nos mentideiros e nos verdadeiros, não pode haver dúvidas de que mentideiros e verdadeiros são coisas completamente diferentes, embora haja quem ande muito preocupado em fazer misturas de factos com invenções para baralhar e voltar a dar de novo.

 

Obviamente que o povo deve estar alerta, mesmo muito alerta, porque os portugueses bem conhecem uns e os outros, de anos e anos em que os bons têm apregoado as suas virtudes e os maus não têm feito outra coisa senão falar em defeitos onde há virtudes a sério, e falar de virtudes que são os seus próprios defeitos. Vá lá a gente saber porquê, daí que todo o cuidado seja pouco para não ir em conversas fiadas.

 

Não é difícil saber quem são os mentirosos, pois de há vários anos a esta parte não se tem falado de outra coisa. Estão devidamente identificados e, os que falam e falaram sempre verdade, não se cansam de lhes repetir os feitos e de lhes atribuir as medalhas pelo seu péssimo comportamento. Não são muitos os distinguidos individualmente, mas representam a classe ou o grupo a exterminar, porque coletivamente nada se aproveita.

 

Ao contrário, há uma geração que já vai com cerca de duas décadas de condecorações honrosas e de feitos muito pouco conhecidos até há pouco tempo, mas que ultimamente o país tem o grato prazer de acordar para a realidade, pois os bons portugueses, os verdadeiros portugueses, senhores de todas as verdades e de todas as virtudes, aí estão agora a despontar para a glória de um povo que tudo lhes deve.

 

Ainda bem que esses paradigmas do bem, da justiça e da solidariedade mas, antes do mais, símbolos da verdade e imparáveis lutadores contra a mentira reinante, estão agora a ser libertados para a glória que já mereciam há muitos anos. Lá diz o povo, mais vale tarde que nunca, pois quem é vivo sempre aparece e a verdade vem sempre ao de cima como o azeite.

 

Esta confirmação histórica de duas décadas de verdades foi agora reconfirmada irreversivelmente. E, finalmente, trazida, ainda que timidamente, para alguma comunicação social. Ainda com uns laivos de mistura de verdades insofismáveis, com artifícios de mentiras mais ou menos mal acondicionadas. Porém, constituem um avanço no processo de vivência da nossa cidadania e a confirmação de uma justiça que sempre tem sido impecável. 

 

Esta é outra verdade indesmentível. Dizem os mentirosos que a justiça não tem funcionado bem. Até há os que dizem que ela não funciona, nem bem, nem mal. Que, simplesmente não funciona. Claro que é bem evidente que a justiça tem de funcionar em favor dos que sempre falaram verdade. E aí, ela tem sido implacável contra os que sempre falaram com a mentira na ponta da língua. E assim é que deve ser.

 

É tudo mentira o que dizem os mentirosos de sempre. É tudo mentira o que dizem agora dos que sempre foram os únicos a falar verdade neste país. É tudo verdade o que dizem e sempre disseram os que agora são acusados de terem mentido ao longo de duas décadas. É tudo verdade que quem roubou o país foram aqueles que sempre tiveram a fama de o ter feito. É verdade que os media começam agora a substituir a verdade pela mentira.

 

Essa mudança que está a transformar o país de mentiroso em verdadeiro, só por si, já valeu a pena. É verdade que a verdade também foi importada, como tudo o resto, tal como a mentira já começou a ser exportada a todo o vapor. Na verdade, o país está muito melhor. Os mentirosos vão-se embora. Os verdadeiros ficam. O povo está a ficar feliz, porque tudo está a correr muito melhor que o previsto.  

 

No meio de toda esta felicidade, até as verdades mais evidentes, para os clarividentes, começaram gradualmente a ser evitadas. As mentiras, já deixaram de ser mentiras. A felicidade que se vive agora é toda ela feita de silêncios. Comprometedores ou arreliadores. A língua, dizem, é muito traiçoeira. Mas, bem feitas as contas, isto é tudo mentira.

 

 

29 Abr, 2012

Um pote no deserto

 

Era uma vez um pote que teve o azar de ser colocado no meio de um deserto com uma quantidade residual de água, à volta do qual muitos camelos circularam na esperança de um abastecimento que lhes permitisse aguentar a viagem até ao oásis mais próximo. Ao que consta, esses camelos tanto circularam que acabaram por ficar tontinhos vindo a sucumbir nas proximidades do pote.

 

Entretanto, outros camelos sedentos, ao toparem um pote tão apetecível num local tão inóspito, logo se precipitaram sobre ele pensando ter descoberto uma fonte inesgotável do precioso líquido. Afinal, depressa descobriram que o pote estava quase vazio. Desataram então a olhar o horizonte com as patas dianteiras a fazer de pala sobre os olhos com vista a descobrir sinais da tão sonhada fonte.

 

Fonte que não conseguiram descobrir mas, em contrapartida, descortinaram os restos dos camelos que os antecederam no assalto ao pote. E foi nesses restos de cadáveres que despejaram a sua ira, por pensarem terem sido eles quem secou o pote. Desesperados, cansados de tanto espezinharem o que restava sobre a areia escaldante, nunca mais deixaram de ver o pote como uma herança de algum espírito diabólico.

 

Os tempos vão passando e o deserto lá continua com o pote a meter areia que o vento levanta e de água, nada, ou não fosse aquele lugar o centro de um deserto mesmo a sério. E os camelos lá vão resistindo como podem, com o grande incentivo de que não foram eles que secaram o pote. Mas, em lugar de procurar o precioso líquido, com esforço e persistência, consolam-se com o pensamento na herança diabólica.  

 

Esta é a história de um pote que sempre desencadeou muita sede, mas nunca satisfez plenamente os muitos que dele tentaram apoderar-se. Porque uma coisa é encher a barriga uma vez, outra é sustentá-la sempre cheia. Principalmente, quando há amigos a quem não se pode recusar uma parte do que se tem. Ou seja, há amigos que até nos exigem que partilhemos tudo, sendo o melhor bocado para eles.  

 

Por vezes penso que o nosso país é um deserto, mas não me cabe na cabeça que tenha um pote. Ainda que em tempos idos o tivessem escondido na areia, depressa o teriam descoberto e partido em mil e um cacos, atendendo à ganância que sempre dominou a sua disputa. E se o país não é um deserto, então, também é provável que não tenha camelos, mas não restam dúvidas de que tem homens muito piores que camelos.

 

Que mais não fosse, no campo das ideias. Tudo parece caminhar no campo do atrofiamento, da restrição, do empobrecimento em todos os sentidos, em lugar de se promover o alargamento de horizontes e a liberdade na vivência da cidadania, que propiciam o aparecimento de iniciativas que, por sua vez, são geradoras de trabalho, de emprego e de riqueza, ações muito mais eficazes que toda a propaganda enganosa.

 

Fala-se exclusivamente a linguagem do dinheiro e de quem, exclusivamente, tem o poder de controlar a sua utilização. Não se fala das pessoas que podiam transformar dinheiro em mais dinheiro, através da riqueza do seu esforço, da sua vontade de levantar o país com o seu trabalho. Mas fala-se também já, ainda que em surdina, na vontade de calar vozes incómodas, vozes que não estejam previamente autorizadas e sintonizadas.   

 

Também se fala num determinado tipo de coragem. A coragem de quem nos impõe uma vontade que radica na obediência cega a quem dá as ordens. Só se falarem da coragem de não ter coragem para dizer não, quando as ordens são manifestamente um atropelo a todos os compromissos assumidos e a todos os interesses dos que vão sendo obrigados a perder a voz, com medo de perderem algo mais.

 

O nosso pote está vazio, consequência de muitas espécies de sede, entre elas a sede dos agiotas que comandam o mundo e têm aqui, altos representantes e fieis colaboradores. Até são corajosos por tomarem medidas de outros, ou que outros lhes impõem. Que têm a coragem de espremer o seu povo para cumprir, até com exageros, as ordens que lhes exigem cada vez mais sumo do trabalho desse povo que vai definhando cheio de sede.

 

 

27 Abr, 2012

Caixeiros-viajantes

 

Caixeiro é todo o indivíduo que anda com a caixa. Pode trazê-la às costas, pendurada no braço, ou carregada num qualquer meio de transporte. Viajante, obviamente, diz-se daquele que viaja mais ou menos permanentemente. Sendo caixeiro-viajante, não é difícil adivinhar que quem viaja é, por dever de ofício, o indivíduo que põe a caixa a viajar na sua companhia, num gesto constante de abre a caixa, fecha a caixa, mostrando o que tem lá dentro.

 

Os mais novos não conhecerão esta velha ocupação profissional mas podem estar perto de vir a conhecê-la, até porque ela pode vir a ser uma boa e nova proposta de emprego para os muitos que, por mais que viagem, ainda não conseguiram descortinar nada que os ponha a fazer qualquer coisa. Quanto aos mais velhos e desempregados, dirão que estão fartos de andar a toque de caixa uma vida inteira.

 

A caixa antiga que estará prestes a conquistar o mundo do emprego é uma ideia moderna que um ilustre viajante bem português descobriu, para recomendar aos que muito falam em trabalho, mas não descobrem maneira de o desencantar. Simplesmente, porque ainda ninguém lhes disse que, antes de mais nada, é preciso meter na caixa, tudo o que possa representar negócio, ou seja, fazer da caixa, uma boa fonte de trocas comerciais.

 

O caixeiro-viajante tem hoje outros nomes mais pomposos, como delegados de vendas, promotores de vendas, delegados de propaganda de qualquer coisa, ou semelhantes. Percorrem o país em bons carros, têm os seus hotéis ou residenciais com marcação antecipada, tal como acontece com os seus contactos feitos através de visitas regulares. Dantes traziam as amostras dos produtos dentro da caixa. 

 

Hoje, anda quase tudo dentro do portátil, daí que já não sejam caixeiros, embora continuem a ser viajantes pelo país inteiro, com tendência a utilizar o avião e a viajarem também para fora de portas. E esta é a inovação que está a dar, como solução milagrosa para o combate ao desemprego, que é a segunda causa de todos os males do país. A primeira é, obviamente, aquela que o governo chamou de herança de um delegado de propaganda.

 

A nova política universal do país é o desenvolvimento desta ideia genial que vai colocar todos os meios humanos disponíveis a bem, ou indisponíveis a mal, na rota do moderno caixeiro-viajante, denominação que se manterá e se pretende seja um símbolo de imagem de um país que vai fazer de tudo o que é velho, a nova maneira de atrair toda a modernidade que, de fora do país, traga aquilo que nós nunca tivemos: dinheiro vivo.  

 

Razão mais que suficiente para o êxito desta cruzada do novo país, é a alta especialização e a vasta experiência vinda de um passado glorioso, do seu autor e dinamizador, tanto no aconchego do lar, como nas abundantes viagens sempre com roteiros bem escolhidos e muito bem organizados, com frutos à vista de toda a gente que não pretenda apenas divertir-se com outros frutos mais virados para o chiste.

 

Depois, temos já uma plêiade de bons caixeiros-viajantes em atividade plena, que percorrem o mundo de avião, em classe turística, sulcando os ares em todas as direções, tocando todos os bons aeroportos, os melhores hotéis, contatando promotores do bem-estar do mundo inteiro. Ótimo ambiente para que os nossos caixeiros-viajantes, mostrem que também sabem viver de bem-estar, enquanto falam do nosso Fado e do nosso Pastel de Belém.

 

Agora, numa segunda linha de ataque, foram convocados todos os portugueses para falar daquilo que bem conhecem. Serão os caixeiros-viajantes para a promoção da imagem. Daí que todos tenham obrigatoriamente de se munir de telemóveis de última geração, máquinas fotográficas e de filmar digitais, preparadas para, em qualquer lugar do mundo, mostrarem as respetivas gravações.

 

Só falta definir um pormenor importante das deslocações. Para o país não ficar deserto, temos certamente que ir por turnos, porque é preciso tratar dos incapazes que não podem ir. Depois, têm de dizer se vamos a pé ou de trotinete, pois dinheiro para outros meios, para nós, não há. Quanto ao resto, contem connosco.

 

 

 

Já nos safamos do jogo inglório dos prós e contras no dia de ontem, transmitido quase na totalidade pelas televisões, a propósito das comemorações de um memorável evento de há trinta e oito anos. E acabamos por nos safar de uma maneira que eu considero bastante positiva, graças àqueles que lá não foram.

 

Vamos só supor que tinha lá ido toda a gente. Não é difícil imaginar que isso seria uma tragédia. Desde logo porque as televisões tinham um prejuízo incalculável pela perda dos telespetadores que costumam ver tudo pela televisão, dando-lhes os shares que lhes proporcionam as receitas de publicidade.

 

Depois ficávamos sem aquelas preciosidades de repórteres de rua como aquela que perguntou a um casal – há quantos anos estão casados? – Há 63, diz ela. Nova pergunta: Já estavam casados quando foi o 25 de abril? – Já, já… - responde ele sorrindo. E ainda dizem que o país não tem nada que preste. 

 

Mas, se tivesse lá ido toda a gente, seria um erro dizer que temos um amigo em cada esquina. Porque, nesse caso, teríamos muitos amigos à nossa frente, ao nosso lado, atrás de nós e, ainda muitos outros com vontade de estar por cima de nós, se acaso não coubessem lá todos. Enfim, amigos por todo o lado.

 

Claro que no Alentejo tem de se dizer que se tem um amigo em cada esquina. Porque nas ruas não há ninguém. Então, com uma pessoa em cada esquina, sempre vai dando para se dizer de uns para os outros, bom dia amigo. Sim, porque lá, felizmente, ainda são todos bons amigos, mesmo sem apertos de mãos a toda a hora.    

 

Estou mesmo a ver os amigos de Lisboa a dizer adeus aos seus amigos de todas as esquinas da cidade. Ainda no Porto, vá lá, que falam um pouco mais alto, mas aproveitam sempre para acrescentar mais umas palavritas aos cumprimentos, o que também dificultaria essas comunicações de amizade inequívoca.

 

Nem quero falar das amizades entre os lisboetas e os portuenses, acrescentando apenas que, em cada esquina um amigo, não se aplica nesses casos. Mas o sentido figurado da frase é indesmentível porque, em Portugal, desde tempos imemoráveis, não há português que não seja amigo de todos os portugueses.

 

E isso deve-se exatamente a que o exemplo vem de cima. Ainda ontem vimos como tudo se passou de forma exemplar, extremamente amigável, em que todos os portugueses, quer os que estavam frente à televisão, quer os que estavam na assembleia, se mantiveram ordeiramente sentados a ouvir os que falaram de pé.

 

Mas, de salientar também aqueles manifestantes do Rossio que deram uma grande lição de civismo. Demonstraram lá na deles, que não é preciso estarem todos no mesmo sítio, para mostrarem aos outros que, tal como eles, também os têm lá. Portanto, unanimidade total entre a assembleia e o Rossio.

 

Aliás, como foi pedido e imediatamente aceite pelo país inteiro, os portugueses vão, a partir de ontem mesmo, constituir um bloco amigo, solidário, fraternal e incansável, na divulgação de todas as suas qualidades, tanto cá dentro, como lá fora. Com fome, mas… Vá, fora daqui. Toca a dizer que estamos bem e somos todos bons amigos.

 

 

 

Durante os trinta e oito anos de Portugal democrático nunca tinha visto tanta demagogia, tanta mentira, tanta baboseira, todas juntas, como aquelas que fiz o frete de aguentar durante as mais de duas horas em que segui pela televisão as cerimónias fúnebres das comemorações do dia da falta de liberdade.

 

Aqueles discursos estavam mesmo a condizer com os muitos cravos que se acumulavam atrás dos oradores partidários, todos voltados com o vermelho para baixo e o caule verde para cima. Exatamente ao contrário do que deviam estar: de pé, como qualquer árvore ou planta que preza a sua dignidade.

 

Até me deu a sensação de que estava ali o vinte e cinco de abril de pernas para o ar, tal qual os cravos moribundos a pender daquelas mesas a revelar muita fartura. Como também me surpreendeu a quantidade de cravos nas lapelas e as gravatas vermelhas nos pescoços habitualmente engravatados de laranja.

 

Nos discursos do costume, as mentiras do costume e a verborreia característica de quem tem de ocupar os minutos do costume, ao microfone do costume, sem dizer absolutamente nada do que interessava ao país ouvir daqueles que, é costume, intitular de seus representantes.

 

Todos falaram daquele vinte e cinco de Abril que a cada um deles interessava revelar. Não falaram do vinte e cinco de abril que o povo festejou nas ruas há trinta e oito anos. Não falaram do país que o povo vive hoje, depois de trinta e oito anos de sonhos e de esperanças frustradas.  

 

Houve até quem falasse muito do pouco ou nada que fez, e quem falasse muito do que julga que está a fazer, mas apenas consegue mostrar o que não é capaz de fazer. Também houve quem falasse, mais uma vez, do que está farto de repetir ao longo dos anos, mas que não passa de um simples e velho disco mais que riscado.

 

Ao olhar para aquela assembleia dita comemorativa, pareceu-me ver ‘em cada rosto igualdade’, mas uma igualdade marcada pela unanimidade na mentira e na demagogia de quem quer falar muito dizendo muito pouco daquilo que aflige os portugueses e isso não merecia ser comemorado, mas vivamente condenado.

 

O meu olhar perscrutador e ávido de ver e ouvir o que se estava a passar ali, obrigava-me a ver a todo o momento, ‘em cada rosto igualdade’, perante o espanto do ruído dos discursos que se sucediam, sem que se visse nem ouvisse ali, na casa da democracia e do vinte e cinco de abril, uma única palavra para o povo ouvir.

 

Mas ouvi falar de mais de quem lá não estava, como se o dia não fosse de liberdade para estar ou não estar, ali ou em qualquer lugar, como se alguém não fosse dono dos seus atos, ou tivesse de ser servo da vontade dos outros, mesmo que atraiçoando os seus próprios princípios, subjugando-os aos interesses dos seus ‘amigos’.

 

Pelo que ‘tenho visto e ouvisto’, do povo que por vezes até fala assim, nem eu, nem esse povo, conseguimos ver ‘em cada rosto igualdade’, talvez porque o povo cada vez suporta mais as lágrimas a escorrer pelos seus rostos fechados, enquanto os discursadores cada vez mais abrem os seus largos sorrisos em rostos felizes.

 

 

24 Abr, 2012

Hoje, 24 de Abril

Este dia de hoje, no calendário, é um dia como qualquer outro e, logicamente, antecede o dia 25. Em qualquer mês do ano é assim e isto não constitui uma invenção de qualquer espécie. Mas, tratando-se do mês de Abril, a coisa muda imediatamente de figura. E não é porque seja um mês de primavera.

 

Se o dia 25 de Abril tem, desde há trinta e oito anos, um significado muito especial para muita gente, o dia 24 de Abril tem também um significado muito especial para toda a gente que não gostou do 25. É evidente que todos temos o direito de gostar ou não gostar de determinados dias do mês.

 

Só que o 25 representa para os que a ele aderiram, um dia de explosão de alegria e de mudança de vida. Para os adeptos do 24, este dia representa o fim de uma época que morreu exatamente nesse dia, enterrando-se com ela vidas de felicidade, trocadas pelo início de vidas que se tornaram de sofrimento.

 

Os chamados saudosistas do passado não comemoram o seu dia, o dia de hoje, porque a saudade não é tanto um sentimento expansivo de festa, ou de comemoração, mas um sentimento de dor e de reflexão que leva preferencialmente ao silêncio dos sofredores.

 

Temos assim nos dias de hoje e de amanhã, todo um mundo de contradições que profundamente dividem a sociedade portuguesa. Há quem diga que se trata da clivagem natural entre esquerda e direita, ou uma maneira dos partidos políticos marcarem as suas divergências.

 

Os que hoje refletem não comemorarão amanhã. Os que amanhã vão comemorar não querem refletir no dia de hoje. No entanto, com comemorações ou com alheamentos, ninguém devia passar ao lado destes dias 24 e 25 de Abril de todos os anos. Tal atitude levaria a que muitos despertassem da permanente letargia em que vivem.

 

Este ano surgiu uma nova atitude assumida por gente que não precisa de protagonismo. É a atitude de protesto contra a interpretação que faz do que vê. Precisamente, os capitães de Abril e figuras gradas da democracia, intervenientes no antes e depois da revolução dos cravos. Gente que não recebe lições de qualquer um.

 

A reflexão de todos não faria mal a ninguém, porque temos grandes motivos para refletir sobre o passado que deu muitas glórias ao país, e temos muitos motivos para comemorar as transformações operadas nos últimos trinta e oito anos. Tal como temos muitos motivos para lamentar o mal que muitos nos fizeram.

 

O país só teria a ganhar com a reconquista de muitos dos valores do passado e os metesse na onda de progresso que muitos não querem ver. Quase sempre por causa de uma cegueira que pretende ver tudo com os olhos fechados. Ou ver sempre os argueiros nos olhos dos outros e ignorar as trancas dos seus.

 

E isto não é dourar pílula nenhuma, nem tão pouco esquecer tudo o que de mau o país viveu ao longo da sua história. E foi muito, como o demonstra o momento que vivemos que, quer se queira, quer não se queira, tem muito mais culpados do que muitas vezes se pretende fazer crer.

 

O país não é um covil de lobos famintos que se alimentam de rebanhos de carneiros. O país tem lobos famintos, tem carneiros distraídos mas, ainda tem muita gente que sabe distinguir esses animais de instintos primitivos e opostos, do que deve ser uma sociedade de pessoas, no verdadeiro sentido da palavra.

 

Afinal, os dias 24 e 25, tão próximos no calendário, bem podiam estar muito mais próximos nos sentimentos das pessoas, as quais só teriam a ganhar com mais proximidade e com menos ódios a separá-las. O país precisa de lobos e de carneiros. Mas não na vida política.

 

 

Provavelmente vai continuar a falar-se de comemorações nestas horas que antecedem o ainda feriado nacional do dia vinte e cinco de abril. Na maior parte dos casos, isto é, das conversas, elas não passarão de um frete feito ao bem parecer de gente a quem a data nada diz, ou a quem lhe dá jeito dormir a manhã na cama sem ter de ir a correr para a seca do emprego, mesmo naquele em que se não faz a ponta do tal.

 

Mesmo aqueles que ainda guardam do feriado algumas boas reminiscências, não terão grandes, nem pequenas, oportunidades para se manifestarem, ou comemorarem, para lá de beber um copo com os amigos. Já lá vão muitos anos de discursos chatos, em recintos fechados, onde a entrada está reservada aos mesmos de sempre, os que gostam e os que não gostam. Políticos, obviamente.

 

São os tais políticos que nada têm a ver com os ideais do dito vinte cinco de abril, tal como ele foi idealizado e levado para as ruas pelos militares em setenta e quatro, os bem-intencionados capitães do Movimento das Forças Armadas. Porque estes, não representavam partidos, mas falaram em nome do povo, enquanto os políticos, principalmente os de hoje, ignoram o povo e falam apenas e só, nos seus próprios interesses.

 

Como disse agora um dos capitães de abril, num programa de televisão, terá de ser o povo português a saber sair da crise por si próprio, porque o problema que se põe, não é como se resolve a crise, mas como remover do poder aqueles que só sabem agravá-la. Isto é o pensamento de quem verdadeiramente sabe interpretar o sentir de um povo que tudo paga mas nada recebe, um povo que tudo dá, em troca de tudo o que lhe tiram de má-fé.

 

Um povo que só quer que o poder compreenda que nunca pretendeu tirar nada do que legitimamente pertence a alguém. Um povo que apenas quer que a distribuição da riqueza que o país gera, tenha em conta o esforço equitativo de quem a produz. Porque não tem legitimidade quem usa o esforço alheio para se apoderar do que não merece, ou faz com que o produto desse esforço vá parar onde não devia.

 

Esta parte do vinte e cinco de abril nunca foi cumprida, não por culpa dos militares de então, mas por culpa de políticos, tal como muitos dos de hoje, que logo se apoderaram de todos os meios que lhes permitiram ter tudo o que significasse o controlo da riqueza para o progresso dos que, dominando os partidos, passaram a dominar a sociedade, sempre hipocritamente, falando no povo e nos falsos interesses do povo.

 

São muitos destes inimigos do povo que falam em comemorações, que vão fazer os discursos do costume, nos locais do costume, defendendo vibrantemente os interesses dos do costume, do povo, dizem eles, dos hipócritas, diz o povo. Hipocritamente, todos os que contribuem hoje para a violência que diariamente descarregam sobre o povo, não têm pejo em se auto intitular dignos representantes do povo.

 

Vamos para um vinte e cinco de abril em que a austeridade, e tudo o que com ela nos vem sendo oferecido, nos é distribuída com o mesmo princípio de hipocrisia de que ela não tem alternativa, de que ela está equitativamente distribuída e que ela nos vai conduzir a uma situação mais justa e mais digna, não se sabe quando. A verdade é que o povo já conhece essas lengalengas desde o vinte cinco de abril de setenta e quatro.

 

Aos que nem podem ouvir pronunciar esta data sobram motivos para não quererem que lhes toquem em nada. A começar pela austeridade que acham bem, mas não para si próprios. Mais justiça, mas que não se meta com eles, como sempre foi. Que se cortem subsídios a toda a gente menos a si próprios. Que se cortem reformas, mas não as deles. Todos esses se acham com direitos especiais: também são povo, mas não um povo qualquer.

 

Por solidariedade para com o verdadeiro povo deste país, o povo que é esbulhado da riqueza que produz e paga as extravagâncias do outro povo, o povo de todas as mordomias, o povo que esbanjou e nada quer pagar, este vinte cinco de abril merecia uma comemoração muito diferente daquela que tem tido. Uma comemoração silenciosa, deixando os oradores de salão a falar sozinhos.

 

O povo, na rua, devia aparecer vestido de luto, pela morte lenta dos seus reduzidos direitos.

 

 

22 Abr, 2012

Paspalhos

Em primeiro lugar não posso deixar de começar por referir a sensata sentença de que quase todas as medidas estruturais previstas já estão no terreno. Sinceramente, não quero duvidar do paspalho que disse uma barbaridade destas mas, ou eu não vejo dois palmos à frente do nariz, ou o paspalho não domina minimamente a língua portuguesa. Penso eu, mas não pensa ele que, quase todas, são mesmo todas, menos uma ou duas.

 

Diria eu, que não sou paspalho, que é mais provável que de todas, estejam no terreno uma ou duas que, por acaso, eu até nem conheço mas aí, a ignorância é minha pois, não sendo paspalho, tenho o mau hábito de não querer ver aquilo que mais ninguém vê, ou seja, nada, zero, ó, ó. O problema está no terreno, talvez muito arenoso, muito poeirento, ou as duas coisas ao mesmo tempo.

 

Ora, quando assim é, são os meus olhos que pagam ao serem inundados dessas coisas que me deitam em frente deles. Vai daí que eu, com todo o meu estatuto de anti paspalho, embora com uma pequenina tendência para armar em espantalho nas minhas horas vagas, ou de lazer, dou comigo a ser tomado como um pobre tolo, ou um estafermo de terceira categoria, coisa que nem eu desejo ao maior paspalho da atualidade.

 

Além do paspalho das medidas do terreno, não deixo de salientar o paspalho da prosperidade nacional, que vai lá fora dizer que o país não precisa de nada, mesmo nadinha, pois por cá até há consenso naquilo que o governo não quer discutir. Daí que escolha sempre um país amigo, mesmo muito amigo, para fazer o anúncio das medidas que, sendo chatas, é preferível que venham de fora para dentro.

 

Só ainda não percebi o motivo por que são escolhidas cidades como Londres ou Nova Iorque para fazer esses anúncios, quando seria muito mais lógico que se escolhesse Paris. Até porque Paris, se não me engano, fica um pouco mais perto, além de ter muitos restaurantes portugueses que podiam fazer um desconto, que mais não fosse abatendo o iva respetivo. O fisco francês não levaria a mal.

 

Mas, desconfio eu, o motivo da recusa de Paris para os grandes anúncios, está no facto de os paspalhos portugueses terem um certo receio de se verem confrontados com um estudante vivaço que tem o mau hábito de continuar a estudar o que já sabe há muito tempo. Aliás, ele até já sabia que estes paspalhos iam demonstrar que os cursos deles não eram nada que se parecesse com os seus. 

 

Ao que parece, os encontros regulares entre Paris e Berlim no que toca às matérias europeias dos cursos para papalvos, de há uns tempos para cá, têm um outro ex-bom-aluno como participante. Parece até que ele já consegue superar o seu papel sendo, com frequência, o professor dos professores, dada a sua natural propensão para comandar todas as operações e operacionais com os quais se envolve.

 

Dizem os do eixo, em segredo, obviamente, que é muito difícil não ver nele um monitor de cursos para paspalhos, tal a clareza das suas palestras, maravilhosamente enquadradas na tese de que, no mundo, nada pode acontecer sem a sua imprescindível intromissão. Aliás, se foi assim no passado, como poderia o mundo prescindir agora, em momentos tão complicados, de tão influente atuação.

  

Por outro lado, parece haver aqui uma certa contradição, quando os paspalhos nacionais se afastam dos paspalhos de Paris e Berlim e tentam aproximar-se dos recalcitrantes de Londres e dos sherifes de Nova Iorque, sabendo-se de boa fonte que são aqueles papalvos que lhes ministram as aulas e lhes atribuem as elevadíssimas notas de alunos exemplares nos examos trimestrais.

 

Daí, até se pensar em qualquer problema do foro psicológico em relação a Paris, vai uma grande distância. Como de Lisboa a Paris. Paris é só a cidade luz. E já é bastante para iluminar qualquer mente. Paspalhos é coisa que não se enquadraria nos Campos Elísios, mesmo em dias de céu carregado, ainda que com muita chuva. Paris não merece ser um dos terminais do eixo condutor da paspalhice europeia.      

 

 

20 Abr, 2012

A velha máquina

A tendência natural das coisas é ir arrumando as velhas máquinas, substituindo-as por modernas bombas de alto rendimento e de comodidade inultrapassável para os seus utilizadores. É exatamente por isso que por todo o lado vemos sucata e sucateiros que até estão na berra, só porque fazem o favor de ir limpando alguma da porcaria que abunda, incomodando os donos das bombas que, ao que parece, também queriam mamar um pouco mais.

 

Que somos um país de sucata e de mama, só os que mais mamam não querem ver. Mas somos também um país comparado a uma velha máquina que, apesar de muito aperaltada pelos seus velhos ídolos, está arrumada a um canto desta velha Europa, onde a nata dos mamões dos diversos países se vai gastando pelos corredores do poder, sem procurar a substituição de um ou outro parafuso como manutenção de rotina.

 

Mesmo assim, tarda o tempo em que estes mamões caiam definitivamente na sucata e nas mãos de bons sucateiros que, alimentando regularmente os seus negócios, nos livrem da ferrugem e dos vermes que crescem debaixo destas velhas máquinas, dando-nos um país mais limpo e mais seguro, além de mais imune a roedores e rastejantes que se movimentam nesses locais altamente infetados.

 

Esta velha máquina está de tal maneira deteriorada que dificulta cada vez mais a sua inclusão no negócio de aquisição de uma nova, que seja uma verdadeira bomba em que os portugueses se sintam como se largassem de vez o seu velho chaço e se instalassem naquele espaço em que tudo cheira a novo. O problema é que a velha máquina não vale nada e não há dinheiro que chegue para pagar a nova.

 

A máquina velha anda há muitos meses a tentar uma pintura da qual já ensaiou uma primeira demão. Mas, em lugar de melhorar o aspeto, apenas conseguiu mudar de cor. A máquina, essa, continua mesmo velha, agora um pouco pintalgada, porque ainda se vê claramente a cor anterior. Só que o tempo vai passando e, se a nova cor não consegue esconder a anterior, então mais velha a máquina fica.

 

Esta velha máquina que é o país, não precisa de pinturas, porque já tem cores que cheguem para fazer dele um país agradável a toda a gente. Mas precisa de ir a uma oficina especializada em mecânica geral, multimarcas, onde se possa contar com um especialista em diagnóstico correto e substituição de peças velhas por novas, genuínas, para cada espécime de máquina intervencionada.

 

Porém, há que evitar a todo o custo a intervenção de velhos e credenciados professores estrangeiros, ditos mecânicos, que tão caros nos têm saído, apesar de muito poderosos e badalados. Isto por causa dos bons alunos que eles formaram ao longo de décadas. De bons, todos eles, só tiveram os elogios dos professores porque, a velha máquina, foi-se emperrando até que está a cair de podre.

 

E não adianta que se considere que o último bom aluno foi o culpado pelo gripar da velha máquina. Porque, em boa verdade, foram os professores todos, tal como todos os alunos. Todos deviam ter sido corridos a negativa baixa, ou a chumbo, em todas as disciplinas. Mas, o pior de tudo, é que o mesmo ensino continua. E os mesmos professores continuam. E não há chumbo que ponha fim a este ano letivo de uma vez por todas.

 

A história deste país aponta-nos como professores do mundo em muitas áreas e em muitas civilizações, sem que tenhamos alguma vez sido chumbados por aqueles a quem ensinámos tanta coisa. Não precisamos de continuar a ser uma velha máquina junto da qual vem um qualquer cão estrangeiro alçar a perna. Nem precisamos de ser bons ou maus alunos de professores que não podem ensinar o que não sabem.

 

Quanto aos elogios que os nossos alunos sempre têm recebido desses professores ao longo de, pelo menos duas décadas, eles só demonstram que os bons alunos não são aqueles que estudam, compreendem a matéria e passam nos exames que fazem no seu país, mas aqueles que encornam as teorias que lhes ditam lá de fora, não compreendem nada, nem querem compreender, e passam nos exames através do copianço.                   

 

Assim, esta velha máquina, já deu o que tinha a dar. Já nem o óleo da lubrificação aguenta. É sucata que já nem dá para fazer a felicidade de qualquer sucateiro.

 

 

O fogo pode deflagrar imediatamente a seguir ao rebentamento de uma qualquer bomba relógio, provocado por mãos suavemente criminosas, ou por um descuido na avaliação de uma situação aparentemente brilhante que, inesperadamente, transforma o brilhantismo anunciado, na escuridão de densos rolos de fumo. Nesse sentido, até os avaliadores mais convictos podem acabar como autores de catástrofes inesperadas.

 

Há descobertas políticas que andam no ar durante meses, anos até, envoltas em nevoeiro, como que testando a resistência que irão provocar quando anunciadas de cara descoberta. Mas, até ao momento da verdade, vai-se negando a sua existência com a boca muito pequenina, para se não comprometer a cara com que se vai ficar se a coisa vier mesmo a avançar depois dos testes de hipocrisia concluídos.

 

Entretanto, vai-se criando o ambiente favorável através de medidas circundantes, com o objetivo de atingir aquele ponto em que, finalmente, se possa afirmar sem meias tintas, que a medida tão escondida é agora indispensável, para evitar uma catástrofe muito maior que aquela que a própria medida causaria, no dizer de quem a ela se opõe.

 

Há gente que gosta de brincar com o fogo, inventando mil e uma maneiras de vender as suas ideias, como se fosse um produto salvador da humanidade. Humanidade que eles desprezam em favor dos seus sonhos de grandezas, de fantasias, de lucros, de benefícios. Mas, não raras vezes a ambição e a mania das grandezas se transformam em desilusões e tragédias que por sua vez transformam vidas em martírios.  

 

Estamos precisamente num desses momentos, no que respeita ao plafonamento das reformas. Desde há muito que os seus defensores vêm usando muitas palavrinhas mansas para dourar essa pílula que tem andado escondida no bolso, como uma simples e tímida alternativa, enquanto tudo se vai fazendo para que a segurança social fique debilitada ao ponto de ser posta em causa a sua sustentabilidade.

 

Sempre a velha desculpa do não há dinheiro. A verdade é que tudo se tem feito nos últimos tempos para que não haja, desviando-o para outros lados, ou criando novos sorvedouros. Para não falar da falta de medidas corretivas dos desmandos na atribuição a novos beneficiários. E agora, é já dado como perdido, aquilo que ainda não há muitos meses era garantido como tudo estando bem.

 

Mas, é preciso ter muito cuidado com estes malabarismos que servem interesses bem conhecidos. Já alguém falou em bomba-relógio. Segundo a minha interpretação, uma bomba-relógio não está à vista logo, não mostra de forma clara o perigo que representa sobretudo, porque não permite que se fuja para local abrigado. Quando rebentar, pode até apanhar desprevenido o seu manipulador.

 

As reformas são o sustento de muitas centenas de milhares de famílias com muitos mais seres vivos indefesos, que dependem delas para se manterem vivos. E nós, portugueses, que demos novos mundos ao mundo, não podemos transformar-nos agora, nos indígenas que tantas vezes salvamos da morte, quando descobrimos os recantos onde eles viviam em estado quase selvagem.

 

Diz-se que selvagem é o vento. Sim, o vento que espalha o fogo é realmente selvagem, porque tem a força da destruição, quantas vezes incontrolável. Mas, selvagem é também o incendiário que inicia e estimula essa força destruidora. Como não podem deixar de ser selvagens todas as forças visíveis ou invisíveis que julgam poder apoderar-se do mundo para destruir vidas que dele fazem parte.

 

Os novos mentores de uma sociedade de pobreza, ainda que minimizada com as ajudas de uma caridade salvadora, não livrarão a pele a esses mentores, quando a bomba-relógio deflagrar. E essa bomba é uma caixa de surpresas tão perigosas, que só ao abrir-se revelará todas as consequências que espalhará no meio de todos nós. É sabido que o pão é um suporte de vida. Mas quando falta o pão a vida não vale nada.

 

 

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