Voz e poder
Diz-se que hoje, dia 25 de abril, é o dia da liberdade. Sim, é o dia da liberdade para se dizer o que apetece a cada um, tal como acontece nos restantes dias do ano. Embora se diga que vozes de burro não chegam ao céu, a verdade é que essas vozes tanto lá chegam hoje como em qualquer outra ocasião.
E não importa que essas vozes sejam de gente ou de animais de qualquer outra espécie. Nomeadamente a dos humanos que, com as suas vozes sensatas ou completamente destituídas de senso, à custa das liberdades incontroladas por quem as emite, a custo toleradas por quem as ouve, ou abusivamente ofensivas para quem se quer atingir, de todas essas vozes houve muito ou pouco nos discursos que abundaram na Assembleia da República, com a participação do Chefe do Estado.
Houve de tudo na variedade e na qualidade dessas intervenções. Repetições verificadas em discursos que nunca mudaram nos quarenta e sete anos que leva de existência a nossa democracia para uns, consolidada, para outros, inexistente. Discursos chatos como a potassa. Discursos feitos para embalar meninos. Discursos envenenados, para hipnotizar velhinhos. Discursos de oradores excitados, para ouvintes adormecidos. Discursos violentos, para gente que aceita tudo. Discursos ‘calminhos’, para quem está bem recostado. E mais o que nos deu o quarenta e sete.
Até houve ofertas de colaboração para mudar o que está mal, sabendo-se que essas colaborações têm o preço de compra de interesses individuais ou de grupo. Até houve vozes que se consideram com legitimidade para mudar o poder, quando o poder não se muda com discursos isolados. Até houve um cravo branco, cravos vermelhos na mão, na lapela e no bolsinho do casaco. Até houve muitos participantes que desdenharam ou detestaram cravos. Há quarenta e sete anos que é assim. Neste dia todos querem mudanças. Mas cada um quer as suas. As mudanças alheias, ficam no ar para daqui a um ano. Para o 48, se um deus maior quiser.