A geringonça e o gado
Augusto Santos Silva comparou as discussões na Concertação Social a um mercado de gado. Obviamente que não é uma comparação feliz. Mas, o país está tão habituado a toda a espécie de desmandos verbais que nada já surpreende ninguém.
Num mercado de gado há compradores e vendedores. Há quem peça demais e quem ofereça de menos pelo gado exposto. Parece que os compradores se sentiram muito ofendidos, como se só eles estivessem nesse mercado.
Na verdade, também lá estão os vendedores e, claro, o respetivo gado. Se o gado não tem capacidade para se pronunciar, também não se sente ofendido com o que dizem dele. Já os vendedores são gente como os compradores e nem repararam na comparação.
Afinal, no mercado de gado, como na Concertação Social, há gente com maneiras e educação, e há gente que não tem uma coisa nem outra. Os pedidos e as ofertas são, tantas vezes, tão estupidamente irrealistas que até o gado se arrepia todo, de pelo em riste, com tanta falta de decoro.
A propósito disso, quem passa a vida a chamar geringonça ao governo legítimo do país, também devia ser, no mínimo, censurado por falta de respeito a pessoas que, pelos cargos que exercem, a ele têm direito. E se esse direito não lhe é reconhecido, ao menos, por uma questão de educação.
Vamos supor que o governo, ou a geringonça, usando do direito de resposta, resolvia apelidar de bestas aqueles que andam atrelados à traseira dessa geringonça (que até anda e funciona bem) enquanto vão gritando entusiasticamente, o seu gozo por ter deixado a sua empenada carroça, para estar ali a tentar puxar para trás.
Os homens da geringonça, pelo contrário, até se sentem muito felizes por ter conseguido prescindir dos carroceiros e até deixar que eles tentem servir de travão a um veículo que eles julgavam muito pior que a carroça que eles arrastavam a muito custo. Coisas...
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