Sim ou sopas
Sim, esta pergunta é frequente quando alguém quer uma resposta sem ambiguidades. Uma resposta de sim ou não. Sem quaisquer malabarismos dialéticos que tentem confundir quem pede clareza e sinceridade sobre assuntos que não devem comportar hipocrisias.
Porém, também há muita falta de rigor quando alguém pede o sim ou sopas, sem se certificar de que afinal também há respostas que comportam perfeitamente o sim e as sopas. É tudo uma questão de cuidado e de precaução no uso da linguagem apropriada ao momento.
Vem isto a propósito da situação criada pelo novo herói da imprensa portuguesa que, sendo um criminoso retinto é, ao mesmo tempo, um denunciante muito útil à sociedade, visto que traz à luz do dia as grandes falcatruas de alta criminalidade praticada por gente poderosa.
O grande problema surge quando o denunciante aparece em cena, não com o intuito de proteger países ou instituições, mas precisamente para favorecer interesses escuros de que acaba sempre por ser comprado por quem o contratou para determinadas missões mais ou menos sujas.
Até parece que os órgãos de justiça a quem compete administrá-la, deixaram de ser necessários, ou passaram a ter um papel de meros recolhedores de elementos justificativos de condenações ou absolvições. Elementos retirados de notícias, comentários, invenções e propagandas.
Entre nós são bem conhecidas as relações altamente contrárias aos interesses de uma justiça digna e competente, que se deixou cativar por outra justiça de tabloides, pasquins e televisões que se desunham por aumentar audiências e que não raras vezes fornecem puras invenções.
Admitamos que tudo o que é denunciado é verdadeiro. Se há quem considere que muitos dos documentos pirateados são falsos, há que aguardar por investigações oficiais, pois ninguém pode ser condenado sem provas irrefutáveis de que efetivamente se condena o crime.
Ora o pirata em causa não pode simplesmente ser considerado um denunciante, quando já estão apurados atos de extorsão e acesso a órgãos sensíveis do Estado, com consequências muito graves para o funcionamento normal da justiça. Entre outros casos.
Hoje o título da primeira página de um jornal diário nacional era ‘Denunciante ou criminoso?’ Parece-me uma aberração colocar a questão assim, tão ingenuamente, admitindo que não há outra intenção dissimulada. Assim, o título acima devia ser ‘Denunciante e criminoso’.
Sim, o tal herói de muita gente é um criminoso porque cometeu crimes. É, ao mesmo tempo, isto é, simultaneamente, um denunciante. Logo, mesmo que se reconheça a utilidade das denúncias, não se pode trocar crimes por denúncias boas. Porque não há crimes bons.
Mas, mais repugnante se torna tal atitude, quando fundamentada, explícita ou interiorizada, se motivada por qualquer preconceito do foro étnico, religioso ou clubístico, contra quem mata, esfola, rouba ou fere e fica desde logo de consciência tranquila porque se vingou de um inimigo.
‘Pão, pão, queijo, queijo’ Tal e qual. Não se pode ser bom e mau ao mesmo tempo. Mas podem, sem qualquer espécie de dúvida, praticar-se ações louváveis e prestimosas, enquanto se praticam crimes que não podem passar sem castigo. É o mesmo que dizer: Sim e sopas à lei.