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afonsonunes

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28 Jan, 2020

Sim ou sopas

Sim, esta pergunta é frequente quando alguém quer uma resposta sem ambiguidades. Uma resposta de sim ou não. Sem quaisquer malabarismos dialéticos que tentem confundir quem pede clareza e sinceridade sobre assuntos que não devem comportar hipocrisias.

Porém, também há muita falta de rigor quando alguém pede o sim ou sopas, sem se certificar de que afinal também há respostas que comportam perfeitamente o sim e as sopas. É tudo uma questão de cuidado e de precaução no uso da linguagem apropriada ao momento.

Vem isto a propósito da situação criada pelo novo herói da imprensa portuguesa que, sendo um criminoso retinto é, ao mesmo tempo, um denunciante muito útil à sociedade, visto que traz à luz do dia as grandes falcatruas de alta criminalidade praticada por gente poderosa.

O grande problema surge quando o denunciante aparece em cena, não com o intuito de proteger países ou instituições, mas precisamente para favorecer interesses escuros de que acaba sempre por ser comprado por quem o contratou para determinadas missões mais ou menos sujas.

Até parece que os órgãos de justiça a quem compete administrá-la, deixaram de ser necessários, ou passaram a ter um papel de meros recolhedores de elementos justificativos de condenações ou absolvições. Elementos retirados de notícias, comentários, invenções e propagandas.

Entre nós são bem conhecidas as relações altamente contrárias aos interesses de uma justiça digna e competente, que se deixou cativar por outra justiça de tabloides, pasquins e televisões que se desunham por aumentar audiências e que não raras vezes fornecem puras invenções.

Admitamos que tudo o que é denunciado é verdadeiro. Se há quem considere que muitos dos documentos pirateados são falsos, há que aguardar por investigações oficiais, pois ninguém pode ser condenado sem provas irrefutáveis de que efetivamente se condena o crime.

Ora o pirata em causa não pode simplesmente ser considerado um denunciante, quando já estão apurados atos de extorsão e acesso a órgãos sensíveis do Estado, com consequências muito graves para o funcionamento normal da justiça. Entre outros casos.

Hoje o título da primeira página de um jornal diário nacional era ‘Denunciante ou criminoso?’ Parece-me uma aberração colocar a questão assim, tão ingenuamente, admitindo que não há outra intenção dissimulada. Assim, o título acima devia ser ‘Denunciante e criminoso’.

Sim, o tal herói de muita gente é um criminoso porque cometeu crimes. É, ao mesmo tempo, isto é, simultaneamente, um denunciante. Logo, mesmo que se reconheça a utilidade das denúncias, não se pode trocar crimes por denúncias boas. Porque não há crimes bons.

Mas, mais repugnante se torna tal atitude, quando fundamentada, explícita ou interiorizada, se motivada por qualquer preconceito do foro étnico, religioso ou clubístico, contra quem mata, esfola, rouba ou fere e fica desde logo de consciência tranquila porque se vingou de um inimigo.

‘Pão, pão, queijo, queijo’ Tal e qual. Não se pode ser bom e mau ao mesmo tempo. Mas podem, sem qualquer espécie de dúvida, praticar-se ações louváveis e prestimosas, enquanto se praticam crimes que não podem passar sem castigo. É o mesmo que dizer: Sim e sopas à lei.  

O jornal O Jogo, conotado com o FCP, publicou ontem uma capa em que se lia em grandes parangonas, Sexta-feira gorda, a propósito do Sporting/Benfica em Alvalade e do Porto/Braga, no Dragão.

Para o jornal, este título não era ingénuo. As possibilidades de uma derrota do Benfica e a quase certeza de uma vitória sobre o Braga, deixaria o Benfica na liderança, mas apenas com a magra vantagem de um ponto. Os antecedentes ajudavam a estas previsões

Sexta-feira gorda e sexta feira-magra. E foi isso que aconteceu, mas completamente ao contrário: da vantagem de um ponto desejada e dada como quase certa a norte, apareceu uma vantagem de sete pontos.

Mas sexta-feira gorda também por aquele espetáculo escaldante de um estádio a assistir a um festival indecoroso de tochas e outros objetos incandescentes a arder sobre o relvado, onde apenas se devia jogar à bola.

Obviamente que isso obrigou a interrupções do jogo, com aquelas consequências nefastas para jogadores, árbitros, adeptos dignos desse nome e amantes do futebol, desses que ainda o levam a sério.

Não é espetáculo inédito porque já foi visto em vários estádios e cada vez com mais frequência, sem que isso motivasse medidas sérias, para além das mornas palavras de condenação verbal de ocasião.

Parece que, finalmente, o governo se mostrou disponível para receber a Liga de Clubes na próxima semana. Já é muito tarde. Mas ao menos que ambos se foquem no problema sem interferências absurdas que têm impedido a limpeza geral que se impõe a todos os níveis do futebol.

Tradicionalmente, para quase todos os meios de comunicação e seus comentadores, dos mais conceituados aos menos considerados e menos conhecidos, o Benfica, mesmo ganhando, deixa sempre neles aquele amargo de boca, para não lhe chamar frustração verde e azul.

Pelo contrário, esses mesmos comentadores salientam sempre as virtudes do Porto e do seu treinador, mesmo exibindo fracas prestações e frequentes dificuldades em conseguir a vitória pela margem mínima.

O futebol português está inquinado e, sobretudo nas televisões, com os seus programas desportivos irracionais, onde impera o ódio, a arrogância, a violência verbal, o insulto e as ofensas pessoais gratuitas.

Perante tudo isto, a justiça desportiva e a justiça judiciária dão cobertura à mais incompreensível impunidade que, tal como no governo, as pessoas que nelas e nele se integram, são adeptos e ou suportes dos abusadores dos clubes que lhes dão votos e popularidade.

As coisas estão neste pé de anormalidade tal, que já não são as entidades referidas por si só, que vão solucionar nada. A gravidade é tal que se me afigura que só integrando o problema no mau funcionamento das instituições, daria motivo a que o Presidente da República tomasse a iniciativa de determinar medidas concretas para lhe colocar o devido fim.