O orgulho e o asco
O meu orgulho não saltita como se fosse uma bola de futebol, num doentio encontro entre os heróis de uma vitória, ou o seu brio e profissionalismo numa derrota, tal como o asco não me assalta furiosamente quando me enojo com o que os meus olhos veem e com o que os meus ouvidos ouvem, no fim de um jogo ganho, ou depois de um jogo bem ou mal perdido.
Também não sinto nada que se pareça com orgulho, por ver tanto aproveitamento oportunista, de um fenómeno com alguma importância para o país, mas que não resolve os problemas de fundo de que o mesmo padece, contrariamente ao que dizem os que veem nisso, um sintoma ou uma consequência do seu contributo para os êxitos tão orgulhosamente enaltecidos.
Muito menos querer envolver no seu orgulho interesseiro, todos os portugueses, como que querendo envolvê-los no seu imaginado prestígio. O orgulho e o asco são sentimentos que não se medem assim, do pé para a mão, atribuindo-os a todos ou a ninguém. Até porque sabemos por experiência largamente comprovada que, seja lá no que for, a unanimidade é um orgulho muito difícil de alcançar.
Muito mais ainda, quando quem tenta arregimentar-nos para as suas teorias, não tem nada de recomendável que leve a deixar-nos embalar nos seus arremedos de líderes de opiniões alheias. Daí que o meu orgulho fique reservado para aqueles ou aquilo que mo merecem e o meu asco para aqueles ou aquilo que eu entendo que não prestam. E o que me comanda é o meu simples critério de merecimento.
Aproveitando a maré em que muita gente está com o orgulho em alta por causa da derrota honrosa frente a uma equipa que está dececionada porque não esperava ter de correr tanto para ganhar, sugiro que é a altura ideal para dar mais um pontapé na crise e uma cabeçada na testa dos recalcitrantes, lembrando-lhes que está escrito no seu memorando que quem não pode pagar é caloteiro.
Neste desafio entre o governo e o povo todos estamos de acordo em que o povo é que tem de pagar. Porque o governo está a dar tudo por tudo para que o povo pague depressa, mesmo que não tenha por onde. Mas, assim é que tem de ser. O povo, por seu lado, diz que lhe está a ser tirado tudo para nada. No fim, seja qual for o resultado deste desafio, o governo vai ficar orgulhoso do povo que tem.
Porque, fazer sacrifícios é um dom do povo, tanto mais enaltecedor, quanto maiores forem os sacrifícios. Agradecer penhoradamente e elogiar o comportamento do povo, é um privilégio do governo. O povo está habituado a perder, sempre a perder, mas a fornecer o orgulho mais que suficiente para que o governo possa fazer as festas que julgue necessárias à manutenção da sua elevada auto estima.
Neste desafio cruel entre o governo e o povo, nunca é o povo que beneficia da sorte do jogo, porque os seus remates esbarram sempre nas traves dos ministros ou na pérfida lei do fora de jogo, que os árbitros inteligentemente interpretam, seguindo o lema de que lá fora são todos bons, mas cá dentro, também eles ficam fora de jogo, se não aplicarem a lei vigente, especial e interna.
Reconhecidamente, especial, é o comportamento de Portugal no euro. Estamos a toda a hora a dar lições aos maiorais lá do sítio. Mas perdemos sempre. Somos bons, somos um exemplo, mas temos sempre azar. É uma triste sina que, valha-nos ao menos isso, os ferros das balizas dos nossos adversários ficam marcados como responsáveis pelo nosso consolo, pelos nossos festejos e pelo nosso orgulho.
No outro euro, o comportamento de Portugal é muito mais simpático. Não fazemos festas, mas ajudamos às festas dos comparsas mais abastados. Resta-nos a consolação de que somos os que mais desportivamente aceitam os resultados negativos. Pobretes mas alegretes. Perder e ganhar tudo é desporto. Estamos felizes porque competimos, embora estejamos sempre fora de jogo.