Os imprescindíveis
Com muita frequência surgem notícias dando conta de como uma atividade ou corporação é imprescindível para o bom funcionamento do país. Depois, lá vem a costumeira lamentação ou reivindicação da falta de reconhecimento moral e material dessa condição de imprescindibilidade.
Começo pela ciência e pelos cientistas, recentemente versado na comunicação social. Sim, é verdade que sem a ciência estaríamos ainda na pré-história. E sem ciência não haveria cientistas obviamente.
Mas a ciência nasceu com o homem, que assim se considerou o primeiro cientista, ou não tivesse ele que ir inventando e criando tudo o que precisava para a sua sobrevivência. Partindo do princípio que a ciência e os cientistas, como desejariam, deviam beneficiar de condições privilegiadas de desenvolvimento em relação a outras atividades ou profissões, iriamos criar um precedente que colocaria em causa o justo equilíbrio entre todas essas atividades e corporações.
Daí que não tenha visto ninguém referir que a ciência e os cientistas não conseguiriam sobreviver sem o trabalho constante de pessoas simples, algumas trabalhando muito, por vezes em condições desumanas, com a agravante de mal remuneradas.
Porém, é no corporativismo que vamos encontrar maior contestação ao valor relativo de cada profissão. Um cientista deve ganhar mais que um médico? Um médico deve ganhar mais que um enfermeiro? Um enfermeiro deve ganhar mais que um professor? Um professor deve ganhar mais que um polícia?
Obviamente que cada um deve ganhar conforme a sua formação e o seu esforço para o bom desempenho do seu trabalho, entre outros fatores de ordem técnica.
Porque todas as profissões estão intrinsecamente ligadas de modo a retirar-se de cada uma delas o melhor resultado para cumprir o desígnio de servir e cumprir os deveres do Estado para com os seus cidadãos.
Todas são tão importantes entre si, como o são os trabalhadores rurais, os trabalhadores das obras, os trabalhadores da recolha do lixo e todos os outros, melhor ou pior remunerados. Porque todos são imprescindíveis para que a sociedade funcione com normalidade e eficiência.
Em tempo de pandemia a saúde ganha relevância muito justamente. Em tempo de incêndios são os bombeiros que nos merecem os maiores elogios. Porque as vidas, em ambos os casos, são muitas vezes sacrificadas inesperadamente.
Mas, não podemos esquecer aqueles que ao longo de todos os dias e de todas as noites, no anonimato, como se só eles tivessem obrigações de servir bem e em silêncio, sem exigências, sem queixas, sem pretenderem notoriedade só porque são heróis de todas as horas, de todos os dias e noites, de todos os anos.
Daí que, em boa verdade, não há imprescindíveis, tal como não há descartáveis. Há, sim, profissões de maior risco, de maior incomodidade, de maior sacrifício. Mas, cada uma delas servida por gente que está lá para cumprir obrigações e não para fazer favores ou fretes a ninguém.
Haja pois respeito de todas para com todas, não esquecendo que também há que recordar a solidariedade que deve estar sempre acima de quaisquer egoísmos e corporativismos desregrados.