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afonsonunes

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Diz a cantiga que o laço bem apertado fica bem ao José. No entanto, a minha análise persistente e com os pés bem assentes na terra, leva-me a concluir que essa história do laço é muito mais complicada do que se pensa. Complicada para quem não pode pensar em laços sem os imaginar no pescoço de alguém. E se for um laço de corda bem grossa a coisa fica muito mais excitante.

 

Porém, quando o alçapão que se situa abaixo dos pés do enlaçado, não tem pressa em se abrir, começa um compasso de espera que dá tempo mais que suficiente para que o laço mude de pescoço. E então já não faz qualquer sentido que se meta o Zé nestas andanças. Porque, se o alçapão fez birra e não abriu, o laço mudou imediatamente para o pescoço do senhor que se segue.

 

E o senhor que segue só pode ser o Pedro. Foi ele que alargou o laço e o colocou no pescoço do Zé. Foi ele que apertou o laço, muito bem apertado, e disse ironicamente: ai ó José fica-te bem. Mas, nestas coisas, como em muitas outras, é preciso ser prudente e não cometer aqueles erros a que vulgarmente chamam de grosseiros. E grosseiro ou grosso, é aquele que não é fino.

 

Se há coisa em os portugueses são unânimes, é em considerar que o Zé sempre foi um tipo fino. Daí que, apertar-lhe o laço ao pescoço, não significa o mesmo que dizer que já estava a descer o alçapão que tinha debaixo dos pés. Porque, se o Zé não pode controlar o laço que lhe puseram ao pescoço, teve o cuidado de controlar o alçapão e fazer com que o Pedro ficasse à sua frente. Foi assim que o Pedro caiu no laço.

 

A partir daqui, apenas se sabe que o Zé não caiu no alçapão e que o Pedro lá continua em cima dele, clamando para que o Zé mantenha o laço bem apertado, apesar de ter saído dali com um sorriso de orelha a orelha. Há muito quem se interrogue sobre qual deles devia cair primeiro no buraco. Mas também há quem advogue que, se houvesse justiça, deviam cair ambos ao mesmo tempo.

 

Até porque, bem vistas as coisas, o alçapão é suficientemente largo para que ambos desçam em simultâneo. O problema é que o Zé já se libertou do laço e, agora, já nem gravata usa. Quanto ao Pedro, ainda ninguém lhe apertou o laço ao pescoço, porque dizem que a gravata lhe fica muito bem. E, claro está, laço com gravata é coisa que não combina mesmo nada.

 

Agora, também somos obrigados a ter em consideração que quase toda a vestimenta muda depressa de moda, e a cor da gravata está a ficar um pouco incomodativa para quem gosta de ver a toilete mudada diariamente. Bem sei que era um exagero mudar de gravata todos os dias, mas isso não quer dizer que tenha de se repetir diariamente a mesma ladainha por causa da gravata.

 

A solução mais plausível seria tirar a gravata, por exemplo, aos fins-de-semana, pois isso seria muito mais fácil que ter de mudar de conversa, numa altura em que volta a falar-se muito na possibilidade de o Zé apertar o laço, mas bem apertado, só porque lhe ficaria muito bem. Mas, se a gravata passar de moda, como parece, os laços serão os substitutos naturais para os pescoços mais badalados.

 

Ainda estamos na fase de dizer, ai ó Pedro, a gravata fica-te bem. O problema é que o povinho começa a desconfiar das muitas referências elogiosas à gravata, vindas sempre dos mesmos. E os mesmos usam todos a mesma cor de gravata, sendo evidente que nem podem ouvir falar em discutir a possibilidade de, em determinadas cerimónias mais sensíveis, se usar gravatas de cores mais básicas.

 

É por essas e por outras que, sem me passar pela cabeça que todos os laços são discutíveis, e que todos os pescoços estão em condições de receber um laço qualquer, não me surpreenderia muito que, qualquer adorno para o pescoço fosse substituído por duas mãos estranhas, apertando com muito mais força que qualquer lacinho, ou qualquer gravatinha, no pescoço de certa gente.