Cravos e loisas
Começo por referir a minha estranheza pelo facto de Marcelo nunca se ter lembrado no seu discurso de hoje, de pronunciar umas palavrinhas sobre a situação da justiça, tal como o não fez na entrevista que deu à RTP1, no programa ‘O outro lado’. Que me lembre, tem sido assunto oculto nas suas intervenções públicas. Ora, há quem diga que a justiça é o maior problema de que enferma o país.
O único dirigente partidário que me tem surpreendido sobre a abordagem do tema justiça, é o presidente do PSD, Rui Rio. Penso mesmo que tem sido o único tema em que tem mostrado coerência, coragem e insistência em lembrar que o problema existe mesmo. Quanto a outros assuntos, tem-se mostrado completamente condicionado pelos desvarios dos seus deputados na AR.
Voltando ao programa ‘O outro lado’, foi surpreendente a atuação do azulado entrevistador. Azulado, pelo simples facto de tudo nele ser azul. Desde logo as gravatinhas e os fatinhos de todos os momentos e de todos os dias, a condizer exemplarmente com a cor predominante de tudo o que é a televisão pública. Aliás, há outros protagonistas que manifestam gostos iguais e tendências facilmente identificáveis, como se tivessem a obrigação de andarem sempre com a mesma ‘farda’.
Por outro lado, é surpreendente que as mulheres da RTP não sigam essa moda. Mas havia de ser interessante que a Sónia Araújo e o Jorge Gabriel se cobrissem diariamente com o azul da praxe. Mas esses, vá lá, ainda se compreendia. Mais ainda os governantes nortenhos, os deputados do norte e todos os pintainhos, dragonetes e macacos. Lá virá o tempo em que as relações familiares serão institucionalizadas e legalizadas se originadas e relacionadas com partidos, clubes ou corporações. Mesmo que sejam simples compadres uns dos outros.
Voltemos ao programa ‘O outro lado’. O azulado e altivo apresentador mostrou um desprezo absoluto pelas regras de cortesia a que o PR tem direito. Tratá-lo apenas por presidente, interrompê-lo frequentemente, ou insistir em atirar-lhe perguntas provocatórias, revelam uma notória impreparação para missões que requerem gente com formação para algo mais exigente que esboços de adepto de bancada que sabe mais que os técnicos da matéria.
Por outro lado, noutro canal, Ana Lourenço, Mário Centeno, Eduardo Marçal Grilo e Luís Nobre Guedes protagonizaram um debate onde tudo decorreu ao contrário da estupidez azulada. Gente com outros modos, gente que se respeita mesmo quando discordam, gente que fala e deixa falar, enfim, gente que sabe do que fala e, sobretudo, sabe como falar. Nem uma única provocação ao ministro, nem uma única interrupção nas suas intervenções. Que pena que a televisão pública tenha por lá tanto arruaceiro, certamente pagos a peso de ouro, quando há tanta gente com talento que não tem lá entrada.
A televisão pública prima por arranjar sempre desequilíbrios na discussão de temas que deviam ter representantes de todas as partes, privilegiando a controvérsia, os ataques a quem não foi convidado, permitindo a mentira, a chicana, as falsidades, sem qualquer tentativa de evitar tudo isso, no mínimo, chamando a atenção para comportamentos que afrontam o decoro e a seriedade.
E volto ao Presidente Marcelo para declarar que admiro a maneira como ele consegue estar em todo o lado, parecendo que os seus dias de atividade duram mesmo vinte e quatro horas todos os dias. Porém, penso que o cargo não devia dar lugar a que se criem dúvidas sobre determinadas abordagens dos poderes presidenciais, que não são ilimitados, obviamente, principalmente, no que respeita a considerações sobre assuntos da responsabilidade exclusiva do governo. Popular, o presidente é com certeza. Mas já há quem diga que é populista.
Mas também há quem diga que não e que, isso sim, é ser igual a si próprio. Se fosse populista, não deixaria de ser igual si próprio. Julgo que Marcelo tem necessidade de se mover, de falar, de mostrar a sua atividade, de aconselhar tudo e todos e, claro, dar muitos beijos e abraços. Mas, no fundo, não é dele que vem mal ao mundo, nem ao país. Podia, sim, no meu entender, entrar mais diretamente, mais concretamente, nos atropelos visíveis em certas instituições e corporações que, perniciosamente, estão a entravar um desenvolvimento mais rápido do país.