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afonsonunes

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31 Mai, 2012

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O ano que decorre está a ser um ano completamente atípico, o que quer dizer que tudo nos vai acontecendo fora de tempo. Foi assim com a chuva que não caiu quando devia, foi assim com a austeridade que já devia ter fim marcado, mas parece que ainda mal começou e foi assim com as medidas que já deviam estar no terreno e ainda estão apenas no pensamento e nas palavras.

 

Valha-nos a consolação de que tudo está a correr melhor que o previsto o que, também isso, prenuncia um comportamento atípico da nossa situação. Se estávamos preparados para aguentar cinco anitos de marcar passo, vamos ter de nos contentar com uns dez de marcha lenta. Isto, se não houver um qualquer agravamento do estado de lentidão de quem pensa e diz o que nos vai acontecer.

 

Porém, a maior atipicidade do ano que decorre tem a ver com o calendário. Parece que já não há problemas com os feriados que se iam, mas já não vão. Ficamos com eles e com o merecido descanso para a nossa trabalheira coletiva. E, pasme-se, o dia de S. Miguel, que costuma celebrar-se a vinte e nove de setembro, este ano caiu para maio, curiosamente, à volta de vinte e nove.

 

O dia de S. Miguel costuma celebrar-se no ciclo de vida rural em que as colheitas estão no auge, ou seja, na transição do verão para o outono. Nas feiras da época, que vêm da idade média, estão presentes, o melão, a cereja o queijo e o mel, entre muitos outros produtos agrícolas. Termina assim um período de grandes azáfamas para quem vive da terra e entra-se no período que devia ser de chuvas e mais repouso.

 

Mas, as feiras de S. Miguel são também, para os pequenos criadores rurais de gado, o tempo de tirarem proveito da procriação e engorda dos seus animais, vendendo e comprando, conforme os seus interesses de negócio. Nos dias de hoje, estas feiras de S. Miguel estão um tanto desvirtuadas, pois o gado já anda quase exclusivamente pelas grandes herdades e os produtos hortícolas pelos hipermercados.

 

Isso não significa que não tenhamos o nosso S. Miguel. Temos agora a decorrer o S. Miguel de maio, que não tem propriamente a ver com gado, mas com gente. Que não tem propriamente a ver com o lançamento de estrume à terra para a tornar mais produtiva, mas que tem a ver com mãos que de tanto mexer no estrume dos gabinetes alcatifados, andam vermelhos de comichões estranhas.

 

Temos um santo chamado Miguel que parece ter vindo da idade média até hoje. Tal como o fez D. Dinis às feiras e mercados da época, ao dar-lhes a importância e o nível de engrandecimento dos negócios, mas deixando de ser feiras francas, para começarem a ser cobrados os assentos dos vendedores. Era, já então, a evolução natural de obrigar quem produz, a pagar para vender os produtos produzidos.

 

O nosso S. Miguel de maio parece ter o condão de saber dizer verdades que, pela maneira como são ditas, escondem perigosas mentiras, muito piores que a troca das feiras de setembro para maio. Como se fosse possível colher agora os produtos que só pelo verdadeiro S. Miguel estarão maduros. Como se fosse possível colher agora o que ainda nem semeado está. Tão pouco o que agora está a rebentar.

 

E o que está a rebentar são mais relvas daninhas que plantas de sementes lançadas à terra com a convicção de que, quem bem semeia, bem colherá. Ora de ervas daninhas ninguém conseguirá colher nada, pois elas apenas servirão para alimentar chamas alterosas no dia em que rebentar qualquer incêndio fortuito, ou resultante de ação premeditada de um qualquer ousado incendiário.

 

E os incendiários até podem não ser vulgares criminosos como os que tanto fustigam as nossas florestas. Podem mesmo ser incendiários urbanos, que detestam fogos florestais, mas que não toleram que lhes incendeiem as vidas e lhes destruam os bens e os haveres que, muito ou pouco, lhes custaram a cultivar. Para esses, o S. Miguel de setembro ou de maio, tal como o veem, não pode continuar a ser santo.      

 

 

29 Mai, 2012

Tricas partidárias

Estou de acordo com toda a gente que pensa que o único problema que enfrentamos, com muita coragem, diga-se de passagem, é o jogo das tricas partidárias. Mas que seria de nós se não as tivéssemos e, em lugar delas, nos brindassem com um joguinho das escondidas, de preferência à moda antiga. Também podia ser um joguinho de cabra-cega, que lá ia tudo dar ao mesmo.

 

As tricas partidárias têm-se revelado de um encanto que nem Coimbra tem na hora da despedida, pois a ligeireza jovem e o humor estudantis são superados pelo rigor formal das leis e a capacidade de levar a sério todas as brincadeiras em que o povo se mete. É evidente que o povo se mete a brincar de boa-fé, quando escolhe os que têm melhores caras de fabricar tricas dos partidos.

 

Há quem invente mil e um argumentos para descrever a situação em que nos encontramos e dois mil e dois argumentos para encontrar os culpados por essa situação. Nada mais errado que andar a falar de olhos vendados. O joguinho é outro e está mais que clarificado. Tudo isto são tricas partidárias que, como diz alguém muito entendido na matéria, não nos devemos meter nessas coisas.

 

Portanto, obviamente que quem não estiver bem que se mude pois, está largamente provado, não faltam oportunidades para que todos vamos saindo de onde estamos, para depois entrarmos onde quisermos. Há portas abertas por todo o lado. Quase todas vão dar à rua. Mas há lá coisa mais arejada que a rua. Agora, então, com estes dias solarengos e a temperatura a subir, é o delírio.    

 

Temos um país maravilhoso onde não precisamos de novas oportunidades para singrar na vida. Temos as velhas, que nunca estiveram a dar tanto como agora. E agora temos a rua onde, quem tiver iniciativa, tem tudo para triunfar. Quem tiver unhas toca guitarra. E se tiver boa voz, aprende umas cantiguinhas e canta. Pode sentar-se no chão, num lugar frequentado. Basta pôr o boné no chão à sua frente.

 

Mas quem não tiver jeito para essas coisas pega nas marmitas e vai meter-se na fila para a porta de uma instituição de solidariedade social. A solidariedade não é palavra vã e agora a palavra instituição, significa que o país se distanciou definitivamente dos velhos modelos europeus de diversas caridades estatais, todas de faz de conta. Nós damos bons exemplos de como do velho se faz novo.

 

Isto são apenas dois exemplos de como as tricas partidárias estão a tornar-se nos verdadeiros motores de uma revolução mais pacífica que a dos cravos, pois aqui nem são precisos os canos das espingardas para colocar os ditos. Aliás, o povo deixou de sair à rua, deixou de pôr o cravo na lapela e já nem fala senão de mão em frente da boca. Pela simples razão de que já conquistou tudo pelo que ansiava.

 

Graças às tricas partidárias, que tudo resolvem, que tudo dão. Daí que o povo já esteja realizado. Estou mesmo convencido que não estará longe o dia em que o país não precisa de eleições, porque não vai precisar de governo, nem de presidente, nem de contribuintes. Os homens e as mulheres das tricas partidárias caminham no sentido de estarem cem por cento de acordo em tudo.

 

É evidente que também não vamos precisar mais de secretas, nem de discretas, nem de patetas, tão pouco. Ninguém vai sair, nem ninguém vai entrar. Ninguém vai mandar ninguém embora, nem ninguém se vai embora. Quem está, está de pedra e cal e, para quem tiver dúvidas, se der para alguém sair, será para sair muito mais forte e poderoso que antes. Para fazer ainda mais e melhor daquilo que sempre fez.

 

Se alguém andava com ilusões de que podia chegar a um qualquer pote, que tire daí o sentido. O pote está bem entregue. E bem recheado de tricas partidárias perante as quais o país se curva e dentro das quais os maiorais se sentem unidos e solidários para que não haja motivos de preocupações. Nem da parte deles, confortáveis como estão, nem da parte do povo, agora feliz como nunca esteve.

 

 

  

Ouvi dizer que na Austrália havia muitos portugueses, mas sobre chaparros nada me constou. Depreendo por isso que, até há poucos dias, ainda não tenha lá chegado nenhum. Coisa incompreensível dada a sua existência em larga escala nos montados alentejanos e algo dispersos do Minho ao Algarve. Aqui, no Algarve, é muito provável que se encontre um ou outro no meio das muitas amendoeiras.

 

Então, é muito estranho que entre tantos portugueses radicados na Austrália, não se encontrasse um sequer, que se tivesse lembrado de levar para lá um chaparro. É certo que os alentejanos não têm grandes tradições de emigração. E então para a terra dos cangurus muito menos. Mas é muito estranho que não tenha havido um algarvio inteligente e amigo do país que não tenha levado um chaparro para lá.

 

Aposto que não tardará que os muitos milhares de portugueses, agora residentes australianos, possam deslumbrar a vista com uma paisagem alentejana em plena Austrália, graças aos muitos chaparrais que vão multiplicar-se, se um qualquer canguru mais reguila não se lembrar de roer o espécimen ali depositado por um digníssimo algarvio, ilustre português e nosso muito estimado presidente.

 

Estou convencido que os serviços secretos australianos, muito mais atentos que os nossos, não permitirão tal façanha ao imaginário canguru destruidor, senão lá se ia a cortiça e todas as rolhas que muita fama dão aos nossos queridos dirigentes de todos os níveis, e muito dinheiro faz entrar nos circuitos financeiros mais eficientes e limpos da nossa florescente indústria exportadora.

 

Não pretendo de forma alguma insinuar que os cangurus australianos são mais destruidores que os nossos homens rolhas, ou que os nossos serviços secretos não são tão competentes, que não consigam acompanhar a par e passo o que fazem esses cangurus, que não podemos deixar que se movimentem à vontade, de modo a não preservar a integridade física do frágil chaparro agora plantado.

 

Tanto mais frágil por ter sido plantado em terreno arenoso, o que muito dificulta o enraizamento do pequenino chaparro. Se tivesse a felicidade de ter sido plantado num terreno de verdejantes relvas, a sua segurança estava tão garantida como a de um forte e poderoso carvalho. Pelo menos eu já me habituei a relacionar força, segurança e sombras com os carvalhos e as relvas que nos protegem a vida.

 

Há uma certa tendência para ver no chaparro aquela árvore que apenas nos dá cortiça, só porque somos os campeões das rolhas a nível mundial. É uma visão muito restrita de um chaparral digno desse nome. E uma ofensa às restantes virtualidades do agora glorificado chaparro bebé. Já vi que ninguém se lembra que ele virá a encher o chão da sua sombra com um farto manto de bolota.

 

Também já vi que ninguém se lembra que esse farto manto de bolota vai engordar varas e varas de porcos que farão as delícias dos apreciadores de presuntos. Presuntos que servirão para que os homens rolhas de todos os níveis presenteiem e sejam presenteados no circuito das compensações devidas pelos negócios onde os favores substituem os contratos assinados com o selo da lei.     

 

Os muitos milhares de portugueses na Austrália, só agora vão dar valor ao facto de terem nascido portugueses. E também só agora vão poder dar o devido valor ao Alentejo e ao Algarve. Os seus produtos regionais vão apaziguar muitas saudades do toucinho e do chouriço alentejanos, mas também do bolo-rei com amêndoas algarvio. Eventualmente, e como novidade, com uma ou outra bolota caramelizada.

 

Até os cangurus australianos vão passar a vida à sombra dos chaparros. Nas suas bolsas marsupiais não faltarão as bolotas que, certamente, vão passar a ser os berlindes das suas crias, ou as primeiras bolas de rugby dos seus primeiros dias de vida. E assim se prova que haverá sempre portugueses de grande dimensão a dar novos brinquedos ao mundo.

 

 

 

E começo já pela primeira dessas coisas que me apetece desembrulhar sem demora, atendendo a que me parece que anda tudo a embrulhar tretas sobre tretas. Não chego a perceber bem qual a finalidade de tanta azáfama por parte desses embrulhadores. O caso não é novo. Apenas conheceu agora mais um triste e lamentável episódio a juntar a tantos outros.

 

Não serão propriamente uma novidade para ninguém, as deploráveis tiradas de cócegas na língua de dois dirigentes dos maiores clubes de futebol. Rara é a semana em que os jogos florais entre eles não atinjam o nível da pouca-vergonha. Não quero entrar pelo lado de tomar partido por um ou por outro, até porque entendo que a coisa está num estado tal, que merecia um júri altamente qualificado.

 

Que eu saiba, nunca tinha acontecido a entrega de uma taça no balneário da equipa vencedora, por mau comportamento dos adeptos da equipa vencida, os quais inviabilizaram a cerimónia no local em que devia ter tido lugar. Uma vergonha e um atestado de ineficácia das forças da ordem que, nas instalações deste clube, parece não ter coragem suficiente, mas necessária, para meter na ordem os mesmos de sempre.

 

Já se fala em árbitros estrangeiros para dirigir os jogos mais importantes. Eu diria para dirigir todos os jogos, já que as habilidades dos árbitros fazem com que todos eles sejam decisivos. E isso ainda não chega. Que se chamem também polícias estrangeiros, investigadores estrangeiros, juízes estrangeiros e todos os estrangeiros necessários para que de uma vez por todas se metam os criminosos atrás das grades.

 

O panorama desolador repete-se na vivência da política por parte de uma estirpe que tem o rei na barriga e está completamente a coberto de todas as ilegalidades e de todos os desvarios, certa de que tudo acabará sempre por deixá-la incólume a qualquer tentativa de responsabilização. São muito poucos os que ousam confrontá-los com as suas demonstrações de autênticos violadores sistemáticos da lei.

 

Esses poucos acabam sempre enxovalhados pela manipulação dos factos e pela tendenciosa apreciação que deles faz quem os investiga. Outros, muitos, já nem se dão ao trabalho de tentar denunciá-los. Uns porque sabem de sobejo que só perdem o seu tempo, enquanto outros, e ainda são muitos, sentem que tal só lhes traria problemas para as suas vidas públicas ou privadas. É uma justiça com alvos selecionados.

 

As instâncias que deviam dotar o país dos meios de garantia da ordem, da paz e da justiça, estão entregues, na sua grande maioria, a tentáculos do poder em exercício, que foram lá postos precisamente para evitar que funcionem do modo como deviam funcionar. Isto, apesar de todas as grandes tiradas de frequentes elogios às entidades corruptas, incompetentes e negligentes, por parte dos mais altos responsáveis. 

 

Não menos indigno é o jogo dos fanáticos da bola fora dos estádios, bem como dos doentinhos da política subordinados incondicionalmente aos gabinetes dos seus ídolos. São eles os executivos das ideias macabras que os seus amos arquitetam. Para identificá-los, basta ler o que escrevem e o que dizem em cada local e em cada ocasião, em que atiram com o seu ódio cá para fora. São alguns dos potenciais trauliteiros.

 

Há dirigentes desportivos, tal como há políticos com grandes responsabilidades, que todos os dias têm necessidade de se mostrar na comunicação social, quase sempre através de impropérios contra os adversários. Talvez suponham que assim vencem as suas batalhas de popularidade. No entanto, se os adversários respondem no mesmo tom, cai o Carmo e a Trindade. E há queixas na justiça deles.

 

Uns e outros passam a vida a pedir ou a exigir a essa justiça que averigue os desmandos dos seus adversários. Mas não pedem ou exigem que sejam averiguados os seus próprios desmandos. Como tudo isto é competição, agora até desafiam a que se procurem eventuais desmandos do passado. Pois eu desafio a que investigue tudo e todos. Do passado e do presente. Mas, já agora, que tragam árbitros de fora.

 

Antes de mais, é uma questão de respeito pela seriedade e pelo prestígio do país. Está mais que provado que estes árbitros de cá, na bola ou na política, só servem para esconder e nunca para descobrir. Talvez por isso haja tanta gente a pensar que tudo não passa de coisas do arco dos velhos.   

 

 

24 Mai, 2012

Vamos de carrinho

 

Se vamos de carrinho é porque tudo está a correr bem. E disso não pode haver a mínima dúvida, pois os entendidos não se cansam de garantir que tudo o que dizem é a pura e simples das verdades. Ora os entendidos não podem ser os que estão de fora da matéria, mas sim os que estão por dentro, os que trazem todos os números perfeitamente encaixados na caixa dos pirolitos.

 

É verdade que os pouco ou nada entendidos da nossa praça, e até alguns dos das altas esferas internacionais, têm por hábito dar aos acontecimentos políticos um certo ar de mentira, só para criar emoções nos espíritos mais fracos. Isto porque até eles sabem de cor e salteado que o povo acredita muito mais em montes de mentiras que numa única verdade dos entendidos que governam.

 

É um grande, um enorme erro, que os governantes cometem a toda a hora, quando garantem que nunca mentem. E, pior ainda, quando dizem e repetem que tudo o que fazem é absolutamente transparente. Nem eles sabem nos sarilhos em que se metem quando enveredam por esse caminho. Poucos metros andados e já estão a cair na armadilha mais rudimentar que lhes metem debaixo dos pés.

 

Se tivessem um pouco de bom senso adotariam outra estratégia. Começariam por dizer que ninguém melhor que eles sabe contar boas mentiras. Acrescentariam depois que não há coisa mais bonita, e que maior satisfação dê a um político, que mostrar que é capaz de transformar mentiras em verdades, ao longo de todo o seu mandato.

 

Porque, dessa maneira, sendo a mentira declarada e apregoada como a base do seu discurso, desde a primeira hora da campanha eleitoral, com total repúdio por tudo o que pudesse vir a ser considerado como verdade, jamais esse político poderia vir a ser acusado de mentir ou de ser mentiroso, tal como acontece, e tem acontecido, a todos os anjinhos que se metem nessas andanças. 

 

Podemos dizer, até porque é isso mesmo que nos diz quem sabe, que vamos de carrinho. Que ninguém me venha dizer que ir de carrinho quer dizer que não vamos bem. Por mim não me queixo, pois bem me basta meia dose de otimismo que, em tempo de meia dose de tudo, já é uma sorte não ficar a olhar para as sobras que os pançudos deixam na recheada travessa à refeição.

 

Se vamos de carrinho é melhor não pensarmos em comidas e bebidas pois daí só nos podem vir dissabores. Enquanto aceleramos, é de toda a conveniência estarmos atentos aos ruídos que podem constituir uma ameaça à nossa segurança. Ameaça que parece surgir de todos os buraquinhos do caminho e até dos telemóveis, principalmente, dos de última geração.

 

Anda aí uma onda com aspeto de segunda vaga, que perturba e mete medo a quem não ouve as sirenes de alarme. Ela já não é novidade porque foi muito falada nos tempos em que íamos noutro carrinho. Chamaram-lhe então claustrofobia democrática. Nunca percebi porque lhe chamaram democrática. Talvez percebendo as teorias das verdades e das mentiras. Todas democráticas.

 

Há palavrões que metem medo e estes dois assustam mesmo. Sem qualquer motivo à vista. Porque, se esses palavrões foram uma verdade na boca dos seus autores de então, eles são hoje uma mentira na boca desses mesmos amigos da verdade. Só há aqui uma pequena dúvida que não custa nada a compreender. Quem pode nunca mente, ao contrário de quem diz o oposto. Está à vista.

 

Se vamos de carrinho bem podemos devê-lo a quem nos conduz. Isso é sinal de que vamos em boa estrada onde os pneus do carrinho deslizam às maravilhas sem os furar. Agora, ainda podemos ter gasolina e pagar portagens. Quando não pudermos ir de carrinho, apenas temos a hipótese de ir de carroça, pois se nos arriscamos a ir a pé, não nos faltarão bolhas nos pés.

 

 

22 Mai, 2012

Transaparência

 

O nosso querido país deve ser o mais transaparente que eu conheço, até porque sou um daqueles muitos portugueses que até nessa matéria não são ricos em conhecimentos. E neste campo a culpa não é minha porque, além de saber ler e escrever em portunhol, ainda arranho umas palavritas em mais umas línguas, ao contrário de muitos que nos visitam, que não arranham mesmo nada no português.   

 

Como facilmente se deduz, se a culpa não é minha, de alguém ela será. Não tenho dúvidas algumas de que os culpados da minha ignorância em roteiros turísticos, são os verdadeiros amigos da transaparência. Como o palavrão indica com clareza, são os amigos da transparência, mas apenas na aparência, porque a pura e cristalina transparência não é para gente que vive no mundo da aparência.

 

Quando muito é para gente que gosta de parecer que é, mas não consegue ser. Gente que se fica pelo meio-termo em tudo. Portanto, e em boa verdade, gente que apregoa muita transparência, sem conseguir separar dela a meia dose de aparência, que acaba por se tornar tão opaca como a má mentira. Daí que, na transaparência, eles se sintam como peixe em águas ludras.

 

Nem preciso de sair do bairro onde moro para encontrar vizinhos que ilustram perfeitamente a utilização deste termo inexistente, mas que merecia a denominação de termo ingramatical de utilidade pública. É o caso do meu vizinho Pedro que diz que pauta toda a sua vida por um critério de absoluta transparência. Segundo julgo saber ele pauta toda a sua vida agarrado ao meu vizinho Miguel.

 

Acontece que o Miguel nem sequer tem aparência de ser transparente. É evidente que o Pedro nunca pode ser absolutamente transparente, quando se cola ao Miguel em situações de total intransparência. No meu modesto entender e usando o vocabulário que me parece mais adequado a estes dois artistas e meus prezados vizinhos, eu diria que ambos são dois verdadeiros praticantes da transaparência.

 

Por uma questão de boa vizinhança resolvi fazer uma tentativa para ter uma conversa com eles, no sentido de colocar os pontos nos seus devidos lugares. Até porque corria entre os vizinhos, que era o Miguel que se esforçava por dar ao Pedro, toda aquela aparência (de transparência) que ambos repetidamente se atribuem um ao outro, quando deviam esquecer de uma vez, todas as aparências.

 

A minha tentativa de aproximação não foi bem-sucedida. Depreendi que, afinal, nenhum deles arrisca demonstrar que a sua transparência está à prova de qualquer aparência que coloque o Miguel no colo do Pedro ou, como já me constou com alguma insistência, que é o Pedro que anda ao colo do Miguel. Que eles se embalem um ao outro, é uma coisa. Que não queiram conversas sobre as aparências, é outra.

 

O meu bairro está cheio de conversas sobre o Pedro e o Miguel. Alguns dos meus vizinhos andam alvoroçados com tantas transaparências. Pelo meio, andam muitos receios no ar. Porque isto de parecer uma coisa e depois aparecerem outras coisas muito diferentes, leva a transparecer aos olhos da vizinhança que não podem estar muito sossegados com os dias felizes com que lhes vão acenando.

 

Até porque os vizinhos mais próximos do Pedro e do Miguel, aqueles que ainda veem neles os verdadeiros almeidas do bairro, estão a ficar mais assanhados à medida que o chão vai ficando cada vez menos limpo, atirando as culpas para os restantes vizinhos que acusam de, propositadamente, estarem a boicotar todos os esforços para manter o bairro limpo. Que o bairro está uma porcaria, toda a gente vê.    

 

Resta saber se a transparência está do lado dos corajosos almeidas que dizem que vão limpar o bairro de ponta a ponta, ou se as aparências de boicote de alguns dos meus vizinhos se podem considerar transparentes. Eu, que sou mesmo pela transparência de língua e de facto, vejo vizinhos que sujam o chão, mas também vejo que ninguém limpa nada. Tudo não passa de transaparências.

       

 

20 Mai, 2012

Polvo com laranja

 

Hoje deu-me para a culinária, a bela arte de comer bem ou a maneira de ser comido quando toca a pagar a conta, se nos aventuramos muito a sentar-nos a mesas que não conhecemos. Porque os bons chefes nem sempre são tão bons a mexer com os números como a meter as mãos nos tachos e nas panelas. Mas, hoje o chefe sou eu e, sem meter as mãos em números, talvez as meta em alguns tachos.

 

Nunca me lembrei de falar sobre essa especialidade que é o pato com laranja. Talvez porque muitas vezes me sinta pato no meio deste laranjal. Mais, não me custa nada dizer que até chego a sentir-me um grande pato bravo, quando toca a pagar as contas que os meus chefes me apresentam todos os dias, cujos números estão cada vez mais em desconformidade com os que constam da minha receita mensal.

 

Receita essa que não tem nada a ver com as receitas baratinhas que tiro da cabeça para confecionar os pratos que tenho a pretensão de inventar. E, logicamente, ninguém ficará surpreendido se eu for influenciado pelos cheiros que me excitam a pituitária quando percorro aquelas ruas mais ou menos estreitas onde outros chefes muito melhores que eu, praticam as suas aventuras.

 

Ontem cheirava-me a polvo por todo o lado. Depois, sem saber bem porquê, falava-se muito em laranjas. Ora a minha tendência não estava muito inclinada para patos como me sugeria a laranja. Foi então que, eureka!... Descobri que podia tentar uma novidade que, assim à primeira vista, tinha tudo para fazer um sucesso original na minha mesa. Isso mesmo: Polvo com laranja.

 

Aí estava uma maneira de aproveitar dois ingredientes da época, sempre muito mais em conta que aqueles produtos já muito onerados com longas viagens e refrigerações prolongadas, pior ainda se vierem dos campos mecanizados do estrangeiro, onde tudo cheira a diesel e todos são muito mais abusadores nos preços que aqui, no nosso bem tratado, bem regado e bem cheirado laranjal.

 

No dizer dos transeuntes o polvo era um colosso, com aqueles tentáculos enormes, facto que o tornava tão barato que era vendido pelo preço da uva mijona. Aproveitei esta oportunidade única e abasteci-me como deve ser, tendo em vista uma confeção abundante do meu, por enquanto, imaginário pitéu. Só me faltavam umas tantas laranjas sumarentas, que aviei de caminho.

 

Fiquei surpreendido com a rapidez com que toda a grande plebe reagiu, desatando a falar do polvo como se de repente destronasse os habituais pitéus nacionais. Mas é que nem de bacalhau com batatas e couves, nem de sardinhas com tomates, se diziam umas simples palavras de propaganda. Parece que a gula informativa só poderia ser acalmada, ou satisfeita, com o polvo gigante.

 

Coisa extraordinária, foi o facto de se associar muito a lima à laranja. Ora, polvo com laranja, não seria a mesma coisa que polvo com lima. Isto, para a confeção da minha receita, claro, mas para os apreciadores simples do cheiro dos citrinos, a coisa estava bem assim. Até porque também temos de admitir que o polvo, principalmente o gigante, provoca enjoo a muita gente que gostava mais da laranja sem polvo.

Talvez por isso, também as preferências informativas iam para o realce da lima sobre a laranja. Sempre com a dimensão do polvo em destaque, banindo mesmo outros cozinhados habituais de há largos anos, das suas longas tiradas dos últimos dias. Preferiram fazer acompanhar o polvo de uma abundante salada de relvas com pressão e uns aromas de coiso de pereira. Tudo ótimo para a saúde dos portugueses.

 

Não posso terminar sem deixar os resultados da minha experiência culinária: Polvo com laranja. Não vou divulgar os pormenores da execução da receita, pois é compreensível que os meus direitos de autor estejam preservados. Direi apenas que o polvo ficou muito tenrinho, mesmo macio, apesar de ser velho e gigante. Quanto ao sabor, laranja com muitas pitadas de lima, estava uma delícia. Façam. Provem.

  

19 Mai, 2012

Estranguladores

 

Obviamente que não vou pedir uma gravata de corda para ninguém, apesar de ser conhecida uma data de candidatos que reuniam todas as condições para se pendurarem nela. Porém, isto nem sequer é conversa que se tenha em qualquer sonho no isolamento do quarto, quanto mais neste local frequentado por gente que tem, e ainda bem, um profundo sentimento de repúdio por enfeites desse tipo.

 

Contudo, há cada vez mais descobertas de engravatados que têm passado a vida a estrangular o país, não colocando cordas em gargantas de pessoas, mas usando as mãos e os miolos para desviar dele, os meios que poderiam mantê-lo em condições de poder respirar normalmente, sem o sufoco que lhe é imposto. E, país que sufoca é país estrangulado, sempre por alguém que devia ser logo chamado a prestar contas.

 

Tal só é possível, porque temos um país que, em lugar de ter controladores atentos a todas as manobras e a todos os desvios, no ar, no mar e em terra, temos antes muitos descontrolados que tudo fazem para que os choques sejam permanentes, na certeza de que, na confusão que se lhes segue, será fácil encontrar e retirar algo que lhes interesse do meio dos cacos dos estragos das vítimas desses choques.

 

O estrangulamento do país tem alternado com períodos de reanimação mais ou menos difíceis. Já se tornou num ciclo vicioso, o facto de se dar completa carta-branca aos estranguladores para fazerem o seu trabalhinho com todo o à vontade para, logo a seguir, chamarem a emergência salvadora para o fornecimento do oxigénio regenerador.

 

Depois, questiona-se muito, qual a identidade dos estranguladores, havendo quem tenha sempre na ponta da língua uma certeza que não merece, nem tolera, contraditório. Normalmente, aponta-se como estrangulador, aquele que chamou a emergência, sem olhar a que o estrangulador fugiu a tempo de ninguém lhe poder deitar a mão, evitando o perigo de lhe apertarem os seus próprios gasganetes.

 

São muitos os estranguladores do país que têm andado encobertos pelos seus pares e pelos seus comparsas. Como em tudo na vida, não se consegue encobrir tudo durante muito tempo. De há uns tempos para cá, alguns aguardam calmamente que os seus crimes prescrevam, deixando as preocupações entregues aos seus bons e caros advogados pagos, quantas vezes, com o dinheiro que devia ter sido recuperado.

 

Outro grupo de estranguladores entendeu mudar de país, escolhendo um daqueles que não deixam que ninguém deite a mão aos seus protegidos, bem como aos seus haveres, que até dão muito jeito para disfarçar a pobreza que os rodeia. Porque há quem se sinta bem assim, rodeado de pobreza, porque não há nada mais confortante para os endinheirados, que um batalhão de pobres para os servir.

 

Depois temos aqueles estranguladores que já passaram pelas prisões dos ricos, onde experimentaram o conforto e o bem-estar dos seus aposentos, comparados com os das celas dos seus vizinhos do mesmo condomínio bem fechado. Nem mesmo assim por lá permanecem por muito tempo. O dinheiro, sempre o dinheiro e os bons advogados, lá conseguem regressos pomposos às pomposas casas.

 

E assim a comunicação social faz uma festa que dura muitos dias, dá ocupação a muitos meios materiais e humanos, gasta muito dinheiro e deixa de falar dos seus criminosos de conveniência e de estimação. Daqueles que, por mais que lhes façam julgamentos diários, não há meio de aparecerem nos espetáculos em direto. Por muito que falhem os desejos de quem julga ter todo o poder discricionário do mundo.

 

Entretanto, à falta de melhor, vão ter de se contentar com as novelas de lima-limão que tão caras ficaram já ao país. São um pouco mais amargas que laranjas pouco maduras, mas vão-se descobrindo muitos limoeiros no meio dos laranjais. Por onde circulam muitos dos grandes estranguladores do país, pelo menos em relação aos que já foram por ali identificados. E por lá continuam.

 

 

18 Mai, 2012

Mas que saudades

 

Ao saber que tinham partido, andei tempos infindos a olhar para o ar na esperança de ver a máquina voadora que eu sabia que os levava. Não com aquela ideia fixa de que merecia um simples adeus com o braço de fora, por muito pequenino que ele me pudesse parecer àquela distância, mas com a noção do reconhecimento que julgava merecer, na qualidade de um dos pagantes de tão grande e cara viagem.

 

Talvez por causa dessa desilusão de tanto ter olhado para o ar, sem qualquer resultado, as saudades que eu imaginava ir sentir com grande profundidade, foram-se esvaindo com a ideia de que, quem assim se afasta de mim, sem um sinal de despedida, no meu modesto entender, podia significar que eles, os que partiam, também não estariam muito afetados por algum resquício de saudades dos que ficaram.

 

Estranho muito que numa máquina voadora com tantos lugares não se arranjasse um cantinho para que eu fosse um dos felizes viajantes. Se coube a vez a tantos que já estão fartos de correr mundo, bem podiam lembrar-se de mim que ainda não corri nada. Até nem me importava de contribuir com uma importância simbólica para ajudar aos custos do combustível. Isto, para além do pesado contributo que me cabe como contribuinte normal.

 

Ainda me dói o pescoço de tanto olhar para o ar. Mas também me dói a alma de pagar tanto e ficar em terra. Se tivesse a felicidade de ter embarcado com eles, neste momento não me doía o pescoço, pois estaria a olhar cá para baixo e isso é muito semelhante à minha postura normal, que é andar sempre cabisbaixo. Agora, não tenho dúvidas, durante o tempo de duração da viagem, eu estaria cheio de saudades dos que ficaram.

 

Se eu estivesse com eles lá em cima, pediria mesmo uma oração para que o divino nos perdoasse a maldade de estarmos a viver muito acima das possibilidades dos que ficaram lá em baixo. É que a diferença que vai desde cá de baixo até lá acima é muito grande. Estou a pensar em muitos milhares de metros, que representam muitos milhares de euros, que tantos buracos tapavam cá em baixo.

 

De algum modo, estas reflexões atenuam as muitas saudades que não deixo de ter deles. Assim, não deixo que essas saudades me levem ao desespero de me lavar em lágrimas, só de pensar que vou estar uma data de dias sem os ver, nem sequer ouvir falar deles e das suas peripécias de viajantes que, longe do seu país, ninguém vai falar deles, evitando que chorem com saudades daqueles que não estão com eles.            

 

Nós, os portugueses, somos uns sentimentalões e fazemos questão de o demonstrar em todas as circunstâncias. Daí que esta coisa das saudades nos roam a alma sempre que haja uma separação. Ainda que seja apenas uma volta por Madrid com ida no TGV e volta no tal de bitola estreita. Quanto mais no exagero de pôr uma máquina voadora a dar quase uma volta ao mundo, só para se dizer que se bate o record de permanência acima de nós.

 

Mas também somos sentimentalões quando vemos que, por exemplo, o estádio nacional, um palco de tão nobres e relevantes acontecimentos vai receber, neste fim-de-semana de tão má memória, a final da taça de Portugal de 2012, sem a presença de tantos viajantes, retirando-lhe uma parte do colorido habitual, sobretudo pelos lugares vazios que mostrarão o cinzento do betão, a fazer lembrar o cinzento da ausência desses viajantes.

 

O Estádio Nacional e todo o Jamor vão ressentir-se daquela alegria dos piqueniques. Mas quem é que vai ter vontade de rir e, sobretudo, vontade de comer e de beber, quando as saudades vão apertar aqueles corações, vão esquecer que vai haver um jogo de futebol, onde os gritos de guerra dos adeptos dos clubes, vão esquecer completamente que haverá uma bola a rolar no relvado encharcado de lágrimas.

 

E no fim do espetáculo, se é que vai haver espetáculo, eu nem quero pensar na tristeza que vai ser a entrega daquela taça. Estou mesmo convencido que vamos assistir a largos minutos de silêncio, antes e depois dessa entrega. A própria taça estará a transbordar de lágrimas. Quem a entregar chorará convulsivamente. Quem a receber, jurará que haverá uma cerimónia posterior para uma entrega simbólica. Saudades. Tantas saudades.

         

 

16 Mai, 2012

No bem bom

 

Qualquer criminoso com categoria gostaria de terminar a sua carreira no bem bom da sua casa luxuosa, onde o crime até deu para isso mesmo: tornar a sua moradia num lugar agradável onde possa passar dias felizes, em alternativa àquela cela tipo estúdio, onde não falta nada, mas o espaço exíguo não tem nada a ver com o salão do piano, ou o jardim com árvores tropicais e relvados que apetece pisar.

 

Porque qualquer criminoso de categoria sempre esteve habituado a pisar. E na cela dourada até pisava a carpete ou o tapete que lhe fazia cócegas nos pés quando se descalçava e onde ensaiava um ou outro exercício físico para desentorpecer as pernas. Mas esse pisar não dá o gozo que se sente quando se pisam pessoas sobre quem se cometem os crimes que ali os levaram. Quando se pisa a quem até se tirou a vida.

 

Mas, quando este está no final de carreira, apetece ir pisar o chão de casa, para esquecer aquele ruído incómodo dos marginais sem categoria que passam o tempo a brigar uns com os outros quando fora das celas, ou a declamar poemas em louvor do privilégio de terem um lugar seguro para estar. Para muitos destes, ir para casa, é um castigo só compensado com o pensamento no regresso.

 

Cada um com o bem bom que merece. E os merecimentos de cada um são avaliados pelos meritíssimos depois de saberem os pormenores das vidas bem más que todos levaram fora de casa. Agora o que nem todos merecem é uma pulseira que dizem ser eletrónica. Também não sei para quê. Normalmente, estes portadores de pulseiras, já têm nos seus bem bons tudo o que a eletrónica tem de melhor.

 

Qualquer criminoso com categoria social acima da especial, permite ao estado poupar muito dinheiro com a atribuição do estatuto de preso no domicílio com pulseira eletrónica. Apesar de ser o estado a suportar o custo da aquisição dessa pulseira, dado que seria injusto ser o seu usufrutuário a ter de arcar com essa despesa. Pela simples razão de que já lhe retiraram todo o pecúlio que arranjou na má vida. 

 

Como disse, o estado poupa muito dinheiro. Compra a pulseira mas não lhes dá de comer. E há quem diga que eles comem bem. Muito e do bom. Também não lhes fornece aqueles fardamentos com calça, casaco, boné e um ou outro agasalho. Porque são muito friorentos. Não gasta eletricidade com aquecimentos, luzes, bem como despesas com lavagem de roupas de corpo e da cama. E limpeza diária da cela.

 

Resta-me saber se, como os soldados na tropa, os presos também recebem o seu pré. E se recebem, também não sei, mas faço ideia, que o pré dos criminosos de categoria social acima de especial, deve ser a condizer com esse estatuto. O que deve dar para lá de uns dinheirões, pois estou mesmo a ver a reivindicação deles de que, se não lhes pagam coisa de jeito, querem imediatamente ser postos em liberdade.

 

Continuo a dizer que não sei, mas se o criminoso de categoria especial não tiver direito a pré quando usa a pulseira em casa, isso representa uma poupança considerável, no caso de receber esse pré, enquanto preso na cela. Agora imagine-se que todos aqueles criminosos de categoria especial que andam ou andaram no gamanço, estavam em casa com pulseira eletrónica.

 

Neste caso gastava-se muito nos milhares de pulseiras eletrónicas, mas poupavam-se os muitos milhões que eles custam ao estado, nas mil e uma maneiras que eles têm de nos tirar tudo do nosso bolso e passá-lo para o deles. Depois, vêm com o argumento de que temos de empobrecer por necessidade. Até podiam ter alguma razão, se nos mostrassem que eles prescindiam de enriquecer cada vez mais.

 

Como se não bastasse o bem mau que deixam para os outros, ainda se arvoram em guardiões de todos os direitos daqueles a quem, paulatinamente, lhes vão retirando o pouco que ainda têm, não para que o país se restabeleça, mas para que haja criminosos sem deveres, autênticos nababos refastelados em poltronas onde não fazem nenhum, para além de bocejar e dormir durante todo o dia. Esses, sim, vivem mesmo no bem bom.

 

 

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